vinícius torres freire
Vinicius Torres Freire: Choque do petróleo foi adiado até que desordem mundial cause outra crise
Apocalipse petrolífero parece adiado, mas política mundial em ruínas facilita crises
O choque do petróleo anunciado com exagero na segunda-feira (16) havia sido adiado pelo menos até a noite desta terça (17). Mesmo na disparada do começo da semana, de qualquer modo, os preços do barril tinham chegado apenas a níveis registrados em maio ou julho.
Segundo relatórios de bancões multinacionais, essa carestia do combustível não seria suficiente para danificar a economia americana. Ainda nesta terça-feira, os sauditas disseram que até o final do mês estarão produzindo tanto quanto antes dos ataques a suas instalações de processamento de petróleo.
Parece claro, porém, que a crise não está apenas aí, em mais um episódio dos conflitos do Golfo, no caso, os embates indiretos entre Arábia Saudita e Irã. O problema é que as frequentes desordens mundiais, em particular no dito Oriente Médio e cercanias, estão sob nova e péssima administração. A cortesia da bagunça mais recente é de Donald Trump em particular, embora os americanos estejam promovendo desastres além da conta desde a invasão do Iraque de 2003 (ou do golpe que armaram no Irã de 1953? O desastre vem de longe).
Por mero e neutro exercício, suponha-se que os ataques tenham sido lançados por uma das facções envolvidas na guerra civil (e também regional) do Iêmen. Então: 1) Os Houthis, como são chamados no Ocidente, são capazes de destruir o centro petroleiro do país que exporta uns 16% do petróleo do mundo; 2) Guerra e massacres praticamente ignorados no Iêmen podem provocar um colapso na economia mundial. Hum
Ainda por mero exercício, suponha-se que o Irã tenha sido o responsável direto ou indireto pelo ataque à Arábia Saudita. Neste caso hipotético, um país já avariado por sanções econômicas americanas não se importa de correr o risco de pelo menos um ataque “cirúrgico” (desculpem o clichê vicioso) a seus centros petroleiros, infraestrutura ou instalações militares. Segundo jornalistas americanos que ouvem fontes no governo de seu país, essas teriam sido as hipóteses de retaliação oferecidas a Trump.
Ressalte-se: uma facção da guerra civil do Iêmen e um Irã irado ou desesperado a ponto de se arriscar em uma guerra podem provocar um colapso econômico global. Note-se de passagem que os Emirados Árabes Unidos, também envolvidos na confusa guerra do Iêmen, são responsáveis por 6% das exportações mundiais de petróleo. O vizinho Iraque, sob guerra e terrorismo permanentes desde 2003, outros 8%.
O rolo mais recente dos americanos com o Irã recomeçou com Trump, que na prática rasgou os acordos de limitação de armas nucleares. Para quê? Até o ano passado, quase ninguém dava muita bola para a guerra e o morticínio no Iêmen, afinal, terra de gente não-branca e muçulmana, vidas que não valem grande coisa na opinião pública ocidental, no entanto uma guerra de potências petroleiras.
As questões alarmantes parecem óbvias. Na ordem politica mundial, os danados da terra estão sempre se danando, é verdade. Mas, ruim com tal ordem, pior ainda sem. Os acordos formais e tácitos estão indo à breca, mais recentemente graças à contribuição de demagogos mais ou menos autoritários, ineptos ou dementes, Trump entre eles, mas não apenas.
As tentativas mais cínicas de paz, estabilidade, equilíbrio de forças e opressão moderada são exemplos maiores de fina razão quando comparadas às provocações demagógicas e nacionalismos agressivos, recentes e cada vez mais frequentes.
Vinicius Torres Freire: Reforma da Previdência foi 7 a 1 na esquerda
Partidos de esquerda sofrem derrota imensa, que não foi vitória do governo
Não foi uma vitória política do governo, que pode vir a se beneficiar dessa e doutras mudanças que devem ocorrer na economia, caso Jair Bolsonaro não desarranje o país com seus desvarios.
Foi uma imensa derrota da oposição de esquerda, isolada não apenas no plenário da Câmara, de resto quase inteiramente favorável à reforma da Previdência, uma avalanche de 379 votos a 131; 510 dos 513 deputados votaram.
A oposição não teve voz na rua ou na política partidária. Não teve voz na reforma, pois se retirou para trincheiras perdidas nas montanhas do atraso. Não se prepara para outras avalanches de mudanças que devem revirar a ordem socioeconômica do país. Não faz mais do que esperar talvez uma revolta espontânea da população, pois, até ou quando funcionar o programa de reformas liberais, o país atravessará ainda um deserto de crescimento e precariedade.
Foi uma imensa vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara e líder do coletivo do miolão do Câmara que aprovou a reforma. Esse líder da direita moderada, de um partido quase extinto no final dos anos petistas, acabou por ocupar quase todo o espaço político-parlamentar que não foi calcinado pela extrema direita.
Maia e o coletivo de líderes do miolão do Congresso acabaram por criar um arranjo talvez provisório, este semestre de “parlamentarismo branco” que aprovou a reforma previdenciária e conteve avanços piores do bolsonarismo. Em discurso no encerramento da votação da reforma, reafirmou seu programa, por assim dizer.
Criticou privilégios do serviço público e as centenas de bilhões de reais de renúncia fiscal que abatem impostos do setor privado.
