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Vinicius Torres Freire: Vacina que Bolsonaro esnobou está perto de ser aprovada nos EUA

Anvisa teria três dias para responder sobre uso do produto no Brasil, caso EUA o aprovem

vacina que Jair Bolsonaro esnobou está perto de ser aprovada nos Estados Unidos. Um comitê que assessora a “Anvisa americana” (a FDA) decidiu recomendar a aplicação da vacina da americana Pfizer e da alemã BioNTech, que já está sendo aplicada no Reino Unido.

​A FDA pode ignorar a recomendação. Caso seja liberada pela FDA, o governo americano pretende começar a aplicar a vacina quatro dias depois da aprovação.

Bolsonaro e seus paus mandados da Saúde teriam então menos de quatro horas para tentar se livrar da lambança negacionista e incompetente que promoveram, que bem poderia parar em um tribunal como negligência criminosa.Além disso, estarão contra a parede, pois a lei prevê que uma vacina aprovada nos EUA pode ser liberada por aqui em três dias.
Pela letra das leis 13.979 e 14.006, a Anvisa tem 72 horas para dar “autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus”, desde que tenham sido aprovados por ao menos uma das “Anvisas” de EUA, União Europeia, Japão ou China.

É “dispensada a autorização de qualquer outro órgão da administração pública direta ou indireta”. Como faz alguns anos a gente não sabe bem o que querem dizer as leis, dada a carnavalização de intepretações e jurisprudências, quem sabe se inventem argumentos ou chicanas a fim de deixar a norma para lá.

​Pode ser também que, em 72 horas, a Anvisa diga que a vacina da Pfizer/BioNTech não presta. Mas terá de criticar a decisão britânica e, talvez, também da FDA americana.

​A vacina é a BNT162b2. O estudo que relata os resultados da fase 3 de testes foi publicado nesta quarta-feira pelo “New England Medical Journal”.
No comentário do estudo, se diz que os resultados são “impressionantes”, um “triunfo”, que se “sustentam em qualquer análise concebível”.
O produto da Pfizer/BioNTech foi ignorado pelo governo Bolsonaro e suas ordenanças do almoxarifado da Saúde até dia 2 de dezembro, quando o Reino Unido a aprovou.

Desde agosto, a direção da Pfizer oferecia a vacina ao governo. A empresa diz que não teve resposta.Depois da ofensiva de João Doria e sua “vacina chinesa”, o vexame dos palermas da Saúde se tornou terminal.
Desde terça-feira (8), começaram a se desdizer, para usar um termo condescendente. No dia 9, assinaram um acerto com a Pfizer a fim de importar pelo menos 8 milhões de doses no primeiro semestre de 2021.
O general-almoxarife da Saúde chegou a balbuciar que poderia haver vacina mesmo em dezembro. Mas ele diz qualquer coisa, em especial o que Bolsonaro mandar.

A vacina, em tese, é difícil, como todo mundo já sabe. Exige supergeladeiras. Mas imunologistas e engenheiros brasileiros dizem que se dá um jeito e que a vacina pode ser aplicada pelo menos em grandes cidades, com infraestrutura melhor.

Países como Chile, Costa Rica, México, Panamá e Peru encomendaram imunizantes da Pfizer/BioNTech. Sâo países que não parecem ter condições técnicas melhores que as do Brasil.

​É possível argumentar que estejam fazendo besteira, digamos. Que se prove. Mesmo com a aprovação para uso emergencial (a vacina não poderá ser vendida), a FDA quer que os testes científicos continuem. Apesar de evitar ou atenuar a doença, não se sabe se vacina evita a transmissão. Todo o mundo ainda deveria usar máscara e tomar as providências sabidas.


Vinicius Torres Freire: Guedes diz que vai estar cobrando mais imposto até o Natal da Covid

Ministro e parte do Congresso querem reduzir isenções tributárias da classe média rica

Paulo Guedes prometeu que o governo vai dar um “forte sinal” para diminuir “subsídios e gastos tributários”. Grosso modo, isso é aumento de imposto, goste-se ou não de mais essa providência por ora imaginária do ministro.

Quando vai ser? Quase na “semana que vem”, um dos prazos típicos de Guedes: “antes do fim do ano”, duas semanas, na prática.

“Gasto tributário” é um imposto que o governo deixa de recolher a fim de dar tratamento especial para empresas, setores da economia, um grupo de indivíduos, regiões. Em suma, de um modo ou de outro, quem recebe esse tratamento diferente paga menos imposto do que deveria, pela regra geral.

Qual o maior gasto tributário federal, pelas contas da Receita? O Simples Nacional (micro e pequenas empresas, o que pega também boa parte da “classe média”, ricos, bolsonarista). Depois vêm as isenções e deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física (rendimentos isentos e não tributáveis e deduções de gastos com saúde e educação privada), o que inclui rendimentos de aposentados maiores de 65 anos e rescisões trabalhistas.

A seguir, vêm as isenções da agricultura e da agroindústria, na maior parte para a cesta básica e para exportações da produção rural. Logo depois, no ranking, vêm as filantrópicas (hospitais, escolas, faculdades), a Zona Franca de Manaus e “medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos”.

Tudo isso dá 75% do gasto tributário previsto para 2021.

Como de costume, não dá para saber direito do que Guedes está falando, mas o novo “vamos estar fazendo” do ministro bate com a mais recente mutação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) de controle de gastos que rola pelo Senado desde 2019 e teve uma “versão” a cada dia desde a semana passada, dizendo tudo e seu contrário.

