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Fernando Gabeira: Absorvente e as regras do jogo
Mulheres afirmam, com razão, que, se os homens menstruassem, o caminho do projeto seria mais fácil
Fernando Gabeira / O Globo
É um tema que trata de uma questão íntima, mas se tornou um grande debate político: a distribuição gratuita de absorventes para estudantes pobres, presidiárias, mulheres em situação de rua. O projeto é de autoria da deputada Marília Arraes (PT-PE) e foi vetado por Bolsonaro.
Desde a década de 1960, alguns homens, como eu, foram alertados sobre a importância da menstruação na psicologia feminina. A aparição do livro de Simone de Beauvoir “O segundo sexo” nos despertou para essa e outras importantes realidades da vida da mulher. Lembro-me de sua célebre frase: é difícil sentir-se uma princesa com um pano ensanguentado entre as pernas.
O projeto aprovado na Câmara não se limita apenas ao marco psicológico da menstruação, mas também a sua dimensão social e econômica: milhares de estudantes pobres deixam de ir à escola por falta de absorventes adequados.
De uma certa maneira, o tema já foi discutido na administração de Fernando Haddad em São Paulo e no próprio governo Dilma. Não prosperou. Com o avanço da presença feminina na Câmara, foi possível aprovar o projeto, mas não está havendo, acho eu, o debate necessário com Bolsonaro.
Muitas mulheres afirmam, com razão, que, se os homens menstruassem, o caminho do projeto seria mais fácil. Não se pode aplicar o argumento à Câmara, onde a ideia triunfou apesar da maioria masculina.
Mas é aplicável a Bolsonaro, e há argumentos para isso. Quem acompanha, como eu, as declarações dele, sabe que, em muitos momentos, revelou preocupação com a higiene íntima masculina.
Talvez pela experiência em quartéis com soldados pobres e menos escolarizados, Bolsonaro acha que esse problema deveria ser abordado pelo governo. Segundo ele, por falta de água, sabão e uma campanha educativa, muitos homens deixam de lavar adequadamente o pênis, expondo-se a doenças e mutilações.
Bolsonaro não lê meus artigos, não ajudam sua autoestima, mas alguma pessoa próxima poderia despertar sua consciência, estimulando-o a abordar as duas questões simultaneamente e a financiá-las pelo SUS. Esses atalhos que o diálogo propicia são praticamente impossíveis no Brasil de hoje. Quase não se discute verdadeiramente.
Estou muito sensível a esse impasse porque leio no momento um interessante livro chamado “A armadilha da inteligência”, de David Robson.
A tese do autor é que pessoas inteligentes às vezes fazem coisas estúpidas, às vezes porque partem de um forte viés político, às vezes porque acham que sabem demais — enfim, é um longo estudo sobre o funcionamento do cérebro.
A parte que me interessa destacar: a tecnologia acaba dificultando nossa capacidade de raciocínio por causa do volume de informações que nos traz e, com ele, o hábito de navegar rapidamente entre elas. No momento em que discutimos o bombardeio de fake news, vale a pena examinar o combate por outro ângulo. Discutimos leis e mecanismos de controle.
Nos Estados Unidos, já existem alguns cursos universitários que ensinam a refletir sobre os fatos: quem disse isso, quais são suas fontes, quais as evidências, existem visões alternativas? — são algumas perguntas que, ao lado de mostrar lógicas falaciosas, também introduzem o aluno na leitura das estatísticas.
Em alguns casos, são estudadas as técnicas mais avançadas para enganar as pessoas. Um clássico exemplo é a indústria do cigarro, que financiou uma poderosa campanha para negar os efeitos do tabaco na saúde humana.
Essa tática foi transplantada para a negação do aquecimento global e esteve muito presente também não só no movimento antivacina, mas em vários aspectos da pandemia de coronavírus.
Alguns analistas com que concordo acham que será impossível escapar completamente das fake news, simplesmente porque não há tempo de examinar com um olhar crítico toda a informação que nos chega. Essa digressão foi apenas para acentuar que uma das maneiras de contornar os aspectos odiosos da polarização política não passa apenas pela crítica aos atores do processo.
Por meio da rapidez e do estímulo ao conflito, as grandes plataformas digitais envenenaram o mundo. O problema é como sair dessa.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/absorvente-e-regras-do-jogo.html
No mundo da Dreadnoughts, inexiste menina pobre sem absorvente
Não proponho enforcar o último dono de offshore com as tripas do último reacionário; até os vejo com certa piedade
Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo
O que o veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para estudantes pobres e mulheres em situação de rua tem a ver com a Dreadnoughts Internacional, a inoxidável offshore de Paulo Guedes, com patrimônio de ao menos US$ 9,55 milhões?
A propósito: Sérgio Rodrigues, colunista desta Folha, sinta-se desafiado a fazer um ensaio combinando o nome dessas empresas dos ricos com seu grau de alienação da realidade. Ou de arrogância. Espero responder à pergunta inicial no curso do texto.
Consta que o ministro está indignado com a proporção que tomou a notícia, não a fake news, de que ele tem a tal empresa nas Ilhas Virgens Britânicas. Compreenda-se a sua fúria. Ele contou tudo à Comissão de Ética Pública. Por alguma razão inexplicada, a dita-cuja não viu contradição entre a sua empresa (e as de Roberto Campos Neto) e a lei 12.813. Há ainda o Código de Conduta da Alta Administração Federal, que também veda tal prática.
