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Vera Magalhães: Principal e acessório
O debate ruidoso em torno do projeto Escola sem Partido é um exemplo literalmente gritante do risco de que discussões acessórias do ponto de vista das necessidades do País se sobreponham às essenciais no governo Bolsonaro
Uma das maiores armadilhas do governo Jair Bolsonaro, já é possível constatar, será o risco de que discussões acessórias do ponto de vista das necessidades do País se sobreponham às essenciais.
Na Educação, o debate ruidoso em torno do projeto Escola sem Partido é um exemplo literalmente gritante desse risco. São muitos e complexos os desafios para melhorar os indicadores educacionais no Brasil. E eles em nada têm a ver com a discussão obscurantista e um tanto infantiloide proposta pelo tal projeto, que mobiliza o Congresso há algumas semanas e deve continuar na pauta em muito pelo fato de ter sido abraçado como bandeira de campanha pelo bolsonarismo.
A Constituição estabelece, no artigo 206, como princípios para a Educação a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Querer estabelecer, por lei, uma neutralidade que teria de ser seguida pelos professores sob pena de sanções, além de ferir esses princípios, cria um fator de subjetividade – o que é debate plural e o que é doutrinação, do ponto de vista da aplicação de uma lei? – altamente deletério para o desenvolvimento do ensino.
Enquanto se gasta energia com um debate que, sob pretexto de “desideologizar” a educação, leva a ideologização ao paroxismo, se deixa de enfrentar temas mais prementes e de difícil equacionamento, como o que colocar no lugar do Fundeb, a principal fonte de financiamento da educação básica, cuja vigência acaba em 2020.
Bolsonaro já disse que o problema da educação não é de falta de recursos, mas de sua aplicação desproporcional. Então qual será a nova destinação de recursos à educação infantil, fundamental, média e superior? Como fazer para evitar os índices vergonhosos de evasão escolar no ensino médio, a falta de proficiência dos alunos em aptidões básicas de matemática e linguagem?
Ninguém diz. Aliás, não se sabe ao certo qual a equipe que Bolsonaro formou e quais os especialistas que tem consultado para formar um arcabouço – aí sim – livre de ideologia obscurantista na área que é crucial para definir se o País vai avançar rumo ao desenvolvimento ou seguirá marcando passo nesse pântano de desinformação e debate enviesado.
MIMETIZAÇÃO
‘Bolsodoria’ dá as cartas na formação de governo em SP
João Doria Jr. gosta de encarnar personagens. Na campanha de 2016, foi o João Trabalhador. Na curta gestão à frente da Prefeitura de São Paulo, foi gari, marronzinho da CET e pedreiro, dentro da narrativa de que estaria nas ruas como gestor. Agora, na segunda campanha em dois anos, virou Bolsodoria. E o personagem está ativo na composição do governo. Mimetizando o presidente eleito, o tucano nomeou um general para a Secretaria de Segurança. Se a ligação do presidente eleito com as Forças Armadas é genuína e histórica, a de Doria parece puro modismo.
NAMORO
Por Maia, DEM pode dar apoio formal a Bolsonaro
A reunião de ACM Neto com Onyx Lorenzoni na semana que vem pode ser o primeiro ato da adesão formal do DEM ao governo Bolsonaro. Todas as nomeações de filiados do partido até agora passaram ao largo da cúpula, mas, caso haja apoio à reeleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara, o namoro pode virar casamento.
Vera Magalhães: A 'prensa' da realidade
Equipe de transição do presidente eleito precisa se ater às articulações com o atual Congresso
A transição de governo está se encarregando de dar a Jair Bolsonaro e sua equipe, todos inexperientes em gestão pública, um choque de realidade. A semana em que Paulo Guedes ameaçou dar uma “prensa” no Congresso termina com a velha política, governos de outros países, as corporações e o mesmo parlamento mostrando os dentes de volta e deixando claro que existe um fosso entre retórica de campanha e os desafios de governar um País tão complexo quanto o Brasil.
O maior baque veio da vergonhosa aprovação do reajuste de 16,38% dos salários dos ministros do STF, que com seu efeito cascata vai ajudar a ampliar o rombo das contas públicas não só da União, mas de Estados igualmente encalacrados. Mais: a porteira arrombada graças ao conluio silencioso orquestrado por Dias Toffoli e Eunício Oliveira em sua saideira vexaminosa deve assanhar deputados e senadores a darem um upgrade nos próprios contracheques antes que muitos deles saiam do Congresso pela porta dos fundos que lhes foi aberta pelo eleitor.
O que a votação-molecagem mostra sobre o futuro governo? Que a arrogância de Guedes e companhia em achar que será na base da soberba que se aprovarão medidas intrincadas como as reformas precisa ser deixada no Centro Cultural Banco do Brasil antes que provoque estragos maiores na largada do futuro governo.
O governo de transição se mostrou nas duas primeiras semanas ainda desarticulado politicamente. Onyx Lorenzoni parece desfrutar do gostinho de ter sido uma ovelha desgarrada e escapado, nessa condição, da derrota acachapante do Centrão, com seu partido, o DEM, no barco.
