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Vinicius Torres Freire: Governistas sugerem alta de imposto, mas Bolsonaro sabe sobreviver na sua selva

Certo é que presidente mostra capacidade de sobrevivência, favorecido pela inexistência de oposição

Bancar o Renda Cidadã com aumento de imposto é de fato uma conversa entre deputados governistas. Alguns ainda parecem não entender que o governo apenas poderia gastar essa receita extra caso fosse alterado o teto de gastos. A pergunta mais importante, no entanto, é se Jair Bolsonaro arrumaria de fato alguma dessas encrencas.

Pode sair aumento de imposto? Ou pode se armar outro arranjo com o Congresso? Por exemplo, uma extensão do estado de calamidade casado com “reformas” grandes de cortes de despesas, uma gambiarra de alto nível, por assim dizer. Assim, seria possível pagar algum auxílio emergencial a mais, haveria sobra de dinheiro advinda de arrochos (sobre servidores, por exemplo) e algum tempo para arrumar financiamento permanente para um Renda Cidadã. Até mesmo neste governo, algum pouco de organização política poderia parir uma solução dessa espécie.

Na política, Bolsonaro se desdiz sem vergonha, o que tem saído de graça. Na economia, apesar dos arreganhos por si só daninhos, não chegou a tomar ou patrocinar nenhuma decisão final contra o teto ou a favor de aumento de impostos. É omisso, inepto ou avacalha projetos de “reformas” política e socialmente mais sensíveis, mas até agora não ultrapassou de fato o sinal vermelho dos donos do dinheiro grosso, apesar da baderna financeira que seu governo causa.

Na política, é diferente. Bolsonaro escorraçou o lavajatismo, aliou-se à “velha política”, montou bancada mínima para evitar impeachment e interrompeu os comícios golpistas e os ataques ao Supremo, com quem negocia acordão ou acordões. Limitou (mas não cassou) as graças concedidas a “terrivelmente evangélicos”, aos “ideológicos” ainda mais lunáticos e aos adeptos da propaganda do “gabinete do ódio”, até porque tem contas a pagar no Congresso e no Supremo.

Parou também de vociferar naquelas saidinhas do Alvorada. Agora faz comício para inaugurar bica d’água, caminho de vaca e pedra fundamental de ponte.

É verdade que Bolsonaro, Paulo Guedes e o governismo são capazes de dar tiros no pé tais como o vexame ridículo, contraproducente e alienado da pedalada dos precatórios. É verdade também que, dados os vetos de Bolsonaro a cortes de gastos sociais e as ideias de Guedes, restaria nenhuma alternativa a não ser gambiarra, mexida de fato no teto ou uma negociação mais complicada no Congresso (trocar uma extensão da calamidade por grandes “reformas”).

Dados os estranhamentos entre governo e centrão, de um lado, e Rodrigo Maia mais partes de DEM, MDB e PSDB, essa negociação complicada parece remota. Por ora.

Essa novela toda parece ainda mais tediosa a pessoas normais, mas é preciso repetir: desse rolo dependem a fome de milhões e as taxas de juros e o dólar que podem ou não encrencar o crescimento. Do ponto de vista do ocupante da cadeira de presidente, desse rolo depende parte relevante de sua popularidade. O Congresso, de resto, vai ficar parado até acabar o auxílio?

Outras incertezas obscurecem o caminho da solução, claro: o ritmo da economia no final do ano, a possibilidade de vacina, de recuo menos vagaroso da epidemia ou a disputa pelo comando do Congresso em 2021 (conflito que não é besteirinha: foi o começo do fim de Dilma Rousseff, em 2015). Certo é que Bolsonaro tem mostrado capacidade de sobrevivência na selva que ele mesmo cria, se ajeitando politicamente, favorecido ainda pela inexistência de oposição. Não é fácil descartar a hipótese que faça um acordão que o beneficie também nessa história do Renda Cidadã.


Vinicius Torres Freire: CPMF de Guedes e pedalada param Congresso e ameaçam povo com mais fome

Está uma zorra total e não vai haver Carnaval. A pedalada do Renda Cidadã subiu no telhado ou, pelo menos, o governo tenta dourar a pílula da moratória dos precatórios, que o povo do mercado e quase todo mundo cuspiu. Na Câmara, há estranhamento entre parte dos parlamentares de DEM, MDB e PSDB e outros que querem tocar a reforma tributária e o centrão, que assumiu de vez o comando parlamentar do governo. Graças ao sururu causado pela CPMF, mas não apenas, a mudança dos impostos está indo para o vinagre. O resto do ano no Congresso fica cada vez mais curto.

Paulo Guedes tenta sair de fininho do vexame do plano pedalada. Além do mais, se estranha cada vez mais com Rodrigo Maia, até agora condestável das reformas, cada vez mais desafiado pelo centrão, se por mais não fosse porque começou a disputa pela presidência da Câmara em 2021.

Segundo o padrão bolsonarista de disseminar “fakes” e tirar o corpo fora, Guedes disse nesta quarta-feira que “há boatos” de que Maia e a esquerda fizeram acordo para barrar privatizações”, aquelas que, no entanto, o governo não consegue organizar ou mandar para o Congresso.

Maia respondeu que Guedes está “desequilibrado” e recomendou que o ministro da Economia veja “A Queda”. Hum.

Trata-se do filme que deu origem àquela série de memes com paródias da cena do chilique de Hitler. Narra a vida no bunker nazista em Berlim, sob fogo dos soviéticos. A interpretação mais benevolente da dica de Maia é que Guedes poderia aprender algo com a história de um bando de psicopatas assassinos à beira do fim, ainda mais alheados da realidade, presos a uma bolha física e mental.