Um endinheirado qualquer ter uma offshore, devidamente declarada à Receita, não é crime. Quando se é ministro da Economia ou presidente do BC, o ordenamento jurídico define a prática como ilegal. E o código a considera antiética. Não se conferiu à tal comissão a faculdade de reinterpretar os dois textos.
A escalada do dólar, que tira comida da boca do pobre, deixa Guedes e Campos Neto mais ricos. A frase lhes pareceu, assim, de um jacobinismo juvenil? É que a alienação ou a impiedade de alguns ricos têm a idade da Terra e pedem o contraste. Ainda que a cotação da moeda não guardasse nenhuma relação com decisões tomadas pela dupla —e guarda—, isso estaria dado pela “árvore dos acontecimentos”.
Voltemos a falar daquele estrato social em que meninas deixam de ir à escola porque não dispõem de produtos para a higiene íntima. É bem provável que, num ambiente de prosperidade e de uma gestão virtuosa da economia, as peripécias da dupla não fossem percebidas por aquilo que são: um escândalo, antes de mais nada, moral, como apontei desde a primeira hora no programa “O É da Coisa” e em minha coluna no UOL.
As offshores, por si, não fazem de Guedes ou de Campos Neto larápios ou ladrões de dinheiro público. Ocorre que eles são personagens centrais de decisões que têm consequências e não podem, pois, ter o próprio patrimônio protegido das suas escolhas. O que este governo fez, por exemplo, para minorar os efeitos da estúpida inflação de alimentos? O câmbio inflacionou também o mercado de ossos.
Não proponho aqui enforcar o último dono de offshore com as tripas do último reacionário. Eu até os vejo com certa piedade. Não é que sintam prazer diante da miséria. Eles simplesmente não a entendem como questão urgente. O liberalismo à moda da casa —e peço escusas, leitor, por ainda acreditar numa versão virtuosa— especializou-se em dizer por que os pobres teriam direitos demais no Brasil. E jamais se ocupou de explicar as proteínas de menos.
Certamente há uma penca de hipócritas que transformam o sofrimento dos pobres em mero discurso ideológico, advogando soluções que seriam, antes de tudo, problemas. Não são nem meus interlocutores nem meus opositores. No mais das vezes, diga-se, são irrelevantes no debate e só servem para fazer a fama de cronistas vigaristas, que têm a grande coragem de se opor a minorias militantes.
Sou um conservador em muita coisa. Um dos traços do meu conservadorismo está em considerar que a coragem sempre será a coragem contra os poderosos, nunca contra quem os contesta, por menos razão que tenha ou por mais bobagens que diga. É a minha escolha há mais de 40 anos. Estes tempos insanos, no entanto, deram à luz também este tipo ordinário: seu destemor está em não ter receio de esfregar verdades na cara de quem nada pode.
Esses poderosos alienados não existem no vácuo. Há um ambiente também intelectual que os explica, em que menina pobre não menstrua. São, a seu modo, vítimas morais de sua concepção de mundo. Mas jamais terão de se submeter ao sopão de ossos. Que as urnas tentem corrigir os desatinos. E se não? O apocalipse não virá. Países não fecham; países pioram. Que o Brasil melhore ao menos.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/10/no-mundo-da-dreadnoughts-inexiste-menina-pobre-sem-absorvente.shtml
Maria Cristina Fernandes: A boiada, agora, passa sobre o capital
Adiamento de manifesto empresarial foi crucial para Bolsonaro
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
A unidade frustrada de entidades empresariais e financeiras na apresentação de um único manifesto em defesa da ordem constitucional não poderia ter acontecido num momento melhor para o presidente Jair Bolsonaro. Depois de já ter passado por cima de menos aquinhoados pela virtude ou pela sorte, a boiada bolsonarista agora atropela também o capital.
Por duas razões: o recuo das entidades acontece no momento em que se afunila, sob as bênçãos dos Poderes, um cambalacho nas contas públicas, e também quando se confirma mais uma frustração nas expectativas de retomada econômica.
O manifesto dos empresários, apesar de não fazer referência direta à conjuntura econômica, serviria para adensar o peso de sua reação num momento de escalada golpista do bolsonarismo.
Ao colocar o ministro da Economia e os presidentes dos bancos estatais a serviço do desbaratamento da unidade do movimento, o presidente não é capaz de sufocar o azedume. Adia, porém, sua expressão para um momento em que espera estar vitaminado pela aposta que fez no 7 de setembro.
O alvo de Bolsonaro é a capacidade de articulação empresarial para pôr na roda uma terceira via em condições de tirá-lo da reta final de 2022.
A boiada parecia longe quando o governo passou a faca na Previdência Social de 72 milhões de brasileiros, produziu recorde de informalidade no mercado de trabalho, patrocinou o pior orçamento da educação básica em uma década, registrou o menor número de inscritos no Enem nos últimos 16 anos, fez liberação recorde de agrotóxicos, promoveu a maior letalidade policial desde 2013 e paralisou a política habitacional para a faixa de mais baixa renda e a demarcação de terras indígenas.
A centralidade do debate ambiental na economia mundial fez tocar o alarme quando, no primeiro semestre de 2021, o país se deparou com o pior desmatamento em uma década. A boiada se aproximava.
O galope da inflação, do juro de longo prazo e do câmbio, a iminência da crise hídrica e, por fim, a queda do PIB no segundo trimestre do ano acabaram por dar alguma concretude à expressão “estouro da boiada”.