Assim, se delicia com a aflição dos dirigentes democratas, que esperam contar com o apoio de Bolsonaro para a recondução de Rodrigo Maia ao comando da Câmara a despeito de o partido ter saído das urnas como legenda apenas média.
Só que postergar essa articulação, não só com o DEM, mas com outros partidos do chamado establishment, pode comprometer a maioria necessária ao governo para usar seu empuxo inicial dado pelas urnas para aprovar de uma vez a reforma da Previdência e assegurar alguma capacidade de investimento e de ação nos próximos quatro anos. Insistir na cantilena falsa de que medidas pontuais, de caráter infraconstitucional, resolverão o nó da Previdência, como fizeram Bolsonaro a assessores nos últimos dias, é começar a rasgar o voto de confiança dado pelo mercado e pelos demais atores econômicos ao presidente eleito ainda antes do primeiro turno.
O diagnóstico de que é necessário reformar, e rápido, o atual sistema, incluindo sim o setor público, para depois caminhar para o regime de capitalização defendido por Guedes parecia assimilado pelo núcleo duro do bolsonarismo, mas a semana que passou representou um recuo de muitos passos neste que é o aspecto mais importante de todos para o início do mandato.
Enquanto se desgasta em polêmicas muitas vezes infantis, no vaivém de anúncios de números de pastas e fusões de áreas, a equipe de transição se desvia desse que teria de ser seu foco principal.
É forçoso que Bolsonaro e Guedes definam que proposta vão finalmente abraçar para a Previdência, detalhem o projeto e passem, juntamente com o resto do time, a defender a medida e a articular sua aprovação pelo Congresso – sem tergiversar nem pensar que um puxadinho aqui ou um remendo em calça velha ali podem servir pro gasto. E que essa equipe neófita compreenda que é preciso ter coesão na sua comunicação, sob pena de passar as próximas semanas apagando incêndios por motivos fúteis e gastando capital e energia em vez de aproveitar o período das urnas à posse para treinar e já estrear sabendo o que vai fazer.
Vera Magalhães: A mitologia de Moro
Evocar o exemplo da Operação Mãos Limpas, da Itália, confere o caráter de 'jornada do herói' ao movimento de saída da magistratura para assumir o Ministério da Justiça
Ao justificar sua saída da magistratura para assumir o Ministério da Justiça como uma maneira de evitar que se repita com a Lava Jato o que ocorreu com a Operação Mãos Limpas, da Itália, Sérgio Moro mostra apuro em técnica de roteiro e fecha o seu “arco narrativo” com maestria e coerência.
A congênere italiana da Lava Jato sempre foi uma obsessão de Moro, que a estudou com afinco e usou seus passos para nortear os da investigação brasileira e até se antecipar a tentativas do sistema político de se recompor diante da avalanche de investigações.
O risco de que as conquistas se perdessem também sempre esteve presente nas declarações de Moro. Evocar o exemplo da Mãos Limpas, portanto, confere o caráter de “jornada do herói” ao movimento – que foi visto por muitos como uma mundana concessão de Moro à política.
A mesma preocupação em manter o nexo narrativo aparece na estudada preocupação de Moro de pontuar uma a uma suas diferenças em relação a Jair Bolsonaro: respeito e reconhecimento à importância da imprensa, defesa de ações não letais da polícia e a declaração de que há que se governar para maiorias e minorias foram exemplos claros deste recurso.
Assim, o futuro ministro demonstra que vai se esforçar para manter acesa sua própria mitologia, que corre em trilho paralelo ao do futuro chefe. Se ambas serão conciliáveis ao longo e quatro longos anos, e se o epílogo da epopeia de Moro será a política ou o STF, ainda é cedo para dizer.
PGR
Hostilidade de Bolsonaro a Raquel Dodge deflagra sucessão
A hostilidade de Jair Bolsonaro em relação a Raquel Dodge, que ficou patente na solenidade dos 30 anos da Constituição, nesta terça-feira, deflagrou a bolsa de apostas da sucessão na Procuradoria-Geral da República, em 2019. No MPF, a polarização entre petistas e antipetistas foi exacerbada na campanha, com muitos procuradores mandando às favas o pudor institucional e fazendo campanha aberta. Como não existe exigência constitucional de que para o comando do órgão seja escolhido um subprocurador (só a praxe), há apostas de que Bolsonaro pode ousar e indicar um procurador como Aílton Benedito, de Goiás, defensor das pautas conservadoras, próximo ao grupo do presidente e atuante nas redes sociais. Na mesma linha, é citado o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, pela proximidade com Sérgio Moro. Entre os procuradores, aliás, a dúvida é sobre se o futuro ministro da Justiça defenderá que Bolsonaro acolha a lista tríplice da categoria.
