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Vera Magalhães: Reduto petista assegura realização do segundo turno

Nordeste garantiu Fernando Haddad na disputa contra Jair Bolsonaro pelo Planalto

O Nordeste que garantiu a vitória a Dilma Rousseff em 2014 também assegurou a ocorrência de segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad a despeito da avassaladora onda de votos do candidato do PSL em São Paulo, no Sul e no Centro-Oeste.

Durante quase toda a campanha, a distinção de gêneros nos votos foi a tônica das análises, mas o resultado mostra que segue sendo a desigualdade regional o grande motor eleitoral no Brasil.

O desgaste petista pós-impeachment, na esteira da Lava Jato e da prisão de seu principal líder, impulsionou a ascensão meteórica de Bolsonaro, que soube aproveitar a onda e incrementá-la com um discurso conservador que atraiu um eleitorado até então alojado no PSDB e um uso arrojado das redes sociais para se transformar num fenômeno novo na política nacional, antípoda ao lulismo.

O deputado do PSL bateu na trave de vencer já neste domingo, mas entra no segundo turno em condições em tudo vantajosas em relação a Haddad: viu aliados seus se elegerem ao Senado, assegurou uma bancada respeitável na Câmara (seja de seu próprio partido seja dos políticos que devem se aproximar dele em caso de vitória) e terá a seu lado aliados importantes em disputas estaduais, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Preso, Lula conseguiu colocar seu “poste” em uma nova final, mas perdeu a aura de encantador de serpentes: o PT sofreu uma derrota acachapante no País, cujo símbolo maior é a surra em Minas Gerais, com Dilma Rousseff fora do Senado e Fernando Pimentel alijado do segundo turno.

Em 2014, Minas foi fundamental para Dilma, além do Nordeste. Agora, o Estado-síntese da federação repete, de novo, o quadro nacional: é fortemente bolsonarista, mas por pouco não garantiu a vitória antecipada do capitão.

Nas três semanas até o segundo turno, caberá a ele reforçar suas posições de Minas para cima. Parece ter mais ferramentas para isso que Haddad, cuja campanha deverá ser toda concentrada em apontar o adversário como uma ameaça à democracia – algo que diante da votação maciça parece ser um discurso incapaz de sensibilizar o eleitorado.

Como faltou pouco para que vencesse no primeiro turno, Bolsonaro parece ter uma tarefa bem mais tranquila: tem a seu favor uma migração natural de votos de candidatos como João Amoêdo e outros e deve pescar a metade dos (poucos) eleitores de Geraldo Alckmin.

Numa eleição que virou plebiscito e transformou quase todos os candidatos em nanicos, Ciro Gomes é o único fora os finalistas a terminar com estatura política. Deverá apoiar Haddad, mas resta saber se a esquerda terá peso para se contrapor à onda de centro-direita, a maior desde a redemocratização.


Vera Magalhães: Lula ou Jair? Ulysses

A Constituição é o antídoto tanto para a corrupção quanto para as tentações autoritárias

“Qualquer governante deste País pode ganhar as eleições e não cumprir aquilo que prometeu porque é mais um e o povo já sabe. Nós não podemos.” A frase é do histórico discurso de Luiz Inácio Lula da Silva na Avenida Paulista na madrugada de 27 para 28 de outubro de 2002. O petista havia sido eleito presidente da República em sua quarta tentativa desde 1989, a eleição que retorna agora, 30 anos depois da promulgação da Constituição, para testar da maneira mais cabal até aqui sua capacidade de resistir a tentativas de solapá-la.

A frase parecia conter a consciência da responsabilidade, do ineditismo histórico que representava sua eleição num País como o Brasil e dos riscos que haveria caso ele falhasse. E ele não falhou, apenas.

Lula deliberadamente optou por outro caminho, que seu companheiro Antonio Palocci definiu como “sonho mirabolante”, mas que na verdade foi um projeto deliberado de assalto ao País para perpetuar seu projeto político no poder.

Agora, diante da queda desse projeto pela Lava Jato e sua prisão, não fez o que disse que faria, no mesmo discurso, caso “errasse”: “Pode ficar certo que eu não terei nenhuma dúvida de ir pra televisão pedir desculpas ao meu povo”. Não pediu, urdiu uma narrativa falsa e atentatória à Justiça e às instituições de que era um perseguido político, arquitetou um plano infalível para voltar ao poder a despeito de tudo e nos trouxe até aqui.

Preso, Lula abriu a porta para a possibilidade, antes considerada remota, de eleição de Jair Bolsonaro – e tudo que ela representa de negação da história que vai da redemocratização à sua própria chegada à Presidência.

Pela arrogância de se auto conceder a condição de “uma ideia”, Lula ignorou que o mal que causou com os crimes que cometeu era tão profundo que fez fermentar a ideia oposta à sua, num caldo que mistura a legítima repulsa à corrupção com ideias fascistas que antes não ousavam ser ditas em voz alta.