Os líderes do governo no Congresso ainda querem tocar o Renda Cidadã tal como anunciado, com moratória de precatório, com Fundeb, com pedalada, com tudo. Gente do Planalto e mesmo Guedes tentam adoçar o remédio e dizem que o plano do governo “não é bem assim”.

Hum. É ou era.

“É um prazer, uma honra e uma satisfação, presidente, poder anunciar o teu programa”, discursou o senador Márcio Bittar MDB-AC) antes de explicar de onde viria o dinheiro do Renda Cidadã. Depois de assim cumprimentar Jair Bolsonaro, Bittar contou que o programa seria financiado com moratória de precatórios e com parte de recursos federais para a educação básica.

Isso foi na segunda-feira de tarde. Na quarta-feira, Guedes chamou a ideia de “puxadinho”, entre outras desqualificações. O ministro estava no palanque do anúncio do Renda Cidadã e então nada disse a respeito. Já era contra o plano? No Planalto, há quem diga que o ministro não gostara mesmo da ideia; há quem o acuse de querer pular fora do barco que furou.

Também no dia do anúncio, Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, disse que Guedes foi consultado e que Bolsonaro “validou” o que ele e Bittar chamaram de “solução final” para o Renda Cidadã. Como dizia o surfista da caricatura dos anos 1980, “ó u auê aí, ó”: olha a confusão.

Guedes afirmou também nesta quarta-feira que o Renda Cidadã terá dinheiro da fusão de vários programas sociais, 27 deles, segundo o ministro, embora Bolsonaro seja contra “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. Seja lá como for, todas as “soluções finais” aventadas até agora dependem da aprovação de alguma mudança na Constituição, caso se queira conseguir um dinheiro bom para ampliar o Bolsa Família.

Dá tempo? Daqui a três meses, acabam de vez os auxílios emergenciais. Algo vai acontecer: mais fome, sururu no mercado ou “tirar de pobres para paupérrimos”.


Vinicius Torres Freire: Pedalada de Bolsonaro acelera a piora das condições financeira do país

Não foi um bom mês em mercados financeiros relevantes do mundo, mas aqui foi pior

A Bolsa de São Paulo subia pouco antes de o governo anunciar seu projeto ciclístico, na segunda-feira. Desde que se soube da pedalada Bolsonaro-Guedes, a virada do Ibovespa foi de mais 5%. Desde o pico recente de 29 de julho, o principal índice de ações da bolsa perdeu mais de 11%.

E daí? O preço das ações depende também das taxas de juros, em alta desde inícios de setembro e que deram um salto desde o anúncio da pedalada do Renda Cidadã (a moratória dos precatórios e a mão grande no dinheiro do Fundeb). Deram um salto e continuam penduradas no galho. Até as taxas de prazos mais curtos, de um ano, ficaram salgadas.

Em geral, o preço das ações em baixa é um desestímulo para empresas que pensam em vender mais ações ou abrir capital (grosso modo, ninguém quer partilhar sua expectativa de lucros a preço de banana). É a manifestação de um sintoma mais extenso de cautela ou de retranca mesmo. Capital mais caro, é óbvio, desestimula investimentos, expansão dos negócios.

Claro que esses indicadores podem mudar em minutos, para baixo ou para cima. Um dia ou uma semana de remelexos ou mesmo de paniquitos do mercado financeiro não dizem grande coisa. No entanto, uns dois ou três meses de aperto das condições financeiras bastam para começar a engrossar o caldo da economia. “Condições financeiras”: juros, Bolsa, dólar, risco país etc.

Faz um mês que a situação anda malparada. Não foi um bom mês em mercados financeiros relevantes do mundo, mas aqui foi pior. Quanto mais durar o passeio ciclístico da dívida proposto pelo governismo, mais o caldo engrossa. Como se não bastasse a pedalada, o governo também criou encrenca na reforma tributária. Talvez se desperdice o resto escasso de tempo parlamentar deste ano, que será encurtado em um mês pela eleição, em novembro.

Até a noite desta terça-feira, o governismo (Bolsonaro, Guedes e centrão) estava decidido a tocar a ideia de financiar o Renda Cidadã com a moratória de precatórios, embora já tentassem inventar algum outro malabarismo, o que põe mais lenha no fogão. Dada a rejeição da CPMF de Paulo Guedes, Bolsonaro resolveu melar o jogo da reforma tributária até praticamente dezembro (embora, decidido e organizado como seja, possa mudar de ideia amanhã).

A pedalada e a cera na reforma tributária criaram e criarão mais conflitos na Câmara, que é a única entidade que toca de fato as “reformas”.

É evidente, portanto, o risco de que tenhamos mais dois meses de tensão ou paralisia decisória, se não coisa pior. No que diz respeito às “condições financeiras” tanto faz se a gente é adepta ou adversária das “reformas”. Esse rebuliço ignaro do governo sempre lasca algum crescimento econômico.

As reviravoltas políticas e inépcias do governo em geral balançam excessivamente o barco. O preço do dólar depende um bom tanto de jogatina ou de especulações, mas a tensão das peripécias birutas contribui para a volatilidade. O dólar foi a quase R$ 5,90 em maio, baixou a R$ 4,82 no início de junho e está de volta à casa dos R$ 5,60, variações próximas da ordem de 20% em semanas. Isso não presta.

Taxas de juros de longo prazo mais altas prejudicam o financiamento da dívida do governo, que tem de pagar mais o encurtar o prazo, o que está acontecendo de modo preocupante. Pode até parecer que não esteja acontecendo algo de especialmente grave, para as pessoas normais, que não se ocupam disso no dia a dia. Mas esses problemas são veneno em dose pequena e constante: em um certo momento, iremos para o hospital.