SÃO PAULO
Doria pode ter mais ministros de Temer em seu secretariado
João Doria Jr. conversa com pelo menos mais dois auxiliares de Michel Temer para integrar seu secretariado no governo de São Paulo. Além de Eduardo Guardia, cujas conversas já estão em andamento, é cotado para a pasta da Habitação o atual ministro das Cidades, Alexandre Baldy, do PP. Baldy é muito próximo de Doria e conta com bom trânsito também com seu vice, Rodrigo Garcia e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ambos do DEM. Os próximos nomes do primeiro escalão paulista devem ser anunciados nesta quinta-feira.
Vera Magalhães: O mundo de Bolsonaro
Eleito pauta declarações sobre política externa e comércio exterior pela ideologia
Para vencer uma eleição contra o PT diante do desgaste do partido, provocado por muitos anos de recessão e um escândalo de corrupção vasto, a divisão de tudo segundo conceitos rudimentares de esquerda e direita se mostrou eficiente.
Ao pintar o Brasil indistintamente de verde oliva e vermelho, Jair Bolsonaro e seus apoiadores conseguiram arregimentar um exército fanático e acrítico nas ruas e nas redes sociais.
Todos os principais temas, da política à economia, passando por educação, cultura, saúde e segurança pública foram submetidos a esta clivagem, que deverá pautar nos próximos quatro anos as discussões no Congresso, as intervenções do Supremo Tribunal Federal no debate público – vide o aperitivo dado nesta semana com o debate sobre liberdade de expressão nas universidades – e, principalmente, a gritaria no ambiente público já ensurdecedor.
Mas será que essa simplificação grosseira serve para amparar a política externa brasileira, sua inserção diplomática no mundo e, sobretudo, sua atuação comercial? Dificilmente. Porque o Brasil não é os EUA e Bolsonaro terá de descobrir que não é Donald Trump.
A primeira invertida internacional veio quando a Sidra da festa da vitória ainda estava sendo servida. Em editorial, o China Daily, espécie de porta-voz do governo de Pequim, ironizou Bolsonaro ao chamá-lo de “Trump tropical” e adverte: se indispor com a China pode servir a algum propósito político específico, mas criaria graves problemas econômicos para o Brasil.
O editorial diz esperar que Bolsonaro olhe de maneira “racional e objetiva” para as relações comerciais entre os dois países e lembra algo básico: as duas economias são complementares, não competidoras.
Em 2017, a China se tornou o principal destino das exportações brasileiras: US$ 47 bilhões em vendas, de produtos que vão de soja a minério de ferro. Criar ruídos com um parceiro deste tamanho é um péssimo começo em termos de política comercial.
Anúncios de medidas na área diplomática sofrem dos mesmos males de seguir a cantilena ideológica diante de realidades complexas. Imitar a decisão de Trump de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém pode trazer que tipo de benefício para o Brasil? Bolsonaro ignora que a maioria dos países não adotou essa visão, que o Brasil tem parceiros comerciais importantes no mundo árabe e que existe uma comunidade palestina e árabe relevante no Brasil.
Numa das primeiras entrevistas que concedeu, o futuro czar da economia brasileira, Paulo Guedes, deu um piti com uma repórter argentina que quis saber algo trivial: qual será a política do novo governo para o Mercosul. Disse (berrou) que não será prioridade. Ok.
Então, qual será a diretriz para o bloco? Esvaziá-lo? O Brasil apostará mais em negociações bilaterais? Vai forçar a retirada da Venezuela? Declarações soltas, em tom exasperado e sem detalhamento só servem para criar uma névoa na relação com esses parceiros antes mesmo da largada do governo.
Essa bagunça se deve muito ao fato de que não se sabe quem são os conselheiros do presidente eleito para relações internacionais. Que ala do Itamaraty será “empoderada” no novo governo, qual será a matriz de pensamento a pautar a atuação da diplomacia brasileira? Que pasta vai cuidar do comércio exterior, que, sob Dilma e Temer, mudou de mãos algumas vezes?
Todas essas são perguntas de fundo que não são passíveis de respostas na base do “vamos colocar os comunistas no seu lugar”. Porque não estamos mais na Guerra Fria, a realidade mundial é mais intrincada que isso e bravata fora de casa pode custar caro ao Brasil, que é menos valentão no mapa do que parece crer Bolsonaro.
Vera Magalhães: Ganha Bolsonaro, perde a Lava Jato
O aceite de Sérgio Moro ao convite para assumir um super Ministério da Justiça é um golaço para Jair Bolsonaro, mas pode significar o início do fim da Operação Lava Jato —além de representar um risco talvez desnecessário para a imagem que o juiz construiu nos últimos anos.
A decisão de Bolsonaro de turbinar a Justiça com a volta das atribuições relativas à segurança pública e todos os órgãos que atuam no combate à corrupção e a crimes financeiros deu a Moro uma justificativa forte para aceitar o convite.
Mas não anula o fato de que o coordenador da Lava Jato está se associando politicamente a um político que acaba de ser eleito, entre outras razões, como substrato da operação que ele comandou. Isso vai fortalecer a narrativa falsa que o PT vem sustentando nos últimos anos: a de que Moro promoveu uma cruzada política contra Lula e os demais caciques do partido.