Na PEC, pretende-se obrigar governo e Congresso a reduzirem benefícios tributários e subsídios de crédito no ano que vem.

Quais subsídios? Não se sabe. Os subsídios que estão na conta do Tesouro (do governo) são basicamente compensações de financiamento barateado para a agricultura, da grande à miudinha, familiar.

Essa hipótese de PEC já chegou a prever também o corte de até 25% de jornada e salários de servidores, o fim do gasto mínimo em saúde e educação e o fim do reajuste automático das aposentadorias do INSS. Até quarta-feira de noite, tudo isso estava fora, assim como gambiarras fura-teto (que estiveram lá, segundo boatos ou balões de ensaio).

Para compensar, vai haver um gatilho de contenção de gastos quando a despesa obrigatória do governo passar de 95% da despesa atual (o que já acontece). Nesse caso, em suma, ficam proibidos reajustes quaisquer de salários de servidores e contratações.

Ou seja, talvez, parece, segundo o último rumor ou rascunho improvisado de uma emenda constitucional, haveria um arranjo fiscal entre Guedes e parte do Congresso. Não resolve grande coisa, mas não explode nada. O interessante vai ver quem seria esfolado pelo governo e por seus aliados no Congresso com esse aumento de imposto, na prática (chame-se de “fim de desoneração”).

Muito gasto tributário é mesmo favor, desordem nos impostos e incentivo à ineficiência econômica. Poderia ser objeto de reforma tributária ou de medidas paulatinas desde 2019. Mas o governo é uma baderna inepta e nada disso foi feito. Agora, vamos ver a reação do demagogo Jair Bolsonaro, do restante do Congresso e de quem vai levar a facada do aumento de imposto do Natal sem vacina.


Vinicius Torres Freire: Ano Novo, PIB melhor e mais miséria

Não haverá auxílios em 2021, economia pode resistir e prestígio de Bolsonaro azedar

As notícias mais importantes em dia de PIB foram a certidão de óbito do auxílio emergencial, que passará desta para a pior em janeiro de 2021, diz o governo, e o enorme aumento da taxa de poupança.

Sem auxílios ou “Renda Brasil”, Jair Bolsonaro fará um arrocho de gastos por inércia, sem recorrer a mudanças constitucionais, por ora (corte de salários de servidores, em saúde e educação, INSS, abono salarial etc.). Assim, mais gente ficará mais pobre ou mais miserável no início do ano que vem. Mas não haveria tumulto financeiro por causa de gambiarras “fura teto”, sururu que prejudicaria a despiora da economia em 2021, embora essa dita tranquilidade também não garanta que a recuperação do crescimento continue.

Os economistas da Secretaria de Política Econômica de Paulo Guedes escreveram o seguinte, em nota sobre o PIB: “A forte recuperação da atividade, do emprego formal e do crédito, aliadas ao aumento da taxa de poupança, pavimentam o caminho para que a economia brasileira continue avançando no primeiro semestre de 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais”.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, disse que não votaria extensão do período de calamidade e de auxílio emergencial. Bolsonaro diz de novo que a conversa de “Renda Brasil” está morta. No mais, o Congresso está paralisado, em especial por causa da eleição do comando da Câmara.

Muito economista diz que a poupança acumulada na pandemia pode sustentar o consumo no início de 2021. Não quer dizer que todo mundo tenha algum dinheiro guardado, claro, mas que, no conjunto do país se ganhou mais do que se consumiu desde meados do ano, grosso modo. Essa poupança poderia compensar o fim dos auxílios e a insuficiência da renda do trabalho. Essa é a tese.

Se vai acontecer, são outros novecentos. Pessoas e empresas podem não gastar ainda por cautela (epidemia persistente, medo de desemprego etc.). Não sabemos.

Quanto ao emprego, nem por milagre serão recuperados os 9 milhões de postos de trabalho perdidos na epidemia _quer dizer, não até o final do primeiro trimestre de 2021. As pessoas com menos chance de conseguir trabalho são as que tendem a depender de emprego informal, as que mais sofreram nesta crise (sem carteira assinada, “por conta própria” sem CNPJ, o popular bico).

O arrocho por inércia, sem “reformas”, impediria a deterioração das condições financeiras (juros, dólar etc.). Além disso, a melhora nas condições financeiras no mundo já causou algum alívio por aqui. Vacinas e a solução da crise eleitoral americana ajudaram.

Mais dinheiro vai para os fundos que aplicam em países emergentes. Por tabela, parte dessa dinheirama pinga no Brasil. O dólar ficou mais barato, as taxas de juros no atacadão de dinheiro caíram, a Bolsa está animada.

Logo, não é desarrazoado especular que a economia pode evitar uma recaída no início de 2021, “tudo mais constante”, mesmo que mais gente seja largada na pobreza e na miséria. Sim, é horrível. É o que se pretende demonstrar.

Mesmo na hipótese de despiora branda, o cenário mais comum para 2021, o prestígio do governo pode azedar mais, porém. O desemprego vai crescer até pelo menos o fim do primeiro trimestre. A inflação continuará a subir até meados do ano, chegando a uns 5,5% anuais. Milhões de pessoas que perderão o auxílio estarão entre desamparadas e iradas, mesmo aquelas que ficarão com os R$ 200 mensais médios do Bolsa Família.A economia pode ir “bem”, não ter recaída, mas o povo mais miúdo vai levar um tombo.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro ignora Covid, mas seu governo está confinado na incompetência

Congresso para por disputa política, governo inexiste na Economia, na Saúde e na Educação

A geringonça do “parlamentarismo branco” deu a impressão de que havia algum governo do país em 2019, embora não houvesse governo propriamente dito. A Câmara dos Deputados, sob comando de Rodrigo Maia (DEM), aprovou parte das tais “reformas”, derrubou alguns papeluchos autoritários de Jair Bolsonaro e fez “notas de repúdio”.