E aqueles que não são coniventes com os crimes do PT nem condescendentes com a relativização da democracia presente no projeto de Bolsonaro, como chegam a este 7 de outubro? Perplexos, amedrontados e algo descrentes no tal dia seguinte que escrevi há algumas semanas que chegaria. O que Bolsonaro e Fernando Haddad, o representante de Lula nesse repeteco de 1989, têm a dizer a essas pessoas? Até aqui, nada.

A última entrevista de Bolsonaro foi uma reafirmação de suas ideias rasas sobre como um conservadorismo jeca e opaco será a base “filosófica” de seu governo e como o fato de ter uma mãe, uma filha ou um sogro seriam provas de que não é racista nem misógino.

No mesmo dia, a participação de Haddad no debate da Globo foi uma reafirmação cínica dos crimes do PT, do “L” com os dedos ao cumprimentar os telespectadores à arrogante incapacidade de reconhecer mínimos erros, quando inquirido por Marina Silva, ou a mentira pura e simples de que os governos do PT foram responsáveis fiscalmente ou valorizaram a Petrobrás.

Diante de tamanha incapacidade dos dois líderes nas pesquisas – esses que foram escolhidos por Lula da prisão – de apontar o caminho que seguirão a partir de amanhã (se um deles for eleito ou se os dois forem disputar o segundo turno), resta ao País e aos que têm a democracia como bem inalienável se fiar em outro discurso, de outro outubro: o de Ulysses Guimarães em 5 de outubro de 1988.

“República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.” A arma para enfrentar corruptos e demagogos é a mesma: a Constituição que Ulysses promulgou naquele dia. Esperamos por ela como o “vigia espera a aurora”, como ele disse. Trataremos de zelar para que não venha o crepúsculo. Com ela nas mãos.


Vera Magalhães: Efeito ‘cabo de guerra’ move disputa entre Bolsonaro e Haddad

As pesquisas num fluxo diário nesta reta final da sucessão presidencial captam uma espécie de cabo de guerra entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad: o crescimento de um causa, como reação, a subida do outro na rodada seguinte. Assim, se na medição anterior do Ibope/Estado/TV Globo, o petista aparecia estável e com a rejeição a galope e o candidato do PSL crescia, desta vez os dois apenas oscilam, mas Haddad um pouco mais.

A quatro dias do pleito, o cenário é de estabilidade após semanas de crescimento dos dois líderes. Bolsonaro precisaria ter mantido o ritmo intenso de alta para ter mais esperança na vitória já no primeiro turno – discurso que continuará a ser inflado nas redes sociais.

O Ibope joga água fria na tentativa de engrossar o caldo da terceira via. A despeito da tabelinha do debate da TV Record e dos apelos que têm feito, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva perderam musculatura, em vez de ganhar. Se continuarem a desidratar, podem contribuir com a tentativa de Bolsonaro de liquidar a fatura antecipadamente.

Ciro sonhava ser uma opção de centro-esquerda à aversão do eleitorado ao PT. Sua oscilação negativa mostra que esse discurso passa longe do grosso do eleitorado petista – nordestino, de baixa renda e baixa escolaridade.

Assim, ao menos por ora, Haddad estancou a sangria depois da delação de Antonio Palocci e das diatribes de José Dirceu. Tudo o mais constante, vai se desenhando o tão temido segundo turno dos extremos.


Vera Magalhães: Profecia autorrealizável?

Uma profecia autorrealizável é um prognóstico que, ao ser tomado como crença por quem o repete, acaba por provocar sua realização. O crescimento de Jair Bolsonaro a despeito de muitas circunstâncias adversas foi construído de maneira engenhosa por seus apoiadores muito com base nesse mecanismo simples, mas que foi usado com brilhantismo.

Começou com a construção da mitologia em torno de um deputado saído diretamente do folclore do baixo clero politicamente incorreto, ganhou alicerces nas redes sociais antes mesmo de ter um partido, tão fundados que prescindiram da antes poderosa propaganda em rede nacional de TV, e mostrou ser uma máquina muito bem azeitada, na verdade, depois do atentado a Bolsonaro.

Ali a estrutura que muitos – incluídos aí nós, jornalistas – julgavam mambembe se mostrou sofisticada no que tinha de organicidade, mas também de cálculo político.

Diante do início da pregação de candidatos como Geraldo Alckmin de que Bolsonaro perderia para o PT num eventual segundo turno, seus apoiadores retrucaram (ele próprio estava incapacitado de fazê-lo, por estar no hospital) imediatamente com a forte pregação para que lhe fosse, então, dada a vitória já no primeiro turno, como forma de se precaver para a volta do petismo.

A eficiente rede de propagação da profecia, via WhatsApp e redes sociais, muitas vezes operando no limite da irresponsabilidade, com a disseminação da versão segundo a qual uma não vitória seria fraude, ajudou a engrossar o caldo.