Criticou quem acha possível, agora, reduzir a carga tributária. Disse que o programa da Câmara do “parlamentarismo branco” é aprovar a reforma das despesas com servidores e das carreiras de Estado, além da reforma tributária.
Disse ainda que o “protagonismo” do Congresso, avariado nos últimos 30 anos (segundo o deputado), vai continuar, “sem tirar prerrogativas” do presidente, um outro modo de dizer que sim, o presidente será podado, nos limites legais.
No meio do discurso, Maia falou algumas vezes de “desigualdade” e “pobreza”, assuntos de que o governo de Jair Bolsonaro não se ocupa nem por homenagem à hipocrisia. Obviamente, Maia não será o líder da reforma social, mas quem se ocupa de política deveria notar o contraponto. É neste universo, entre o miolão do Congresso e Bolsonaro, entre direita e extrema direita, que se joga o jogo da política brasileira.
Quase não houve rua; não havia ninguém no entorno do Congresso. Não houve movimento considerável de oposição de esquerda, mesmo que 44% dos eleitores ainda resistissem à reforma, segundo o Datafolha. A esquerda, por falta de força, meios, competência, ideias e imaginação retrancou-se no conservantismo, a tentativa obtusa de preservar uma situação falida também do ponto de vista de interesses populares.
A esquerda não tem um programa de reformas progressistas. Pior ainda, mal entende a crise econômica estrutural do Brasil ou é capaz de ter o que dizer aos que vão caindo pelo caminho ou vão sofrer na transição.
As reformas econômicas vão passando e outras mudanças de fundo na economia estão acontecendo. É provável que tenham efeito positivo no crescimento daqui a dois anos. Talvez então seja tarde demais para a esquerda acordar, mesmo da perspectiva do mais mesquinho pragmatismo político.
Vinicius Torres Freire: Depois da Previdência, jogo político recomeça e deve ficar mais tenso
Mesmo sem coalizão no Congresso, Bolsonaro deve enfrentar parlamentarismo branco
A tramitação da reforma da Previdência colocou alguma ordem na política e conteve desordem maior no governo. Depois da mudança nas aposentadorias, porém, não se sabe o que será do breve parlamentarismo branco nem se Jair Bolsonaro vai tolerar essa camisa de força. É melhor nem pensar o que vai ser se a reforma cair, resultado ora improvável.
Depois de aprovada a reforma, as peças do quebra-cabeça político devem ser embaralhadas, talvez algumas se percam e outras novas apareçam. O presidente continua sem coalizão política, os conflitos serão diferentes, a impaciência popular pode aumentar e as próximos reformas são bem menos consensuais na elite político-econômica, caso dos impostos.
Por ora, o miolão da Câmara, liderado por Rodrigo Maia, pretende seguir com seu plano de aprovar um programa próprio e cortar as asinhas de Bolsonaro. Vai ser mais difícil.
Para começar, haverá também um projeto de reforma tributária no Senado; um terceiro, ambicioso, do próprio governo; talvez um quarto, a ser apresentado pelos empresários amigos do governo. Essas propostas não se complementam, quando não se chocam de frente.
Além do mais, mesmo a reforma da Câmara, a de tramitação mais avançada e a mais respeitada, cria conflitos. Pretende manter inalterada a carga tributária, mas haverá quem passe a pagar mais e menos impostos; a reforma poda a autonomia tributária de estados e cidades. Isso dá rolo.
Governo e empresários amigos querem criar uma espécie de CPMF. Não se conhecem os detalhes dessa ideia, mas se sabe que isso cai muito mal entre os cidadãos comuns e na indústria.
O ministério da Economia diz agora que vai liderar o jogo, apresentando uma penca de reformas e medidas econômicas. Uma delas é o fim do gasto obrigatório em saúde e educação, plano politicamente explosivo, que ameaça as chances de uma reforma tributária ampla, mudança que não acontece no Brasil desde o início da ditadura militar.
O debate da Previdência provocou mais “fadiga de reformas” (tensão política, interesses contrariados e perda de benefícios sem que apareçam imediatamente resultados). Esse cansaço deve aumentar. O cidadão médio não vai sentir melhoras da economia até o ano que vem, se sentir. Quanto dura a paciência?
Sem o risco de sentença de morte de seu governo, que seria a derrota na Previdência, o presidente pode se sentir mais livre para enfrentar os demais Poderes. Mesmo com o risco que corria na tramitação da reforma, tomou decisões ou disse disparates que até ontem ameaçavam sua aprovação.
Em resumo, não se sabe se a coalizão do “parlamentarismo branco” liderada por Maia vai se manter, e com qual força. Há conflitos socioeconômicos à vista, como na reforma dos impostos, da CPMF, do IR e dos gastos com saúde e educação. Mas, para ter sucesso em reformas, o governo depende outra vez de Maia, que tem outro programa.
Por fim, vai ficar mais aparente a contradição do “parlamentarismo branco”: aprova reformas politicamente custosas que tendem a beneficiar o país e, pois, o governo, mas sem bônus para si. Bolsonaro ficaria com méritos sem ter feito o esforço desgastante da articulação política e de talhar benefícios sociais.
Este esquema de fazer sacrifícios políticos com vantagens incertas não faz sentido, os parlamentares sabem muito bem disso. Vão aderir a Bolsonaro? Improvável. Vão fazer as mudanças e emparedar o presidente?
