villas bôas

Marcos Lisboa: O exemplo do general

O que parece importar para Villas Bôas

Noite. Depois de deitado na cama, não há nada a fazer. Não há como se levantar e passear pela casa ou mesmo mover os braços para ler um livro.

Na imensidão da noite, resta apenas recontar o passado. A doença inviabiliza os músculos, porém não o cérebro. Pode-se pensar, mas não coçar o nariz.

Existem muitas variações da doença. A mais conhecida tem o nome de um jogador de beisebol, Lou Gehrig.

Famoso pela vitalidade, foi apelidado de “cavalo de ferro” e admirado pela sua técnica e tenacidade. Participou de 2.130 jogos consecutivos, façanha que apenas foi batida em 1995, 56 anos depois. Seus muitos recordes tornaram-no celebridade. Apesar disso, despediu-se da vida nomeando uma síndrome devastadora.

Em 1939, aos 35 anos, Gehrig pediu para ficar no banco de reservas. A força nos braços e nas pernas se esvaia. Ele foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA) e o prognóstico era de morte em três anos.

Em sua despedida no estádio de basebol, Gehrig foi aclamado por uma multidão: “Nas últimas duas semanas, vocês têm lido sobre o golpe do azar que recebi. No entanto, hoje me considero o homem mais sortudo do mundo”.

No discurso, ele agradece às pessoas com quem tivera a sorte de conviver, e elas eram muitas. Gehrig morreu dois anos depois. Ele tinha 37 anos.

Tony Judt escreveu um livro monumental sobre a Segunda Guerra Mundial e a Europa da segunda metade do século 20. São muitos os dados surpreendentes. A Alemanha de Hitler, por exemplo, precisou de menos de 2.000 servidores para administrar a França ocupada. A resistência de verdade ao nazismo ocorreu na Europa do leste.

Há pouco mais de dez anos, Judt descobriu que sofria da mesma doença que afligiu Lou Gehrig. O historiador, devastado pela doença, ignorou a revolta. Preferiu passar suas noites longas resgatando memórias para ditá-las na manhã seguinte.

Seus artigos foram publicados na New York Review of Books. Foi lá que me surpreendi com o perturbador e comovente “Noite”, que veio a ser o primeiro capítulo do seu último livro, “Chalé da Memória”.

Conheci o general Villas Bôas já em meio a sua longa noite. A máscara de oxigênio dificulta-lhe a fala, mas não os argumentos. O homem gentil e curioso queria ouvir sobre a economia e os nossos desafios. Encontrei-o mais tarde em seminários de dia inteiro em que se discutiam temas de política pública, como educação.

Impressionou-me assistir ao ex-comandante do Exército atento aos temas técnicos e querendo conversar com quem pensa diferente. A sua força não está nos braços e nas pernas. Está na compaixão. Está na compaixão. O enfrentamento dos problemas que afligem a maioria, em meio a intrigas bizarras da corte, parece ser o que importa para o general durante a sua longa noite.

*Marcos Lisboa é presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.


O Estado de S. Paulo: ‘Olavo de Carvalho presta enorme desserviço ao País’, diz Villas Bôas

Ex-comandante do Exército afirma que ataques ‘passaram do ponto’ e que escritor ‘se arvora com mandato para querer tutelar País’

Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Um dos nomes mais respeitados nas Forças Armadas, o ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas quebrou o silêncio que reina na caserna e entre os generais que despacham no Palácio do Planalto para defender, primeiro no Twitter e depois em entrevista ao Estado, os ministros militares dos ataques do guru bolsonarista Olavo de Carvalho e seus seguidores, incluídos os filhos do presidente Jair Bolsonaro. Villas Bôas, que está na reserva e exerce o cargo de assessor especial do ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), disse ao Estado que Olavo “passou do ponto”, está agindo com “total desrespeito aos militares e às Forças Armadas” e “presta enorme desserviço ao País”. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Olavo de Carvalho voltou a atacar os militares pelo Twitter. O sr. rebateu. Qual o tamanho do incômodo dos srs.?
Bolsonaro entendeu que trazer militares para trabalhar em setores do governo seria uma cooperação importante para o restabelecimento da capacidade de gestão e a busca de combate à corrupção. Isso não significa que as Forças Armadas estão participando do governo, mas trazendo consigo seus valores. Portanto, os militares exercem uma natural influência que contribui para a estabilidade do País e do governo. Talvez por isso, o sr. Olavo de Carvalho se sinta desprestigiado e queira disputar espaço com os militares, junto à Presidência da República. Isso não dá direito a ele de traçar comentários desairosos a toda uma classe profissional, que representa uma instituição. Desconheço os tipos de valores que animam o sr. Olavo de Carvalho a tecer tais comentários.

