vinícius torres freire
Vinicius Torres Freire: Dia de paz dos cemitérios na política
Bolsonaro, parlamentares e governadores fazem acordinho, mas país segue sem planos
Foi um dia de “paz na política”, a paz dos tempos dos cemitérios cada vez mais lotados. Ainda que o acordo durasse, não há perspectiva de que se trate do essencial, a epidemia, e de novidade na política econômica, planos especiais de reconstrução, se e quando tal coisa for possível.
Nesta quinta-feira, os presidentes da Câmara, do Senado e Jair Bolsonaro combinaram de evitar escândalo na reunião em que conversaram com governadores sobre o auxílio federal a estados e municípios. Alguns senadores e governadores também combinaram de baixar o tom, inclusive governantes de esquerda do Nordeste e João Doria, de São Paulo.
No Brasil dos tempos que correm, tais arranjos podem durar horas, até o próximo comício bolsonarista ou até que vaze algum progresso dos inquéritos sobre a família presidencial, por exemplo. Além do mais, não foi possível ainda descobrir o alcance do acordozinho, se foi algo mais do que a tentativa de manter as aparências.
Há alguns motivos de ligeiro esvaziamento de tensões ao menos entre dois prédios da praça dos Três Poderes.
Faz pouco mais de um mês, o governo contra-atacou Rodrigo Maia, presidente da Câmara, com a aquisição de apoios do centrão. Há cargos sendo entregues a gente do bloco, que deve ficar com a liderança do governo na Câmara, provavelmente com o PP. Maia recuou. Davi Alcolumbre, presidente do Senado, procurou ocupar espaço, como apaziguador.
Bolsonaro foi outra vez aconselhado pelos ministros-generais da casa, do Planalto, a baixar a bola, até porque seu prestígio em pesquisas de opinião e nas redes sociais está em baixa contínua, embora não em descalabro rápido. Como se sabe desde o início do governo, tais conselhos podem ser seguidos apenas por horas.
Algumas lideranças empresariais e banqueiros dizem em público e privado que é preciso controlar o caos, mandando mensagens mais diretas ao governo, agora, depois de quase três meses da baderna que Jair Bolsonaro provocou na contenção da epidemia. Por conversas aqui e ali, nota-se que o dinheiro grosso não quer ouvir falar de impeachment.
Um transbordamento depende por ora de investigações da polícia e de um ou outro procurador, sob controle de ministros de tribunais superiores, as mais perigosas sob controle do Supremo.
Supondo que não tenha sido mera manutenção das aparências por um dia, a mera conversa de paz vai ser atropelada pelo pavoroso cortejo funerário da epidemia. No presente ritmo, em 15 dias o Brasil teria mais de 40 mil mortos. O pico fúnebre que jamais chega, mesmo em São Paulo, prorroga a destruição econômica.
Os auxílios emergenciais e o seguro-desemprego expandido atenuam a desgraça material das famílias, mas não a bola de neve de destruição de empresas e empregos. O dinheiro desses auxílios equivale a um terço de toda a soma mensal de rendimentos do trabalho no país (por pelo menos três meses).
Apesar do tamanho do programa, será enxugamento de gelo caso a economia não volte a rodar, o que não deve acontecer enquanto houver isolamentos e medo da morte. Em três meses, de resto, o governo pretende reduzir tais programas a um terço.
Em suma, a “paz” política nos cemitérios lotados não dá conta da desgraça da epidemia, óbvio. No que diz respeito à política econômica, afora auxílios e créditos, não há perspectiva de mudança de programa, a julgar pelas declarações recentes do comando da Economia e do Banco Central.
Por ora, continuamos à deriva na beira da ruína terminal.
Vinicius Torres Freire: Um Brasil morre menos de Covid, todos morrem de Bolsonaro
Em 6 estados ocorreram 83% das mortes, mas desgoverno pode espalhar a epidemia
A epidemia do coronavírus tem diferenças continentais no Brasil. Seis estados contam 83% das mortes brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amazonas e Pará. Nesse país da Covid feroz, há 130 mortes para cada milhão de habitantes.
No conjunto dos outros estados, 22 mortes por milhão.
O motivo das diferenças dá o que pensar. O efeito dessa discrepância, também. Embora a ruína econômica seja disseminada, a percepção da doença pode ser diferente.
Tal disparidade pode influenciar a opinião que brasileiros de diferentes estados têm das atitudes de Jair Bolsonaro.
Em algumas pesquisas de opinião, cerca de metade dos entrevistados aprova o desgoverno federal da doença. Mais de 115 milhões de pessoas moram naquele Brasil bem menos devastado pela pandemia, em termos de mortes. No país da Covid feroz, vivem os outros 95 milhões.
A pandemia quase não existe no Centro-Oeste e no Sul, embora não seja difícil promover uma desgraça.
Mas o morticínio não é bem questão regional, noutras partes do país.
A Bahia, por exemplo, tem 19 mortes por milhão de habitantes. Pernambuco, 162 por milhão. O Ceará, 145. No Sudeste, Minas Gerais tem 7 por milhão. O Rio de Janeiro, 141 por milhão. São Paulo, 98. O estado com a maior taxa de morte é o Amazonas, com 321 por milhão.
O fato de alguns estados serem centro de conexões de viagens de negócios e turismo parece ter algum efeito na taxa de morte. Mas por que o Rio seria tão diferente de São Paulo? A Bahia, de Pernambuco?