Vinicius Torres Freire: Pedalada de Bolsonaro e Guedes bota fogo nos mercados do Brasil dos incêndios

Governo quer dar calote, furar o teto e passar a conta dessa mutreta para o Congresso

A gente esperava que o governo inventasse uma gambiarra a fim de arrumar dinheiro para o Renda Cidadã. Isto é, uma malandragem qualquer para furar o teto de gastos e tentar fingir que não aconteceu nada. Mas a cara de pau foi grande. O governo quer fazer uns R$ 40 bilhões de dívida extra, 0,5% do PIB, fingindo que não. É pedalada.

A esperteza é que Jair Bolsonaro quer pôr essa mutreta na conta do Congresso. Não quis cortar o abono salarial ou congelar os benefícios do INSS, necessário para fazer o Renda Cidadão e manter o teto de gastos. Também não teve coragem e capacidade de propor uma reforma séria do teto. O que sugere então? Calote e mão grande.

Quase todo mundo percebeu a picaretagem, principalmente os colegas de profissão de Paulo Guedes, negociantes de dinheiro. Com o anúncio do novo “plano infalível”, as taxas de juros de longo prazo foram às alturas do pânico da pandemia, em abril. O povo do mercado fugiu da Bolsa e comprou dólar. Enfim, do que se trata?

O governo pretende deixar de pagar R$ 39,4 bilhões dos R$ 55,2 bilhões de precatórios e sentenças judiciais devidos e previstos no pré-Orçamento de 2021. É dinheiro que o governo deve, por decisão da Justiça, para gente que recebe do INSS (43% do total dessas dívidas), para servidores (19% do total) e débitos diversos.

Com esse calote, quer pagar os benefícios de um Bolsa Família encorpado, o Renda Cidadã. Nos planos vagos do governo, o programa chegaria a 24,3 milhões de famílias, que receberiam R$ 260 por mês (ante R$ 191 do Bolsa Família de antes da pandemia).

Na prática, o governo quer fazer uma dívida extra sem dizer que é dívida extra: fazer dívida “escondida” para bancar gastos além do permitido pelo teto. O dinheiro viria dos precatórios que deixam de ser pagos. Essa é a gambiarra: esse empréstimo forçado, arrancado de quem tem dinheiro a receber do governo por sentença judicial. É moratória ou “reestruturação forçada” de dívida.

Para o Renda Cidadã, o governo também vai pegar parte do dinheiro que é obrigado a transferir para estados e municípios gastarem em educação. Quer tomar 5% do Fundeb, o que dá mais R$ 980 milhões, em 2021. O gasto no Fundeb não está sob o limite do teto. O governo vai, pois, gastar um dinheiro em despesas que estão sob o teto (como o Bolsa Família), mas fingindo que não está fazendo tal coisa. É pedalada.

“Tecnicamente”, o governo quer se limitar a pagar precatórios no valor equivalente a 2% da receita corrente líquida da União, o que dá R$ 16,09 bilhões em 2021. O restante dos precatórios devidos fica para ser pago “um dia”, a perder de vista. Vira mais dívida.

Como lembra Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), precatórios não pagos são contados na dívida consolidada, diz a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A IFI é um órgão independente de acompanhamento e avaliação das contas públicas, ligado formalmente ao Senado. Felipe Salto, diretor-executivo da instituição, observa ainda que tirar dinheiro do Fundeb é tentativa de driblar o teto de gastos e que o governo se furtou a cortar gastos para arrumar fundos para o Renda Cidadã.

É legítimo querer mudar o teto constitucional de gastos. Dada a situação do governo e do país, no entanto, fazer tal mudança exige grande capacidade técnica e política de modo que a emenda não saia pior do que o soneto. Exige um acordo nacional. Bolsonaro está propondo apenas maracutaia fiscal. Para os donos do dinheiro, é um sintoma de que o governo pode aprontar inclusive para cima deles.

A pressão da sociedade e o Congresso criaram o auxílio emergencial de R$ 600, o que evitou fome, convulsão social e recessão ainda maior. Foi um presente para Bolsonaro. O que ele faz agora? Tumulto picareta, que dá em tensão financeira, que prejudica uma retomada econômica que já seria difícil.

Queima a Amazônia, queima o Pantanal, queima a educação, tem morticínio, tem insulto de humilhados e ofendidos. Agora queima também o mercado. Isto é o Brasil de Bolsonaro.​


Vinicius Torres Freire: Reforma de impostos de Guedes é injusta, ineficiente e selvagem

Com CPMF, reforma do governo aumenta injustiça e ineficiência tributária no país

“Poucas ideias são tão ruins que não podem ser pioradas. Infelizmente, o sistema tributário brasileiro não é exceção à regra… Uma prova disso é a constante ameaça do retorno da famosa … CPMF”, escreveu Adolfo Sachsida em um livro de 2017. Sachsida é ora secretário de Política Econômica do Ministério da Economia de Paulo Guedes.

A esse respeito, muita gente está de acordo com o secretário, este jornalista inclusive. Guedes quer substituir um imposto ruim e decadente, a contribuição patronal para o INSS, por um ainda pior, a CPMF ou equivalente. Se conseguir, vai aumentar a confusão, as distorções e várias iniquidades da tributação no Brasil.

Um modo de acabar com o imposto sobre folha de salários é tributar mais a renda, de preferência a dos mais ricos (ou o consumo, alternativa pior). Tributar mais os rendimentos maiores é também um modo de pegar os lucros da “economia digital”, que têm escapado dos fiscos do mundo inteiro.

Guedes não quer bulir com o IR. Pretende comer a renda de modo insidioso, com uma CPMF, imposto menos visível e que trata ricos e pobres da mesma maneira.