Olavo passou do ponto?
Sim. Passou do ponto. Aliás, já vem passando do ponto há muito tempo, agindo com total desrespeito aos militares e às Forças Armadas. E, quando digo respeito, é impressionante que ele, como um homem que se pretende culto e inteligente, desconhece normas elementares de educação. É também muito grave a maneira como ele se refere com impropérios a oficiais da estatura dos generais Mourão (vice-presidente da República), Santos Cruz (ministro da Secretaria de Governo) e Heleno (ministro) e aos militares em geral.

O que fazer diante disso?
Rebater Olavo de Carvalho seria dar a ele a importância e a relevância que não tem e não merece. Ele está prestando um enorme desserviço ao País. Em um momento em que precisamos de convergências, ele está estimulando as desavenças. Às vezes, ele me dá a impressão de ser uma pessoa doente, que se arvora com mandato para querer tutelar o País.

O presidente Bolsonaro está sendo tímido na defesa dos militares? 
O presidente, desde sempre, tem sido enfático ao expressar o seu respeito, a sua admiração e o seu apoio às Forças Armadas, tanto verbalmente como em inúmeras ocasiões. Eu desconheço como é o relacionamento do presidente da República com Olavo. O presidente não me disse diretamente, mas soube que ele já expressou o seu descontentamento com as posturas do sr. Olavo.

Mesmo assim Olavo e filhos do presidente mantêm os ataques...
Isso tudo é resultado de uma certa influência do sr. Olavo num grupo importante de apoiadores de Bolsonaro. O presidente deve estar pesando isso antes de tomar uma decisão (sobre esse assunto).

A que o sr. atribui essa guerra?
Uma patologia muito comum que acomete todos aqueles que se deixam dominar por uma ideologia é a perda da capacidade de enxergar a realidade e a inconformidade de não ver todos os preceitos que ele professa serem implantados na sociedade.

Há uma corrente olavista que acusa os militares de tutelar o presidente...
Absolutamente. O presidente Bolsonaro tem uma personalidade bastante independente na sua maneira de ser. Ele interage com seus assessores, se orienta e se aconselha pelas observações que lhes são apresentadas. Ele sempre foi assim. Mantém absoluta independência de pensamento e na maneira de agir.

Os olavistas levantam teses de que os militares querem assumir o poder em dois anos, com o vice Hamilton Mourão.
Isso é uma inverdade que beira o ridículo. Não passa na nossa maneira de pensar algo desse tipo, porque seria uma deslealdade com o presidente e a lealdade é o valor que os militares tomam como religião. O general Mourão, a quem conheço com profundidade, tampouco se prestaria a participar desse tipo de articulação.

O general Santos Cruz pode deixar o governo? Os militares podem se afastar por conta dos ataques?
Não acredito. Cada um está imbuído em auxiliar o governo e o Santos Cruz expressa isso, a enorme responsabilidade que ele tem, e a sua importância para a articulação política em relação ao que ocorre no Congresso.

Se o governo não der certo, a conta vai para os militares?
Embora o que estejamos vivendo não represente as Forças Armadas no governo, mas pela importante presença dos militares em cargos de chefia, certamente uma parte da conta será debitada aos militares.