Diferenças de renda, desigualdade ou indicadores sociais em geral não parecem explicar nada.
O morticínio está concentrado em grandes regiões metropolitanas. A administração da epidemia nessas cidades e, talvez, a cultura de contatos sociais e o tipo de vida urbana podem ser uma explicação.
No entanto, “cultura”, sem mais, é um saco onde cabem muitos gatos pardos.
Além de concentrarem o morticínio, cinco daqueles seis estados da Covid feroz têm também as maiores taxas de crescimento da doença na última semana, afora São Paulo, onde há uma desaceleração notável.
No conjunto do Brasil, até fins de abril a taxa de crescimento do número de mortes perdia força, desacelerava. Durante quase duas semanas, essa despiora parou, na média nacional. A explosão da doença em alguns estados do Norte e do Nordeste e a alta velocidade da doença no Rio explicam a estagnação fúnebre.
Enquanto boa parte do mundo desacelera, desde o início de maio o Brasil vai se tornando uma aberração.
Desgovernado ou sob o governo da morte, do golpeamento institucional, da perversidade lunática e da cafajestada facinorosa, há risco de o país piorar. O distanciamento funciona, mas tem sido avacalhado em geral e sabotado por Bolsonaro e colaboracionistas.
Quanto mais avacalhadas as medidas de contenção, mais o morticínio vai durar. Quanto mais durar, maior deverá ser a propensão individual a abandonar o distanciamento, por desespero material ou psicológico. Quanto maior essa bola de neve, mais duradoura a destruição da economia. O desmanche do distanciamento não vai reativar a produção nem o desejo de consumir.
A epidemia pode então transbordar lá onde já ferve baixo. Pode se espalhar também para estados bem menos afetados pelo coronavírus. Mas existe ainda alguma chance de evitar essa aberração brasileira que seria a longa duração da primeira fase da pandemia: chance de achatar a curva, de segurar o vírus.
No entanto,Jair Bolsonaro está solto.
Vinicius Torres Freire: Vendas no varejo caem menos em SP
Tombo no país foi menor do que o esperado, mas bola de neve mal começou a rolar
As vendas no varejo em São Paulo não caíram em março, caso único entre os estados do país. Sim, março é o passado distante e não foi inteiramente contaminado pelo coronavírus. Além do mais, quando se incluem as vendas de veículos e de material de construção, o colapso foi grande e geral, embora o resultado paulista não tenha sido dos piores, ao contrário, e abaixo da média brasileira.
Não é resultado para animar ninguém. Pode ser mais um indício de desigualdade. Com renda mais alta e mais reservas financeiras, talvez os paulistas tenham podido manter parte do consumo, em especial em mercados e farmácias, talvez até fazendo mais estoques. Pode ser ainda que as pessoas tenham mais meios em geral de fazer compras virtuais, pela internet, tendo mais dinheiro e cartões de crédito ou débito.
Em março, as vendas no varejo paulista foram 0,7% superiores a fevereiro e espantosos 5,4% maiores que em março de 2019. Na média brasileira, quedas de 2,5% e 1,2%, respectivamente.
No varejo dito “ampliado”, que inclui vendas de veículos e material de construção, a baixa paulista foi de 11,1% em relação a fevereiro, oitavo pior resultado nacional, mas acima do resultado do Brasil, que foi de queda de 13,7%.
As vendas dos setores “hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo” cresceram, no país, 14,6%, de fevereiro para março; de farmácia, perfumaria e produtos médicos e ortopédicos, 1,6%. No varejo restrito, sem veículos e material de construção, as vendas dos supermercados têm peso de metade do resultado final.
O restante dos setores foi do desastre maior ao menor, mas desastre, com queda de mais de 42% nas lojas de roupas, tecidos e calçados, por exemplo.
No geral, o tamanho da catástrofe foi um pouco menor do que a esperada pelas projeções de economistas, no entanto muito mais desorientadas por um choque deste tamanho e inédito. Ainda assim, os números de março no comércio, na indústria e nos serviços acabaram por rebaixar ainda mais várias projeções relevantes para o ritmo do PIB, que estão chegando perto da 5% de queda. É terrível, mas as revisões para baixo ainda não têm data para acabar.
Abril foi um mês inteiro tomado pelas paralisações de atividades, de retração do consumo pelo medo e pela queda abrupta de renda e do nível de emprego. Algum mínimo sinal de despiora? Os indicadores mais recentes de atividade econômica são quase inexistentes; os números, de resto, podem estar todos perturbados, tanto ou mais quanto a vida e a perspectiva de sobrevivência das pessoas.
Um número que tem saído com frequência é o do valor de compras com cartão, débito ou crédito. Na primeira semana da paralisação da epidemia, haviam caído mais de 52% em relação a semana equivalente de fevereiro. Houve uma ligeira despiora nas semanas seguintes. Nas semanas finais de abril, as baixas andavam pela casa de 35% de baixa (sempre em relação a semana equivalente de fevereiro).
Os dados são da Cielo, de compras com cartão no varejo. No total, o valor dessas compras equivale a cerca de 40% do que nas contas nacionais, no PIB, se chama de “consumo das famílias”.
Ainda assim, apesar dessa aparente despiora, não dá para dizer o que foi abril no varejo e menos ainda no restante da economia. O efeito bola de neve mal começou. Demissões e cortes de salários reduzem o consumo e provoca mais medo do futuro, o que coloca os consumidores restantes na retranca.