A geringonça pifou. Não há mais nem impressão de governo do país, pois o Executivo não faz muito além de destruir ou ser levado pela burocracia estatal.

Não há governo na Economia. Há um clandestino na Educação que levou uma nas fuças na primeira decisão inepta que tomou (decretar a volta das aulas nas universidades federais).

A ordenança de Bolsonaro que toma conta do almoxarifado da Saúde, o general pisado pelo capitão, foi nesta terça-feira ao Congresso dar mais mostras de como trata o repique da epidemia com leviandade. “Ah, ele diz que vai comprar vacina”. Se não dissesse, o que deveria ser feito? Colocar o governo em um camburão, imediatamente?

Desde o final do ano passado, confrontado com a necessidade de tomar decisões sobre o gasto público e reformas divisivas, como a tributária ou privatizações, Bolsonaro para variar fugiu da responsabilidade. Foi para o ralo até a fantasia de programa econômico pregada por esse Ministério da Economia balofo, paquidérmico, incompetente e cúmplice do bolsonarismo.

Para nenhuma surpresa, Bolsonaro está colocando dinamite na máquina emperrada do Congresso. Entrou na disputa pelo comando de Câmara e Senado. Ainda que vença, não terá maiorias estáveis e deixará raivas sentidas. Até lideranças do centrão preteridas pelo capitão já se irritam em público.

Os conflitos dificultam a tramitação de projetos importantes. Até agora não foi votada nem a “prévia” do Orçamento, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um atraso raro, nessa dimensão, e típico de momentos políticos disfuncionais. É improvável que o Congresso não vote a LDO até o final do ano. Caso não vote, o governo fecha, não pode gastar.

A geringonça entrou em pane em meados deste ano, quando Bolsonaro se viu ameaçado de impeachment e aumentou o risco de que filhos e empresários amigos fossem para a cadeia. Juntou-se ao centrão e montou uma coalizão bastante para evitar que lhe cortassem a cabeça, mas não para muito mais.

O que havia de governo do país, goste-se ou não do que havia, começou a se esfumaçar. Era um governo da Câmara, governo possível e muito limitado de um corpo legislativo no presidencialismo.

Era também um estratagema de contenção de danos maiores, para o que o Congresso teve apoio do Supremo. Mas era uma gambiarra que tolerou a presença de Bolsonaro, movida a jeitinhos ou malversação das capacidades dos Poderes.

A gambiarra continua. Como se sabe, os líderes políticos do Supremo e alguns do Congresso tentam burlar a Constituição a fim de permitir a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Por trás dos panos, dizem que a reeleição permitiria a “contenção” de Bolsonaro (isto é, a tolerância de seus crimes de responsabilidade menores e o controle dos maiores, sob ameaça de impeachment).

A isto chegamos. Bolsonaro é desgoverno e campanha permanente para desacreditar instituições e a sanidade (vide seu plano de, desde já, desmoralizar a honestidade da eleição e negar até declarações oficialmente gravadas, caso da gripezinha). A geringonça pifou e sabe-se lá o que vai ser o Congresso de 2021: pode ser muito pior. A tentativa alegada de remediar o desastre é uma mutreta constitucional.


Vinicius Torres Freire: A epidemia volta a atacar o varejo

Donos de restaurantes, salões de beleza e academias sentem o baque em novembro

Donos de restaurantes, do comércio de comida e bebida em geral, de salões de beleza e de academias de ginástica sentiram um baque em novembro, ouve-se na cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro.

São “evidências anedóticas”, como dizem economistas, casos, porque ainda não há estatísticas da situação geral dos negócios no mês passado. Mas não deu para encontrar empresário desses serviços animado com o faturamento, seja em restaurantes caros ou do trivial do almoço do dia a dia. Ao contrário, há gente que viu retração forte, em contraste agudo com outubro.

Muitos atribuem a queda às notícias de que mais gente foi parar nas UTIs por causa da Covid. Alguns dizem que “o povo” voltou a ficar sem dinheiro. Outros observam que não se sabe o que vai ser da economia na virada do ano, pensando também na própria atitude como consumidores. Melhor jogar na retranca.

Os empresários ouvidos não mencionaram o possível efeito da alta de inflação, que na média não parece significativa, mas foi de quase 20% de um ano para cá quando se trata do preço de comer em casa.

A inflação da comida continuará ruim pelo menos até o primeiro bimestre do ano que vem. A inflação média para o consumidor, medida pelo IBGE, deve chegar a 5,5% ao ano, em meados de 2021, segundo as projeções atuais.

Os números mais gerais e objetivos do desânimo já apareceram nas pesquisas de confiança do consumidor e do setor de serviços, que caiu pelo segundo mês seguido em novembro, segundo a FGV. O levantamento nacional da Associação Comercial de São Paulo também registrou baixa nos ânimos em novembro.

As expectativas pesam: o medo de perder o emprego cresce, o medo de perda de renda é ainda mais forte no caso de quem foi remediado pelo auxílio emergencial. Pela primeira vez desde o início da epidemia, a população ocupada aumentara ligeiramente em setembro e outubro, dizem as pesquisas do IBGE (Pnad), mas o desemprego e o medo de ficar sem trabalho parecem estar falando mais alto.