Nada, porém, alarmou mais as perspectivas do que a negociação em torno das dívidas da União, os chamados precatórios. Foi aí que se mostrou inútil a tentativa de fechar a cancela para resguardar os interesses empresariais.
A consultoria legislativa da Câmara dos Deputados e a IFI já mostraram os números. A proposta de parcelamento negociada pelo ministro da Economia com o TCU, o presidente do Supremo Tribunal e os presidentes da Câmara e do Senado, pode acumular esqueletos no armário no valor de até R$ 1,4 trilhão até 2037, quando acaba o teto de gastos.
Reclamar do salto nas despesas com precatórios é jogar por terra velha demanda nacional que é o aumento da produtividade do Judiciário. Enfurnada na pandemia, a magistratura esvaziou gavetas e multiplicou sentenças, devidamente anotadas pela AGU.
A instituição encarregada de defender a União de seus cobradores foi chefiada, em grande parte do governo Bolsonaro, por André Mendonça, candidato ao Supremo, instância máxima do cumprimento de sentenças judiciais.
A saída para honrar as dívidas e pagar um Auxílio Brasil turbinado sem derrubar o teto seria a redução das emendas de relator, mas isso é capaz de fazer tremer o país mais do que 7 de setembro bolsonarista.
O deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) encantam suas plateias engravatadas apesar de não quererem nem ouvir falar em cortar emendas de relator, cuja execução condiciona sua autoridade.
Tem sido assim desde a PEC Emergencial, aprovada em março sem corte de gastos. A gastança prosseguiu com a privatização da Eletrobras, custeada pelo contribuinte, e agora esbarrou numa reforma do Imposto de Renda com risco de mais desembolsos da União.
Empresários e banqueiros despertaram da conivência ao concluir que apesar de toda a gastança, o país ainda não havia adquirido paz institucional, que dirá futuro para sua economia.
Se o manifesto “A Praça é dos Três Poderes” é uma reação a este estado de coisas, permanece uma incógnita por que, em determinado momento, seus signatários originais, entre os quais a Febraban, resolveram entregar o comando de um movimento que chegou a abrigar 250 entidades, para a Fiesp. Mais precisamente para Paulo Skaf.
A rigor, Skaf nem presidente da Fiesp é mais. Depois de 17 anos sob sua presidência, a Federação das Indústrias de São Paulo elegeu, há dois meses, Josué Gomes da Silva, da Coteminas, para seu lugar. Skaf permanece no cargo até dezembro para melhor definir seu futuro político. No presente faz política contra o interesse de seus representados.
Foi isso que aconteceu com o manifesto empresarial. Filiado ao MDB, Skaf move-se entre as pressões do governo sobre o Sistema S e uma brecha na palheta de opções à direita num Estado em que Bolsonaro ainda não tem um palanque para chamar de seu em 2022.
Parecia óbvio que havia vasos comunicantes e poluentes entre os interesses envolvidos. Apesar disso - ou por causa - conseguiu o mandato para comandar o manifesto. Seu maior feito até agora foi o de adiar a divulgação do documento para depois do 7 de setembro abrindo brechas para o governo desbaratar a iniciativa.
De maciça, a adesão da Febraban, por exemplo, que havia sido tomada pelo voto de 14 dos 18 integrantes do conselho da entidade, contra a vontade de dois (BB e Caixa) e a abstinência de outros dois, se transformou em um racha.
A anunciada saída dos dois bancos públicos da Febraban permanece como uma ameaça sem confirmação de um lado ou do outro. Seu maior patrocinador, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, nunca abandonou suas ambições políticas nem oportunidade de mostrar serviço ao chefe.
A Febraban contesta o recuo e mantém apoio ao documento. Na impossibilidade de unir a todos os signatários poderia ter tomado o mesmo rumo das entidades do agronegócio e encabeçado um documento à parte do setor financeiro.
Preferiu se manter sob a liderança de Skaf e aguardar a divulgação do documento no dia D e na hora H. Ponto pra Bolsonaro e sinal verde para a boiada.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/a-boiada-agora-passa-sobre-o-capital.ghtml
Bolsonaro veta punição para quem divulgar fake news
O presidente sancionou PL que revoga Lei de Segurança Nacional, mas vetou crime para quem praticar "comunicação enganosa em massa"
Thaís Paranhos / Metrópoles
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou, com vetos, nessa quarta-feira (1º/9), projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura militar.
Entre os vetos do mandatário da República, está o trecho que prevê punição para quem praticar “comunicação enganosa em massa”. O PL determinava reclusão de 1 a 5 anos mais multa para quem “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
No veto, o chefe do Executivo diz que “a proposição legislativa contraria o interesse público por não deixar claro qual conduta seria objetivo da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que compartilhou”. O presidente questiona também se “haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico”.
Por fim, o presidente alega que a proposta tem “o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais”.
Inquérito das Fake News
Bolsonaro é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do Inquérito das Fake News, que apura a disseminação de notícias falsas. O relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, incluiu o mandatário do país na investigação no último dia 4 de agosto, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O STF vai apurar se o presidente cometeu crimes durante a tradicional live de quinta-feira, na qual afirmou, sem provas, que houve fraude nas eleições presidenciais de 2018.