Vinicius Torres Freire: País está sem diagnóstico para conter depressão econômica
A subnotificação de casos e mortes por Covid-19 se tornou assunto corriqueiro no Brasil, assim como a escassez de testes e a falta de planos racionais do relaxar o distanciamento social. Fala-se menos ou quase nada da subnotificação da ruína econômica, da falta de diagnósticos sobre o desastre nas empresas e nos empregos, assim como um plano de contenção da crise e de reativação do país.
No momento, tudo se passa como se o governo federal, em particular, tivesse feito o que pode (ou o que quer) quanto as medidas para atenuar a catástrofe. Quanto ao futuro, por ora o que se sabe de planos é “business as usual”. Espera-se para ver o que vai dar. Quem sobreviver verá. Empresas morrem, é assim o mercado, diz o ministro Paulo Guedes (Economia).
Isto é, prevê-se apenas a retomada das “reformas”, manutenção das regras fiscais e contenção de despesas logo em 2021.
A melhoria da regulação do investimento e um bom plano de concessões atrairiam dinheiro privado para grandes projetos de infraestrutura. Apesar das promessas desde 2017, tal coisa não ocorreu: nem regulação significativamente melhor, nem projetos bastantes, nem carradas de investimento privado, em infraestrutura ou em qualquer outra parte.
No entanto, é fácil perceber que a economia estará em situação muitíssimo pior do que nos anos de quase estagnação de 2017 a 2019 (e como seria este 2020, sem epidemia), de crescimento em torno de 1% ao ano.
Por que desta vez, em 2021 ou depois, seria diferente? De resto, por que as “reformas”, micro ou macro, dependam de leis ou de meras decisões e capacidades executivas, ora invisíveis, andariam mais rápido agora, em ambiente de degradação política ainda maior?
Setores inteiros da economia, ou o que restar deles, não voltarão a funcionar como dantes tão cedo (um ano?). A queda brutal dos rendimentos do trabalho, associada à precaução no mundo pós-distanciamento social, vai conter o consumo; a destruição de poupanças financeiras das famílias terá o mesmo efeito.
A procura de crédito para consumo já despencou nos bancos. Não é razoável acreditar que aumente tão cedo ou que existam tomadores de empréstimo com risco baixo em número bastante no futuro próximo, com o que os bancos também serão cautelosos.
A capacidade ociosa de produção vai aumentar ainda mais. Assim, o investimento privado, já reticente até o início deste 2020, vai continuar na retranca por ainda mais tempo.
Com a massa de rendimentos do trabalho em baixa, desemprego literalmente imenso (nem temos medidas), ociosidade que dispensa investimento, grande destruição de empresas e uma improvável onda de investimento privado em infraestrutura, como o Brasil vai sair do chão? Puxando os cabelos?
De onde virá o aumento da demanda, o aumento da despesa de consumo e investimento? Alguém acredita de fato que a dívida federal vai ser contida com redução de despesas nos próximos anos, redução que já era mínima até antes da epidemia? Ninguém vai pagar mais impostos? Quem? Como?
Alguém acredita que, com tais meras medidas de ajuste fiscal, sempre limitadas, será possível acelerar a saída da depressão? Alguém acredita que será possível evitar medidas de “achatamento da curva de juros longos” e juro zero a curto prazo (sem o que a dívida pública irá para as cucuias)?
Enfim, onde está o diagnóstico deste desastre e um plano de saída? Sabemos disso tanto quanto sabemos do número de casos de Covid-19. Provavelmente, muito menos. Estamos na escuridão, da política à economia.
Vinicius Torres Freire: Governo fala em 'imprimir dinheiro', mas ideia está longe de chegar à prática
Ministro disse que pode acontecer, mas é hipótese teórica ou o governo já pensa em agir?
Paulo Guedes afirmou que o governo pode “imprimir dinheiro”, maneira “pop” de dizer que o Banco Central pode criar moeda do nada a fim de comprar títulos públicos. Isto é, emprestar dinheiro para o governo. Na prática, grosso modo, o endividamento extra seria financiado com dinheiro criado do nada, para ir no popular.
O troço é mais enrolado, mas a questão mais importante nem é explicar a aparente mágica.
As perguntas são:
1. Guedes apenas mencionou uma hipótese teórica de uma política extraordinária, adotada no Japão dos anos 1990, nos EUA e na Europa depois da crise de 2008 e agora outra vez, por causa da ruína da epidemia?
2. O ministro choveu no molhado, porque o BC já admitiu que pode em tese recorrer a tal política, faz mais de três semanas? Aliás, o instrumento que permite ao BC comprar títulos do Tesouro foi negociado com o Congresso faz um mês;
3. Os economistas do governo já pensam em partir para a ação (embora a decisão, oficialmente, caiba ao BC)?
Até para economistas-padrão, quando a taxa básica de juros da economia, de curto prazo, chega a zero ou perto disso, e a atividade econômica continua morta ou quase isso, uma opção restante para o Banco Central é reduzir as taxas de juro de prazo mais longo. Para fazê-lo, compra títulos do Tesouro, elevando seus preços, derrubando a taxa (é a mesma coisa). Grosso modo, foi o que Guedes disse.
A taxa de curto, a “taxa do BC”, é a Selic, está em 3,75% ao ano, muito e exageradamente longe de zero. Há gente na praça financeira fazendo campanha para evitar que a Selic caia mais. Dizem que mais capital fugiria do país, o dólar ficaria ainda mais caro, não adiantaria nada para reavivar a economia etc. Bidu.