Falsa porque o arcabouço reunido pela Lava Jato, composto de provas, dinheiro devolvido, delações premiadas, depoimentos, rastreamento de dinheiro desviado pelo mundo, depoimentos, imóveis e outros bens arrestados e a recuperação da Petrobras depois de ter sido debulhada pelo conluio de políticos e empresários não se resume a Moro nem é demolível na base do gogó.
De todo modo, se torna imperioso que Moro se afaste de suas atribuições imediatamente. Isso leva uma nuvem de incerteza sobre qual será a dinâmica da operação de agora em diante, sendo que ainda há processos importantes em andamento —como os relativos ao sítio de Atibaia e dos imoveis no Ipiranga e em São Bernardo que a Odebrecht teria comprado como propina disfarçada para Lula.
Ao partir para uma nova empreitada política, Moro deixa, aos 45 anos, uma carreira brilhante e ainda iniciante de juiz. Sai da magistratura ainda na primeira instância, a despeito dos feitos que já coleciona. Parece óbvio que teria mais tempo, mais independência e mais meios de combater a corrupção mantendo suas funções jurisdicionais, ascendendo na carreira sem ser subordinado a um político do que num posto que, por mais emperiquitado que esteja, no fundo é apenas uma escala para o Supremo Tribunal Federal.
Com as credenciais que tem, Moro não precisava desse pit stop para ascender à mais alta corte do País. Tem notório saber jurídico, demonstrou arrojo na aplicação da lei e certamente pode contribuir para arejar o Supremo. Bastaria esperar um ano. Mas Moro já demonstrou muitas vezes que tem pressa.
Do ponto de vista de Bolsonaro, a escolha engrandece o ministério que ele vai compondo. A presença de Moro e de Paulo Guedes permitirá ao presidente eleito dizer que cumpriu sua disposição anunciada de se cercar de nomes de prestígio em duas das principais áreas do governo.
Para a sociedade, a presença de Moro no primeiro escalão funciona como um sinal de que o combate à corrupção será uma prioridade. E, espera-se, que o sério juiz será uma garantia a mais, além da palavra já empenhada por Bolsonaro, de que o cumprimento à risca da Constituição dará lugar de fato à retórica do passado.
Vera Magalhães: Moro dá adeus?
A designação para o Supremo Tribunal Federal é a ambição natural e justa de alguém com a carreira do juiz federal
Quando precisou negar que seria candidato a presidente, diante de inúmeras especulações a respeito, Sérgio Moro foi direto. Disse, em diversas ocasiões, que a política não era um caminho vislumbrado por ele, e que continuaria fazendo seu trabalho de juiz.
Ao agradecer a menção pública a seu nome feita por Jair Bolsonaro, sem que haja sequer um convite oficial para o Ministério da Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal, Moro muda radicalmente essa diretriz. Quando admite que analisará qualquer um dos convites, o coordenador da Lava Jato, numa tacada só: 1) encoraja Bolsonaro a fazê-lo oficialmente; 2) deixa antever que pode aceitar o ministério e, dali, esperar placidamente pela aposentadoria de Celso de Mello do STF, em 2020.
Os convites incluídos no mesmo pacotão por Bolsonaro e Moro são de natureza diversa. O Ministério da Justiça é um posto político, não jurídico. Aceitá-lo fará com que Moro deixe não só a Lava Jato, mas sua carreira de juiz. Mais: contribuirá para a narrativa (falsa) do PT de que o juiz agiu com intenção política ao ajudar a desnudar o petrolão e condenar Lula e outros próceres petistas.
Ele precisa disso? Certamente não. Precisa pagar este “pedágio” para ser ministro do Supremo? Tampouco.
Já a designação para a Corte é a ambição natural e justa de alguém com a carreira de Moro. Ele já teve uma passagem pelo Supremo, como juiz auxiliar de Rosa Weber, e certamente reúne os atributos de notório saber jurídico e reputação ilibada para substituir o decano.
A interlocutores, Moro tem descartado o argumento de que seu eventual aceite a um ou outro convite de Bolsonaro enfraquece a Lava Jato ou joga água no moinho da queixa petista.
Integrantes da força-tarefa da operação dizem que outro juiz assumirá as funções de Moro caso ele, de fato, deixe a 13.ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, sem prejuízo para os trabalhos.
Resta, por fim, um argumento bem esgrimido por Marcelo de Moraes no BR18: cabem dois “mitos” num governo logo em seu nascedouro? Moro não é grande demais para ser um “soldado” de Bolsonaro? O fato é que o juiz não parece ter levado nada disso em consideração ao se assanhar diante de um convite nem sequer formulado. Para um enxadrista como ele, foi um lance bastante precipitado.
PREVIDÊNCIA
Bolsonaro pede contagem de votos de projeto de Temer
Na reunião com a equipe que atuou na campanha e vai estar na transição, Jair Bolsonaro pediu a Onyx Lorenzoni (DEM) que promova uma contagem dos votos com os quais poderá contar caso decida pôr em marcha o plano de votar ainda neste ano a proposta de reforma da Previdência de Michel Temer. Aliados do presidente eleito negam que haja ruídos entre o futuro ocupante da Casa Civil e o czar da área econômica, Paulo Guedes.