Se a epidemia não foi o determinante do desânimo em novembro, certamente o será pelo menos neste início de dezembro. O repique do número de doentes e de mortes é inegável, confirmando o alerta inicial dos médicos de hospitais privados. No que diz respeito à confiança econômica, não importa muito se o nome seja o incorreto “segunda onda” (pelo menos por ora) ou repique.

Em um mês, o número de internados em UTIs na cidade de São Paulo por causa da Covid-19 cresceu mais de 30%. No estado de São Paulo, 33%.

Na Grande São Paulo, quase 48%. O número estadual de mortes é cerca de 40% maior do que no início de novembro (na média móvel de sete dias). No Rio Grande do Sul ou no Paraná, as autoridades falam de medidas mais duras de restrição; há discussões assim em Brasília. A situação é ruim em Santa Catarina e no Rio.

Como era de esperar, ainda assim revoltante, os alertas mais sérios e as medidas de controle estão sendo anunciados depois da eleição municipal. Muitas são suaves, não se sabe se providências mais drásticas teriam resultado e não há notícia de estratégia mais inteligentes de limitação dos contágios (baseadas em dados, testes, restrições duras localizadas).

Se o relaxamento de fins de outubro e começo de novembro for além e maior nas festas de fim de ano, em “baladas” e em aglomerações gerais de férias, teremos muito mais do que quedas de confiança no janeiro de 2021, que será também o primeiro mês do fim dos auxílios.


Vinicius Torres Freire: Meteoros vermelhos caem, esquerda se renova e centrão domina

Eleição municipal foi uma onda cinza, dominada pelo crescimento do PSD e pelo ressurgimento do DEM

Os meteoros vermelhos que brilharam nesta eleição caíram. Os candidatos mais jovens da esquerda perderam, por diferença de votos maior do que as das projeções de véspera das pesquisas. O PT não venceu nenhuma capital. O PSOL conquistou Belém, com Edmilson Rodrigues, prefeito agora pela terceira vez, com um vice do PT, batendo o candidato bolsonarista.

De destaque, foi tudo. A eleição foi uma onda cinza, dominada pelas sub-legendas do centrão, pelo crescimento do PSD e pelo ressurgimento do DEM, onda confirmada neste segundo turno.

Guilherme Boulos (PSOL) perdeu para o PSDB em São Paulo, Marília Arraes (PT) perdeu para a “esquerda de centro” do PSB em Recife, Manuela D’Ávila (PC do B) perdeu para a velha política do MDB em Porto Alegre.

Sob certo aspecto, ainda assim essas derrotas têm um quê de ressurreição no fundo do poço. Nessas cidades muito grandes, simbólicas e importantes, candidatos de cara nova mostraram que a esquerda tem um grande potencial de votos. Deve haver mais gente no restante do país disposta a ouvir candidatos esquerdistas. Talvez seja necessário mudar a conversa.

As derrotas do PT e a passagem dos meteoros vermelhos indicam que o eleitorado desse campo do território político procura alternativas ou pode prestar atenção nelas. As lideranças nacionais da esquerda, ao menos em poder de voto, estão agora divididas em vários partidos, das velhas às novas, de Ciro a Boulos. O PT aparece no retrato, mas num canto.

Das legendas contadas como “esquerda” na geografia do Congresso, apenas o PDT de Ciro Gomes teve resultados razoáveis, em termos de números. Quase manteve o número de prefeituras conquistadas pelo país na eleição passada. Ganhou em duas capitais, Aracaju e Fortaleza.

O PT levou apenas 4 das suas 15 disputas de segundo turno, em redutos tradicionais em Minas Gerais, com duas prefeitas eleitas (Contagem e Juiz de Fora), e na região metropolitana de São Paulo (Mauá e Diadema).

Foi o partido com mais candidatos na disputa final deste domingo (em 2016, disputou apenas 7 rodadas finais). Mas esse desempenho não apaga nem traços do desastre na cidade de São Paulo e da derrota da renovação que seria Marília Arraes, novidade sabotada pelo PT local até quase as vésperas da campanha eleitoral.

Um problema do partido, notável neste século, pode explicar parte de suas dificuldades: o centralismo, o culto da personalidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o escanteamento das novas lideranças, o abafamento de quem ponha a cabeça para a fora, a desconexão crescente com os novos movimentos sociais. Tudo isso dificulta a renovação de quadros e ideias do PT.

Em parte, o PSOL, em especial o paulista, cresceu neste vácuo, mostrando caras novas e levando coletivos e movimentos sociais novos da periferia para o Legislativo.


Vinicius Torres Freire: Para entender melhor o desemprego

Inédito na pandemia, número de ocupados cresceu; futuro dos informais ainda é sombrio

Sexta-feira, antevéspera de votação. Guilherme Boulos, a estrela vermelha da eleição, pegou Covid. Algumas pessoas sextando, outras fritando Paulo Guedes. Os remediados compravam coisas para este Natal pobrezinho naquela promoção importada dos Estados Unidos.

Pouca gente normal presta atenção às estatísticas de emprego, ainda menos em uma sexta-feira assim. No máximo, viram aquelas manchetes satisfeitas com as palavras “recorde” ou “desemprego histórico”, essas coisas.