Desde que a pandemia abalou as finanças do mundo, as taxas de longo prazo no Brasil subiram, o que tem dificultado o financiamento e a rolagem da dívida pública, entre outros problemas.
Enfim, Guedes falou no assunto e Roberto Campos, presidente do BC, já admitiu comprar títulos do Tesouro para achatar a curva de juros. A permissão para fazê-lo será em breve concedida pela aprovação da PEC do Orçamento de guerra. O que vai acontecer, então?
O BC vai acelerar a campanha de redução da Selic, até porque as perspectivas são de inflação mínima ou na prática nula, apesar de as expectativas do mercado serem ainda loucamente altas?
O BC poderia tentar reduzir os juros longos (comprando títulos), na marra, mesmo antes da Selic ir a perto de zero? Difícil, seria meio escandaloso entre economistas-padrão e causaria salseiro no mercado.
A política extraordinária do BC poderia ter o efeito óbvio de, no fim das contas, financiar o governo a juro zero ou perto disso, fazendo de resto que a dívida pública seja rolada no curto prazo. A economia continuaria catatônica, mas o déficit e a dívida públicos cresceriam menos, reduzindo o tamanho da desgraça a ser resolvida no futuro.
Dificilmente a gente vai escapar de algo assim, dado o desastre previsto na economia e nas contas públicas. Mas essa não é uma conversa fácil para economistas como esses que estão no governo.
O achatamento da curva de juros, a redução dos juros longos, dificilmente terá efeito na atividade econômica, asfixiada pela pandemia (quem vai investir ou emprestar muito dinheiro, dada a perspectiva de ruína?).
Então, vai ter dinheiro caindo do céu? Vai ter “impressão de dinheiro”? Ou se trata apenas de arma guardada para o Armagedom, de uma ruína terminal do pós-pandemia?
Vinicius Torres Freire: Epidemia voltou a piorar no Brasil?
Ritmo de aumento do número de novos casos vinha caindo até a semana passada; não mais
O número de mortes por Covid-19 no Brasil e em São Paulo parecia crescer mais devagar até o começo da semana passada, por aí. Até então, com todas as ressalvas de praxe, parecia haver uma despiora, como vinha acontecendo em países grandes da Europa, no que diz respeito à redução do ritmo do avanço do número de casos e mortes, considerados dias equivalentes de duração da epidemia.
Desde a semana passada, embatucamos. O ritmo parou de diminuir.
O que houve? Há mais registros de casos e mortes porque há mais testes ou notificações mais rápidas? Ou há um problema na contenção da doença, programa que mal e mal parecia funcionar?
Como está claro, epidemiologistas e outros estudiosos da doença estão com dificuldades ou indisposição de avançar opiniões, que dirá análises ou projeções. Mas alguns deles dizem temer que a desordem no distanciamento social possa ter abalado a tendência de despiora no ritmo de avanço da doença. Mas esperariam mais uma semana, pelo menos, antes de assinar o comentário.
As medições disponíveis de isolamento caíram, cidades reabrem a atividade econômica ou jamais as fecharam de fato, há propaganda federal contra o isolamento. Pessoas mais pobres, sem auxílio, procuram meios de ganhar vida, as pessoas em geral começam a se cansar do isolamento e fogem. Para piorar, ainda estamos muito longe de ter um sistema amplo e ágil de rastreamento de doentes e possíveis contaminados.
Temos ainda problemas com os dados mais elementares. Não sabemos quando as pessoas ficaram doentes (com sintomas) ou morreram. As notificações diárias são de confirmações de casos que podem ter ocorrido faz dias.
O problema vai, pois, muito além da subnotificação, que sempre há e haverá. E subnotificação do quê? De infecções em geral, de doentes leves, de casos hospitalares, de mortes? De resto, uma subnotificação mais ou menos constante permite que se acompanhe o ritmo da progressão da doença, embora não o nível do número de casos.
Há agora uma corrida para saber da subnotificação _é útil, ajuda a pressionar os governos a fornecerem dados melhores. Vários dados indicam subnotificação, mas não dizem muito mais do que isso.
No estado de São Paulo, o número geral de mortes em março de 2020 superou a média dos últimos quatro anos em 1.481. O número oficial de mortes por Covid-19 naquele mês foi de 731, mas várias mortes ainda estavam pendentes de confirmação ainda em abril (os dados de mortalidade de abril ainda são imprestáveis, por vários motivos).
O que podemos concluir? Nada além do óbvio. Existem mais casos, não se sabe bem quantos, quando e em que ritmo de notificação ou sub.
Além do risco do fetiche do número da subnotificação, falta qualidade nos dados elementares da doença. Parece que o país se cansou de falar no assunto, saiu de moda, embora o problema esteja explodindo. Ainda não temos informação precisa de UTIs, ventiladores, testes, detalhamento da gravidade dos casos e da evolução desses números.
Compramos mais, produzimos mais, temos mais equipamentos?
Deveria haver equipes supervisionando isso com precisão, de modo a tentar evitar mais desgraça. Que essas informações não existam ou que os governos se recusem a divulga-las, COMO TEM FEITO, é um escândalo que deveria ser objeto de campanha, talvez campanha do Ministério Público.
É uma zorra criminosa.