Vinicius Torres Freire: Brasil deve se tornar economia petroleira com reabertura do mercado
Reabertura do setor e melhora da Petrobras vão levar petróleo para o centro da economia
O principal produto de exportação do Brasil é o grupo da soja. O segundo? Petróleo e derivados. Sim, combustíveis já estiveram algumas vezes na vice-liderança desde 2008. Mas nunca antes tiveram tanto peso nas exportações: 14,2% do total, ante 15,9% da soja, 11% de material de transporte (veículos, aviões e suas peças) e 10,2% de minérios metalúrgicos (quase tudo ferro e algum cobre).
Afora no caso de colapso do volátil preço do barril, é bem provável que petróleo venha a ser em breve o principal produto da exportação brasileira e algo ainda maior no ambiente doméstico. O pouco notado recorde de produção de maio pode ser um aviso da mudança. O Brasil já é o nono maior produtor mundial.
A reabertura do mercado, em 2016, as privatizações de partes enormes do conglomerado Petrobras e a abertura do mercado de gás devem mudar a paisagem da economia e a propriedade do capital, em especial no setor de energia, além de estimular investimentos pesados a partir de 2020. Falta análise, porém, de quem vai se divertir mais nesse remelexo do setor.
A produção de petróleo e gás foi recorde em maio, embora em termos anuais tenha praticamente estagnado desde 2017. Atualmente, extraem-se 2,73 milhões de barris por dia, sem contar o equivalente a 700 mil barris por dia em gás.
No “Plano Decenal de Expansão de Energia 2027” do governo, publicado em dezembro passado, previa-se que o país estaria produzindo 3,3 milhões de barris por dia neste 2019.
A previsão vai dar chabu, é óbvio, mas os investimentos começaram a voltar e vão aumentar ainda mais depois dos enormes leilões de áreas de exploração, em novembro próximo.
Se a produção chegar ao previsto pelo Plano Decenal e caso funcione a abertura do mercado de gás, o setor de petróleo vai para o centro da economia brasileira.
Em 2016, a lei de reabertura do mercado desobrigou a Petrobras de investir em qualquer campo do pré-sal, o que emparedava investimentos da concorrência e não favorecia os novos negócios da petroleira nacional.
Desde 2015, a empresa se recupera do desastre, voltando a elevar suas despesas de capital.
O setor ficou sem leilões e, pois, sem a perspectiva de aceleração do investimento, entre 2008 e 2013, graças ao revertério regulatório dos governos petistas, afora as desgraças causadas por maluquices, incompetências e pela roubança na Petrobras.
Endividada, em desordem e sem crédito, a empresa se desfez e se desfaz de suas grandes controladas, movimento acelerado pelo Cade, que quer acabar com os quase monopólios da estatal, e por Paulo Guedes.
A Petrobras vende suas empresas de transporte de gás. Vai vender a Liquigás, a BR Distribuidora e 8 de suas 13 refinarias, responsáveis pela metade de capacidade de refino da companhia (mais de 1 milhão de barris por dia).
Tudo isso deve entrar em liquidação pelos próximos dois anos, no máximo. São negócios de dezenas de bilhões de reais, talvez centena, a maior privatização desde FHC 1.
A privatização e a abertura devem, claro, também mudar a política do capital. Basta lembrar o que aconteceu com a ascensão da soja e dos oligopólios das carnes.
A diferença agora é que a maioria da novidade será estrangeira, embora a finança e antigos canavieiros devam levar nacos do negócio. Como se não bastasse, preços livres em um mercado volátil como o de energia podem causar turumbambas, de consumidores empresariais ao povo miúdo, vide o caminhonaço.
Vinicius Torres Freire: Brasil, quase 200, envelheceu mal
Um país rachado tenta sair de recessão recorde com revolução econômica inédita
Tomadas de três pinos, armas, tuítes iletrados e guerrilha ideológica em geral nos distraem de modo lúgubre de novidades sérias na vida do país.
A volta de algum crescimento talvez leve anos, passam a dizer cada vez mais economistas, com o que bateremos o recorde da maior crise econômica da República. Pela primeira vez em pelo menos meio século, pretende-se fazer um acerto nas contas do governo sem aumento da carga tributária. Pela primeira vez em quase 90 anos, ou desde sempre, pretende-se fazer com que o país cresça sem intervenção ou investimento estatal —ao contrário.
Do que o país vai se ocupar nesta travessia do deserto? De guerra ideológica aberta e extensa? Pior? Seja como for, a perspectiva histórica ilumina um pouco do imenso problema: sair da recessão exorbitante em meio a uma reforma radical do Estado e profunda divisão ideológica, tropeçando nas ruínas do sistema político de 1988.
Os acertos nas contas públicas e outras acomodações sociais, econômicas e políticas dos últimos 50 anos se valeram do aumento da carga tributária, do total de impostos recolhidos por União, estados e municípios (ou de inflação).
Nos anos “J” (JK, Jânio e Jango), de 1956 a 1963, a carga tributária ficou em torno de 17% do PIB. Na ditadura, cresceu brutalmente até chegar a 25% do PIB na virada para os anos 1970, patamar em que ficou até antes do Plano Real. No final dos anos FHC, foi a 32% do PIB. Desde Lula, flutua em torno de 33%, tendo batido em 34% em 2007-08. Em 2017, última medida disponível, estava em 32,4% do PIB.