Andrea Jubé: O comandante na tropa de choque do Planalto

Villas Bôas estará um lance de escadas acima de Bolsonaro

Num momento em que o presidente Jair Bolsonaro atravessa uma turbulência mais persistente do que o esperado para 22 dias de governo - a crise envolvendo as movimentações atípicas do primogênito Flávio Bolsonaro, o iminente envio da reforma da Previdência ao Congresso, a terceira cirurgia - uma das principais lideranças políticas chega ao Planalto para reforçar o seu time de conselheiros. Um líder político que, por ironia, veste farda.

O general Eduardo Villas Bôas transmitiu o comando do Exército há dez dias para o general Edson Pujol. Perdeu o posto, mas não a liderança. O gaúcho de Cruz Alta assume nos próximos dias um gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, um lance de escadas acima do gabinete presidencial. Longe do quartel, estará mais próximo do que nunca de Bolsonaro.

Os laços de confiança e lealdade entre ambos ficaram evidentes no dia 2, na posse do general Fernando Azevedo e Silva no Ministério da Defesa. Diante de uma plateia de oficiais das três Forças, Bolsonaro atribuiu sua vitória nas urnas ao general, e em tom solene, disse que levarão para o túmulo os segredos que trocaram: "o que nós já conversamos morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui".

A leitura automática dessa declaração remonta à polêmica postagem de Villas Bôas em sua conta no Twitter, que constrangeu os ministros do Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do "habeas corpus" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". A mensagem mobilizou os mais de 400 mil seguidores na rede social e estremeceu os pilares da República.

A relação de ambos, no entanto, vem dos anos 90 quando ele percorreu os corredores do Congresso como chefe da assessoria parlamentar do Exército, e Bolsonaro já era o eloquente deputado defensor das prerrogativas militares.

A experiência da assessoria parlamentar moldou o lado político do oficial, que galgou postos na carreira a partir de um perfil, simultaneamente, conciliador e estratégico.

"Ele captura o ambiente político para suas falas", concorda o general de divisão Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, que durante quatro anos o assessorou à frente do Centro de Comunicação Social do Exército (CComsex).

Villas Bôas tornou-se influente na esfera federal, o que se tornou visível à medida em que quadros próximos a ele assumiam cargos estratégicos na Esplanada. No ano passado, ele indicou o general Fernando Azevedo e Silva para a chefia de gabinete do presidente do STF, ministro Dias Toffoli - que lhe pediu a recomendação.

Meses depois, indicou o mesmo general Fernando ao presidente Bolsonaro para o comando do Ministério da Defesa. Nos últimos dias, Bolsonaro o requisitou mais uma vez para a escolha do porta-voz da Presidência, e ele referendou o nome do general Rêgo Barros.

Villas Bôas já tomou decisões importantes para fugir do conflito, da agressividade, a fim de construir o consenso, considerando de que forma o Exército poderia contribuir nessa ou naquela questão nacional. "Ele procura resolver sem fricção, mesmo que tenha que ceder", diz Rêgo Barros.

Comunicador nato, criou a conta no Twitter e um canal no YouTube - "O comandante responde" - para estreitar os laços da Força com a sociedade. A controversa postagem sobre o julgamento do "habeas corpus" de Lula foi precedida de cálculo e estratégia. Rêgo Barros argumenta que Villas Bôas "tinha a compreensão do momento que se vivia, mediu o impacto junto ao público interno e externo e não disse nada que outra pessoa não quisesse dizer".

Com curso de infantaria e de combate na selva no currículo, Villas Bôas poderia ir para casa com a sensação do dever cumprido após 50 anos de Exército. Duelando há anos com a doença neuromotora degenerativa, que limita seus movimentos e dificulta a respiração, ele nem pensou em desertar.

Encomendou ternos novos e na última sexta-feira, visitou as instalações do Planalto, onde vai despachar no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), subordinado ao general Augusto Heleno. Heleno é o "guru" do Planalto, nas palavras do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Na prática, serão dois "gurus" de Bolsonaro com assento no palácio.

Apesar de todas as intempéries, aos 67 anos, Villas Bôas é lúcido, bem disposto e bem humorado. Intelectual, leitor devotado, "ele fala do alfinete ao foguete", define o amigo Rêgo Barros.