Vinicius Torres Freire: Governos acabam, mas sobrevivem
Ainda está em aberto o destino de Bolsonaro, embora seja certo que o país vai acabar mal
Governos acabam, mas sobrevivem. O governo de Michel Temer acabou no “Joesley Day” e se arrastou até o fim do seu mandato. Mesmo o governo Dilma Rousseff 2, acabado em março de 2015 por falta de apoio popular, parlamentar e uma campanha de deposição, caminhou no passo do zumbi por um ano, até o impeachment.
Não é uma regra ou lei. É uma hipótese, uma história aberta, que pode até acabar em desgraça maior, no entanto.
Quanto ao governo de Jair Bolsonaro, nem se pode dizer que acabou, por não ter propriamente começado e porque, dados os últimos acontecimentos, o juízo sobre o seu primeiro fim estava em suspenso na sexta-feira. Assim pode ficar por um tempo.
O destino imediato da crise estava em suspenso porque, para começar, as próprias lideranças do Congresso deixaram como está para ver como é que fica –note-se o silêncio de Rodrigo Maia.
O bloquinho dos mensaleiros e petroleiros, sublegenda do centrão, ainda espera tirar um cascão de um governo que, antes de mais nada, procura se defender do impeachment e precisa arrebanhar uns 150 deputados extras.
Apesar das palavras de “pesar e profunda consternação” pelo passamento de Sergio Moro, os generais que procuravam governar o governo (sic) ainda estão longe de debandar e jogar a toalha. O noivado do governo militar com os mensaleiros continua.
Falta saber ainda como vai ser cozido outro ingrediente da receita habitual do impeachment, o prestígio popular. O efeito da queda de Moro pode ser lento ou talvez não chegue a ser decisivo. E se Bolsonaro mantiver, digamos, mais de 20% de popularidade?
Decerto do outro lado da trincheira há canhões apontados para Bolsonaro.
O morticínio da epidemia vai piorar até o fim da primeira semana de maio, na mais otimista das hipóteses. O aumento do desemprego de milhões, do corte dos salários de outros tantos e das falências não tem data para acabar.
O Supremo decidiu que parte da Polícia Federal permanecerá autônoma, investigando as “fake news” e os comícios da ditadura, inquéritos que ameaçam a filhocracia e o bolsonarismo parlamentar e empresarial.
Outro inquérito já no STF vai apurar as denúncias de Moro, que por sua vez insinua ter bala na agulha, talvez com uma reserva de dossiês, talvez com ações de apoio de seus amigos lavajatistas. Parte da PF pode escancarar o dossiê miliciano da familiocracia.
Nesta semana, o ministro-general Braga Netto parecia ter assumido a governança da terra arrasada. É outra incógnita maior. Os generais vão até o fim na dança do caixão de Bolsonaro? Por ora e sem outros escândalos, parecem dispostos a continuar.
É uma gente dada persistente, tenaz e, desculpem a obviedade, dada à guerra. Além do mais, estão de tal maneira identificados a Jair Bolsonaro que parecem sem alternativa que não seja o combate –não há espaço para a retirada e precisam de uma justificativa forte e honrosa para a rendição (um vexame, escândalo ou crime ainda mais indisfarçável dos Bolsonaro).
Note-se a disposição: não se vexaram de abalar Paulo Guedes e de negociar com o bloquinho mensaleiro.
A elite econômica, colaboracionista ou omissa, na maior parte, em parte também ora depende de socorros e favores do governo; não tem liderança ou articulação política para encontrar uma saída para este desastre que patrocinou, aplaudiu ou sobre o qual se calou. A oposição inexiste. Não há “ruas”.
Bolsonaro, ele mesmo, não tem limite. O jogo da morte continua.
Vinicius Torres Freire: 'Plano Marshall', cloroquina econômica
Projeto nem existe nem tem dinheiro, mas já é atacado por críticas liberalóides
Não existe “plano estatal” do governo para fazer a economia andar se e quando passar a epidemia. Não existe plano Jair Bolsonaro de “resgate do Estado”. Não existe um programa baseado na “retomada do investimento público”. Não existe um programa baseado na “retomada do investimento público”.
Algum plano de reativação econômica será necessário, no entanto. Quem, de antemão, faz campanha liberaloide para dinamitar a ideia já pode apresentar suas projeções de como e quando a economia vai se recuperar da depressão só com investimento privado. Vai ser o caso de um morto que tenta se levantar puxando os cabelos.
Ainda que se gastassem R$ 16 bilhões extras por ano, até 2022, o plano mal existiria como “resgate do Estado” ou mesmo com medida de estímulo relevante.
Essa estimativa de despesa pública extra, que deve ser apresentada na reunião ministerial desta sexta (24), é café pequeno perto das necessidades da economia arruinada.
O Ministério da Economia vai cair matando na proposta dos “pragmáticos”: Braga Netto (Casa Civil), Rogerio Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).
Esse dinheiro seria pouco até para reanimar aquele país que, antes da epidemia, se arrastava ao ritmo de crescimento de 1% ao ano, desde 2017. R$ 16 bilhões equivalem a uns 5% do gasto extra do governo federal, até agora, para aliviar a ruína em curso.
No entanto, a mera e vaga sugestão de que será necessário um programa de reativação econômica causa as reações estereotipadas de costume.
“É o PAC”, “é Dilma 3”, eram as piadas tolas. É acabar com o “ajuste fiscal”. Que ajuste? Mesmo sem epidemia, teríamos déficit até o Dia de São Nunca de Tarde. “O investimento terá de ser privado." Que investimento? Aquele que não aparecia até fevereiro de 2020?