A ideia do ministro é arrumar R$ 120 bilhões a fim de reduzir o que as empresas pagam para o INSS. Acabaria o imposto sobre remunerações de um salário mínimo ou menos; a contribuição sobre salários maiores diminuiria. Uma conta de guardanapo indica que, de fato, esse dinheiro seria bastante para reduzir a alíquota do INSS de 20% para uns 11% (para salários maiores que um mínimo), tudo mais constante.

Guedes acha que arrecadaria esses R$ 120 bilhões com uma alíquota de 0,4% para sua CPMF misteriosa. Quando a CPMF era de 0,38% (de 2002 a 2007), a receita era regularmente 1,35% do PIB, atualmente uns R$ 94 bilhões. Mas passemos, pois ninguém sabe o que é essa CPMF do ministro e a economia mudou em 13 anos.

Uma CPMF ou coisa que o valha vai pesar mais sobre indústria e agricultura, menos sobre serviços. Impostos sobre a folha de salários, como a contribuição patronal para o INSS, pesam mais, claro, sobre setores que gastam relativamente mais com mão de obra e menos com capital.

Mas ao fim e ao cabo, impostos sobre transações financeiras são selvagens, em nada relacionados a um critério econômico razoável. Uma cadeia de produção longa e movimentação financeira relativamente grande levarão uma empresa a “pagar” mais (na verdade, a recolher mais imposto, repassando a conta para o cliente).

A CPMF tende a aumentar a iniquidade social e econômica da tributação. Um grande princípio da reforma tributária seria justamente uniformizar o quanto possível os impostos que cada setor ou empresa têm de recolher. Outro motivo da reforma é acabar com a cumulatividade (o imposto em cascata, que fica mais pesado quanto mais “fases” a produção de um bem ou serviço envolver). A CPMF é cumulativa.

Além do mais, uma CPMF de 0,4% é uma enormidade em ambiente de taxas de juros baixas. Logo, vai criar tumulto e custo também no mercado financeiro.

A redução dos encargos sobre a folha vai ajudar a criar empregos? Não há evidências. Talvez facilite formalização e contratações quando e se a economia estiver crescendo. Impostos menores sobre o emprego podem ser um coadjuvante da melhoria do mercado de trabalho, mas não o motivo.

Deputados relevantes ainda dizem que a CPMF não passa ou que pode atrasar a reforma tributária. Que o país esteja discutindo tal coisa é outro sucesso da selvageria iníqua e ignara que move o governo de Jair Bolsonaro.


Vinicius Torres Freire: Faca amolada no imposto e nó cego na economia de Guedes

Depois de semanas de reviravoltas, não há dinheiro para Bolsa Família gordo

A última de Paulo Guedes é aumentar o imposto das empresas que pagam tributos pelo Simples, noticia esta Folha. É o último ou o mais recente plano infalível do ministro para bancar um Bolsa Família encorpado. É bobagem ou é prenúncio de gambiarra fiscal que vai acabar na Justiça ou em coisa pior.

Não importa qual seja o aumento de imposto, seja lá como for feito ou que nome tenha, tal como “reoneração”, a arrecadação extra não pode ser gasta em despesa nova que ultrapasse o teto de gastos.

Mas, francamente, a esta altura da birutice, discutir essas coisas talvez seja perda de tempo ingênua. Ainda assim, a maluquice tem um custo, difícil de perceber no dia a dia.

Para começar, a doideira transforma a discussão da reforma tributária em uma mixórdia. Guedes quer criar uma CPMF ou um pacote de “tributos alternativos” que inclua um imposto sobre transações. Quer agora cobrar mais das empresas do Simples. Em tese, não haveria aumento de carga tributária total porque haveria compensações, como a redução dos impostos sobre folha de pagamento das empresas e, um dinheiro bem menor, das contribuições para o Sistema S.

Mas tudo isso é especulativo, pois não há projeto e menos ainda números na ponta do lápis. Nem para o projeto de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) o governo apresentou números que justificassem a alíquota que propôs (a CBS substituiria o PIS/Cofins).

Ou seja, o governo põe mais lenha em uma discussão que vai pegar fogo, se houver discussão de fato sobre reforma tributária, se não for tudo para o vinagre, dada a baderna criada pelo governo.

Em segundo lugar, ninguém com um mínimo de conhecimento sobre o assunto entende de onde vai sair o dinheiro para esse programa de renda básica, renda cidadã, Bolsa Família Verde Amarelo ou coisa que o valha. Jair Bolsonaro até agora vetou todas as fontes possíveis de financiamento, em tese levando em conta que existe um teto de gastos. Assim, gente de “o mercado” e especialistas em contas públicas especulam que pode vir uma gambiarra qualquer.

O que seria? Uma autorização para gastar além do teto, específica para o Bolsa Família encorpado. Talvez uma prorrogação limitada do estado de calamidade, que permitiu gastos de centenas de bilhões de reais além do teto, neste ano de 2020. Sim, é mera especulação, mas tem consequências práticas. Por causa disso, os donos do dinheiro grosso estão cobrando mais caro para emprestar ao governo deficitário, o que, por tabela, eleva as taxas de juros para a economia inteira.

O público em geral não liga para essas coisas ou nem nota. Talvez preste atenção quando vier a “facada” de Guedes. Mais gente seria afetada individualmente por aumento de impostos do que pela redução deles. A ideia de que a o alívio tributário sobre folha de salários possa, por si, criar empregos é também especulativa. Por falar nisso, o ritmo de criação de empregos foi fraquinho de julho para agosto, mostra a pesquisa do IBGE.