A indicação do ex-comandante da Marinha, o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, para a presidência do Conselho de Administração da Petrobras, evoca um episódio anedótico da instauração do regime militar em 1964, quando um marechal passou a rasteira no general em meio à disputa pelo comando da estatal.

O fato é narrado pelo jornalista e escritor Elio Gaspari, no livro "A ditadura envergonhada".

Comandante da tropa que marchou de Juiz de Fora até o Rio de Janeiro para depor o presidente João Goulart, o general Olympio Mourão Filho reivindicava um posto de relevo no novo governo, e lhe foi sugerida a presidência da estatal de petróleo.

Ao chegar à sede da empresa para assumir o cargo, foi recebido pelo secretário-geral, que lhe exigiu os documentos necessários para a posse.

Era preciso apresentar uma carteira de identidade provando que era brasileiro nato e um recibo de caução de ações da empresa, visto que somente um acionista poderia exercer a presidência. O general cedeu ao burocrata, e marchou de volta a Juiz de Fora em busca dos documentos.

Quando voltou, dias depois, o marechal Ademar de Queiroz, com os papéis em ordem, já estava sentado na cadeira de presidente.

O último militar a presidir o conselho de administração da companhia foi o general de brigada Araken de Oliveira, entre 1974 e 1979.


José Casado: Hegemonia verde-oliva

Talvez seja útil à curadoria militar do governo Bolsonaro a presença de Villas Bôas no núcleo de conselheiros presidenciais

O presidente se perfilou diante do general que respirava por máscara. Bateu continência, debruçou sobre a cadeira de rodas, e segredou-lhe algo. Então, encarou a plateia fardada: “Obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por (eu) estar aqui.”

Talvez um dia, Jair Bolsonaro e Eduardo Villas Bôas resgatem a memória de suas conversas nos últimos 34 meses. Seria útil à História o relato do que ocorreu desde quando o deputado, ex-capitão-paraquedista, pediu para avisar ao general no Forte Apache — como é conhecido o QG do Exército em Brasília— que planejava saltar da planície política para o topo do poder no Planalto.

Encontraram-se, mais tarde, na despedida de Villas Bôas do Comando do Exército. O general-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi enfático: “A maior entrega deste comandante é o que ele conseguiu evitar. Foram tempos que colocaram à prova a postura do Exército como organismo de Estado, isento da política e obediente ao regramento democrático.”

Azevedo e Silva, também, tem uma dívida com a História. Pode resgatá-la contando o que Villas Bôas “conseguiu evitar”, desde 2015 no Comando do Exército. Azevedo e Silva chefiava o QG do Rio. O hoje vice-presidente Hamilton Mourão regia a tropa do Sul e incitava “uma luta patriótica” para derrubar Dilma Rousseff.

Quando Mourão homenageou o coronel Brilhante Ustra, “Doutor Tibiriçá” para os presos torturados em porões da ditadura, Villas Bôas tomou-lhe a tropa. Depois, saiu a instigar o “expurgo” de Temer. Villas Bôas disse-lhe, então, que já não cabia mais na cadeira do Alto Comando.

O general de pijama foi acompanhar o antigo capitão no salto bem-sucedido para o topo. Não se sabe o que aconteceu entre o presidente e seu vice, mas é visível que algo mudou. Se mostram distanciados.

Talvez seja útil à curadoria militar do governo Bolsonaro a presença de Villas Bôas no núcleo de conselheiros presidenciais. Arquiteto dessa hegemonia verde-oliva, ele continua sendo o líder que “consegue evitar”.


Folha de S. Paulo: Ao passar comando do Exército, general elogia Bolsonaro por 'liberar de amarras ideológicas'

A maior entrega de Villas Bôas é o que conseguiu evitar, diz ministro da Defesa

Thais Bilenky , Gustavo Uribe e Rubens Valente, da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao se despedir do comando do Exército, nesta sexta-feira (11), o general Eduardo Villas Bôas afirmou que a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência trouxe uma "liberação das amarras ideológicas que sequestraram o livre pensar" no país.

