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Bloqueio de verbas do MEC afeta alimentação e até hospitais universitários
O bloqueio de ao menos R$ 2,4 bilhões feito pelo MEC (Ministério da Educação) dois dias antes do primeiro turno das eleições vai afetar a rotina de estudantes, funcionários e até o funcionamento de hospitais ligados a universidades e institutos federais.
A avaliação foi feita por reitores e pró-reitores ao UOL, que temem não honrar os compromissos até o fim deste ano. Ontem, estudantes da Ufba (Universidade Federal da Bahia) protestaram pelas ruas do centro de Salvador contras as medidas anunciadas pelo MEC.
- Luz e água, inclusive para hospitais;
- Restaurantes universitários; Pagamentos de terceirizados, como seguranças, vigilantes e profissionais de limpeza;
- Contratação de profissionais de atenção à saúde mental de alunos;
- Auxílios estudantis; Editais para bolsa.
Bloqueio pode gerar riscos para alunos e hospitais sem água ou luz
Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), definiu a situação como "trágica". Ele explica que, no caso da universidade, não é possível fazer novos empenhos ou pagar contratos que estejam em andamento. "Qualquer tipo de operação orçamentária está praticamente zerada", diz.
Na prática, as despesas de funcionamento estão sendo afetadas. Raupp elenca contas de luz, água e gastos com limpeza e funcionários como os principais afetados.
No caso da UFRJ, este corte impacta diretamente na segurança: a Cidade Universitária tem 5 km², é permeada pela Baía de Guanabara e já teve alguns casos de violência nas áreas mais desertas.
"Sem limpeza e segurança, todas as atividades, tanto de aula quanto de pesquisa e extensão, estão ameaçadas." Eduardo Raupp, pró-reitor na UFRJ
O pró-reitor explica que isso afeta também o complexo hospitalar da universidade, que conta com o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, a maternidade escola e outras sete unidades de saúde.
"Os hospitais têm parte de seu funcionamento pagos com recursos do SUS [Sistema Único de Saúde], conforme chegam os atendimentos, mas uma parte é paga com o orçamento da UFRJ. Os contratos de funcionamento, que são limpeza, segurança, luz e água, estão dentro desse orçamento da UFRJ", explica.
Auxílio estudantil para alunos de institutos está ameaçado
Os cortes afetam também os institutos federais, responsáveis pela formação técnica e profissional de jovens alunos.
Deborah Santesso Bonnas, reitora do IFTM (Instituto Federal do Triângulo Mineiro), explica que, por isso, os gestores de institutos federais podem se ver diante de uma situação triste, que é escolher quais contas serão pagas.
"Impacta o aluno em editais de bolsa, por exemplo. A gente pensa em não prejudicar o estudante e manter a assistência de forma integral, mas como vou deixar sem luz, sem limpeza, sem estrutura? Deborah Bonnas, reitora do IFTM." Deborah Bonnas, reitora do IFTM
Deborah, que também é vice-presidente do Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), avalia que o diferencial dos institutos federais é a educação de qualidade.
"Defendemos propiciar ao estudante tudo que a educação profissional e tecnológica precisa, mas não conseguimos fazer isso com orçamento reduzido e limitado", diz a gestora, lembrando que pode não conseguir pagar insumos, aulas práticas e visitas técnicas necessárias à formação dos estudantes.
No caso do IFB (Instituto Federal de Brasília), a reitora Luciana Massukado teme que o bloqueio se torne um corte — a exemplo do que o MEC fez em junho deste ano — e impacte até a saúde mental dos alunos.
"Com o limite de movimentação, não podemos seguir com processos já previstos, como a contratação de psicopedagogos, necessários porque muitos estudantes voltaram da pandemia com problemas relacionados à saúde mental e emocional. São contratos que antes não existiam e agora são necessários", afirma.
Profissionais e alunos ficam ansiosos, diz reitora
Massukado explica que a incerteza sobre liberação ou não da movimentação em dezembro causa ansiedade em profissionais.