Ataca-se um espantalho oco (essa tolice de “Marshall”) sem discutir um fracasso executivo e econômico (reformas microeconômicas e fiscais) e sem que se pense como se vai tirar o país da pior depressão da história de que se tem registro.
Para começar, antes de falar em reconstrução, mal se tomaram as medidas de economia de guerra: 1) fabricação de equipamentos e financiamento da saúde; 2) proteção de micro, pequenas e médias empresas, que fecham aos montes; 3) fazer o crédito fluir para as empresas mais remediadas.
Restaurantes, serviços pessoais, entretenimento, esporte, turismo, aviação, entre outros, serão setores que, com sorte, mal e mal sairão da tumba.
A retomada será lenta porque haverá milhões de baixas, desempregados e falidos, porque os cuidados com a epidemia devem criar ineficiências e porque a confiança e as poupanças estarão no chão ou debaixo da terra.
Alguém pode argumentar que, com descontrole da doença e um morticínio grande, se pode criar imunidade em massa, um país livre para ser reaberto e passear sobre cadáveres.
Um plano de reativação da economia ou de colocar dinheiro certo em obras certas é complexo. Vem dando errado pelo menos desde 2010. Bancar essa conta é difícil, mas achar que a dívida será paga com décadas de controle de gasto, apenas, parece hipótese heroica, para dizer o mínimo. Algum financiamento monetário do governo (“imprimir dinheiro”) pode ser em parte inevitável e é incerto que cause inflação.
Como fazê-lo é questão para economistas. Achar que voltaremos, sem mais, a esse passado recente (de resto fracassado) de ajuste e se recusar a pensar um problema catastroficamente novo é brincar com o risco de convulsão social e política, além de obnubilação intelectual.
Postado por Gilvan Cavalcanti de Mel
Vinicius Torres Freire: Governo reage, militares contra-atacam na economia, na saúde e no Congresso
Na frente político-partidária, a contraofensiva ataca governadores e o parlamentarismo branco de Rodrigo Maia
O governo parece que tenta governar, sob o comando do ministro-general Braga Netto (Casa Civil). É uma ação coordenada na política, é o controle do Ministério da Saúde, é uma tentativa de articulação administrativa de ministérios e outra de fazer com que a equipe econômica reaja de modo rápido e “proativo”, digamos.
Na frente político-partidária, a contraofensiva ataca governadores e o “parlamentarismo branco” de Rodrigo Maia, o que antes fazia na maior parte por meio de “ruas” e milícias digitais. Trata-se de minar parte da força de Maia, obriga-lo a negociar, influenciar a eleição do próximo comando da Câmara (em 2021) e, no mínimo, criar um bloquinho parlamentar com tamanho suficiente para barrar um processo de impeachment.
Um instrumento desse combate, como se viu, é a oferta de cargos para partidos que formaram o núcleo do mensalão e do petrolão, o que já estimula outras legendas a correrem para o balcão de barganhas.
Outra pressão veio dos ministros militares do Planalto, que se queixaram em discursos públicos de que a cúpula do Legislativo e Judiciário podam o governo. Nos mesmos discursos ou entrevistas, reafirmavam compromissos democráticos _punham panos frios no comício autoritário de Jair Bolsonaro.
Na economia, Braga Netto e seus colegas apresentaram um pré-plano de reconstrução. Por ora, parece modesto, para dizer o menos, embora seja um sinal de que também no Planalto “sob nova administração” considera-se que a reação do Ministério da Economia é insuficiente, “técnica, mas tímida e com uma visão pré-crise da economia”, como disse um ministro militar que prefere não dizer seu nome.
Mais uma vez, anunciou-se que haverá centenas de bilhões de investimentos via concessões para a iniciativa privada, além do conserto da legislação que trava negócios, o que mal andava mesmo antes da epidemia.
Antes da coronacrise, tais dinheiros privados já eram mera hipótese, projetos que viriam a se tornar obras talvez em 2022. Agora, a hipótese parece fantástica, pois não se sabe o que restará da iniciativa privada, das poupanças, da demanda e de quando o ânimo de investir voltará a respirar.
O anúncio de investimentos públicos foi vago e, dado o tamanho da ruína, minúsculo —R$ 30 bilhões extras até 2022, no que foi possível entender. No entanto, parece haver alguma luz sobre o tamanho do desastre que terá de ser enfrentado também na economia, que exigirá revolução de ideias econômicas e capacidade executiva, ora mais escassas que equipamentos para proteção do pessoal que batalha nos hospitais.
A conversa de que, em um eventual e distante pós-corona, volta-se ao caminho das “reformas e do ajuste fiscal” demonstra inconsciência do desastre, uma reação estereotipada e apego a um pensamento econômico que já era velho mesmo no mundo “a.C”, antes do corona. Será necessário pensar o impensável, como diz por aí qualquer Nobel de economia civilizado.
Ressalte-se que a contraofensiva começou com a demissão do ministro da Saúde e com o comício autoritário em que Bolsonaro reforçou o ataque aos governadores, titilou a pulsão de morte de parte do país e lasseou ainda mais a democracia.
No sapato roto, sujo e alargado da democracia brasileira, cabem agora discursos presidenciais para uma aglomeração que pede ditadura. Ou seja, as tropas da contraofensiva avançam protegidas por cortina de fumaça antidemocrática e com o apoio de bombardeio contra “as instituições que estão funcionando”.