Em resumo: 1) a gente não sabe o que vai ser o Orçamento do ano que vem; 2) não conhece em que bases se vai discutir uma reforma tributária; 3) desconhece o que será feito do contingente aumentado de miseráveis depois do fim do auxílio emergencial; 4) ignora como o governo vai fechar as contas a partir de 2021 (porque a despesa vai bater no teto); 5) se angustia com o risco de a economia despencar no ano que vem, caso o corte de mais de meio trilhão de reais de despesa federal não seja compensado por uma retomada forte de investimento e consumo.

Quem liga?


Vinicius Torres Freire: A novela dos pobres no governo Bolsonaro

Depois de semanas de reviravoltas, não há dinheiro para Bolsa Família gordo

Na história da TV, ficou célebre um método para dar um jeito em novelas com enredo enrolado, insolúvel e cheio de personagens: matar todo o mundo. Por enquanto, parece esse o destino da novela da criação de um Bolsa Família Verde Amarelo. Afora mágicas e milagres, não há solução a não ser matar esse plano ou matar um personagem qualquer que ainda não entrou na dança.

Além da confusão no “núcleo pobre” desse drama, há risco de a história ficar ainda mais enrolada no “núcleo politico”, pois o governo quer mesmo criar uma CPMF ou “tributos alternativos”, no dizer de Paulo Guedes.

No antepenúltimo capítulo da novela, Jair Bolsonaro proibira “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. No penúltimo episódio, governo e parlamentares governistas teriam acertado que bancariam o Bolsa Família encorpado tirando dinheiro de quem recebe benefícios do INSS e do gasto em saúde e educação.

No capítulo desta quarta (23), Bolsonaro teria vetado o corte de aposentadorias e assemelhados, dizem deputados. Outros afirmam que a proposta de congelar o reajuste do salário mínimo não passaria mesmo (o salário mínimo é o valor do piso dos benefícios previdenciários e assistenciais). Dizem também que não aprovam o fim do reajuste obrigatório da despesa mínima em saúde e educação (isto é, da correção ao menos pela inflação). Mesmo que aprovassem a correção obrigatória, haveria reajuste de qualquer maneira.

Para recordar: o Bolsa Família encorpado não pode então ter dinheiro do fim do abono salarial, do seguro-desemprego sazonal para pescadores, do congelamento de benefícios do INSS ou de saúde e educação. Deputados vetam também, claro, qualquer mexida nos fundos constitucionais (como os que dirigem recursos às regiões).

No entanto, os parlamentares governistas dizem que o plano é criar um programa de renda básica que pague cerca de R$ 226 a 24 milhões de famílias. Trata-se um aumento de R$ 30 bilhões na despesa do Bolsa Família (ora orçada em quase R$ 35 bilhões para 2021).

Não haverá dinheiro, nem mesmo esfolando os servidores públicos no limite previsto pelas emendas constitucionais enviadas pelo governo ao Congresso no final de 2019 (a Emergencial e a do Pacto Federativo). Não haverá fundos mesmo se forem cortados penduricalhos de funcionários da elite salarial ou “enxugando a máquina”, já na penúria.

Note-se que a despesa da Previdência vai continuar a crescer, mesmo com a reforma —aliás, não está crescendo porque o número de beneficiários está quase congelado.

Ressalte-se que um Bolsa Família encorpado seria uma despesa obrigatória grande sem fonte regular de financiamento. Mais ainda: se a renda mínima fosse criada e a despesa da Previdência continuar a crescer (e vai), minguaria até a seca o dinheiro para investimento em obras.

Assim, a criação de uma fonte de recursos para uma renda mínima é conflito político na certa, mui provavelmente com os servidores, alternativa restante. Caso o governo insista na CPMF ou no “tributo alternativo”, vai juntar o sururu ao salseiro. O governismo ora mais encorpado no Congresso aceita discutir o imposto, mas a opinião de líderes é que há pouca disposição de levar o assunto adiante.

Por fim: aumentar a receita de impostos não resolve o problema de financiamento da renda mínima, do investimento ou do que for, dado o teto de gastos. Podem cobrar CPMF, “taxar grandes fortunas”, o hectare de mata queimada ou o ouro de Marte que não adianta: não se pode aumentar despesa. Tem de tirar de alguém para dar aos paupérrimos.


Vinicius Torres Freire: A inflação do tijolo e do arroz tende a passar, também por um motivo ruim

Carestia será atenuada pela redução da renda dos mais pobres, com corte no auxílio

Tijolo, tintas, tubos e conexões ficaram bem mais caros na epidemia, além do arroz, do feijão, do ovo, do frango e do óleo de soja. São carestias diferentes, mas são o assunto da vida dura e real.

Varejo e grandes construtoras reclamam dos preços e da falta de produtos no prazo desejado. Vai passar, em parte boa notícia, em parte, não.

A alta do consumo de comida e de materiais de construção revela, como se ainda fosse preciso, a barbaridade da distribuição de renda no Brasil. Um tico mais de dinheiro na mão do povo causa bafafá. Quando acabar o auxílio emergencial, como vai ser?

Falta produto porque houve parada na produção na pandemia e porque o mercado de construção "formiga" esquentou, tudo óbvio. Houve forte redução de estoques na economia inteira, o que ficou evidente nos dados do PIB do segundo trimestre. O consumo de certos itens de resto explodiu a partir de maio, com o auxílio emergencial. A produção volta lentamente, no caso de materiais típicos da construção civil.

Apenas neste ano, até agosto, o preço médio do tijolo aumentou 17%. O das tintas, 6%. O do cimento, 11%. A inflação média, medida pelo IPCA, está em 0,7% neste 2020. Nem todo material para obras ficou mais caro, porém. O Custo Unitário Básico (CUB), o preço médio de fazer uma casa, por assim dizer, aumentou 2,9% em um ano, na média brasileira (ante 2,1% do IPCA em 12 meses), dados até junho. O preço da mão de obra para reformas ficou estagnado neste ano.