Outros vetos
O titular do Planalto também vetou trecho do PL que determinava punição para quem impedisse “o livre e pacífico exercício de manifestação” sob o argumento de que haveria dificuldade para definir “o que viria a ser manifestação pacífica”.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-veta-punicao-para-quem-divulgar-fake-news
Congresso se articula para dobrar valor do fundo eleitoral para, no mínimo, R$ 4 bi
Alternativa é derrubar decisão de Bolsonaro, que vetou teto de R$ 5,7 bi, ou negociar a ampliação do valor na Lei Orçamentária
Bruno Góes e Jussara Soares / O Globo
Após o presidente Jair Bolsonaro vetar trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que destinava cerca de R$ 5,7 bilhões ao Fundo Eleitoral, o Congresso Nacional se mobiliza para garantir ao menos R$ 4 bilhões para as campanhas de 2022. A interlocutores, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que os parlamentares não trabalham com valor menor.
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O montante é mais que o dobro do custo das eleições gerais de 2018, quando as legendas tiveram R$ 1,7 bilhão à sua disposição. Até que o veto de Bolsonaro seja analisado pelo Congresso, porém, ainda há incertezas sobre qual alternativa legal seria usada pelos parlamentares para fazer valer a vontade do Legislativo.
A disposição de Lira é negociar com o Palácio do Planalto uma despesa para o processo eleitoral na ordem de R$ 4 bilhões ou R$ 4,5 bilhões. Bolsonaro, por sua vez, vem sendo fortemente pressionado pela militância, e teria sinalizado à área técnica do governo que fixaria, por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA), o valor de R$ 2 bilhões da eleição de 2020, corrigidos pela inflação, o que resultaria em aproximadamente R$ 2,2 bilhões.
“É lógico que (Bolsonaro) vai enviar um valor menor. Nós não esperávamos um valor que achamos que é suficiente, valor de R$ 4 bilhões a R$ 4,5 bilhões”
PAULINHO DA FORÇA / Solidariedade (SP)
Lideranças partidárias, porém, consideram o valor insuficiente para a realização das campanhas de 2022. O argumento é o de que as eleições para prefeito e vereador teriam custos menores que os registrados nas eleições gerais, quando são escolhidos deputados federais, estaduais, distritais, senadores, governadores e o presidente da República.
— A eleição é para deputado estadual, federal, senador, governador e presidente da República. Portanto, não são suficientes os R$ 2 bilhões corrigidos pela inflação. Vamos discutir com os partidos e verificar um valor suficiente para as eleições e vamos aprovar no Congresso. Temos que aumentar esse fundo que ele mandar — disse o presidente do Solidariedade, o deputado federal Paulinho da Força (SP).
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O deputado afirmou ainda que a expectativa é, mesmo, que Bolsonaro envie uma proposta com valor bem inferior aos R$ 5,7 bilhões por meio da LOA.
— É lógico que ele (presidente Bolsonaro) vai enviar um valor menor. Nós não esperávamos que ele enviasse um valor que achamos que é suficiente, valor de R$ 4 bilhões a R$ 4,5 bilhões — afirmou o parlamentar.
Busca da solução jurídica
Bolsonaro tem até o dia 31 de agosto para enviar ao Congresso a LOA de 2022. A votação, porém, deve acontecer apenas em dezembro deste ano. Enquanto a LDO fixa as balizas para o Orçamento, a LOA determina os valores exatos para cada ação governamental.
Na LDO, a projeção de R$ 5,7 bilhões foi feita a partir do parâmetro que havia sido redigido pelo Congresso. Nele, havia a determinação de que parte da verba do fundo seria equivalente a 25% do orçamento de dois exercícios (2021 e 2022) da Justiça Eleitoral.
Esse valor do fundo também obedecia a outro critério: a origem do recurso seria o remanejamento de emendas de bancada impositivas.
“O valor da eleição municipal com correção não é o ideal. Vamos começar as discussões sobre esta semana”
ISNALDO BULHÕES(MDB-AL)
Ao indicar o veto, a área técnica do governo avaliou que não há necessidade de correção da LDO. Isso porque a Lei das Eleições, que criou o Fundo Eleitoral, trata das fontes de recursos que devem ser usadas para bancar as campanhas. Assim, bastaria ao governo indicar um valor menor na Lei Orçamentária.
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No Congresso, parlamentares do Centrão ouvidos reservadamente avaliam que a decisão de Bolsonaro pode forçar a construção de um acordo para a derrubada do veto. Há dúvidas sobre a legalidade do repasse ao chamado Fundão sem uma baliza fixada pela LDO. Neste caso, se o veto for derrubado, a negociação prevê que valor intermediário passaria por um corte do orçamento da Justiça Eleitoral ou o envio de um novo projeto para estipular um novo critério.
— Só tem duas alternativas: modificar a lei, buscando um outro texto para essa previsão, ou derrubar o veto e a previsão ficar mantida, e, depois, discutirmos o valor na Lei Orçamentária — disse o líder do MDB na Câmara, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL).
O parlamentar também concorda que o valor de R$ 2 bilhões é insuficiente e que o Congresso buscará aumentar o montante.
— Vai ter que discutir esse valor. Acredito que o valor da eleição municipal com correção não é o ideal. Vamos começar as discussões sobre esta semana — disse Bulhões.
Outros congressistas avaliam que é preciso sentar à mesa para tratar do assunto com clareza. Presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), a senadora Rose de Freitas (MDB-ES) diz que não é necessário derrotar o governo em plenário.