Por fim, a reação também imediata ao #EleNão, com um #EleSim no dia seguinte, acabou por cristalizar os votos que Bolsonaro já tinha e trazer outros entre relutantes e antes envergonhados, mas que foram saindo do armário com o álibi virtuoso de que tudo é melhor que a volta do PT.

Os últimos quatro dias serão de carga total para realizar a profecia já no domingo. Os adversários, por ora, se mostram como baratas tontas diante do bonde do capitão. Discursos de apelo à racionalidade ou ao voto útil, críticas ao histórico de declarações e votos de Bolsonaro, nada cola nele. E a rejeição a Fernando Haddad, que galopa na mesma velocidade da transferência de votos de Lula, pode ajudar com os pontos que faltam.

MERCADO
Declaração de Bolsonaro por privatizações ajudou euforia

Agentes do mercado financeiro diziam ontem que a euforia que se abateu sobre o setor, com alta da Bolsa e queda do dólar, foi impulsionada, além da pesquisa Ibope que mostra uma possibilidade de vitória do candidato do PSL já no primeiro turno, pela declaração que ele deu na segunda-feira nas redes sociais favorável a privatizações. Tanto que as ações de estatais puxaram a alta.

Bolsonaro já havia dito isso antes, desde que começou seu namoro liberal com Paulo Guedes, mas ter reforçado às vésperas do pleito, depois de alguns ruídos em matéria econômica causados por integrantes da campanha, foi como música para os ouvidos dos bancos, fundos e corretoras. O mercado está tão “comprado” em Bolsonaro que já projeta o dólar abaixo de R$ 3,70 na semana que vem caso se concretize a profecia de vitória já. A torcida reflete o medo da capacidade do PT de se fortalecer no segundo turno, como ocorreu com Dilma Rousseff mesmo desgastada em 2014.


Vera Magalhães: Um País como refém

Em cativeiro na disputa, parte do eleitorado sofre de Síndrome de Estocolmo

Na mesma entrevista em que disse que o PT mais cedo ou mais tarde vai “tomar o poder”, pelo voto ou não, José Dirceu disse, também, que Jair Bolsonaro não é problema do PT, e sim do PSDB e do que chama de “direita”. O que aquele que se pretende, mesmo na decadência, ser o formulador do petismo, quer dizer com isso? O óbvio: que no roteiro que traçou para a volta ao poder tendo Fernando Haddad como hospedeiro, Lula escolheu Bolsonaro como adversário.

E vai tendo sucesso em uma e em outra estratégia, com a ajuda incrível de uma parcela da elite que nem percebe o papel que está cumprindo para aquele a quem odeia.

A polarização do primeiro turno, mostrada nas pesquisas até aqui, entre dois extremos não só do espectro ideológico, mas também da relativização das regras do jogo, é, ela também, resultado do plano que Lula traçou bem antes de ser preso e executou com maestria direto do cárcere em Curitiba.

Desde sempre ele soube que a fórmula para tentar voltar ao poder depois do impeachment passava por apagar Dilma Rousseff da foto dos governos petistas. Para isso, contou com a ajuda inestimável de Michel Temer, que, afundado em denúncias de corrupção, conseguiu não só fazer uma parcela significativa da população esquecer o desastre que foi sua companheira de chapa quanto ter saudade daquele que a inventou.

O plano de Lula incluía, também, ter um dublê de si mesmo que em nada lembrasse a malfadada experiência de Dilma. O figurino de Haddad é diferente do da ex-presidente: fala manso nos ambientes em que precisa se mostrar moderado e fala rouco e grosso quando emula o chefe em cima do caminhão de som.

Resultado: cresce no Nordeste e nos segmentos de baixa renda de forma a assegurar uma vaga no segundo turno e pode ser aceito pelos setores moderados devido à rejeição do adversário e a promessas pouco críveis de aceno ao liberalismo na economia e ao respeito às regras do jogo na política. Por que pouco críveis? Porque em tudo diferem do que está consignado no plano de governo que ele, Haddad, coordenou. E porque toda a trajetória do PT desde o impeachment e da prisão de Lula, presente diariamente no discurso de suas outras lideranças ainda hoje, vai no caminho da ruptura com essas regras, cabresto à imprensa e ao Judiciário e dirigismo dilmista na economia.

Mas mesmo esta dupla personalidade encarnada por Haddad desde que foi posto no lugar de Lula foi pensada pelo chefe. E por quê? Porque o plano ideal vislumbrava que Bolsonaro se manteria resiliente durante a campanha, fruto justamente da outra face da doença legada pelo PT ao País nos últimos 16 anos: o antipetismo cego.

Não à toa, os petistas se eximiram de críticas mais contundentes a Bolsonaro, mesmo diante das pautas mais contrárias do deputado e ex-capitão àquelas caras à esquerda. Afinal, o objetivo maior fala mais alto: levar o barco placidamente ao encontro marcado no segundo turno, e deixar a rejeição a Bolsonaro ser inflada por ele mesmo e seus aliados, sob o beneplácito entusiasmado de uma elite estudada e endinheirada que parece em transe hipnótico.