PRÓXIMO ROUND
Márcio França deve disputar Prefeitura de São Paulo
O bom desempenho na disputa do 2.º turno para o governo de São Paulo, que o tirou da condição de governador-tampão desconhecido para a quase vitória, deve selar a candidatura de Márcio França (PSB) à Prefeitura de São Paulo em 2020. Para ter espaço a partir do qual fazer política e não cair no esquecimento, França está sendo lançado por aliados para a presidência nacional do PSB, com a missão de fazer a ponte entre a bancada e os governos da sigla.
Vera Magalhães: Que vença a democracia!
O eleito neste domingo deve entender que terá de se dobrar à Constituição, e não o contrário
Escrevi neste mesmo espaço na semana passada sobre os riscos que Jair Bolsonaro representa, e os que não representa, à democracia. Cotejei seu histórico de declarações autoritárias ou abertamente antidemocráticas com os limites impostos pela Constituição, pelas instituições e pela sociedade civil.
No mesmo dia, no entanto, Bolsonaro deu um show de desrespeito ao dissenso e fez ameaças concretas de retaliação a opositores no discurso que gravou para o ato em apoio à sua candidatura na avenida Paulista.
Hoje, a se confirmarem as pesquisas, o candidato do PSL será eleito presidente da República. Qualquer que seja o porcentual que atinja, os 60% pretendidos por sua campanha ou números menos eloquentes mostrados por algumas pesquisas, terá a missão de governar para todo o País, e não só para os que o reverenciam nas ruas e nas redes sociais. E é preciso que, imediatamente, desça desse palanque no qual tem vivido nas últimas décadas e pare com essa retórica inflamável que não condiz com a responsabilidade do cargo que vai ocupar.
Não partilho da opinião dos que acreditam que, eleito, Bolsonaro vai implantar uma ditadura aos poucos ou aos solavancos no País. Cubro política há 23 anos, morei dez deles em Brasília, converso diariamente com aliados do deputado, com opositores, com ministros do STF, com economistas, com parlamentares. Sei que o tecido institucional vigoroso do Brasil e sua saúde civil impedem aventuras desse tipo. Por isso, digo aos que estão entre temerosos e histéricos: calma.
Além disso, Bolsonaro vai se deparar, caso eleito, com uma quantidade de problemas reais para administrar que o forçará a baixar o tom. Porque precisará do Congresso, do Judiciário e de apoio para além do exército de minions ruidosos para aprovar medidas que não serão populares, caso queira recuperar uma economia deixada em frangalhos por Dilma Rousseff.
Provavelmente Bolsonaro tentará usar as redes sociais para continuar se comunicando diretamente com seus apoiadores, driblando a imprensa e a pintando como inimiga toda vez que problemas de seu governo forem apontados. É o que faz Donald Trump, o modelo que o brasileiro não faz questão de esconder.
Que seja. A imprensa terá de encontrar meios, e saberá fazê-lo, para investigar, revelar, trazer à luz, contrapor, desmistificar, problematizar, analisar, criticar ou elogiar as medidas de sua Presidência sem se deixar calar por essa estratégia. Certamente a experiência americana também serve de ponto de partida.
E a sociedade civil estará atenta. A quantidade de pessoas dispostas a votar em Fernando Haddad – a despeito do legado tenebroso do PT em termos econômicos, éticos e morais – ou é uma mostra de que uma grande parcela da população brasileira considera que o histórico de agressões a minorias, ameaças a opositores, flertes com a ditadura e defesa da tortura de Bolsonaro são limites rígidos, intransponíveis.
Esse público não será uma parcela acanhada da população, facilmente calável com ameaças de perseguição ou até de um impensável banimento, como já fizeram Bolsonaro ou seus circunstantes. Será uma massa de milhões de brasileiros dispostos a repetir todos os dias que não se aceitará um direito a menos, que não se admitirá o uso da violência como política de Estado nem o fantasma dos tanques como mordaça.
A Constituição é a bússola para que o futuro governo seja legitimado, porque qualquer discurso que tente questionar o resultado das urnas é igualmente autoritário e indefensável. E também será o guia para que os cidadãos lembrem diuturnamente ao eleito e aos seus apoiadores que há regras a seguir, um dissenso a respeitar e um limite a determinar até onde se pode ir.
Vera Magalhães: Pobre paulista
Uma campanha eleitoral cujo nível já era o mais baixo da redemocratização chegou ao fundo do poço nesta terça-feira, 23, com um capítulo deplorável da disputa pelo governo de São Paulo
João Doria Jr. teve de gravar um depoimento ao lado da mulher, Bia Doria, em que nega ser o homem que aparece em um vídeo de sexo grupal que circulou freneticamente pelo WhatsApp, viralizou nas redes sociais e foi objeto de comentários até de um vereador cujo mandato já foi cassado pela Justiça Eleitoral, do PSB do governador Márcio França.