Mas tinha notícia menos ruim naqueles números deprimentes do IBGE. Pela primeira vez desde o começo da epidemia, aumentou o número de pessoas com algum trabalho (em 798 mil); até o emprego formal aumentou. Pelo terceiro mês seguido, aumentou o que os economistas chamam de “massa salarial”, a soma dos rendimentos do trabalho de todo o mundo naquele mês (pelo critério de rendimento efetivo).

O desemprego não aumentou? Sim, para 14,6%, o tal recorde, de fato horrível. Mas taxa de desemprego é uma proporção: o número de pessoas que procuram trabalho, sem sucesso, dividido pelo número de pessoas na força de trabalho (grosso modo, as empregadas mais aquelas à procura de emprego, sem sucesso).

É um número essencial sobre o trabalho, mas não o único. Além do mais, a taxa de desemprego vai ficar por aí, em torno de 14%, no ano que vem. Mas o número de pessoas com trabalho pode aumentar (assim como o número de pessoas procurando emprego).Em setembro, a massa salarial ainda estava R$ 22 bilhões abaixo do que era no mesmo período do ano passado (queda de mais de 10%). Mas esse buraco ainda é coberto pelos pagamentos de auxílios emergenciais e do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (o BEM).Até aqui se tratou do copo “meio cheio”, na verdade umas gotas de chuva limpa no copo muito sujo da crise.

De maio a agosto, o governo pagou, em média, R$ 49,7 bilhões por mês de auxílio emergencial e BEM. Em setembro, R$ 27,5 bilhões. Em outubro, R$ 24,1 bilhões. Em janeiro, desse total vão sobrar só os R$ 3 bilhões do Bolsa Família (incluído nessa conta). Até lá, para não haver um baque no consumo e um tombo muito ruim na vida dos mais pobres (tombo haverá), a massa salarial tem de crescer para compensar o buraco deixado pelos auxílios.

Problemas:

1) os próprios auxílios ajudam a criar trabalho. Não se sabe qual será o ritmo de recuperação do emprego com a redução desses pagamentos;

2) muita empresa não está demitindo porque fez contratos de estabilidade temporária ao reduzir salários (em parte pagos pelo BEM). Quando acabar esse prazo, o que vai ser? Nota-se pelas estatísticas do emprego formal que o número de demissões anda anormalmente pequeno (trata-se aqui do Caged, registros de admissões e demissões, não os do IBGE);

3) os trabalhadores que mais perderam emprego na epidemia foram os informais (empregados sem carteira ou por conta própria sem CNPJ) e os domésticos (1,6 milhão a menos de empregos, queda de 26% desde o início da epidemia, um massacre). São justamente os mais pobres, os que dependem mais do auxílio e os que terão dificuldades de arrumar algum bico até que a epidemia se dissipe. É o copo cheio e sujo de desigualdade, que vai piorar;

4) apesar da melhora de setembro, o número de pessoas ocupadas ainda era 11,2 milhões menor que em fevereiro e 11,3 milhões menor que em setembro do ano passado;

5) faltam na prática só três semanas, até o Natal, para se arrumar algum auxílio para os novos pobres e miseráveis.


Vinicius Torres Freire: Boulos e como jovens e velhos decidem as eleições de São Paulo

Eleitor de mais de 60 é cada vez mais relevante e vota à direita; jovens são inconstantes

Em São Paulo, a disputa principal foi sempre entre esquerda e direita desde que a cidade voltou a eleger seu prefeito, em 1988. O voto dos mais velhos é sempre marcadamente mais direitista. Mas em poucas vezes a maioria dos mais jovens votou na esquerda; em poucas vezes o voto dos idosos teve um peso tão decisivo quanto deve ter no segundo turno deste ano, entre Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL).

É entre os eleitores de 60 anos ou mais que Covas abre sua maior vantagem sobre Boulos, consideradas as categorias maiores e mais tradicionais em que as pesquisas dividem o eleitorado (sexo, idade, renda, instrução) e com dados comparáveis com os levantamentos mais antigos.

Na pesquisa Datafolha mais recente, de 24 e 25 de novembro, Boulos vence Covas entre os eleitores de 16 até 44 anos; entre o eleitorado de 16 até 59 anos, empatam. Entre aqueles de 60 anos ou mais, o tucano vence de longe, por 61% a 28% (ou 68% a 32%, nos votos válidos).

Além da diferença percentual grande, a diferença absoluta é importante. A população paulistana envelhece. No Censo de 1991, os paulistanos com 60 anos ou mais eram 11,6% do total da população com mais de 16 anos (agora apta a votar). Em 2010, eram 15,3%. Em 2019, eram 21,7%.

Há, claro, outras maneiras de entender as vantagens que Covas tinha sobre Boulos no início da semana. O tucano vence entre os que fizeram até o ensino fundamental (57% a 31% nos votos totais) e entre os mais pobres. Na conta total dos votos, porém, essas diferenças são inferiores àquela que Covas obtém entre os “idosos”.

A esquerda ganhou a eleição paulistana com folga ou endureceu o jogo quando ao menos dividiu com a direita os votos de mais pobres e menos escolarizados, é fácil de entender. Boulos disputa palmo a palmo o povo de renda mais baixa. Mas fica longe entre quem passou poucos anos na escola. Os mais jovens de qualquer classe não vão resolver o problema eleitoral do psolista, pois.

De 1988 até 2000, petistas enfrentaram os malufistas. De 2004 a 2016, foi o tempo de petistas vs. tucanos e agregados. Agora, é PSDB contra PSOL.