Assim, a maioria da população e do eleitorado que não está entrincheirada em nenhum dos extremos regressivos e ameaçadores à democracia segue refém das estratégias de Lula e de Bolsonaro, o antípoda por ele apontado – em tudo semelhante àquele que escolheu Dilma em 2010 e Haddad em 2012 e 2018.

O que é em todos os aspectos preocupante é que, num cenário em que são todos reféns, um contingente imenso sofre de Síndrome de Estocolmo e, se não se curar dela a tempo, pode fazer com que o cativeiro do País perdure pelos próximos quatro anos.


Vera Magalhães: Todos contra 2

O debate de hoje, no SBT, deverá levar de forma mais acentuada que os anteriores à tentativa dos demais candidatos de tentar quebrar a polarização entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Para isso, devem ser vistas alianças estratégicas entre adversários e divisão de tarefas entre eles para definir quem bate em quem.

Geraldo Alckmin deverá se concentrar em Jair Bolsonaro, mas pelo caminho que tem explorado nos últimos dias: sem agredir o capitão, uma vez que o que ele pretende é conseguir lhe tirar eleitores, mas batendo na tecla de que sua passagem ao segundo turno levaria à vitória de Haddad e à volta do PT ao poder.

Em reunião ontem com aliados e estrategistas, Alckmin ouviu o pedido para que seja mais incisivo. Dizem que ele não poderá ignorar Bolsonaro, como fez nos encontros da Gazeta e da TV Aparecida. Mas também terá de se mostrar um opositor do PT, o que o forçará a chamar Haddad para o embate direto.

Já Ciro Gomes passará a noite no hospital e sua assessoria não sabe se ele irá ao debate. Até terça-feira, sua estratégia era atingir o candidato petista e se mostrar como a terceira via ainda no jogo. Pretendia ressaltar os pontos em que tem fustigado o ex-prefeito de São Paulo: sua inexperiência e o fato de ter sido rejeitado pelo eleitor paulistano, com derrota no primeiro turno, e o “beija-mão” a Lula que ele tem praticado.

Ciro avalia que Bolsonaro é um problema mais imediato para Alckmin e que a tarefa de desconstruí-lo cabe ao tucano e conterrâneo de Pindamonhangaba.

TV FLOPOU
Horário eleitoral entra na última semana sem virar jogo

E uma das perguntas de um milhão de dólares de 2018 - terá a propaganda na TV o mesmo peso das eleições anteriores? - vai se encaminhando para ser respondida com um sonoro “não”. O horário eleitoral entra na última semana nesta quarta-feira e não foi capaz de operar nenhuma virada significativa na sucessão presidencial nem nas principais disputas estaduais, como a de São Paulo.

QUE CONCERTAÇÃO?
Reunião frustrada do ‘centro’ evidencia falta de timing

Ficou pior a emenda que o soneto. A bateção de cabeça do chamado “centro” na reunião que não aconteceu evidencia a falta de timing desse campo: afinal, se era para pensar em união, isso deveria ter sido feito na fase de definição de candidaturas, e não com o leite praticamente derramado para eles. Além disso, o fato de que Alckmin, o possível beneficiário do apoio, não demonstra reação nas pesquisas dificultou ainda mais a tal “concertação”.

PREVIDÊNCIA
Grupo coordenado por Fraga reúne economistas e juristas

A proposta de reforma da Previdência que Armínio Fraga coordena, juntamente com o também economista Paulo Tafner, equaciona a transição do modelo atual para o próximo, um dos grandes entraves da proposta do governo Michel Temer. Ela tem “um pouco” de capitalização, diz Fraga, que, por ora, não detalha a proposta, que está sendo elaborada por um grupo que, além de economistas, inclui juristas e consultores legislativos.


Vera Magalhães: Casamento arranjado

A crise na união de conveniência de Bolsonaro e Paulo Guedes começou antes

Quando um casamento é de fachada, as juras de amor podem até parecer sinceras, mas o caráter fake da união não demora a se apresentar. O que era esperado para os primeiros meses de governo, caso Jair Bolsonaro fosse eleito, já começou a se mostrar antes mesmo do primeiro turno na relação entre ele e seu “posto Ipiranga”, Paulo Guedes.

Envaidecido e “empoderado” pela alcunha que lhe foi dada pelo candidato, Guedes se pôs a falar sobre propostas ainda não consignadas no plano de governo de Bolsonaro e bastante controversas sob os aspectos econômico e político.

No caso do estudo de reforma tributária, o esforço dos aliados do candidato de dizer que se tratava de “fake news” sua intenção de recriar a CPMF não dá conta de todos os aspectos duvidosos da proposta. Guedes defendeu, sim, a criação de um tributo que, em substituição a outros, teoricamente traria um efeito “neutro” sobre a carga tributária, mas incidiria sobre movimentações financeiras. Inclusive sobre transações em dinheiro. No crédito e no débito.