O tema foi parar no debate entre os candidatos no SBT e pode se transformar em ação judicial.
Até terça-feira, parecia que ser relegada a um apêndice e uma caricatura da disputa nacional entre petismo e antipetismo era o que de mais deprimente podia acontecer na eleição para o governo do Estado mais rico e populoso da Federação. Mas os políticos trataram de cavar um pouco mais o túnel que os leva para o inferno – como se o recado das urnas já não fosse suficientemente eloquente de que o eleitorado está enojado das velhas práticas.
A política paulista já foi marcada no passado por confrontos acirrados, como os realizados entre Mário Covas e Paulo Maluf, mas nunca de natureza tão vil. A possibilidade de que se tenha recorrido a uma montagem para comprometer Doria tornaria o que já é um expediente injustificável num crime ainda mais grave.
Os dois postulantes ao Palácio dos Bandeirantes não discutiram a sério até agora as principais demandas do Estado. Num momento em que o eixo de poder no Brasil é deslocado, São Paulo abdica de protagonismo político ao deixar que o debate eleitoral paulista transite entre o papo de boteco e o de bordel.
Nem Doria, que deixou a Prefeitura depois de 15 meses de mandato, nem França, que desde que assumiu o lugar de Geraldo Alckmin se empenha única e exclusivamente em se reeleger, demonstram ter um projeto de desenvolvimento para São Paulo.
Até aqui vinham se dedicando a uma briga entre quem é de esquerda e de direita. Com o vídeo, aliados de França resolveram apelar ao tudo ou nada contra o tucano. O uso de baixaria, em política, pode ter efeito contrário ao pretendido. Basta lembrar do slogan “é casado, tem filhos?” que a campanha do PT lançou contra Gilberto Kassab em 2008 e que ajudou a reeleger o então prefeito.
PT e PDT devem disputar o comando da oposição
Passada a eleição, o PT deve viver dias ainda mais turbulentos. A se confirmar a vitória de Jair Bolsonaro apontada pelas pesquisas, o partido tentará evocar sua condição de maior bancada na Câmara para capitanear a oposição, mas não terá uma adesão imediata de partidos como PDT – fortalecido com a votação considerável de Ciro Gomes e liderado por seu irmão, Cid, no Senado – e PSB.
As duas siglas pretendem sair na frente do PT no contraponto às pautas do bolsonarismo nas áreas econômica e social. Avaliam que os petistas estarão ocupados disputando o controle da própria legenda e discutindo ad eternum o futuro judicial de Lula e deixarão um vácuo programático a ser ocupado, o que pavimentará o caminho para as eleições municipais de 2020 e as gerais de 2022. A ideia é atrair desde o início o grupo integrado por PPS, Rede e PV para essa nova esquerda antibolsonarista – cuja distância do PT é considerada condição para ter aderência na sociedade.
Vera Magalhães: Bolsonaro e a democracia
Está na hora de o candidato firmar compromissos claros com as instituições
Uma das maiores discussões sobre o que será um governo de Jair Bolsonaro é se ele colocará ou não em xeque a democracia. Ou, num grau mais extremo, se existe risco de volta à ditadura.
Considero a segunda formulação um evidente exagero, que tem sido proclamado em tom alarmista por eleitores do PT, políticos e até alguns analistas. Mas não estou entre aqueles que, no polo contrário, não veem nenhuma nuvem no horizonte democrático do País. Acho que o céu está carregado delas, e que, para que comecem a se dissipar, há algumas iniciativas que cabem ao candidato, para que comece a mostrar quem será o presidente Bolsonaro, caso se confirme sua eleição daqui a uma semana.
Não foram poucas nem triviais as maneiras pelas quais, ao longo de sua carreira, Bolsonaro relativizou a democracia, defendeu a ditadura (inclusive a tortura) e lançou petardos verbais contra diversas instituições, a ponto de questionar sua independência ou até sua legitimidade – STF, Procuradoria Geral da República, imprensa, Justiça Eleitoral e o próprio Congresso foram alguns alvos dessa retórica perigosa.
Já como candidato, o deputado lançou propostas que indicam que, uma vez eleito, pode investir contra algumas dessas instituições, inclusive os outros Poderes. Em julho, defendeu a mudança no critério de indicação de ministros do Supremo, ampliando o número de cadeiras de 11 para 21 e indicando, no curso do seu mandato, os dez novos integrantes da Corte.
Justificou que seria uma forma de “colocar isentos lá dentro”, quando tal proposta indica o desejo de controlar, isso sim, o Judiciário.
Seria uma salutar indicação de que está disposto a ser um “escravo” da Constituição – como prometeu quando desautorizou a esdrúxula ideia de seu vice, general Hamilton Mourão, de fazer uma Constituinte de notáveis – se Bolsonaro revisse essa ideia, também ela com viés autoritário.