Houve tempo em que os malufistas venceram em todas as categorias relevantes, entre os mais jovens e os mais pobres inclusive, como quando Celso Pitta (PPB) bateu Luiza Erundina (PT), em 1996, ou na pesquisa de uma hipotética disputa final entre João Doria (PSDB) e Fernando Haddad (PT), em 2016, quando Doria levou no primeiro turno.

Os mais jovens estavam divididos quase igualmente entre o vitorioso Paulo Maluf (PDS) e Eduardo Suplicy (PT) em 1992, entre o vencedor, José Serra (PSDB), e Marta Suplicy (PT), em 2004, e entre o eleito Gilberto Kassab (DEM) e Marta, em 2008.

Os jovens votaram na esquerda mesmo apenas quando Marta ganhou em 2000 e Haddad em 2012. Na verdade, nessas eleições os petistas ganharam em quase todas as categorias, exceto entre os “idosos” (e, em Haddad vs. Serra, exceto entre os mais ricos).

Na eleição em que Erundina bateu Maluf, em 1988, as pesquisas de véspera davam quase empate entre os mais jovens. Mas não se sabe bem o que se passou. Erundina, agora vice de Boulos, virou a eleição nos últimos dias e não havia segundo turno.

Em suma, o peso crescente do “idosos” e sua preferência regular e marcada de votar à direita fazem desse eleitorado força decisiva especial. Note-se ainda que não conseguir falar com muitos dos eleitores que passaram menos anos na escola e sempre confundi-los com os mais pobres é outro problema para a esquerda.


Vinicius Torres Freire: Para onde vai a popularidade de Bolsonaro com comida cara e fim de auxílio

Inflação da comida, auxílio no fim e falta de emprego desanimam brasileiro

A inflação da comida não era tão alta desde 2008, embora naquele tempo a economia e os salários crescessem rápido. Antes disso, carestia da comida tão ruim houvera apenas em 2003. Para piorar, o valor do auxílio emergencial caiu pela metade desde setembro.

Como a economia ainda está muito deprimida e a epidemia ainda muito animada, a perspectiva de emprego é difícil, em particular para o terço mais pobre da população.Há motivos para o brasileiro desanimar. Há números que medem a desanimação.

O Índice de Confiança do Consumidor (ICC) da FGV caiu pelo segundo mês consecutivo em novembro. O ICC é composto de várias medidas de ânimo. A que mais abateu o índice foi a expectativa econômica para os próximos meses.

A inflação da “alimentação no domicílio”, como diz o IBGE, aumentou em média 19,9% nos últimos 12 meses até novembro (na inflação medida pelo IPCA-15). As pancadas mais fortes do mês foram na batata, no tomate, no óleo de soja, no arroz e na carne de boi.

É a mesa comum do brasileiro.Inflação de alimentos em alta costuma ter impacto também no humor político, mesmo que a inflação geral esteja controlada, como agora. Em um ambiente em que a renda média deve diminuir, os ânimos não devem melhorar, é claro. No trimestre junho-agosto, o pagamento médio dos auxílios emergenciais somou R$ 45,3 bilhões por mês no país.

Em setembro, de R$ 24,2 bilhões. Em tese, zera em janeiro. O ritmo da inflação da comida não deve diminuir de modo notável até o final do ano. Há perspectiva teórica de vacina, um choque positivo. Mas o povo só acredita nisso quando vir a vacina no posto de saúde.

Os indicadores de tensão também aparecem em parte do mercado financeiro. As taxas de juros no atacadão de dinheiro continuam subindo.Essas taxas são o piso do custo do crédito nos bancos e do capital para as empresas (que tomam empréstimos a fim de expandir negócios, construções, comprar equipamentos etc. ou levam em conta o custo do dinheiro para tomar tais decisões).

Os juros estão abaixo apenas do nível de pânico de abril; estão mais altos que faz um ano. As condições financeiras gerais apenas não estão mais apertadas porque a Bolsa viaja alto e o dólar deu uma recuada, melhorias devidas ao cenário externo (perspectiva de vacina e eleição americana).

O motivo da alta das taxas de juros é óbvio e praticamente o mesmo desde agosto ou setembro. Isto é, a dívida pública é alta, não se sabe o que o governo vai fazer do problema, não se sabe se vai ter avacalhação do teto, se o governo terá algum plano econômico crível e se terá capacidade política de aprová-lo.

Jair Bolsonaro não entende nada disso e Paulo Guedes a cada dia se desmoraliza até na praça que o elegeu como salvador da pátria. Os povos dos mercados suspeitam que, na hipótese ou perspectiva de queda de popularidade, Bolsonaro faça bobagem maior com as contas públicas.

Na dúvida, os donos do dinheiro vão cobrando mais caro nos empréstimos para o governo.Para lembrar: a baixa taxa de juros de curto prazo é, no curto prazo, a única alternativa para evitar uma alta convulsiva da dívida do governo e os tumultos decorrentes. Se também a Selic for para o vinagre, teremos problemas muito feios.

A economia despiorou mais rápido do que o esperado até agora, mas ainda deve encolher 4,6% neste ano, na estimativa dos economistas do setor privado. A previsão de crescimento para 2021 é de 3,4%. Nem recupera o que se perdeu neste ano horrível. Imagine-se a situação se não crescermos nem isso.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro vai congelar aposentadoria para recriar auxílio emergencial?

Até para achar um dinheirinho para o 'renda básica' será necessário corte duro

Imaginem a seguinte manchete: “Bolsonaro quer congelar aposentadorias do INSS”. A seguir, viria outra, mais ou menos assim: “Governo propõe corte de salários de servidores do Brasil inteiro”.