Justificou sua razoabilidade dizendo que seria um “imposto único”. Mas o tributo não incluiria a CSLL nem o Imposto de Renda, em relação ao qual sua proposta é ainda mais discutível, pois levaria a uma perda de arrecadação bilionária para a União e reduziria a tributação justamente para aqueles que têm renda mais alta.

Esta proposta não foi desmentida por Bolsonaro como a da CPMF – foi, inclusive, elogiada por ele em entrevista do hospital à Folha de S.Paulo. Talvez o candidato não a tenha compreendido.

E aí adentramos nos problemas políticos que começam a aparecer no casamento arranjado entre o deputado corporativista, cuja atuação sempre foi voltada para aumentar gastos, beneficiar setores do funcionalismo e com viés estatizante, e o economista liberal old school.

Guedes recebeu uma ordem de Bolsonaro & filhos para falar menos. Eis o momento em que alguém envaidecido pela possibilidade de ver suas ideias em destaque no debate público, bem sucedido na carreira na iniciativa privada, se vê diante da lógica militarista da hierarquia e da necessidade política da composição. Portanto, “desempoderado”.

O que fez? Continuou falando, para explicar as controvérsias criadas por suas falas anteriores. Outra delas diz respeito a uma “reforma política” em que deputados aceitariam bovinamente abrir mãos de seus votos no parlamento, prerrogativa que lhes terá sido dada agora, por voto direto da população, para acatar uma nova ordem em que partidos teriam superpoderes para aprovar projetos.

A proposta é um misto de autoritarismo delirante e ingenuidade atroz, por desconhecer o funcionamento básico do Congresso. Imaginar que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que depende desses deputados para se reeleger, encamparia essa ideia, é de novo sinal de falta de capacidade mínima para entender a lógica congressual.

Mais: a ideia contraria todo o discurso do próprio Bolsonaro, que tem feito críticas ferrenhas aos partidos, já esteve em quase todo o abecedário de siglas do País e tem dito que vai governar com os “melhores” do Congresso, numa homenagem ao baixo clero do qual sempre fez parte antes de se tornar um case midiático com possibilidade de virar presidente da República.

Em entrevista para um perfil seu publicado pela revista Piauí, Guedes respondia em tom blasé sobre como agiria caso essas esperadas desavenças com Bolsonaro se concretizassem. Dizia que, nesse caso, iria cuidar de sua vida. Mas brincava – entre envaidecido e “empoderado”– que só depois de ajudar a eleger o “capitão”. A crise no casamento de conveniência, no entanto, começou antes. A tempo de que seja notada pelo eleitor enternecido pelas juras de amor verdadeiro.


Vera Magalhães: À espera do ‘fato novo’

O clima no PSDB é de desalento. Esgotados todos os prazos fixados por Geraldo Alckmin para “realizar” seu potencial de crescimento eleitoral e a 18 dias das eleições, a esperança passou a ser o surgimento de algum “fato novo”, portanto exógeno à própria campanha, ou de um sentimento de última hora que una o eleitor moderado em torno do tucano.

Na busca pelo tal fato novo, pessoas próximas a Fernando Henrique Cardoso tentaram convencê-lo a procurar Alvaro Dias e Henrique Meirelles e fazer um apelo pela união tardia do centro em torno de Alckmin. O ex-presidente não se animou a dar esse passo de novo. De acordo com um de seus mais diretos interlocutores, FHC avalia que o quadro está caminhando para se definir na polarização entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.

A reunião do comando da campanha de Alckmin nesta terça em São Paulo foi uma última tentativa de apertar os parafusos disponíveis, mas a constatação dos participantes é de que a caixa de ferramentas está meio vazia. O marketing foi poupado publicamente, mas nos bastidores a avaliação é de que não teria sabido aproveitar o tempo de TV dado pelos partidos a Alckmin e transformado em “latifúndio improdutivo”, nas palavras de um político.

Nesse inventário privado de erros, sobra também para Tasso Jereissati, eleito bode expiatório por ter fornecido, com a entrevista ao Estado na reta final da disputa, munição aos adversários para fustigar o PSDB – sendo o partido a maior âncora de Alckmin, no entender de siglas aliadas.

No barata voa da reta final, diante da consolidação da polarização eleitoral entre Bolsonaro e Haddad, sobram engenheiros de obra pronta. O que mais se diz é que a campanha tucana demorou a bater no PT, deixando o antipetismo como bandeira exclusiva do capitão.

Acontece que, semanas atrás, antes mesmo da facada, o discurso era outro, entre os próprios políticos do Centrão, que diziam que o “inimigo” a ser batido primeiro era Bolsonaro, e o PT seria o alvo no segundo turno, uma vez que se acreditava na repetição quase por osmose da eterna disputa entre petistas e tucanos pela hegemonia política brasileira.