— Esse não é o caminho (derrubar o veto). Há uma controvérsia muito grande. Vamos ter que sentar à mesa e dialogar dentro da realidade que existe. Há uma pressão da sociedade sobre esse assunto. Mobilizar o Congresso para alocar R$ 5 bilhões numa eleição... é muito dinheiro para um país que está com tantas dificuldades, como desemprego e fome — diz a senadora.
Senadores indicam veto às coligações proporcionais
Proposta foi aprovada em primeiro turno pela Câmara e promete ser mais uma fonte de atrito entre as duas Casas do Legislativo
Paulo Cappelli / O Globo
BRASÍLIA — Senadores governistas e da oposição criticam a volta das coligações proporcionais, em consonância com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e sinalizam que votarão contra a medida, se ela entrar em pauta. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi aprovada em primeiro turno pela Câmara na semana passada e a votação em segundo turno está marcada para amanhã. Para valer nas eleições do ano que vem, o texto precisa ser chancelado pelo Senado até outubro. A disposição dos senadores em não dar seguimento à medida promete ser mais uma fonte de atrito entre as duas Casas.
PSDB: Doria tenta reverter apoio de deputados a Eduardo Leite
Derrubada pelo Congresso em 2017, a coligação proporcional permite, em sistema de aliança partidária, que candidatos menos votados, e muitas vezes sem afinidade ideológica, se elejam na esteira dos votos computados pelo conjunto de legendas que integram o bloco. Ao acabar com essa possibilidade, o objetivo dos parlamentares foi, junto com a aprovação da cláusula de barreira, reduzir o número de partidos, sobretudo os de aluguel.PUBLICIDADE
Líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF) afirma que o apoio à volta das coligações proporcionais na Câmara não encontra eco no Senado, e diz que o modelo privilegia o “cálculo eleitoral” em vez da “afinidade programática”:
— Os parlamentares (da Câmara) pensaram primeiro neles próprios. Qual a forma mais fácil de se reeleger? Com coligação. Ocorre que, pelo sistema de coligação, os partidos fazem aliança com base no cálculo de quantos deputados podem eleger, e não com base em conteúdo programático. São interesses eleitorais. Na Cidade Ocidental, em Goiás, o DEM fez coligação com o PCdoB em 2016. Ou seja, o eleitor vota em um liberal e acaba elegendo um comunista. Ou o contrário.
Na semana passada, o presidente do Senado disse considerar a retomada das coligações proporcionais um “retrocesso”. Sobre a tramitação no Senado, afirmou que consultará os colegas para definir um encaminhamento. Logo após a votação, em um jantar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu a Pacheco que paute o projeto assim que recebê-lo.
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Líder do PT, o senador Paulo Rocha (PA) disse que o partido está unificado, no Senado, contra a medida. Na Câmara, os petistas fizeram parte do acordo para aprovar a proposta, apresentado como alternativa à adoção do distritão, também criticado por especialistas.
No distritão, a eleição para os legislativos seria majoritária, ou seja, os mais votados de cada estado seriam eleitos, sem levar em conta os votos nos partidos, como é hoje no sistema proporcional. Críticos do distritão afirmam que ele enfraquece os partidos e dificulta a renovação de vagas.
— Nós, do PT, somos contra (a volta das coligações proporcionais). É um retrocesso. Seria um retorno dos partidos cartoriais, que existem só para fazer coligação. Partidos que não têm força nenhuma pegam carona naqueles que têm força política e organização perante a sociedade — disse Paulo Rocha.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), mostrou-se contrário à aprovação da medida às pressas, o que faria com que já vigorasse no ano que vem:
— Causa suspeita quando se faz reforma política de dois em dois anos. Fica parecendo que o Congresso fez de cobaia os vereadores na eleição de 2020. Sou favorável à análise de uma reforma política, inclusive com a questão das coligações, mas sou contra aprovar qualquer mudança às pressas, até outubro deste ano, para que já entre em vigor no pleito do ano que vem. Acho que para haver reforma política tem que ter diálogo e sintonia entre Câmara e Senado.
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Após a eleição municipal do ano passado, a primeira sem coligações proporcionais, a fragmentação partidária diminuiu nas Câmaras de Vereadores. Levantamento feito pelo GLOBO apontou que isso aconteceu em sete de cada dez cidades.
Também alinhado ao Palácio do Planalto, o senador Jorginho Melo (PL-SC) endossou as crítica à proposta:
— Isso não tem a menor chance de ser aprovado no Senado.
Sem alinhamento
O Senado, por exemplo, deu um freio na nova Lei de Segurança Nacional (LSN) que havia sido aprovada em maio pela Câmara sob críticas por ter tido uma tramitação rápida. A proposta só foi chancelada pelos senadores na semana passada, três meses depois.
Outro episódio girou em torno da PEC do voto impresso. Enquanto Arthur Lira, em um gesto incomum, levou para o plenário a proposta, mesmo após ser rejeitada em comissão especial, Pacheco descartou ressuscitar iniciativa semelhante engavetada no Senado.
Relatora da reforma na Câmara, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP), já reagiu à sinalização contrária do Senado, afirmando que essa postura “vai gerar uma crise institucional”.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/senadores-indicam-veto-as-coligacoes-proporcionais-contrariam-deputados-25156499
Folha de S. Paulo: Bolsonaro veta blindagem de gastos para vacina da Covid, mas preserva projetos de militares
Decisão do presidente consta em sanção da Lei de Diretrizes Orçamentárias
Ricardo Della Coletta, Folha de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou dispositivos da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que blindariam gastos do governo federal com a aquisição e distribuição de vacinas contra a Covid-19, além de outros desembolsos com o enfrentamento da pandemia.