Vinicius Torres Freire: Montadoras perdem 80% das vendas e esperam que governo destrave crédito
Quase nenhuma montadora prevê reiniciar a produção de veículos antes de maio
Uma semana antes do paradão, em meados de março, no Brasil se compravam cerca de 11 mil veículos por dia. A média de abril, até dia 20, era de 2.250 veículos por dia, baixa de uns 80%. A queda em relação a abril do ano passado também anda pela casa dos 80%.
Já foi pior. Na semana final de março, os licenciamentos não passavam de 1.300 por dia.
Quase nenhuma montadora prevê reiniciar a produção de veículos antes de maio. A retomada da atividade deve ser postergada e lenta mesmo nessas mais otimistas. Várias devem voltar pouco antes do início de junho.
Sobram estoques, não se sabe o futuro da epidemia em cada região onde estão as fábricas (mais de 40% da produção é na Grande São Paulo) nem as diretrizes dos governos para o comércio, por exemplo.
Por ora, as empresas adaptam as fábricas ao mundo da epidemia. As linhas de produção ficarão mais lentas, por falta de demanda e porque precisarão ser ajustadas para evitar contaminações. Serão necessários mais ônibus para transportar trabalhadores (para evitar lotação). Será preciso repensar refeitórios que chegam a servir milhares de refeições por dia, comprar máscaras e instalar medidores de temperatura (para detectar febris), conta Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, a associação das montadoras.
No mais, a preocupação central da indústria é com o crédito: financiar capital de giro e prolongar o prazo de pagamento de empréstimos já contraídos. O caixa míngua, como no país quase inteiro. Além do mais, é preciso fazer com que o socorro chegue a toda cadeia, de fornecedores a concessionárias, afirma Moraes.
O problema com o crédito vai além. Aumentou o custo de captação dos bancos das montadoras, instituições que financiavam 45% dos veículos vendidos antes da epidemia _isto é, o crédito pode ficar mais caro.
Dinheiro há, o Banco Central aumentou a liquidez. Mas os bancos estão na retranca porque a perspectiva de inadimplência é enorme, em geral. Faltam, pois garantias. De algum modo, isso pode vir do governo, que assumiria parte do risco.
Segundo Moraes, há conversas avançadas entre ministério da Economia, BNDES, bancos privados e montadoras, caso a caso, e com a Anfavea. As empresas precisam da solução “para ontem”; Moraes acredita em algum acordo até o final desta semana. As suspensões de contrato, reduções de salário e outras medidas do gênero já começaram.
As montadoras de veículos e máquinas agrícolas empregam diretamente 123 mil trabalhadores em 10 estados e 40 cidades. Têm peso de 10% na indústria, atrás apenas da indústria de alimentos e do setor de petróleo e combustíveis, mas são o ramo que, para cima ou para baixo, arrasta consigo a cadeia produtiva mais longa e extensa. No geral, a indústria de transformação como um todo “puxa” mais o PIB do que qualquer outro setor da economia.
O governo ainda anda devagar no planejamento das medidas contra a ruína. Ainda não tem medidas para microempresas, para empresas que faturam mais de R$ 10 milhões e para grandes empresas especialmente abaladas pelo paradão.
Decerto não se pode fazer favor para graúdos bem de vida. Mas a desgraça é geral, em micro, pequenas, médias e grandes. A redução do consumo do desempregado da grande ou da pequena afeta a economia da mesma maneira.
A destruição de empresas e poupanças tornará a retomada ainda mais difícil. Acreditar que, num distante “depois da crise”, basta voltar a “reformas e ajuste fiscal” é mistura de loucura e incompetência.
*Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro contra-ataca os inimigos do coronavírus
Novo ministro quer reabertura gradual, mas faltam meios para bancar plano ainda vago
Em cerca de uma semana, vamos saber se a epidemia avança de fato em ritmo menos rápido, como pareceu nos últimos dias. Ainda que os dados tenham problemas, tratados com alguns ajustes sugerem que o Brasil poderia entrar no caminho do “achatamento da curva” que também parece acontecer nos países ocidentais maiores.
Talvez estivéssemos a evitar explosão ainda mais terrível da doença e da mortandade, mesmo que as políticas estaduais de contenção da epidemia venham sendo sabotadas por Jair Bolsonaro.
Ainda serão. Mais do que isso, Bolsonaro começou um confronto sem limite com o Congresso. Disse que Rodrigo Maia, presidente da Câmara, quer depô-lo e arruína o país.
Prometeu que vai continuar a campanha contra o “isolamento”. Ao demitir Luiz Henrique Mandetta, imagina ter vencido a guerra em uma frente, no Ministério da Saúde, e que poderá se dedicar ao combate contra governadores e o Congresso.
Nos discursos da nomeação do novo ministro, Nelson Teich, em entrevistas e no Planalto, Bolsonaro disse que estados e prefeitos foram radicais, causam colapso econômico e mandam a conta para o governo federal. Chamou as Forças Armadas de “minhas” e, no Palácio, disse que vai acabar a “palhaçada dos governadores”.
O novo ministro diz que existe um “alinhamento completo” entre ele e Bolsonaro, mas que não haverá mudanças abruptas na política para a epidemia. Qual prazo Bolsonaro dará a Teich?
Teich disse que implementaria uma política de reabertura social e econômica aos poucos, ao que parece baseada em testagem em massa da população.