De modo geral, as vendas no varejo de material de construção subiram bem, em particular desde maio. No ano, já superam em 1,9% as do mesmo período de 2020 (mesmo assim, um crescimento fraco. A esta altura do ano passado, a alta nas vendas era de 4,5%). No varejo em geral, o faturamento ainda cai 1,8%.

A produção de materiais de construção ainda apanha muito, caindo 8,5% no ano, um pouco menos do que a indústria de transformação em geral (que cai 10,6%). O resultado é inflação, pontos de distribuição com pouco produto, atrasos na entrega. Não tem surpresa aí. Tende a passar.

Segundo os produtores de material, não houve destruição notável de empresas, embora as firmas estejam endividadas. Com a retomada da produção, ainda complicada pela epidemia e pela falta de matérias-primas, essa desordem no mercado será passageira, mas difícil. Os fabricantes dizem que, sem mais acidentes, a coisa volta ao normal pelo fim do ano.

Mais deprimente é que o problema será atenuado pela redução da renda dos mais pobres. O auxílio emergencial mais do que cobriu a perda total de rendimentos do trabalho (da "massa de rendimentos") na pandemia e beneficiou especialmente quem ganhava pouco ou nada. Os auxílios de renda chegam a 44% dos domicílios, segundo o IBGE.

Com o fim do pagamento do auxílio emergencial, talvez a massa de rendimentos não caia muito lá pelo início de 2021, especulam economistas, com otimismo exagerado. Esse corte em parte será compensado por alguma recuperação do emprego e pelo gasto do dinheiro poupado na pandemia.

Mas a volta do emprego dos pobres será muito lerda e precária, até porque se empregam em pequenos serviços, que dependem da normalização na vida das cidades, que vai demorar. Além do mais, a retenção do consumo (o aumento da poupança) deve ter ocorrido entre os mais ricos.

A recuperação que houver em 2021, além de parcial, será desbalanceada, em desfavor dos miúdos e miseráveis, para variar. As carestias, do arroz ou do tijolo, devem passar também pelo pior dos motivos.


Vinicius Torres Freire: Morte e destruição não afetam Bolsonaro

Presidente se descola de epidemia, queimada, fracasso de renda básica, carestia de comida

O Pantanal que queimou até agora é do tamanho de metade do estado do Rio de Janeiro. É mais ou menos o triplo da área da região metropolitana de São Paulo, onde vivem quase 22 milhões de pessoas em 39 cidades. É maior que o estado de Sergipe inteiro.

Algumas pessoas se comovem com a imagem horrível dos pobres bichos mortos ou fugindo do fogo queimados e asfixiados, pedindo água nas estradas e nas ruas das cidades à beira do inferno. Sabe-se lá quantas poucas se preocupam com o tamanho do desastre ambiental, da calamidade irreversível que pode ter havido.

No mais, parece que o sentimento nacional de emergência definha quanto mais cresce nossa tolerância com a morte e a destruição. Sempre grande, a indiferença parece maior nos tempos de Jair Bolsonaro.

Ainda morrem 800 pessoas por dia de Covid-19. É como se todos os dias morressem todas as crianças de uma escola das grandes aqui de São Paulo. Talvez imaginar todos os pequenos cadáveres estendidos no pátio ajudasse a suscitar alguma comiseração. Mas talvez na verdade argumentem que três de cada quatro mortos são velhos, gente de mais de 60 anos, “e daí?”, como se faz numa dessas trocas quaisquer de insultos sórdidos e burrice feroz das redes insociáveis.

A indiferença pela epidemia é crescente, notam jornalistas e especialistas que medem a atenção da audiência, do público. Os abatidos pela Covid-19 mais e mais fazem parte da natureza mortal do Brasil, das dezenas de milhares de assassinados ou mortos no trânsito, para as quais quase ninguém liga. No Natal deste ano horrível de 2020 os mortos pelo vírus talvez sejam 200 mil.

Como se sabe com muito asco, o governo federal jamais juntou uma comissão dos melhores cientistas ou pensadores e administradores de calamidades a fim de conter o espalhamento da morte pelo coronavírus. Ao contrário, escorraçou toda a gente estudiosa, a razão e a humanidade. Transformou o Ministério da Saúde em um almoxarifado militar. Por que haveria de se ocupar da emergência do Pantanal?

A destruição do Pantanal, da Amazônia e do que resta do cerrado é parte do programa da coalizão governista, que juntou também grileiros, mineradores e madeireiros ilegais e o pior do agronegócio. Tudo isso é óbvio. Mais importante para quem pretende se ocupar da próxima destruição ou evita-la é o método Bolsonaro de ser irresponsável. Isto é, de não assumir suas responsabilidades, da capacidade de se colocar em um universo à parte, em uma bolha de culto à personalidade desvairado e odiento.

Bolsonaro se exime de responsabilidades na epidemia, nas queimadas, no fracasso do Renda Brasil, na indiferença inepta em relação à carestia da comida, às filas do INSS o que seja. Com sucesso, convence boa parte da população, uns dois terços, de que foi eleito para outras tarefas, como mentir, fazer propaganda de moralismo farisaico (logo ele, que faz piadas sujas com meninas de dez anos), eliminar ONGs, esquerdistas, “militâncias”, armar a população e evitar que seus filhos e, um dia, ele mesmo acabem na cadeia.

A medida de governo mais importante de seu mandato e que evitou uma convulsão social, o auxílio emergencial, foi tomada pelo Congresso. Nem mesmo estelionatos eleitorais evidentes colam, como ter escorraçado o lava-jatismo e feito pacto com a “velha política” do centrão (isto é, reencontrou-se consigo mesmo, apenas).