"Esse bloqueio ainda não é corte, mas traz instabilidade e ansiedade para a comunidade acadêmica. Os terceirizados [limpeza e segurança, principalmente] ficam sem saber se os contratos vão avançar ou não. E se eles ficam na esperança de o valor ser desbloqueado, mas no final não é? Não é possível planejar assim", lamenta.
A reitora ainda explica: o bloqueio indica que pode ou não haver manutenção, contratações. "Bloqueio nos deixa no escuro: não consigo dizer que sim nem que não. Os gestores e estudantes ficam com isso na cabeça, porque às vezes o auxílio [estudantil] também impacta os gastos das famílias."
Para Ricardo Fonseca, que também é reitor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o cenário obriga escolhas difíceis.
"Eu tenho dito que não existe gordura nem carne a ser queimada, agora nossos cortes são no osso. E são escolhas que afetam um conjunto de pessoas com muita vulnerabilidade nesse momento que vivemos", avalia, citando alunos e funcionários terceirizados.
"É um risco de colapso institucional. Não há quem funcione sem porteiro, vigilante, sem limpeza, sem insumos básicos, banheiros." Ricardo Fonseca, reitor da UFPR e presidente da Andifes
Corte ou contingenciamento? O que dizem MEC e reitores
O MEC fala em liberar os valores em dezembro "sem prejuízo a universidades e institutos federais", mas não há garantias.
A explicação oficial da pasta é que houve um ajuste do limite de empenho para não descumprir a lei de responsabilidade fiscal, mas como o orçamento é maior do que o de 2021, "houve aumento e não redução" do que é disponibilizado.
Na prática, parte do limite disponível para as unidades de ensino pagarem suas contas está bloqueado sob promessa de ser liberado no último mês do ano.
Ontem, o ministro da Educação, Victor Godoy, afirmou que os reitores fazem "política" com o fato.
"É normal. Programação financeira orçamentária do governo. Temos alguns casos de algumas universidades que já têm uma execução mais avançada. Estamos tratando caso a caso", disse Godoy. "Ao invés de o reitor ficar fazendo política, venha aqui até o MEC e vamos ver de que maneira pode auxiliar."
Os reitores argumentam, contudo, que cada universidade opera seus valores de um jeito. Há aquelas que pagam suas contas de consumo —água e luz— mês a mês, enquanto outras fazem a gestão financeira de outra forma, graças à autonomia. As que se encaixam no primeiro caso podem não conseguir fechar as contas já em outubro.
Ricardo Fonseca, presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), afirmou ontem à imprensa que "contingenciamento existe em todos os anos, em todos os governos, mas não é comum termos um decreto nessa fase do ano".
Ao UOL Notícias, ele afirmou que não quer discutir semântica —se é bloqueio, corte ou contingenciamento: "Na prática, estamos sem dinheiro agora".
*Colaborou Ana Paula Bimbati, do UOL, em São Paulo.
Texto publicado originalmente no portal do UOL.
Eugênio Bucci: A propaganda, a ciência, o imbróglio e o ano novo
Fapesp corre o risco de perder 30% de sua verba e Bandeirantes aumenta a de publicidade em 70%
No gran finale de 2020, o governo paulista deu um jeito de aumentar os recursos para fazer propaganda de si mesmo e, na outra ponta, deu outro jeito para, em plena pandemia, ameaçar o orçamento da ciência. O ano que começou mal termina muito pior.
Nos derradeiros ajustes da Lei Orçamentária Anual (LOA), na Assembleia Legislativa, o Palácio dos Bandeirantes conseguiu incluir uma elevação de 69% na sua verba publicitária (como noticiou este jornal na primeira página, dia 20, com reportagem de Brenda Zacharias). O montante, que ficou na casa dos R$ 90,7 milhões em 2020, saltará para R$ 153,2 milhões no exercício de 2021.
Na mesma LOA aparece um corte de 30% na receita da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A entidade tradicionalmente conta com 1% da receita tributária do Estado. Em 2021 poderá ficar com apenas 0,7%. Traduzindo em graúdos, estamos falando de meio bilhão de reais a menos.