Por outro lado, Bolsonaro preservou na lei que serve como guia para a elaboração do Orçamento os principais projetos estratégicos defendidos pelo Ministério da Defesa —como a renovação da frota de caças da FAB (Força Aérea Brasileira) e o desenvolvimento de submarino com propulsão nuclear—, que com a decisão presidencial não poderão ser alvo de contingenciamento.
A LDO foi sancionada com vetos por Bolsonaro e publicada em edição extra do Diário Oficial da União na quinta-feira (31).
A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que o governo precisa ao longo do ano bloquear o empenho de determinadas despesas caso não esteja conseguindo cumprir a meta de superávit primário (que para 2021 é um rombo máximo de R$ 247,12 bilhões).
No entanto, a mesma redação elencava programas que deveriam ser protegidos desses congelamentos, sendo que Bolsonaro vetou parte da lista.
Entre os trechos vetados está "despesas com ações vinculadas à produção e disponibilização de vacinas contra o coronavírus (Covid-19) e a imunização da população brasileira". O presidente também removeu da lei agora sancionada "despesas relacionadas com o combate à pandemia da COVID-19 e o combate à pobreza".
Segundo técnicos ouvidos pela Folha, a ação do presidente deve ter pouco impacto imediato, em menos em ações diretas do Ministério da Saúde. Na pasta, a maioria dos gastos relacionados ao enfrentamento à pandemia tem sido feita via crédito extraordinário, que não é regido pelos itens vetados por Bolsonaro na LDO.
Em dezembro, por exemplo, Bolsonaro editou uma MP (Medida Provisória) que destina R$ 20 bilhões para a aquisição e distribuição de imunizantes contra o coronavírus.
O dinheiro deve abarcar a compra de doses, seringas, agulhas e toda a logística envolvida na campanha de vacinação. Segundo técnicos, por se tratar de crédito extraordinário, em tese o veto de Bolsonaro não atingiria o dinheiro já reservado.
Eles opinam que os vetos podem ser uma tentativa do Executivo de criar uma ferramenta de controle de despesas voltadas para a Covid-19 que eventualmente venham a ser incluídas por parlamentares na Lei Orçamentária, que ainda não foi aprovada.
A decisão do presidente, no entanto, pode abarcar programas que extrapolam o Ministério da Saúde, uma vez que a expressão "despesas relacionadas com o combate à pandemia da COVID-19" é ampla e a inclusão do termo "combate à pobreza" indica ações relacionadas à assistência social.
Outros itens foram barrados por Bolsonaro na LDO e, portanto, poderão ser alvo de contingenciamento em 2021.
Estão na lista: despesas com saneamento, execução de ações do programa de reforma agrária e de apoio à agricultura familiar, comunidades indígenas e quilombolas; ações de combate ao desmatamento e/ou queimada ilegais em imóveis rurais; despesas com as ações destinadas à implementação de programas voltados ao enfrentamento da violência contra as mulheres; demarcação de terras indígenas e de remanescentes de quilombos; e despesas relacionadas com o Programa Mudança do Clima, entre outros.
Para justificar o veto, o governo argumentou que a manutenção dos dispositivos vetados no rol de despesas blindadas de contingenciamento reduziria o espaço fiscal das despesas discricionárias e restringiria "a eficiência alocativa do Poder Executivo na implementação das políticas públicas".
Bolsonaro também justificou que despesas não passíveis de bloqueio aumentam a rigidez do Orçamento, o que prejudica o cumprimento da meta fiscal, do teto de gastos e da Regra de Ouro (mecanismos que impede o governo federal de se endividar para pagar despesas correntes, como Previdência Social e benefícios assistenciais.) O não cumprimento dessas regras fiscais —prossegue o governo— poderia provocar insegurança jurídica e impactos econômicos negativos, como endividamento, aumento de taxas de juros e inibição de investimentos.
"Nesse sentido, entende-se que ressalvar as despesas relacionadas, da limitação de empenho, contraria o interesse público", concluiu o governo nas razões do veto.
Bolsonaro no entanto teve entendimento diferente em relação aos projetos prioritários do Ministério da Defesa, que não foram retirados da lista de despesas blindadas de contingenciamento.
Foram preservados os projetos FX-2 (compra de caças da sueca Saab para a renovação da frota da FAB) e Prosub (programa de desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro fruto de acordo com a França ); também estarão livres do bloqueio orçamentário despesas com aquisição do cargueiro militar KC-390 e gastos com a compra do blindado Guarani. Bolsonaro manteve ainda no anexo de despesas livres de contingenciamento a implementação do Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) e do Sistema de Defesa Estratégico Astros 2020.
Ricardo Noblat: O que confere sentido às aparentes ações desconexas de Bolsonaro
Candidato a pai dos pobres, sem desprezo aos ricos
Algum sentido deve fazer o presidente da República vetar parte de uma lei aprovada pelo Congresso e recomendar a derrubada do seu veto, a Amazônia e o Pantanal arderem em chamas e o orçamento do Ministério do Meio Ambiente acabar reduzido, a pandemia ainda infectar e matar milhares de brasileiros e um general especialista em logística ser nomeado ministro da Saúde.
Qual sentido? É tentador concluir que o único sentido capaz de dar sentido a tantos passos em contrário é o desejo do presidente Jair Bolsonaro de se reeleger daqui a dois anos. Desejo supremo que orienta todas as suas ações. Não importa o mal que muitas delas causem ao país para sempre, desde que algum bem faça a Bolsonaro. Reeleição acima de tudo, só abaixo de Deus – e olhe lá!