É possível argumentar, de modo politicamente ingênuo, que um aumento comedido de impostos combinado a um forte controle de gastos (e reformas), lá pelo início da recessão, talvez tivesse evitado o aumento explosivo da dívida pública, com o que a crise talvez fosse atenuada (se receita parecida fosse adotada no auge da bonança, lá por 2007, nem esta crise funérea teria havido). Mas não houve acordo. Ao contrário, o país se radicalizou.
O gasto federal aumentou cerca de 6,1% ao ano de 1998 (fim de FHC 1) a 2015 (fim de Dilma 2), em termos reais, além da inflação. Desde então, ficou estagnado.
Os investimentos cresceram mais sob Lula 2, mas a partir de um nível muito baixo, para onde voltaram desde 2016. Os gastos previdenciários crescem, os demais são comprimidos, o investimento em obras em particular.
O gasto com benefícios sociais cresceu no mesmo ritmo sob FHC 1 e Lula, algo menos sob Dilma Rousseff. Parte dessa despesa acabou por criar um sistema de proteção social que atenuou o impacto da recessão. Talvez por isso não vejamos convulsão sociopolítica.
Desde 2016 e ainda mais sob este governo, o programa é encolher o Estado e fazer reformas que criem no país algo mais próximo de uma economia de mercado. No curto prazo, o resultado é ainda maior depressão do investimento público e, por tabela, privado. Nesse programa, mesmo com ganhos de eficiência imensos será possível apenas manter o gasto social no nível em que está.
Dadas as previsões de crescimento, mais ou menos 2,5% ao ano a partir do ano que vem, ainda em 2022 o país seria mais pobre do que era em 2013 (o nível de renda, de PIB, per capita, seria menor). O desemprego de mais de 12% desde 2017 cairia para a casa dos 11% apenas em 2020, com trabalho muito precarizado.
2022, ano do bicentenário da Independência. O Brasil envelheceu mal.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro rebaixa os superministros
Fraqueza no Congresso e desordem da Presidência tiram status de Guedes e Moro
Era uma vez um governo que teria dois superministros, Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça). Entraram por uma porta, saíram por outra.
São príncipes transformados em plebeus da Esplanada dos Ministérios pelo caldeirão da política de Jair Bolsonaro, que tem intestinos envenenados, filé de serpente, pelo de morcego, língua de cão e múmias de feiticeiras, como o cozido das bruxas de Macbeth, mas não tem coalizão parlamentar. Fim.
Os superministros foram rebaixados porque o quase governo do Congresso independente poda suas capas heroicas. Porque Bolsonaro não tem um programa que respalde na prática os projetos de Guedes e Moro. Porque o presidente implicou com Moro, que não incorporou o bolsonarismo "raiz", como no caso menor do decreto faroeste.
Pior, o ministro da Justiça se tornou suspeito de querer a cadeira presidencial em 2022, assunto cada vez mais frequente de Bolsonaro, diz seu entorno.
Moro se torna um retrato na parede, mofado pela umidade da República de Curitiba, um troféu inerte do bolsonarismo.
Até agora incapaz de articulação social e com os estados, não tem assim como inventar um plano funcional e politicamente aceitável de segurança pública.
Qual será o projeto de Moro? Bater ponto até ser promovido ao STF pelo mérito de engolir sapos e de sobreviver a suspeitas da VazaJato?
Guedes pode ainda fazer um grande ministério, segundo a medida dos objetivos do programa liberal, mas não pela régua das ambições de sua estratégia grandiosa de refundação do país. Vide o sururu recente que causou na reforma da Previdência.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ofereceu ao ministro da Economia a aliança recusada de modo desatinado por Bolsonaro. Guedes balançou o coreto porque a Câmara deve dar cabo da proposta de capitalização, um pilar do seu plano de reconstrução nacional em termos liberais, com desmanche da lei trabalhista e a criação de um novo padrão de poupança.
O ministro ainda pode conseguir uma expressiva reforma da Previdência, mas parece achar pouco. Portanto, criou uma crise grátis, como dizia no final da semana qualquer liderança política, do PT ao DEM.
Guedes não vai refundar a economia, se por mais não fosse porque Bolsonaro não sabe nem quer saber do que se trata. Mas há mais: revoluções dependem de sangue ou ditaduras, para dizer a coisa de modo dramático, mas em última instância adequado.
O ministro pode fazer história, como tanto deseja, caso consiga relançar algum crescimento com peso maior da iniciativa privada. Para tanto, poderia contribuir para a reviravolta da regulação obtusa, errada e caquética que emperra o investimento privado em infraestrutura e novos negócios em geral.
Tende a dar certo, embora não tenha o apelo dramático, na verdade cafona, de enormidades ideológicas como o "conflito da social-democracia com a grande sociedade aberta" e essas conversas que pareciam novas em 1969.
Se o plano de reformas regulatórias e o planejamento de concessões não saírem neste ano, haverá obras apenas em 2021. Cadê? Um plano respeitável de reforma tributária tramita no Congresso, por iniciativa parlamentar. Os economistas de Bolsonaro vão ajudar ou vão querer reinventar a roda? Cadê a política comercial, que leva muito tempo para implementar?
É tarde. O Brasil está em crise faz seis anos, e o governo só tem mais três pela frente (os seis meses finais são de eleição).
Vinicius Torres Freire: Pibinho faz impaciência explodir
Pequenos e médios empresários escrevem para contar da exaustão e pedir solução já
“Deu!” “Não está funcionando.”