Bolsonaro por enquanto conseguiu se transformar em uma entidade do sobrenatural da política. Não é cobrado pelo seu desgoverno e se descola da destruição, as que promove ou tolera.


Vinicius Torres Freire: Sem fura-teto, miseráveis vão à breca

Bolsonaro cancelou debate que permitiria estender auxílio sem derrubar teto de gastos

Jair Bolsonaro não quer “tirar nada dos pobres para dar aos paupérrimos” nem diminuir salários dos servidores públicos. Ainda que quisesse e que o Congresso aprovasse tais planos, algum dinheiro para aumentar o Bolsa Família ou coisa que o valha começaria a aparecer apenas em meados do ano que vem.

Logo, a alternativa prática para estender o efeito do auxílio emergencial é uma gambiarra que burle o teto de gastos federais. Se não houver prorrogação do auxílio ou um esquema qualquer a fim de engordar o Bolsa Família e leva-lo a mais gente, milhões voltarão à miséria total a partir de janeiro.

Essa é a primeira consequência prática fundamental do faniquito presidencial da manhã desta terça-feira (15), preparado e gravado —não foi uma daquelas explosões de saidinha do Alvorada. Como se sabe, Bolsonaro ameaçou expulsar do governo aqueles que queiram congelar o valor de aposentadorias e do salário mínimo ou arrochar outros benefícios sociais. Congelar: não reajustar nem pela inflação. Quer dizer: reduzir, em termos reais.

Além do veto à transferência de renda de “pobres para paupérrimos” e do enterro provisório do Renda Brasil, Bolsonaro disse ao ministro Paulo Guedes (Economia) que quer um programa de criação rápida de empregos. Para Guedes, isso significa reduzir impostos sobre a folha de pagamentos das empresas, o que em tese exige a criação de uma CPMF.

Logo, a segunda consequência prática do veto de Bolsonaro ao Renda Brasil é a volta da discussão prática dessa CPMF de Guedes.

No ambiente brasiliense, de muita política politiqueira, se discutia se Bolsonaro pediu a cabeça de Waldery Rodrigues, secretário de Fazenda, uma espécie de vice-ministro de Guedes, que propôs o congelamento (redução real) de benefícios sociais. No Planalto, dizia-se que Bolsonaro acha melhor que Rodrigues peça para sair; em público, o presidente tratou o Ministério da Economia como uma espécie de serviço de consultoria externa, que toma atitudes e enuncia planos que nada têm a ver com o governo.

Mas é fácil perceber que isso é meio irrelevante. Caso Bolsonaro não mude de ideia, não haverá Renda Brasil ou similar a não ser com fura-teto, ressalte-se. Ainda que o povo do mercado comece a admitir que a gambiarra talvez seja inevitável, haverá algum sururu e Guedes continuará no mínimo a ser refogado na banha da desmoralização.

Essas são as questões sociais, econômicas e políticas relevantes, a não ser que, por milagre, o desemprego e a renda do início de 2021 voltem ao nível em que estavam no início de 2020, pré-pandemia.

Ou, então, que parte do povo padeça ou morra calada e outro tanto ache que está tudo bem. Neste Brasil terminal, quem sabe seja ainda mais possível.

Ainda não se presta atenção suficiente à gravidade das decisões que a manutenção do teto de gastos exige, situação crítica que deve explodir para algum lado já em 2021. Como era de esperar, confrontado pela primeira vez com a necessidade de tomar uma decisão de governo (não de desgoverno ou destruição ativa), Bolsonaro não decidiu nada.

Quanto à redução de impostos sobre a folha salarial, casada com a CPMF, haverá mais problema. Primeiro, vai ter pelo menos rolo no Congresso (até agora, Rodrigo Maia diz que o imposto só passa sobre o cadáver político dele). Segundo, não há evidência nenhuma que imposto menor cria emprego, menos ainda em uma economia deprimida.

Afora milagres ou uma contravolta de Bolsonaro, estão armadas bombas para explodir no colo de alguém. Provavelmente dos paupérrimos.


Vinicius Torres Freire: As farsas de Moro e a elite que toca no show de Bolsonaro

Ex-juiz pode interrogar presidente sobre a intervenção na Polícia Federal

Sergio Moro pode interrogar Jair Bolsonaro. O ex-juiz poderá inquiri-lo no processo sobre a intervenção do presidente na Polícia Federal, mas agora como réu, investigado.

A cena faz parte de duas farsas, uma delas obra pronta, outra em progresso. As duas contam um pouco da história da nossa viagem ao fundo da noite.

Na primeira peça, o lavajatista-mor torna-se colaborador do bolsonarismo, é escorraçado do governo feito um bagaço e então tenta refazer a carreira política ao acusar um ataque presidencial à democracia, de modo tardio e oportunista. Bolsonaro, como se sabe, tenta controlar a polícia e a espionagem a fim também de livrar filhos da cadeia.

Na farsa que ainda está sendo escrita, empilham-se indícios de que os Bolsonaro viviam de rachadinhas administradas por Fabrício Queiroz, agregado da milícia.

Esse rinoceronte de evidências esparramou-se no meio da sala, mas a classe dirigente finge que não vê o paquiderme, e dois terços do país parecem ignorá-lo. Tanto faz a cena de Moro ou mais alguém apontar crimes presidenciais.

Não há o crescendo de indignação, não raro farisaísmo histérico, o atropelo de denúncias contra o PT e Lula da Silva, caçado, interrogado e abatido por Moro. Os tartufos coxinhas do lava-jatismo são espanados pela Procuradoria bolsonarista. A geringonça de direita que comanda o que sobra do país deixa estar o caso das rachadinhas e acha que conteve o golpismo de Bolsonaro.