Antes de discutir se tais ideias prestam ou o que significam, suponha-se o que Jair Bolsonaro vai achar disso, ainda mais se as notícias da baixa de sua popularidade em grandes capitais se confirmarem pelo resto do país.

Essas são algumas ideias em discussão para que se arrume algum dinheiro para o “Renda Brasil”, Bolsa Família encorpado, o nome que se dê, algo que substitua o auxílio emergencial. Além de todos os problemas fiscais, técnico-legais, de disputas no Congresso e de pressões dos donos do dinheiro, há o fator Bolsonaro. Olhando as pesquisas de popularidade de dezembro, vai tomar qual medida?

Vai haver dinheiro para atenuar a pobreza e a miséria que virão com o fim do auxílio emergencial e a persistência do desemprego? Lembrete: antes da epidemia, havia 92 milhões de pessoas ocupadas no país. Os dados recentes não são muito precisos (nem recentes), mas a população ocupada deve andar pela casa de 83 milhões ou 84 milhões. Vai haver emprego para 8 milhões de pessoas até janeiro? Não. Para as pessoas que chegaram ao mercado de trabalho neste ano? Não. A renda do trabalhador informal miudinho vai se recuperar com a epidemia ainda fervendo? Não.

O congelamento das aposentadorias valeria apenas para benefícios com valor maior do que um salário mínimo (Bolsonaro havia vetado o congelamento geral do valor de aposentadorias e outros benefícios do INSS). “Congelamento” significa que os benefícios não teriam reajuste nem pela inflação. Dos 35,8 milhões de benefícios pagos por mês, 11,7 milhões valem mais de um salário mínimo, cerca de um terço deles (que absorvem 53% da despesa, porém). Parece o suficiente para causar sururu político.

Reduzir jornada e cortar salário de servidor (não apenas os federais) é um plano do Ministério da Economia desde o final do ano passado e uma medida prevista pelas normas do “teto” de gastos, as quais precisam de regulamentação, no entanto. Bolsonaro tem vetado medidas que afetem os servidores atuais.

De novo, veio a conversa de cortar subsídios: isso não permite mais despesa (por causa do teto), a não ser que se trate de subsídios de crédito, em que Bolsonaro não deve mexer, pois daria problema com seus amigos e renderia pouco, de resto.

Ou Bolsonaro aceita os cortes de despesa para financiar algum (pequeno) “Renda Qualquer Coisa” ou Bolsa Família gordo, ou não terá nada. Nada a não ser que adote a gambiarra da extensão do auxílio emergencial, que dependeria da extensão do período de calamidade, o que Paulo Guedes disse não querer, exceto em repique maior da epidemia. Nem Guedes nem Rodrigo Maia, presidente da Câmara, gostam da ideia. Mas o centrão gosta.

Em resumo, a discussão está praticamente na mesma de agosto e setembro, quando Bolsonaro vetou cortes de despesas sociais e os credores do governo elevaram as taxas de juros por causa da ameaça dos “fura teto”. Desde então, apenas ficou mais claro que o dinheiro que houver para auxílio, dados os impasses, será bem pequeno.

Com auxílio ou “renda básica” pequenos, tende a haver problema político-social e alguma desaceleração no consumo. No trimestre junho-agosto, o pagamento médio mensal dos auxílios foi de R$ 45,3 bilhões por mês. Em setembro, de R$ 24,2 bilhões. Em janeiro, quase nada. É problema.


Vinicius Torres Freire: O mimimi das empresas que matam e o Carrefour

Empresas terceirizam responsabilidades para fugir da culpa, na Vale ou no Carrefour

Quando a lama da Samarco matou 19 pessoas em Mariana, em 2015, a Vale disse: "A Vale é apenas uma mera acionista da Samarco, sem nenhuma interferência operacional na administração dessa companhia, de modo direto ou indireto, próximo ou distante".

Era verdade. A Vale tinha "responsabilidade limitada" por lambanças da Samarco, embora essa limitação se torne mais e mais controversa. Já a “responsabilidade social e ambiental” foi logo para o vinagre tinto de sangue. O negócio era pegar a grana de acionista e terceirizar a imundície. Tanto era esse o caso que, em 2019, a Vale largou centenas de pessoas no caminho da lama da morte em Brumadinho.

Terceirizar a imundície é um negócio, na contratação de empresas selvagens de segurança ou de feitores que escravizam imigrantes costureiros de roupa de ricos, mas não só. O Carrefour terceirizou sua segurança para uma empresa de policiais, propriedade ilegal. Um funcionário dessa Vector matou João Alberto Freitas, aos 40 anos.

“Ah, essas empresas são quase todas assim”, talvez de milícias. Sim. Então, bota a boca no trombone, chama a Lava Jato, se vira. Para apoiar governo que sabota a democracia, faz propaganda do vírus, queima floresta e insulta “viado” vocês têm tempo e disposição, certo?

Quando dá besteira, polícia ou morte, executivos de empresas aparecem compungidos, “sofrendo”, tentando sair de fininho, seguindo o roteiro do “gerenciamento de crises”. As mais toscas dizem “não sabíamos”, “a empresa [que fez a porcaria direta] é terceirizada” ou “é caso isolado”, essas burrices sórdidas e insolentes.

Na hora de enfiar a faca no pescoço de quem atrapalha os ganhos, certas empresas vão bem. Quando se trata de evitar que enfiem o joelho no pescoço do “crioulo”, dane-se.