Agora, diante da chance real de o PSDB ser substituído pela direita genuína, depois de servir de cavalo de Troia para ela desde 1994, com a aliança com o PFL de Bornhausen e ACM, os tucanos, perplexos, se dividem sobre o que fazer no segundo turno caso estejam mesmo assistindo da janela. O mais provável é que o partido se exima de apoiar alguém, mas não serão poucos os tucanos a pousar num e noutro poleiro. O mesmo vale para o Centrão, que, antes mesmo da reunião da Rua Alasca (a ironia do endereço), já se divide numa diáspora nem tão silenciosa.

DAY AFTER
Mercado analisa riscos de Bolsonaro e Haddad

Em rodadas de conversas nas últimas semanas com representantes de bancos, fundos de investimentos, corretoras de valores e empresários do setor produtivo, passei a ouvir ponderações sobre os riscos de vitória de Bolsonaro ou de Haddad – os dois cenários mais presentes em relatórios e gráficos. Operadores de São Paulo e do Rio avaliam, com pouca dissonância, que Haddad traria risco mais imediato de disparada do dólar e reversão de decisões de investimentos, dada a questão do futuro de Lula. Para esses agentes, o PT explicitou, mais do que Bolsonaro, a intenção de dar um cavalo de pau institucional, se preciso, para livrar seu líder maior. As palavras mais amenas do candidato nos dois últimos dias, depois do “liberou geral” dos aliados, foram vistas como pouco confiáveis. Sobre Bolsonaro, o temor maior recai sobre suas condições de saúde e os sinais de desentendimento no núcleo mais próximo, a começar pelo vice, general Hamilton Mourão.


Vera Magalhães: Haverá um dia seguinte

Eleitores de Bolsonaro ou do PT estão contratando um encontro no segundo turno

Uma parcela do eleitorado brasileiro resolveu encarar as eleições como aquela última festa do ano, à qual você vai para beber todas, extravasar as tensões, dizer verdades na cara do colega que não suporta, sem pesar as consequências da ressaca. Mas assim como na firma ou na repartição, no País também haverá um dia seguinte à rave da democracia, e a depender do que o eleitorado fanfarrão fizer ele poderá ser mais ou menos penoso. Suave e divertido não será, isso já está mais do que claro.

Submetido a uma sequência de provações nas searas econômica – desemprego, desalento, falta de perspectiva –, política e ética, esse eleitor radical se retirou para os extremos. Uma parcela dele abraçou um candidato que vocifera contra a política mesmo vivendo dela há quase três décadas e nela colocando toda a família, que diz não entender nada de economia e promete vagamente cumprir um programa que é o oposto da sua vida parlamentar sem ter maioria mínima para mudar nem nome de praça.

Como Jair Bolsonaro fará isso? Não parece importar. Qual sua proposta para temas cruciais, como reforma da Previdência? Dane-se, o tal do Paulo Guedes (que a maioria de seus seguidores religiosos não saberia apontar num conjunto de três fotografias) resolve. Qual o compromisso deste candidato com as instituições e a democracia? Isso, então, é o que é mais relativizado pelos radicais que enxergam em Bolsonaro uma “saída” para “tudo que está aí”.

Do outro lado do salão do baile está o eleitor que viveu a ilusão da pujança dos governos Lula, foi perdendo tudo aos poucos e se esqueceu que houve Dilma Rousseff, também criada por ele, para levar o País à breca e à situação em que eles se encontram hoje.

Levados pelo messianismo mais antigo da política brasileira – o mesmíssimo, aliás, usado para criar o outro mito, à direita – sonham com um dom Sebastião que, para voltar, precisa sair da prisão, à qual foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro (dinheiro deles, os eleitores, não próprio).

O que Fernando Haddad, o preposto desse dom Sebastião encarcerado, fará com a economia? A proposta escrita é de volta sem escala ao dilmismo. Mas quem se importa? O que o candidato por procuração pretende do Judiciário e do Ministério Público? A proposta é de um “controle social”, a senha para intervenção política. Mas não parece sensibilizar quem está entrincheirado na ilusão da volta de um bem-estar ilusório. Os dois lados do salão do baile do pé na jaca da democracia achincalham a imprensa, flertam com a modificação da Constituição e com a relativização da democracia de forma irresponsável, com o beneplácito de seu eleitorado disposto a beber até o último gole.

Os eleitores-pistola, entrincheirados em Bolsonaro ou no PT, não percebem que estão contratando um encontro no fim da festa de arromba, diante da cada vez maior possibilidade de os dois candidatos – o seu e aquele que ele mais odeia – se enfrentarem no segundo turno. Mas só eles não sabem: os candidatos trabalham justamente por esse cenário de juízo final.