Na última semana, o candidato indicou que não deve reconduzir Raquel Dodge à PGR, caso seja eleito. Também disse que não necessariamente seguirá a lista tríplice dos procuradores. Ok, é uma prerrogativa do presidente indicar o chefe do Ministério Público Federal. Mas fazê-lo a partir da lista é uma demonstração de apreço à independência da Procuradoria. Os três nomes que integram o rol passam por uma eleição interna. Portanto, são aqueles que mais representam o anseio de uma instituição cuja importância hoje no Brasil é enorme.
Em relação ao Congresso, foi importante a declaração de Bolsonaro segundo a qual, se eleito, não procurará interferir na eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, nem fará pressão para que o comando da primeira fique com seu partido.
Por fim, se chega à relação com a imprensa. É louvável que ele tenha firmado por escrito no programa de governo o compromisso com a liberdade de imprensa – ao contrário de seu adversário, Fernando Haddad, cuja proposta fala textualmente em controle social da mídia.
Mas a relação do bolsonarismo com a imprensa tem sido eivada de ataques, de forma a sempre relativizar sua importância e minar sua credibilidade. Óbvio que veículos e jornalistas estão sujeitos a críticas e são passíveis de erros. Mas o que se faz é de natureza diferente: trata-se de uma sistemática campanha de achincalhe e a tentativa de substituir a imprensa por canais diretos de comunicação – não sujeitos a contraditório, checagem e crítica.
Um compromisso firme e sem tergiversação com o respeito a essas instituições e aos direitos civis – inclusive das minorias, sempre tratadas de forma pejorativa por Bolsonaro, que disse que elas teriam de se “curvar” às maiorias – é algo que se espera de alguém que, como o candidato disse, está com uma “mão na faixa”.
Vera Magalhães: Hora de segurar a bola
No comando da campanha de Jair Bolsonaro prevalece a avaliação de que ele não deveria ir a nenhum debate no segundo turno, nem mesmo o da TV Globo. A principal alegação é clínica, e foi manifestada em termos um tanto escatológicos pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Nesse campo, a palavra final deverá vir de nova avaliação da equipe médica que cuida do candidato.
Mas a razão primordial pela qual aliados defendem que ele não vá aos programas televisivos é mesmo de natureza estratégica, como o próprio Bolsonaro admitiu em uma fala recente. Como um time que vai vencendo a partida decisiva por boa margem de gols, esses apoiadores acham que a campanha deve ser de manutenção nesses 11 dias que restam até o segundo turno.
Aparições nas redes sociais, eventuais entrevistas, tuítes e um programa eleitoral simples e direto seriam a receita para confirmar a vitória apontada pelas pesquisas.
Para se contrapor às acusações de que estaria fugindo da discussão de ideias, a campanha deve intensificar um recurso que começou a ser usado no horário eleitoral: a comparação entre propostas de Bolsonaro e de Haddad (obviamente, a partir do crivo da própria campanha).
No mais, serão explorados ao máximo os reveses da campanha petista, como a canelada que foi dada no PT pelo senador eleito Cid Gomes. A avaliação é de que isso mantém os apoiadores mobilizados nas redes sociais e no WhatsApp, as duas principais arenas em que o bolsonarismo “debateu” nesta campanha peculiar.
IMAGEM É TUDO
Bolsonaro vai investir em aparições rápidas para a TV
O entorno de Jair Bolsonaro afasta o argumento de que visitas como a feita pelo candidato à sede do Bope, no Rio de Janeiro, contradizem a alegação de que ele não poderia debater por razões médicas. Afirmam que as agendas são programadas para que ele não se desgaste e são rápidas, diferentemente da longa exposição exigida nos debates. E adiantam: haverá outras aparições do gênero, cujo objetivo principal é produzir imagens para alimentar as redes e a propaganda de TV.
TRANSIÇÃO
Governo Temer compila dados para municiar eleito
Além do canal aberto pela equipe econômica com os assessores dos candidatos, a Casa Civil conclui um levantamento de dados de todas as áreas da administração para entregar ao presidente eleito imediatamente depois do dia 28. Cada ministério foi instado a listar gastos, pendências, projetos em tramitação e decisões que tenham de ser tomadas no início da próxima gestão. Por ora, empenhados na campanha, os candidatos evitam designar quem deve comandar a equipe de transição, mas seu desenho já deverá indicar os núcleos de poder do próximo governo.
Por lei, o eleito pode nomear 50 integrantes para os dois meses que separam o pleito da posse. A expectativa no comitê de Jair Bolsonaro é que, caso ele vença, a coordenação da transição seja dividida, e Paulo Guedes pilote a área econômica e Onyx Lorenzoni as negociações com os partidos para a composição do ministério e a definição da agenda legislativa, além de fazer a ponte com a gestão Temer.
Vera Magalhães: Já ir se acostumando
O slogan martelado por apoiadores de Bolsonaro é um bom ponto de partida para ele
Um dos resumos mais fiéis do misto da maneira como parte dos eleitores de Jair Bolsonaro se relacionam com o candidato, a imprensa, a Justiça, os adversários do deputado e até amigos que não comungam da sua fé é o martelado slogan “é melhor JAIR se acostumando”.