O estresse econômico transborda em fadiga de crise ou explosão de desesperança, a gente ouve por aí ou lê na caixa de mensagens. É a estafa de quem ao menos teve a boa sorte de sobreviver, pois muitos ficaram pelo caminho, para nem falar do povo largado na miséria.
A recaída do Pibinho detonou de vez a insatisfação, a impaciência com a política econômica e com seus economistas. Deflagrou a conversa do “é preciso fazer alguma coisa, já, ninguém aguenta mais”.
Economistas-padrão, entre encabulados, perdidos ou estoicos, não têm muito a oferecer de novo, no melhor dos casos.
Nos dias piores desta depressão que já dura seis anos, este jornalista recebia vez e outra mensagens de pequenos e médios empresários contando durezas da vida e oferecendo sugestões do que fazer do país. Jamais foram tão frequentes quanto nas últimas semanas. É gente que conseguiu manter a empresa, mas está pelas tampas, para escrever português claro.
“A agenda de corte de gastos não está funcionando. Acho que talvez o governo devesse mudar de tática. Aumentar o endividamento, gastar com infraestrutura, convencer os bacanas da Bolsa de que não é gasto, e sim investimento, que resultará em melhor arrecadação e recuperação da economia. Porque teto disto e daquilo já mostrou que não vai tirar o Brasil do buraco”, escreve um empresário do “ramo de artigos industriais e agrícolas”.
“Minha empresa sobreviveu, eu não muito, eu não vejo as minhas filhas direito faz anos. Fico pensando se não é melhor vender logo tudo e viver de renda modesta, mas sem angústia de ficar cheio de dívida com fornecedor, colaborador ou falir, porque eu não sei o que vai ser o mês que vem”, desabafa um fabricante de alimentos.
“Não tenho ‘fobia’ de investir, como você escreveu. Eu não investiria porque acabou o dinheiro, minhas reservas, e o meu faturamento cai todo ano e minha empresa rende menos que o Tesouro Direto. Deu!”, escreve empresária do comércio e fabricação de roupas.
“Minha empresa caiu para um terço do que era, demiti dezenas. Entendo que precisa fazer reforma, acabar com desperdício do governo, impostos insanos, mas isso leva tempo e nem fizeram nada até agora. Meu problema é saber se no fim do ano vou ter para pagar o salário do sr. V., que está comigo faz 20 anos”, relata mais um, do ramo de logística ou de serviços gerais, não deu para entender bem.
“Hoje, para cada real investido no país, você demora em média três anos para recuperar. É melhor colocar na poupança”, conta um fabricante de material de construção.
Economistas críticos da política econômica mais ou menos vigente desde 2015 costumam demonstrar mais empatia com essas angústias de “curto prazo”, que é quando a vida e a política acontecem. Entre tantas diferenças, concordam que a economia precisa de transfusão imediata de sangue, investimento, que não tem de onde vir, imediatamente, a não ser de investimento público direto ou coisa similar. De endividamento extra, em suma, e incentivos oficiais.
A receita não é trivial. Mas essa conversa tende a se disseminar.
Não há hipótese de que a equipe econômica deste governo possa cogitar medidas desse tipo. Quem tenha um plano alternativo e imaginativo, no entanto, pode propô-lo, com coerência, considerando o custo das medidas e o risco de consequências impremeditadas e contraproducentes.
Quem tem um plano desses?
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro cria conflito no país e promete criar também R$ 1 tri com novo plano infalível
Arrumação de gavetas ministeriais não resolve nada nem enche barriga
A pressão das redes insociáveis e a ameaça das ruas fazem efeito e intimidam o miolão do Câmara, o centrão e sua vizinhança, como se vê nesta semana: parece um gol dos bolsonaristas.
O governo recua de medidas ineptas ou repugnantes, por pressão de técnicos ou da sociedade: parece um gol de gente avessa ao governo.
A resultante não presta, a não ser para extremistas que pretendem emparedar instituições. Aumenta os passivos do governo no Congresso e cristaliza o conflito odiento na sociedade. A balbúrdia cria incerteza, medo do futuro, tanto no cidadão que corta ainda mais seus gastos no supermercado como no empresário que investiria um tico mais.
Nesta quarta-feira (22), os deputados desistiam de fazer vários implantes, transplantes e amputações na medida provisória que organizou ministérios ao gosto de Jair Bolsonaro, a dita MP da reforma administrativa.
Caíam até alterações combinadas com o governo, como a recriação do Ministério das Cidades.
É uma vitória do bolsonarismo raiz, liderado pelo próprio Bolsonaro. É uma vitória um tanto inútil, na prática, porque essa arrumação de gavetas ministeriais não resolve nada nem enche barriga. Mas a campanha de vitupérios nas redes e nas ruas contribui para dizimar algum resto de boa vontade do Congresso com o governo.
Quanto ao essencial, Bolsonaro não tem controle do que se passa no Parlamento, não apenas na reforma da Previdência. O Congresso faz tramitar sua reforma tributária e ignora o governo. O pacote anticrime de Sergio Moro pega poeira. O acirramento de ânimos pode levar deputados e senadores a limitar poderes presidenciais, por ora apenas ameaça, mas indício de que se enche o arsenal para o conflito.