Nesse caso, o embate se assemelhará àquele entre Alien e Predador nos filmes-catástrofe de ação: destruição de tudo que há em volta, aniquilação do inimigo e capitulação dos exércitos rivais. E quem sonhou em eliminar o outro do mapa poderá justamente sagrá-lo vencedor, como em qualquer batalha sangrenta. O problema é que a ressaca, nesse caso, não se cura com analgésico. Leva ao menos quatro anos, atinge inclusive quem não decidiu enfiar o pé na jaca e fará, caso ocorra, com que muitos se deem conta de que política não deveria ser feita com a disposição de chutar o balde, mas com a consciência responsável de que sempre haverá um dia seguinte.


Vera Magalhães: Voto útil chegou antes

O quadro mostrado pelas últimas pesquisas, com Jair Bolsonaro (PSL) consolidado em primeiro lugar e Fernando Haddad (PT) em ascensão mesmo antes de oficializado, antecipou a pregação do voto útil nas demais campanhas que têm alguma chance de ir ao segundo turno.

Geraldo Alckmin (PSDB) foi o primeiro a indicar este caminho, ainda na sabatina Estadão/Faap, antes de ter a estratégia suspensa temporariamente pela facada em Bolsonaro. “Votar em Bolsonaro é um passaporte para a volta do PT”, disse ele na ocasião. O mantra foi repetido por sua vice, Ana Amélia (PP), ontem em entrevista.

Agora, é a vez de a defesa do voto útil chegar à campanha de rua e à propaganda de TV, no fim definitivo da trégua concedida ao candidato do PSL.

A ordem é não bater pesado em Haddad, que a campanha tucana acredita que crescerá naturalmente agora que foi indicado como sucessor oficial de Lula. Alckmin e aliados vão tratar de associar o petista a Dilma Rousseff e ao desastre econômico de seu governo, mas acreditam que sua cristalização como herdeiro de Lula pode ajudar a assustar o eleitor antipetista e forçar o voto útil no tucano. “Haddad ainda não é o adversário”, me disse ontem um coordenador da campanha alckmista.

Nessa pesca por alguns pontos nas pesquisas também haverá um ataque especulativo no eleitorado do bloco dos 3%, composto por Alvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Novo) e Henrique Meirelles (MDB).

A esperança do estafe de Alckmin é que a eleição tome o que eles chamam de “curso natural”, com Bolsonaro, Haddad e Alckmin disputando até o fim para ir à fase final.

Mas a boia do voto útil não será unilateral. Ciro Gomes (PDT) e mesmo a sempre comedida Marina Silva (Rede) já se lançaram a ela diante da evidência de que os votos que tinham ou têm podem estar apenas fazendo uma escala até desaguar em Haddad. Ciro parece ter mais massa muscular para ser enxergado pelo eleitor que já foi petista ou lulista, mas teme a vitória de Bolsonaro e está disposto a encontrar alguém capaz de derrotá-lo – o medo oposto ao que o PSDB tenta incutir em relação à volta do PT.

Para que a tática seja efetiva, o pedetista e a ex-senadora terão de aumentar os ataques ao PT sem irritar o eleitorado que até ontem dizia querer votar em Lula mesmo preso. É uma linha tênue, que a retórica por vezes explosiva de Ciro e o “marinês” de difícil compreensão podem dificultar.

BOLSOMITO?
Adversários dividem voto de ‘convicção’ do de ‘comoção’

As campanhas adversárias à de Jair Bolsonaro reagiram com cautela às primeiras pesquisas após o atentado contra o candidato do PSL. Acreditam que elas captam, nas palavras de um dirigente partidário, “um voto de comoção, e não de convicção”. Atribuem as diferenças de intenção de votos no deputado ao momento em que foram realizados os trabalhos de campo de cada instituto, como a querer criar um termômetro da empatia com ele. Será? O Ibope incluiu uma pergunta que tenta auferir essa volatilidade “emocional”. E, na questão sobre o quão decidido está o eleitor de cada um, é o do PSL que demonstra mais a tal convicção: 54% dizem se tratar de uma decisão definitiva, que não mudará de jeito nenhum. Claro que mesmo essa segurança pode ser fruto da solidariedade com o ataque. Mas, num novo desafio aos pregadores do voto útil, o segundo colocado nessa resolução de voto é justamente Haddad, com 40% dos que o apontam se dizendo decididos.


Vera Magalhães: Pouso por instrumentos

Parâmetros a menos de um mês das eleições são inéditos e não permitem previsões

A eleição presidencial de 2018 passará à História como aquela que foi ditada, em sua maior parte, de dentro da carceragem da Polícia Federal e, em sua reta final, de um leito hospitalar.

Um mês antes do pleito, o atentado contra a vida de Jair Bolsonaro foi o mais dramático episódio de um processo já eivado de ineditismos – políticos, jurídicos, institucionais, sociológicos, econômicos – e já marcado pela polarização do eleitorado nos dois extremos do espectro ideológico.