Por enquanto, dinheiro ainda não foi retirado, de fato, mas a Fapesp corre o risco de perdê-lo. O corte aparece no texto final da LOA (publicado no Diário Oficial de ontem), com todos os números e vírgulas, mas talvez não venha a ser efetivado. Mas como assim?, há de se perguntar o improvável leitor. Se a lei manda cortar, como é que podemos ter a expectativa de que o corte talvez não se consume?
Para entender o capcioso imbróglio, pelo qual o malfeito se insinua enquanto finge não ser o que é, precisamos conhecer um pouco mais desse novo gênero artístico-orçamentário de dissimulação, tão em voga na política: a técnica legislativa de ordenar uma coisa e, ato contínuo, ordenar o seu contrário.
A mesma LOA que corta “descorta”. Numa das inumeráveis tabelas que a acompanham, consta um valor para o orçamento da Fapesp que equivale claramente à redução de 30% de suas receitas. Para isso a LOA se apoia lógica que prevaleceu nas emendas à Constituição federal que preveem a Desvinculação de Receitas da União (conhecida pela sigla de DRU) e a Desvinculação de Receitas de Estados e Municípios (Drem). Essas desvinculações constitucionais permitiram que as chamadas “receitas vinculadas”, tanto na União como nos Estados e nos municípios, fossem diminuídas. Logo, se a Drem valer para a Fapesp, ela perderá um terço do tamanho que tem hoje.
Acontece que o destino ainda não está selado, pois, como já foi dito, a mesma LOA que corta “descorta”. Em seu artigo 11, ela manda cumprir o que está escrito no artigo 271 da Constituição estadual de São Paulo – e esse artigo, o 271, determina de forma expressa, inequívoca, a destinação de 1% da receita tributária do Estado à Fapesp.
Em resumo, a LOA paulista para o ano de 2021 é uma contradição em termos, um oxímoro legislativo. Em suas previsões numéricas, impõe o corte da Fapesp. Em seu artigo 11, impede o corte da Fapesp.
O que vai acontecer? As apreensões estão lançadas. Há juristas que entendem que o orçamento da Fapesp não provém de uma receita “vinculada”, como as outras, e, portanto, a Drem não se aplica a ela. Mas há os que dizem que a Drem, um dispositivo da Constituição federal, deve prevalecer sobre as Constituições estaduais.
Não vai ser fácil. Só o que se sabe até agora, com segurança, é que o futuro da ciência paulista, que já era ruim, piorou um pouco mais. É a primeira vez que um ataque tão frontal contra os recursos da Fapesp ganha forma de lei. As forças tecnocráticas que, no curso de vários governos tucanos paulistas, vêm se articulando contra a pesquisa e contra a universidade pública marcaram seu tento, desfecharam sua pirraça e instalaram no horizonte próximo essa incerteza cabulosa.
A integridade da Fapesp nunca esteve tão vulnerável. Para o ano que vem, a manutenção de seu orçamento normal vai depender da assinatura do governador do Estado, a quem cabe expedir, por decreto, os termos da execução orçamentária. Quando for pagar as pesquisas que financia, muitas delas sobre tratamentos contra a covid-19, no Instituto Butantan e em outras instituições, precisará contar com a boa vontade do chefe do Executivo – que assegurou, publicamente, mais de uma vez, que não implementará corte algum.
Podemos acreditar nele? Em nota divulgada agora em dezembro, a instituição diz que sim: “A Drem não será aplicada à Fapesp em 2021 e há um compromisso claro do Governador João Doria e do Vice-governador Rodrigo Garcia, que também não será aplicada nos próximos anos”. Ao que se sabe, essa confiança na palavra do político em questão não tem bases científicas, mas é o que temos para o réveillon. Se cortes vierem, só vai restar aos dirigentes da Fapesp entrar na Justiça, o que trará mais desgastes e mais incertezas.
De sua parte, o mesmo Palácio dos Bandeirantes, que alega falta de recursos para fragilizar o financiamento da ciência e do conhecimento, não vê obstáculos para majorar em 70% a sua verba publicitária. É que estamos em tempos de pandemia e, você sabe, o poder acredita que a propaganda salvará vidas – de governantes.
Feliz ano novo.
*Jornalista, é professor da ECA-USP