O conflito parece ser a meta. Bolsonaro quer alargar os poderes presidenciais, segundo ele limitado por forças terríveis das corporações e, segundo seus seguidores, pelo Legislativo e Judiciário.
Incapaz de administrar, entrega-se a desvarios sobre as possibilidades de seu governo, como se soube também nesta quarta-feira, o que cria mais descrédito ou é contraproducente. Em encontro com governadores do Nordeste, prometeu maná.
Não quero adiantar aqui, brevemente estará sendo apresentado aos senhores antes, em especial aos presidentes da Câmara e líderes, um projeto que, com todo respeito ao Paulo Guedes, a previsão de nós termos dinheiro em caixa é maior do que a reforma da Previdência em dez anos e ninguém vai reclamar desse projeto, com toda certeza, será aprovado aqui por unanimidade nas duas Casas, se Deus quiser, discursou.
Primeiro, a reforma da Previdência não leva dinheiro algum ao caixa. Apenas impede desgraça maior nas contas públicas.
Segundo, não existe medida capaz de criar mais de R$ 1 trilhão a não ser que se faça um governo de rara excelência, em acordo azeitado com o Congresso, o que com alguma sorte aceleraria o crescimento e a arrecadação. Temos visto o contrário. Além dessa hipótese improvável, trata-se de mentira ou maluquice.
De onde sai R$ 1 trilhão?
Bolsonaro repetiu aos governadores que não vai aumentar impostos. Vai então haver em breve peixe grande nas concessões e nas privatizações, como disse Paulo Guedes? Em geral, isso não precisa de Congresso nem vai render tanto.
Parece ridículo discutir esse delírio, mas, considerem, é o que diz um presidente da República com mais de três anos e meio de governo pela frente.
Vinicius Torres Freire: Economia definha na desordem política
Indústria vai mal, governo segue sem rumo e Bolsonaro duvida das estatísticas nacionais
A indústria não cresce quase nada, soube-se nesta terça-feira (2) pelo IBGE.
No início da semana no Congresso, gente do governo tentava apagar os incêndios criados pelo próprio governo, mas o fazia com baldes d’água e à matroca.
A economia esfria, o que deve azedar os ânimos no país e, por tabela, no Congresso. Ânimos azedos no Congresso pioram o humor econômico.
A confiança de consumidores e empresas regride desde o início do ano. Virou fumaça a esperança que sempre se reaviva na eleição de um presidente.
O resultado da indústria foi ainda pior por causa dos efeitos econômicos da barbaridade de Brumadinho. Mas não convém dourar a pílula com lama assassina. A indústria extrativa (como minério de ferro) é responsável por 11% da produção industrial total. O restante é indústria de transformação.
A indústria de transformação cresceu apenas 0,4% neste primeiro bimestre, em relação aos primeiros dois meses de 2018. Em 12 meses, o crescimento foi de apenas 0,5%. O crescimento previsto para março da indústria em geral é próximo de zero.
O governo ainda apanha no Congresso. Até os líderes da bancada evangélica batem em Jair Bolsonaro.
Há racha no PSL e entre o PSL e o governo. Ouve-se revolta contra vários ministros relevantes e ameaças de aprovar restrição dura da capacidade do governo de baixar medidas provisórias.
O governo inventa mais moda. Debate o tal “pacto federativo”, em tese redistribuição de recursos e deveres entre União, Estados e municípios.
Ou o governo vai frustrar todo o mundo com essa história de divisão de dinheiro (não há dinheiro) ou, se bobear, vai levar um tombo, perder recursos e ficar com um buraco maior nas contas.
É possível. A desordem e a besteira estão grandes.
Lideranças do Congresso dizem que vai passar uma reforma da Previdência, mas sem cortes nos benefícios de idosos (BPC), de trabalhadores rurais e com alívio nas regras de aposentadorias de servidores, afora o veto ao sistema de capitalização e à desconstitucionalização das normas previdenciárias. Para começar.
BOLSONARO ATACA IBGE
Demagogos sinistros e autoritários em geral gostam da ideia ou da prática de falsificar estatísticas econômicas, dentre outras mentiras. No mínimo ou a princípio, assediam quem trabalha para produzir informações confiáveis, por meio das melhores técnicas conhecidas.
A falsificação de estatísticas é um desastre. Pode alterar o valor das coisas, violar a segurança de contratos, abater a confiança econômica. Enfim, é uma violência contra o debate democrático.
Tiranos como os chavistas e demagogos como os Kirchner destruíram o sistema de estatísticas de Venezuela e Argentina. Foi um dos meios pelos quais essa gente depauperou a economia e a vida inteligente de seus países.
Pela segunda vez, Jair Bolsonaro atacou sem fundamento as estatísticas de emprego do IBGE. Há quem se conforte com a ideia de que o presidente nada fez de concreto contra o instituto federal de estatísticas. Não é consolo. Se e quando o fizer, será tarde demais. O prejuízo da perda de credibilidade é imediato e leva anos para ser revertido.
“Ah, isso não vai acontecer.” A gente pode lembrar de fatos improváveis que aconteceram recentemente: pedaladas imensas, déficit público de mais de 10% do PIB (Produto Interno Bruto), tabelamento e manipulação de preços básicos da economia, decretação de mais sigilo sobre documentos de governo etc.