"O senhor traz a necessária renovação e a liberação das amarras ideológicas que sequestraram o livre pensar, embotaram o discernimento e induziram a um pensamento único e nefasto", disse, dirigindo-se ao presidente, presente à solenidade.

O general Edson Leal Pujol assumiu o comando do Exército depois de quatro anos da gestão de Villas Bôas, que passou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e uma crise política e econômica severa.

Segundo Villas Bôas, Bolsonaro fez com que despertasse no país um sentimento patriótico "há muito tempo adormecido".

Referindo-se ao presidente, ao ministro Sergio Moro (Justiça) e ao general Braga Netto, que conduziu a intervenção federal no Rio, Villas Bôas afirmou que "três personalidades se destacaram para que o 'Rio da História' voltasse ao seu curso normal. O Brasil muito lhes deve". Para ele, "todos demonstraram que nenhum problema no Brasil é insolúvel".

Moro, ex-magistrado que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi, em sua visão, "protagonista da cruzada contra a corrupção ora em curso".

No ano passado, às vésperas do julgamento do petista no STF (Supremo Tribunal Federal), o general afirmou que repudia a impunidade. A frase foi criticada por ter sido interpretada como uma pressão sobre a corte.

Com uma doença degenerativa, Villas Bôas delegou ao mestre de cerimônias a leitura de seu discurso, que também fez uma breve homenagem à imprensa. "Boas-vindas aos integrantes da imprensa que, permanentemente vigilantes, produziram o efeito de induzir o nosso aperfeiçoamento institucional", afirmou.

Emocionado, teve suas lágrimas enxugadas por um auxiliar. Bolsonaro o abraçou mais de uma vez. A primeira-dama, Michelle, sentada ao lado de Cida, mulher do ex-comandante, ambas fora do palco, cumprimentou-o depois do encerramento.

Ainda em seu discurso, Villas Bôas disse que enfrentou no período de seu comando "descontinuidade dos repasses orçamentários" e agradeceu os ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), responsáveis por sua permanência no posto.

"Um Exército democrático, apartidário e inteiramente dedicado ao serviço da nação, que desenvolve as sua estabilidade em ambiente respeitoso, humano e fraterno", disse.

Único a discursar na cerimônia além de Villas Bôas, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, elogiou a capacidade do ex-comandante de conter ímpetos antidemocráticos entre militares.

"O general Villas Bôas é reconhecido pelo seu carisma de líder equilibrado, mas grandes feitos não podem ser medidos por olhos rasos", discursou Azevedo.

"A maior entrega deste comandante é o que ele conseguiu evitar. Foram tempos que colocaram à prova a postura do Exército como organismo de Estado, isento da política e obediente ao regramento democrático", afirmou o ministro.

"Bandeira esta [que serviu] como parceria do cotidiano militar e induziu a disciplina consciente como modelo de comportamento", prosseguiu Azevedo. Villas Bôas, ele concluiu, "fez do Exército solução, não parte do problema".

Uma intervenção militar foi aventada por membros do Exército como o general Hamilton Mourão, que se tornou vice de Bolsonaro.

Mourão estava no palco ao lado de Bolsonaro, acompanhado de membros do primeiro escalão do governo como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e Onyx Lorenzoni, da Casa Civil.


O Estado de S. Paulo: ‘Legitimidade de novo governo pode até ser questionada’, diz general Villas Bôas

Villas Bôas afirma que atentado a Bolsonaro ‘materializa’ temor de que intolerância afete governabilidade

Por Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que o atentado ao deputado Jair Bolsonaro, candidato pelo PSL ao Planalto, “é a materialização das preocupações que a gente estava antevendo de todo esse acirramento dessas divergências, que saíram do nível político e já passaram para nível comportamental das pessoas”.