O presidente vetou o trecho da lei que isentava as igrejas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e anulava as multas já aplicadas pelo não pagamento dessa contribuição. Se não o fizesse, se arriscaria a ser acusado por crime de responsabilidade ao desrespeitar regras do Orçamento para a concessão de benefício tributário. E o que ele fez em seguida?
Recomendou por escrito a deputados e senadores que derrubem o veto. Disse que se ainda fosse deputado era isso o que faria. Jogada esperta para livrar-se do desgaste de uma decisão que desagradou os líderes religiosos que o apoiam. Se sua recomendação não for atendida, a culpa será do Congresso. Se for atendida, ele lucrará à custa do rombo de 1 bilhão de reais a ser produzido no Orçamento.
A maior planície alagável do planeta, o Pantanal, pega fogo. O desmatamento na Amazônia deverá destruir mais florestas este ano do que no ano passado, o primeiro do governo Bolsonaro. Por causa disso, países da Comunidade Econômica Europeia ameaçam não ratificar o acordo comercial firmado com o Mercosul, até aqui o único feito diplomático da diplomacia bolsonarista.
O que Bolsonaro ganha com tudo isso? Estreita suas relações com os militares, devotos da teoria de que a Amazônia deve ser ocupada e explorada economicamente por ser uma região plena de riquezas naturais. Danos ao meio ambiente poderão ser reparados no futuro. Enquanto isso, passe livre para que garimpeiros, empresas de mineração e pecuaristas façam a festa. Afinal, 2022 é logo ali.
Valeu a pena para Bolsonaro livrar-se dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, ambos médicos que se opunham à aliança do governo com o coronavírus para que morressem os que um dia acabariam morrendo de qualquer jeito. Ministro interino da Saúde no auge da pandemia, o general Eduardo Pazuello comportou-se no cargo ao gosto do chefe.
Nada mais natural, portanto, que fosse promovido à condição de titular. Um militar a mais ou a menos não fará diferença para o governo mais militarizado desde o fim da ditadura de 64. Os brasileiros já deram a pandemia como vencida. De resto, se bem não fez a Bolsonaro, tampouco lhe fez mal sabotar o confinamento, desprezar o uso da máscara e receitar a cloroquina.
Bolsonaro descobriu os pobres e a vantagem de socorrê-los. Quem um dia chamou o programa Bolsa-Família de Bolsa-Farelo está atrás de algo semelhante para imprimir suas digitais. Eleito pelos mais ricos e escolarizados quer ser reeleito agora também com o voto dos mais pobres e menos escolarizados. Da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, às palafitas de Manaus.
Míriam Leitão: O veto, o governo e as contradições
O Senado errou e, felizmente, a Câmara corrigiu a tempo, mantendo o veto do presidente Bolsonaro à permissão de aumento de salário de certas categorias de servidores. Mas esse caso é complexo e emblemático das contradições do governo. Há um fenômeno no Brasil que poderia ser definido como sensibilidade fiscal seletiva. Atinge a equipe econômica, o próprio ministro Paulo Guedes, e principalmente o presidente Jair Bolsonaro. Guedes disse que o Senado cometeu crime contra o país. Bolsonaro declarou que não poderia governar se o veto fosse derrubado, num exagero bem conveniente. Quando o presidente cria despesas corporativas é também crime contra o país e impedimento a que se governe?
Bolsonaro é errático em matéria fiscal. Ele inicialmente não queria que houvesse proibição de reajustes a servidores federais. O ministro da Economia então incluiu esse ponto no acordo de transferência de recursos para estados e municípios para valer para toda a federação. O presidente decidiu proteger alguns. Demorou 20 dias para sancionar a lei dando tempo, assim, de aprovar aumentos de salários de policiais civis e militares do Distrito Federal, Amapá, Roraima e Rondônia, e também para votar uma reforma na carreira dos policiais federais. Os adicionais dos salários das Forças Armadas estavam fora dessa proibição de reajuste, sob o argumento de que haviam sido garantidos pela reforma da previdência dos militares.
Quando eleva as despesas públicas para beneficiar os grupos que protege, Bolsonaro não considera que isso inviabilize o governo, nem o ministro Paulo Guedes acha que é traição ao Brasil. A ambiguidade fiscal do presidente é sempre justificada pelo ministro da Economia. Ele repete que o presidente teve “60 milhões de votos”, por isso é natural que ele tome essa ou aquela medida, mesmo que seja o oposto do recomendável. Bolsonaro podia ser deputado dos militares e policiais, mas não pode ser o presidente de algumas categorias. Um presidente corporativista é uma contradição ambulante.
O número com o qual o governo tentou assombrar o Brasil não fica de pé. Ninguém sabe de onde saíram aqueles R$ 130 bilhões de custo. Parlamentares que defendiam o veto não entenderam o cálculo e falavam em algo em torno de R$ 10 bi ao governo federal em 18 meses. Economistas do setor privado que concordam com o veto também faziam contas nessa faixa de estimativa. Seja qual for o dado, o Senado estava errado por dois motivos. Haveria impacto nas contas públicas, ainda que não fosse trivial calcular. O outro ponto que mostra o quanto o Senado errou é ignorar o que está acontecendo no mercado de trabalhadores do setor privado. Há uma devastação de emprego e renda em curso. Dez milhões de pessoas deixaram a população ocupada porque seus empregos sumiram. Outros dez milhões de trabalhadores com carteira assinada tiveram redução de salário. Os servidores, que estão protegidos do risco de demissão, teriam ainda reajustes?