O resultado a longo prazo da tentativa de assassinato do líder nas pesquisas, logo depois da interdição do outro pela Justiça Eleitoral, é imprevisível. Como ocorreu num prazo curtíssimo até que os brasileiros tenham de ir às urnas, o que se terá será um pouso eleitoral por instrumentos, dadas as condições climáticas adversas. Dependerá, portanto, da habilidade de cada um dos atores da campanha.

A primeira reação dos opositores diretos de Bolsonaro, os demais candidatos, foi de respeito e cautela. Não houve entre os principais candidatos nenhum que minimizasse a gravidade do atentado, culpasse a vítima ou tentasse obter dividendos eleitorais. O que é bom.

As manifestações que flertaram com o oportunismo político vieram, como tem sido em todo o ciclo político que se iniciou com a Lava Jato, dos extremos.

A ex-presidente Dilma Rousseff fez questão de reavivar a memória dos brasileiros de como pode ser desastrosa e equivocada quando fala. Ao transferir para a vítima a responsabilidade por quase ter morrido apostou no “nós contra eles”, retórica perniciosa que permitiu a Lula criar postes como ela e cindir o País em dois enquanto operava a pilhagem do Estado em conluio com empreiteiras e aliados.

Do extremo oposto, dirigentes do PSL e a família de Bolsonaro também flertavam com o caos ao culpar a imprensa ou adversários do candidato pelo crime cometido por Adelio Bispo de Oliveira, o que é irresponsável num momento de extrema gravidade institucional pela qual passa o País.

Não é possível saber se esse clima de nervosismo político, natural em episódios que provocam forte comoção nacional, prevalecerá nas quatro semanas que nos separam do primeiro turno.

Dependerá de como as outras candidaturas e o estafe de Bolsonaro se comportarem no que resta de campanha.

O deputado terá uma recuperação difícil pela frente. Mas já ficou claro que estará mais presente do que nunca, pelo protagonismo natural que adquiriu no noticiário e pela disposição de seus aliados de mantê-lo presente nas redes sociais, o hábitat natural em que Bolsonaro construiu sua resiliência e no qual montará seu palanque.

Os adversários se recolheram nos dias que se seguiram ao atentado, mais até que o próprio Bolsonaro. Precisarão encontrar um discurso que mantenha no ambiente público a (mais do que nunca) necessária discussão sobre a necessidade de reconstruir o tecido social e institucional do Brasil, condição de partida para a recuperação da economia e a construção de um governo, dado que hoje temos apenas um arremedo canhestro de um.

Não se pode interditar o debate, porque isso significaria abandonar o eleitor à própria sorte no nevoeiro de mistificação que encobre o processo sucessório desde o início.

O desafio é fazê-lo sem que pareça que atacam alguém fisicamente fragilizado, que passou a contar com uma onda de empatia depois do atentado inaceitável capaz de quebrar, ao menos num primeiro momento, a forte rejeição que enfrentava em setores do eleitorado.

A melhor forma é com o resgate da racionalidade, do bom senso, da responsabilidade e da grande política, valores em falta nas atuais condições climáticas de um país operado por aparelhos.


Vera Magalhães: Uma nova eleição tem início hoje

Bolsonaro ficará fisicamente afastado da campanha, mas ganhará ainda mais protagonismo.

O atentado contra Jair Bolsonaro perpetrado na tarde de 6 de setembro em Juiz de Fora (MG) inicia uma campanha presidencial completamente nova. Diante da facada desferida no líder nas pesquisas por Adélio Bispo de Oliveira, o estado democrático de direito também foi golpeado. E no terreno estritamente eleitoral, todas as estratégias dos demais postulantes à Presidência, as pesquisas e os prognósticos foram jogados no lixo.

A um mês do pleito, a campanha mais imprevisível desde a redemocratização ganha mais um componente inédito e dramático. É impossível prever o que o atentado acarretará do ponto de vista das chances de cada postulante. Diante de um quadro clínico grave e tendo sido submetido a uma cirurgia, Bolsonaro ficará fisicamente afastado da campanha, mas ganhará ainda mais protagonismo.

Existe o risco de que a polarização, que já estava exacerbada, resvale para novas manifestações de violência nas redes sociais e nas ruas. É responsabilidade de todos os homens públicos, da imprensa e das instituições repudiar qualquer relativização do atentado e todas as tentativas de capitalização política do ataque por qualquer lado do espectro ideológico. Portanto, a hora deve ser de serenar os ânimos. Isso deve se refletir na propaganda eleitoral, que entrava num momento de ataques mais sistemáticos, com Bolsonaro como alvo.

É provável que o candidato do PSL escale ainda alguns pontos nas pesquisas. Episódios que geraram forte comoção levaram a esse resultado num passado recente – basta lembrar a morte de Eduardo Campos num acidente aéreo em 2014 e a ascensão de Marina Silva. Resta saber a força que isso terá e a maneira como os demais atores do processo reagirão. É preciso que as instituições falem mais alto, punindo o responsável por um atentado inconcebível numa democracia e assegurando a segurança – física e simbólica – do processo sucessório.