Vinicius Torres Freire: Não há governo
Rebelião na Câmara empareda governo, reformas naufragam, há anarquia em ministérios
O Congresso está à deriva, no que diz respeito aos interesses do governo. Alguns ministérios implodem em anarquia vexaminosa. A Câmara aprovou uma pauta-bomba nuclear, que na prática impede o governo de conter déficits —falta apenas a aprovação do Senado. Manter o teto de gastos talvez agora dependa da paralisação de parte da máquina pública.
Sem o serviço de bombeiro em tempo integral de Rodrigo Maia, foram detonadas várias bombas. Nada mais se pode dizer do que será feito da política e, pois, da economia, pois Jair Bolsonaro se omite, quando não agrava a crise.
No Congresso, havia ameaças de derrubar decretos do governo ou de chamar ministros às falas. Tudo isso, porém, virou picuinha, pois à noite a Câmara aprovou emenda constitucional que impede o Executivo de cortar certas despesas (como investimentos e emendas parlamentares).
Em menos de duas horas, maioria massacrante de deputados votou em dois turnos uma PEC que vai emparedar o governo, caso seja aprovada também no Senado.
De manhã, lideranças de partidos que juntam uns 300 dos 513 deputados até propuseram um novo pacto, mas com uma faca no pescoço do Planalto. Podaram da reforma previdenciária as mudanças nos benefícios para idosos muito pobres (BPC) e na aposentadoria rural. É um adeus para o trilhão de reais de economia em uma década, plano do ministro Paulo Guedes (Economia). Mas os deputados disseram ao menos que aceitam conversar, nessas novas bases.
O governo, porém, não tinha ordem ou capacidade nem de reagir a esse manifesto que na prática junta a Câmara inteira, afora oposição, o PSL e uns gatos pingados.
Os deputados não querem levar a fama de esfoladores de idosos, ainda mais porque os atingidos pela barragem da reforma da Previdência andam nas calçadas em que ficam os escritórios regionais dos parlamentares. Querem dividir a conta com o Planalto. O governo não está nem aí.
Ainda nesta terça-feira de naufrágio, Guedes ouviu dos governadoresque a reforma não anda sem que o governo crie um grupo de negociação, bancado por Bolsonaro. O ministro prometeu garantias para empréstimos estaduais, antecipação de receitas de privatizações e dinheiro do petróleo (royalties, participações e parte das concessões). Mas governador tem pouco voto no Congresso.
Vendo o tamanho do desarranjo, Guedes reuniu seu pessoal e o que resta de articuladores governistas a fim de nomear ao menos um relator para a reforma previdenciária. Não vai adiantar muito, pois a Comissão de Constituição e Justiça, onde a reforma tem de começar a tramitar, está em pé de guerra, interna e com o resto da liderança bolsonarista. O governo é omisso.
Deputados governistas faziam troça da desordem. "O cabaré pegou fogo e o Bolsonaro está lá resolvendo os problemas do Carluxo [Carlos, filho do presidente] na Secom [Secretaria de Comunicação] e recebendo o Flávio [o filho senador], que virou um zumbi", dizia um deles.
Um parlamentar próximo de Rodrigo Maia se dizia espantado com a ausência presidencial em assuntos críticos. Falava da anarquia no Ministério da Educação e o "risco" do Ministério do Turismo, "que está para explodir a qualquer momento". O ministro Marcelo Antônio é acusado de montar um esquema de candidatos-laranjas do PSL, na eleição de 2018.
Era difícil de entender se o governo espera um milagre, não entende a gravidade do vácuo ou quer um colapso, de propósito.
Vinicius Torres Freire: Cinzas no mundo do trabalho
Além de efeitos da crise, há sintomas de precariedades crônicas no emprego
A discussão do futuro das aposentadorias faz a gente lembrar que existem trabalhadores que dificilmente têm condições de contribuir para o INSS, por exemplo. De costume, a situação do trabalho é um assunto mais raro no debate público mais geral.
No entanto, é o caso de prestar atenção no que se passa, até porque um dos pilarzinhos da quase estagnação econômica, as estacas dessa palafita, é o consumo, que em parte grande depende da recuperação de emprego e salário.
Há cheiro de queimado no mundo do trabalho:
1) Emprego e salário desaceleram desde o terceiro trimestre do ano passado;
2) A precarização aumenta;
3) Setores em que houve grande devastação do trabalho, mal se recuperam (construção civil) ou têm sintomas de resfriado (indústria);
4) Não há decisões de políticas públicas que tratem da grande desgraça do emprego, de um setor ainda em recessão, o da construção civil;
5) O ritmo de criação de emprego formal desacelera e começa a ficar relevante a quantidade de empregados pelo regime de trabalho intermitente, o que suscita pelo menos uma dúvida séria sobre a qualidade do trabalho oferecido com carteira assinada.
Uma das categorias de emprego que crescem de modo mais rápido e relevante é o “por conta própria”, 23,9 milhões das 92,5 milhões de pessoas ocupadas. Destas “por conta”, 19,2 milhões não têm CNPJ. São informais de quase tudo.
Com razão, a gente se preocupa com o que vai ser das pessoas formalmente empregadas por trabalho intermitente. Por ora, são cerca de 10% dos novos empregos formais. Foi assim em 2018 (cerca 50 mil empregos intermitentes); foi assim em janeiro de 2019.
Não sabemos mesmo se essas pessoas de fato estão trabalhando, quanto ganham, como fica sua situação na Previdência (há um vácuo jurídico). Mas, repita-se, foram 50 mil contratados por essa invenção da reforma trabalhista. De um ano para cá, apareceram mais 400 mil pessoas ocupadas na categoria “por conta própria sem CNPJ”.