Ainda não há testes nem para precisar o andamento da epidemia no Brasil, que em testagem fica atrás até dos vizinhos sul-americanos. Basear uma de fato correta política gradual de reabertura socioeconômica depende também de:
1) Existência de testes em massa, capacidade de análise (pessoal e materiais), organização de um programa (como uma grande vacinação continuada);
2) Um plano de procura de doentes e rastreamento de possíveis infectados, o que depende de tecnologia, lei e pessoal (como o do programa de saúde da família): de organização;
3) Planos de contenção de danos, como distribuição em massa de máscaras para a população e monitoramento de contágios em empresas, por exemplo;
Não haverá testes em massa tão cedo (meses?). Não há sinal de plano federal de rastreamento. Alguns estados fazem planos de implementar tais programas, ainda muito incipientes, até porque faltam recursos e, enfim, é necessária alguma coordenação nacional, dinamitada pelo Planalto.
Como vai ser então? Uma reabertura baseada em dados melhores da epidemia e planos adicionais de controle vai demorar.
O que Bolsonaro vai fazer? Sabotagem maior e imediata? Ou pode se satisfazer com a ideia de que conseguirá colocar na conta dos governadores a depressão econômica que virá, como disse explicitamente ontem?
Congresso, Supremo e governadores deram sinais de que ainda estão dispostos a conter as duas epidemias: o desgoverno federal e a Covid-19. Câmara e Senado reagiram à saída de Mandetta com uma rara, se não inédita, nota conjunta, e difundiram sinais de que vão podar iniciativas ruinosas do Executivo federal.
Se Bolsonaro tiver sucesso na sua contraofensiva, a curva de doentes e mortes vai explodir. A explosão pode ir além. Bolsonaro vai atacar o isolamento que o país mais racional procura impor à sua doença autoritária e necrófila.
“A luta continua” e é de várias mortes.
Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Vinicius Torres Freire: Dopado pela cloroquina, país esquece o essencial na guerra do coronavírus
Cadê a produção em massa de UTIs, testes e medidas para evitar mais ruína de empresas?
É uma obviedade fúnebre e terminal que o Brasil não tem política nacional para lidar com a epidemia. Há algumas ilhas mais racionais de governança, ainda assim inconstantes e precárias, nos estados, no Congresso e em partes de ministérios, quase todas sabotadas pelo indivíduo que ocupa a cadeira de Presidente da República.
No que resta de governança, é preciso prestar atenção ao essencial, que não é a conversa lunática sobre qual tipo de óleo de cobra cura a espinhela caída da Covid-19.
O que é essencial?
Primeiro, organizar ou determinar, se for o caso, a produção de bens para combater a doença, como numa guerra se produzem aviões e tanques.
Onde está a produção aumentada e em massa de equipamentos de UTI, testes, infraestrutura para analisar seus resultados, aparelhos de proteção para o pessoal da saúde? Nós não temos NEM AS ESTATÍSTICAS DA PRECARIEDADE.
Segundo, fazer testes em massa para combater a doença e inventar um plano de saída. NÓS NÃO TEMOS TESTES, nem meios nem planejamento de como fazê-los e para quê. É preciso falar de testes diariamente, à exaustão.
Terceiro, evitar ao máximo a ruína de empresas. A destruição de empresas não apenas dizima empregos, mas acaba com capital organizacional (conhecimento das empresas), “humano” (trabalhadores especializados em um setor ou desempregados de longa duração têm dificuldade de arrumar emprego). É preciso evitar que a recessão neste ano seja maior que o afundamento horrendo e somado de 2015 e 2016. Mais: sem evitar destruição maior de empresas e sem um plano também econômico de saída, a depressão pode durar muito além. 2023?
Na última semana de março, o governo federal dizia que haveria 22,9 milhões de testes para Covid-19. Na semana passada, dizia que haveria uns 9 milhões até julho. Em um boletim também da semana passada, dizia que “estaria mandando” uns 450 mil testes para os estados até hoje.
No começo do mês, o ministro Paulo Guedes (Economia) dizia a empresários que estaria negociando a compra de testes, o bastante para testar 40 milhões de pessoas por mês e, assim, dar “passaporte de imunidade” para trabalhadores.
Parece aquelas contas de trilhão dos economistas do governo. Cadê? São Paulo fez até agora uns 15 mil testes.
Falta ainda dinheiro para que empresas não naufraguem em massa, sejam micro ou médio-grandes, não importa. Faz duas semanas que está no governo uma conversa sobre dar crédito aos micro pelo sistema das maquininhas (pelo qual bancos financiam as vendas a crédito dos pequenos, em suma).
Cadê? Seja esta ou outra solução, está atrasada em relação ao crédito para as pequenas e médias, de resto insuficiente. Faz umas duas semanas se espera um plano de socorro para microempresas (com faturamento inferior a R$ 360 mil por ano) e para empresas maiores (faturamento anual de R$ 10 milhões por ano) que vão naufragar igualmente na paralisação da epidemia, a depender dos setores. Cadê?
Dizer que os pacotes de socorro devem atender primeiro os mais necessitados é uma obviedade e uma tolice enviesada por uma versão perversa e ora completamente fora de lugar da ideia de focalização de gasto social.
Sem poder gastar, o desempregado antes remediado ou que tinha rendimento bem acima da média nacional vai causar estrago no rendimento de quem vem abaixo na pirâmide socioeconômica. O desempregado da empresa maior deixará de comprar, pagar contas ou o empréstimo no banco. É uma cascata de quebradeira.