Que existam colaboracionistas e adesismo de direita não causa surpresa, embora ditos liberais possam estar cavando assim a sua cova. Espanta que a oposição também se acomode, com o mesmo efeito prático de deixar Bolsonaro solto.

A geringonça de direita é essa mistura de parlamentarismo branco com a coalizão liberal-reformista de certas elites, em parte gerenciada por mumunhas e arreglos do Judiciário politizado. Não é brincadeira. A geringonça vai ainda mais fundo nas mudanças socioeconômicas que começaram com Michel Temer e “faz o ajuste” sem pagar um centavo extra de imposto.

A elite da geringonça parece acreditar no próprio taco. Acha que o povo miúdo vai ficar quieto na longa travessia das “reformas” até a volta de um (talvez) crescimento. Ignora até sinais de autoritarismo econômico de Bolsonaro, evidentes nas suas tentações dirigistas quando preços sobem, da gasolina ao arroz.

Há dilemas concretos, de resto. Bolsonaro e até a anestesia social demandam um plano de renda mínima para o qual não há dinheiro bastante dentro do teto de gastos, mesmo que se esfole o funcionalismo, próximo projeto da geringonça. Parte do governo deseja esculhambar o teto, o que enerva os financistas —os juros de longo prazo voltaram a subir, ainda acima do nível pré-pandemia.

Parte da ala política da geringonça gostaria de ver Bolsonaro pelas costas, mas espera que as “condições objetivas”, como um rolo policial, caiam do céu. A esquerda, na prática, vai na mesma linha, acreditando ainda que as “contradições do governo” vão minar o prestígio presidencial.

A crise econômica de fato ainda irá longe e fundo para os mais pobres, mas uma revolta é incerta.

Moro pode interrogar Bolsonaro. O que já foi também um drama nos tempos de Lula agora é cena de uma farsa que pode descambar para terror burlesco. Desta vez, as classes dirigentes acomodam-se à ficha corrida da família presidencial e também aos achaques autoritários, à propaganda de mentiras, da epidemia às queimadas, e ao desgoverno geral. Enquanto isso, Bolsonaro está solto.


Vinicius Torres Freire: Entenda os fatos da revolta do arroz

País já teve carestia maior de alimentos desde 1999, mas empobreceu muito

O Brasil já passou por carestias maiores dos preços dos alimentos. Qual o motivo da revolta com a inflação do arroz? Na média, os brasileiros não éramos tão pobres desde 2008, o desemprego é imenso, provavelmente o maior em décadas; mesmo com o auxílio emergencial, o medo e o sofrimento devem estar nos picos da nossa curva de misérias.

A inflação da comida está entre as 20% maiores desde 1999, quando o país adotou câmbio flutuante e metas de inflação. O preço dos alimentos subiu mais em meses de 2003, 2008, 2013 e 2016. Para os cereais, 2001 e 2012 também foram anos ruins. A inflação geral, porém, é a quinta menor desde 1999 (no acumulado em 12 meses).

O dólar caro determina a variação do preço dos alimentos e dos cereais ou do arroz em particular? Um tanto. Uma estatística com dados precários indica que, bidu, consumo mundial e safras também fazem o preço. Por exclusão, nota-se que o consumo doméstico deve ter algum efeito. Mas não há dados detalhados sobre a variação do consumo no país.

A Associação Brasileira da Indústria do Arroz diz que não tem tais informações. Algumas das maiores indústrias produtoras preferem não divulgar os números das suas vendas. Segundo dados da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, o Brasil produziria 11,17 milhões de toneladas de arroz na safra 2019/2020, consumiria parte disso (10,8 milhões) e começaria o período com um estoque de 554 mil toneladas.

A exportação de arroz aumentou muito de 2019 para 2020. Neste ano, até agosto, o país exportou 1,15 milhão de toneladas, ante 665 mil em 2019, no mesmo período, pelos dados oficiais. O Brasil também importa muito arroz. O saldo da balança do arroz, exportações menos importações, está em 735 mil toneladas, ante 160 mil toneladas em 2019. Na previsão do Ministério da Agricultura, o consumo médio mensal seria de 900 mil toneladas.

Uma conta de papel de pão indica, pois, que teria havido um aperto no mercado, dadas as quantidades disponíveis e o excesso (saldo) de exportações. Se esse aperto é capaz de explicar a alta de preços é outra história, ainda mais difícil de contar porque faltam dados recentes de variação do consumo doméstico.

O diretor de uma trading (empresa que negocia commodities no mercado internacional), que prefere não se identificar, afirma que o preço ficou bom no mercado externo, as vendas externas aumentaram, e os produtores seguram algum estoque para conseguir preço melhor no mercado doméstico, que teria tido também um aquecimento.

Nesta quarta-feira, o governo autorizou a importação de até 400 mil toneladas de arroz, sem imposto. A perspectiva de trazer logo o produto pode fazer algum efeito nos preços, mas pequeno e não no curto prazo.

“O impulso [de preços] veio especialmente da demanda aquecida”, lê-se na análise de agosto do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura da USP). O pessoal do Cepea escreve também que “do lado da oferta, orizicultores, de olho no movimento de alta nos valores, limitaram as vendas de novos lotes de arroz em casca no mercado spot, à espera de preços ainda maiores”.

Sim, os produtores se beneficiam de preços melhores (assim como se arrebentam em anos de preços ou safras ruins). De resto, não aumentariam a produção sem o sinal dos preços maiores.

Os entendidos dizem que, sem importação, os preços continuarão altos por alguns meses, embora o consumo doméstico e o mundial esteja algo mais imprevisível, por causa da pandemia.