As estatísticas não são diretamente comparáveis (o intermitente aparece nos registros do Caged, o “por conta” nas amostras da Pnad do IBGE). Mas é possível notar a diferença de ordem de grandeza e a relativa indiferença do público em relação aos “por conta sem CNPJ” (para nem falar dos empregados sem carteira assinada)
Temos, pois, um problema de conjuntura que mal deixou de ser dramático combinado a uma bomba armada de gente desprotegida pela Previdência.
A criação de emprego formal cresceu ao ritmo anual de 1,2% em janeiro de 2019. Para refrescar a memória, a construção civil chegou a perder 33% de seus empregos formais. As indústrias extrativa e de transformação, algo na casa de 14%.
Os “por conta própria”, empregados sem CLT e mesmo empregados sem CNPJ são ainda parcelas crescentes do conjunto dos empregados. Não sabemos bem o que fazem os “por conta” nem de suas preferências de trabalho _são dos mais mal pagos. Para alguns otimistas, não se trata apenas de arranjo conjuntural, bico na crise, mas de gente que prefere se empregar de outro modo, “novas modalidades de trabalho que não são emprego”.
Por outro lado, sabemos é que empresas estão ociosas, com medo de contratar, de investir. Pode ser que algumas tenham se renovado e, estruturalmente mais enxutas, precisem de menos trabalho, tudo mais constante.
Seja qual for a combinação de crise de conjuntura e problemas estruturais, mesmo manter esse ritmo de crescimento ínfimo pode ficar difícil.
Vinicius Torres Freire: Brasil, líder mundial em recessão
Crise sem fim coloca o país no topo do ranking dos que mais empobreceram desde 2013
O Brasil se tornou um país de ponta em termos de recessão. A economia brasileira foi uma das que mais andaram para trás nesta década. De certo modo, foi a que mais regrediu no mundo inteiro.
Entre 2013 e 2017, em apenas 18 países o PIB per capita regrediu mais do que no Brasil. PIB per capita: o tamanho da economia (da produção ou da renda nacionais) dividido pela população. É uma medida relativa de pobreza/riqueza (de nível de renda, na verdade).
Por que não incluir o ano de 2018? Porque ainda não há dados disponíveis para a maioria dos países.
Por que medir a crise em cinco anos? É um tempo comprido o suficiente para atenuarmos os efeitos de acidentes de percurso, um ou outro ano de recessão excepcional. Por falar nisso, o crescimento brasileiro no quinquênio 2014-2018 apenas não foi pior do que naquele encerrado em 1992, desde que se tem notícia (desde 1901). O PIB per capita de 2018 ainda era 8,1% menor que o de 2013.
Como se dizia, entre 193 países, apenas 18 regrediram mais que o Brasil em termos de PIB per capita.
Oito deles têm economias muito dependentes dos preços do petróleo, que afundaram a partir de 2014 (Guiné Equatorial, Timor Leste, Kuait, Brunei, Omã, Angola, Suriname e Trinidad e Tobago).
Três países do grupo hiper-recessivo estavam ou estão em guerra civil (Iêmen, República Centro-Africana e Líbia, que também apanhou com o petróleo).
Outros três padecem de conflitos crônicos, como Burundi, Palestina (Cisjordânia e Faixa de Gaza) e Chade.
Líbano e Jordânia sofrem os efeitos de vasto tumulto regional: guerra na Síria, crise em parceiros comerciais etc. (além de zorra macroeconômica, no caso jordaniano).
Os demais são Samoa Americana e Dominica, dois países-ilha que, juntos, têm uma população de umas 130 mil pessoas e cabem em metade da cidade de São Paulo.
Essas comparações são ridículas? É verdade. Não tem muito cabimento comparar o Brasil com esses países. O Brasil tem muito mais tamanho, recursos materiais, naturais e humanos.
O Brasil é, pois, uma aberração nesse grupo de países de crises aberrantes. Chegamos ao topo do ranking mundial de regressão econômica sem precisarmos passar por colapso estatal, guerra ou ruína de preços de exportação.
Sim, a economia sofreu um pouco com a perda do valor de exportações (piora nos termos de troca, para ser mais preciso). Mas o Brasil regrediu muito mais do que países comparáveis e com problema de magnitude similar. Basta analisar a vizinhança, com exceção da demencial Venezuela. Por falar nisso, Síria e Venezuela não estão nesse ranking porque não apresentaram estatísticas razoáveis, se alguma.
É bom ressaltar que se trata aqui de crescimento econômico, não de nível de vida. Obviamente, mesmo viver no Brasil desta crise excepcional é desgracinha mínima perto daquela que as pessoas enfrentam na miséria de Burundi ou da República Centro-Africana, por exemplo.
Do mesmo modo, as depressões de 1988-92 e 2014-18 têm dimensões similares no que diz respeito ao retrocesso do PIB per capita, mas efeitos sociais diferentes. Na desgraça do quinquênio encerrado em 1992, o país era mais pobre, havia hiperinflação e muito menos serviços e assistência sociais.
Resumo desta opereta: ainda assim, vivemos crise excepcional, raríssima na nossa história e na comparação com o restante do mundo. O acúmulo das nossas perversões explodiu nesta década de modo especialmente sinistro.