A história inteira desse projeto mostra a quantidade de problemas que o governo consegue criar pela sua articulação trôpega e os improvisos do ministro da Economia. A Câmara aprovou uma proposta de transferência de recursos para os estados e municípios, dado que o governo não tomava qualquer iniciativa para ajudar os estados, além do aumento do FPE. Paulo Guedes reagiu à proposta dizendo que era uma irresponsabilidade fiscal, um cheque em branco. Rodrigo Maia, que tem orgulho de sua agenda em prol da estabilidade fiscal do país, ficou ofendido. Guedes foi então ao Senado para mudar o projeto da Câmara. Levou ao senador Davi Alcolumbre um projeto próprio. Ele foi aprovado, mas nele os senadores incluíram que haveria exceções para algumas categorias na proibição de reajustes e foi isso que Bolsonaro vetou.
Agora, o Senado, ao qual o ministro acorreu na sua briga com o presidente da Câmara, acabou derrubando o veto, e ontem, por ironia, o governo precisou do deputado Rodrigo Maia para manter o veto. Desde cedo, o presidente da Câmara trabalhou para articular a manutenção do veto, fez uma declaração criticando os termos usados por Guedes para se referir à decisão do Senado e fez uma sustentação do microfone no lugar do líder com uma argumentação simples: alguém pode dar aumento? Não. Então por que derrubar o veto? Tudo teria sido mais fácil, simples, se houvesse uma boa negociação e o governo não fosse essa fábrica de atritos em todas as áreas.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro posa de responsável fiscal e fatura politicamente a crise do veto
Presidente aproveitou bobagem do Senado para fazer gol político, mas gosta de um gasto
Os senadores deram uma oportunidade para Jair Bolsonaro fazer um show de responsabilidade fiscal. O presidente fez pose no noticiário e no delírio das mídias sociais. Faturou politicamente uma bobagem demagógica do Senado. Só que não se trata disso, de responsabilidade.
O Senado havia derrubado veto de Bolsonaro a um parágrafo da lei de socorro a estados e municípios. A lei proíbe reajustes de salários e outros aumentos de despesas com servidores de todo o país até o fim de 2021. O parágrafo vetado abria exceção para profissionais de saúde, de assistência social, de limpeza, de policiais etc. envolvidos no combate à pandemia.
Nesta quinta-feira (20), a Câmara validou o veto, em um dia agitado como se estivessem reconstruindo os muros da Bastilha fiscal. Sim, o reajuste não faz mesmo sentido. Sim, há cheiro de queimado na praça financeira. Desde a segunda semana de agosto, as taxas de juros de prazo mais longo voltaram a dar saltos (em julho, haviam voltado a níveis pré-pandemia). Mas quem fez a chacrinha “fura-teto” foi o próprio governo, que de resto não tem projeto organizado para nada, das contas às “reformas”.
Bolsonaro não liga muito para o tamanho da despesa a não ser que: 1) veja uma possibilidade de fazer show midiático; 2) apareça um rolo com consequências notáveis para a sua reeleição.
O presidente quer o monopólio da concessão de benefícios e favores. Diminuiu o alcance da reforma da Previdência, deu reajustes para policiais, para as Forças Armadas e bilhões para uma estatal da Marinha fazer navios. Sabota o quanto pode a reforma administrativa e avacalha emendas constitucionais de redução de despesa com servidores que seu próprio ministro da Economia manda para o Congresso.
O próprio Bolsonaro apoiava a exceção que acabou enfim por vetar, por insistência de Paulo Guedes. Ele mesmo cruza a bola que cabeceia para fazer o gol da confusão permanente que é seu desgoverno.
O governo, de resto, fez um show com o tamanho dessa crise do veto. O Senado de fato colocou mais água no moinho das tentativas de elevar gastos, manobras avacalhadas para dar um jeito no teto de despesas sob o pretexto de estimular a economia e atenuar problemas sociais. Nada disso vai prestar, posto dessa maneira. Mas o governo superfaturou essa crise.
Segundo o governo e seus economistas, a derrubada do veto reduziria em dois terços a economia prevista com a proibição de reajustes, coisa de quase R$ 90 bilhões. Esse número não parece fazer sentido algum.
A derrubada do veto não implicaria reajustes, para começar. Para continuar, a despesa com “remuneração de empregados” nos estados e municípios foi de uns R$ 662 bilhões em 2019 (o governo federal está fora da conta porque se supõe que não concederia reajustes, certo?). Seria preciso dar baitas reajustes a todos os funcionários do país inteiro para essa conta parecer razoável.
E daí? Daí que a discussão é uma mixórdia de baixo nível, condizente, portanto, com esse governo. Nas mídias sociais, era possível ler o povo bolsonariano dizendo que os senadores haviam se dado reajustes, por exemplo.
O arranca-rabo desnecessário e de fancaria ajuda a complicar a vida de Guedes no Congresso, em particular no Senado, a quem acusou de cometer “um crime”, o que deixou a turma possessa por lá. A gente podia ouvir senador dizendo “quero ver o seu Guedes vir aqui com cara de pau falando de concórdia e pedindo suas reformas”.
Bolsonaro deve ter ficado feliz como pinto no lixo, na confusão, no caos que o revigora.