Quer conter risco? Até por frio pragmatismo, contrate empresas limpas. O Carrefour tem dinheiro. Faturou R$ 60 bilhões em 2019. Em 2020, está faturando 17% mais. O lucro neste ano já cresceu 49,5%. Os acionistas controladores são o Carrefour France (71,6%) e a holding Península (da família de Abílio Diniz, com 7,7%). Por falar nisso, no dia em que mataram o homem, o Ibovespa caiu e a ação do Carrefour subiu.

Além do mais, faça um contrato draconiano: pisou no pescoço, está fora. Ou, como ouvi no início deste século de um presidente de bancão: “Se o sujeito me perde tantos milhão [sic], a gente chupa o sangue dele”.

“…Queremos gerar uma experiência agradável de compra”, lê-se na introdução do “Relatório Anual de Sustentabilidade” do Carrefour, esses blablás de coach, de relações institucionais e de mendacidades socioambientais. Mas o segurança matou o homem preto.

“…Contribuímos para a inserção deles [“colaboradores”] no mercado de trabalho, priorizando segmentos historicamente discriminados”. O homem preto morreu.

“Nosso objetivo é fazer a diferença nos locais em que atuamos …através de ações de proteção ambiental, da promoção da diversidade e solidariedade”. O homem preto morreu.

Não é a primeira do Carrefour nem de supermercados e shoppings, onde volta e meia há um capanga da segurança da “sustentabilidade” dando um mata-leão em outro alguém do povaréu, tanto faz se tenha furtado um biscoito ou não. Estão preocupados com vidas à beira de uma represa da morte? Com o imigrante ou o terceirizado escravizado? Com o homem negro que morre na loja ou na “sala de massagem” (de tortura)? “Chupa o sangue” de quem barbariza, talvez o seu próprio, ou para de conversinha. Enfim, é preciso rever também a terceirização irresponsável.


Vinicius Torres Freire: Na hora de planejar a economia em 2021, há apagão na escuridão do governo

Por ação ou omissão, é hora de decidir por arrocho ou avacalhação do teto

Existem três hipóteses para o começo de 2021: 1) um arrocho por inércia dos gastos do governo federal; 2) um arrocho conflituoso, que depende de mudanças da Constituição; 3) uma avacalhação do limite de gastos federais, o “teto”. O ritmo de despiora da economia e a popularidade de Jair Bolsonaro dependem da decisão que será tomada (por ação ou omissão).

Se vier uma vacina no início do ano, haverá um choque favorável de expectativas, claro. Seus efeitos práticos, ao menos econômicos, apareceriam na segunda metade do ano, porém. Nem é bom pensar no que aconteceria em caso de repique relevante do número de infecções, agora ou até o Carnaval mudo de 2021. Mesmo no melhor cenário para a epidemia, o gasto do governo terá papel dominante.

Faz meses que esse é o assunto maior e mais urgente da economia, discussão empurrada com a barriga pelo governo, em particular desde o início de outubro. Passada a distração das eleições, o muro do final do ano parlamentar e do problema do gasto estará a palmos dos nossos narizes. Qual o risco de quebrarmos a cara?

No cenário de “arrocho por inércia”, o governo não aprova medida alguma de corte relevante de despesas. Corta mais um pouco, a fim de respeitar o teto, de início talvez até mais, pois é grande a possibilidade de o governo federal não ter um Orçamento aprovado no início do ano (o que exigirá um escalonamento de despesas mais comedido). Nesse cenário, não haverá Renda Brasil, Bolsa Família encorpado ou coisa que o valha. Os pobres desempregados irão à miséria e haveria um impacto mais forte na capacidade de consumo.

Dadas a incompetência e a desumanidade de quem comanda o governo federal, que não sabe fazer coisa melhor, o cenário “arrocho conflituoso” talvez seja o menos mau. Nessa hipótese, governo e Congresso aprovam alguma mudança constitucional que arroche setores específicos. Isto é, cortam salários de servidores ou o abono salarial, por exemplo; pior e improvável, acabam com a despesa mínima federal em saúde e educação. Neste caso, haveria algum troco para dar auxílio aos mais pobres.

No cenário “avacalhação do teto”, governo e/ou Congresso inventam pelo menos uma gambiarra a fim de burlar o limite constitucional de gastos e pagam algum auxílio emergencial ou Bolsa Família menos magro.

O primeiro cenário, de inércia, é o arroz com feijão. Depois de despiorar, a economia se arrasta quase ao passo de 2017-2019. Há uma degradação lenta das expectativas econômicas e, tudo mais constante, do prestígio de Bolsonaro.

No segundo, haveria conflitos políticos sérios com as vítimas específicas do arrocho, melhora mínima do auxílio para pobres e miseráveis, alguma perspectiva melhor de crescimento e um resultado incerto na política.

No terceiro, do teto avacalhado, haveria alguma degradação das condições financeiras (juros em alta, dólar mais caro) e perspectiva de estagnação econômica ou coisa pior, a depender do tamanho da avacalhação e do tumulto financeiro. Note-se que não se discute aqui de revisão ordenada do teto dentro de um plano econômico sério (goste-se ou não da cor ideológica dele), tocado por governo e economistas capazes. Trata-se de avacalhação.

O país não tem nem Orçamento. O Congresso está atolado em disputas sobre seu comando em 2021 e sobre a (suposta) reforma ministerial. Bolsonaro está quase em pânico com o risco de cadeia para o filho Flávio e, pois, de mais revelações sobre os negócios históricos da família. Aumenta o risco de apagão na escuridão do governo.