Em entrevista ao Estado, o general afirmou que esse gesto de intolerância mostra que “nós estamos agora construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada”. A seguir, os principais pontos da entrevista:

O sr. já estava preocupado com o acirramento dos ânimos. O atentado a Bolsonaro aumentou essa preocupação?
O atentado é a materialização das preocupações que a gente estava antevendo de todo esse acirramento dessas divergências, que saíram do nível político e já passaram para nível comportamental das pessoas. A intolerância está muito grande. E esse atentado, infelizmente, veio a confirmar essa intolerância generalizada e a nossa falta de capacidade de colocar acima dessas questões políticas, ideológicas e pessoais o interesse do País.

Qual o efeito do atentado para o momento eleitoral?
O atentado confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada. Por exemplo, com relação a Bolsonaro, ele não sendo eleito, ele pode dizer que prejudicaram a campanha dele. E, ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção. Daí, altera o ritmo normal das coisas e isso é preocupante.

Temia que um atentado pudesse acontecer?
Por conta da exacerbação da violência, já tínhamos a preocupação de que algo pudesse acontecer. Não tínhamos indícios concretos, mas tínhamos preocupação e vínhamos alertando, como fiz na minha ordem do Dia do Soldado, quando falei da necessidade de pacificação do País.

O sr. teme que possa acontecer mais alguma coisa?
Eu liguei para todos os comandantes após o desfile (de Sete de Setembro) para saber como transcorreram as festividades, e em nenhum lugar me foi reportada nenhuma manifestação. Não sei se a população levou um choque com o que aconteceu. Espero que isso prevaleça e que a sociedade tenha levado um susto, do que pode acontecer diante dos caminhos que estávamos trilhando. Espero que as coisas se harmonizem a partir de agora. E a declaração dos candidatos foram nesse sentido, embora nas redes sociais ainda existam mensagem de intolerância, que é um indicador ruim.

Como o Exército acompanha a tentativa de registro da candidatura do ex-presidente Lula?
A gente vem pautando nossa atuação e discurso em cima da legalidade, legitimidade e estabilidade. Entendemos que a estabilidade é fundamental para o funcionamento das instituições. Até porque, o inverso, a instabilidade, implica diretamente nossa atuação, como na greve dos caminhoneiros. Preocupa que este acirramento das divisões acabe minando tanto a governabilidade quanto a legitimidade do próximo governo. Nos preocupa também que as decisões relativas a este tema sejam definidas e decididas rapidamente, de uma maneira definitiva, para que todo o processo transcorra com naturalidade.

Um dos argumentos da defesa de Lula é um parecer do Comitê de Direitos humanos da ONU. Como avalia?
É uma tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo.

Na possibilidade de Lula se tornar elegível e ganhar, qual seria a posição das Forças?
Quem chancela isso é o povo brasileiro. Nós somos instituição de Estado que serve ao povo. Não se trata de prestar continência para A ou B. Mas, sim, de cumprir as prerrogativas estabelecidas a quem é eleito presidente. Não há hipótese de o Exército provocar uma quebra de ordem institucional. Não se trata de fulanizar. O pior cenário é termos alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira. A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos.

Até quando essa questão tem de ser decidida?
Que seja decidida com oportunidade para que o processo eleitoral transcorra normalmente e naturalmente.

O sr. acha que, se um dos extremos ganhar as eleições, radicais oposicionistas poderiam provocar desordem no País?
Absolutamente, não. O País atingiu uma maturidade. Eventualmente, podem ocorrer ações isoladas, de pequena monta, sem adquirir este caráter de uma grande instabilidade para o País.

Bolsonaro aparece como candidato dos militares. Ele é o candidato das Forças Armadas?
Não é candidato das Forças. As Forças Armadas são instituições de Estado, de caráter apolítico e apartidário. Obviamente, ele tem apelo no público militar, porque ele procura se identificar com as questões que são caras às Forças, além de ter senso de oportunidade aguçada.

Um eventual governo Bolsonaro poderia ser considerado um governo militar?
Absolutamente, não. Não é um governo militar. A postura e a conduta das Forças Armadas serão exatamente as mesmas em um governo de esquerda ou de direita, sem fulanizar.

O sr. recebeu vários candidatos. O que pediu ou ouviu?
A intenção foi tão somente apresentar temas que digam respeito à Defesa.