Derivada política do “vão ter de me engolir” do velho lobo Zagallo, a frase embute uma ameaça velada: depois da vitória de Bolsonaro, parecem crer seus seguidores tão fervorosos quanto avessos a contrapontos e ponderações, todos aqueles que não estão no barco estarão sujeitos aos ditames da nova ordem. De modo que seria melhor se resignarem.
As pesquisas parecem indicar que eles estão certos no diagnóstico: tudo indica que Bolsonaro será o próximo presidente do Brasil. Nesse aspecto, portanto, é melhor ao País já ir se preparando para o que será seu governo.
E, para isso, seria importante o candidato já ir falando o que pretende fazer caso eleito em questões que realmente dizem respeito às atribuições de um presidente; já ir se dispondo a debater com seu adversário, que foi colocado no segundo turno por uma parcela do eleitorado que ele também terá de governar caso eleito, já ir amansando seus radicais e já ir entendendo que instituições como imprensa e Justiça Eleitoral não são inimigos a serem evitados ou descredenciados, mas pilares importantes da sociedade.
Assim como Bolsonaro e bolsonarianos se voltam a todos aqueles que não vivem da adoração ao mito e dizem que é melhor já ir se acostumando a ele, a democracia pressupõe a possibilidade de resposta: deputado, o senhor precisa já ir se familiarizando aos ritos, às demandas urgentes e aos freios e contrapesos que ditarão, tendo como base as estritas normas da Constituição e apenas elas, o que o senhor deverá e poderá fazer depois que subir a rampa do Palácio do Planalto.
Ao insistir dia sim, outro também, na alegação de fraude nas urnas eletrônicas, Bolsonaro desrespeita o voto, em primeiro lugar, e a Justiça, em seguida. A tese é tão desarrazoada que, nesta sexta-feira, ao lado de um deputado eleito da expressiva bancada de 52 integrantes de seu partido, ele chegou a dizer que a fraude ocorreria apenas para a Presidência da República!
Seria um mero atentado à inteligência nacional não fosse a assustadora adesão a essa mistificação repetida por ele, pelo alto escalão da campanha e do partido e até por parte dos que foram eleitos com votações consagradoras por essas mesmas urnas.
O livro Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, mostra que o ataque à lisura das eleições é uma característica comum a vários políticos, de esquerda ou de direita, em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, que passaram a minar as instituições. Bolsonaro disse, na mesma transmissão ao vivo, que vai mudar o sistema de votação se eleito, deixando em aberto que formato seria esse.
Paralelamente ao clima de desconfiança e desinformação quanto à regularidade do pleito que provavelmente irá conduzi-lo ao Planalto, o candidato investe em caracterizar a imprensa como adversária ou inimiga. Por mais que aliados sejam instados a evitar falar com os jornalistas, é um misto de ingenuidade e, de novo, arrogância achar que isso será o bastante para que os veículos deixem de investigar, cobrar propostas, cotejar programas, escrutinar o passado dos candidatos (e dos eleitos), apontar incongruências e contradições, esmiuçar os bastidores, denunciar abusos.
É isso que a imprensa livre e profissional faz, e os ativistas de redes sociais não. Não resta outro caminho dentro dos marcos do estado democrático de direito a não ser já ir respeitando.
Vera Magalhães: É verdade esse ‘bilete’
O PT mudou de roupa do domingo para a segunda-feira. Saíram as camisetas “Lula livre” que Fernando Haddad vestiu no primeiro turno nas visitas a Curitiba ou nos caminhões de som pelo Nordeste e pela periferia e entrou o terno alinhado do candidato no Jornal Nacional.
Juntamente com a nova indumentária vieram acenos a um novo programa de governo, novos aliados, pacto contra fake news e até um elogio, vejam só, à social-democracia.
O próprio Lula, que comandou a campanha até domingo direto de Curitiba, por meio de cartas, orientações nas visitas à sede da PF e aparições na propaganda do PT, resolveu sair de cena. Liberou Haddad das visitas por ora.
O problema do PT é que a transmutação é tão repentina, ensaiada e interessada que é difícil de ser crível. Diferentemente das bateções de cabeça entre Jair Bolsonaro e o candidato a vice, Hamilton Mourão, sobre Constituinte de notáveis, no caso do PT a defesa a que se rasgue a Constituição e se escreva outra, sabe-se lá como, está consignada no plano de governo, que foi coordenado pelo próprio Haddad. Mais: foi dita em voz alta por ele em setembro.
Não basta dizer que era “pegadinha do malandro”. O programa de governo do partido será revogado? Só nesta parte ou será inteiramente refeito? Sim, porque ele contém outros pontos claramente autoritários, dos quais já tratei aqui: controle social da mídia e também a mudança nos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público para torná-los mais “permeáveis” à sociedade (ou ao partido?).
O PT passará a respeitar decisões judiciais? Haddad, caso seja eleito, o fará? Sem compromissos claros, não basta um arremedo de carta ao povo brasileiro. Diante das sistemáticas ações petistas de achincalhe às instituições desde o início da Operação Lava Jato, passando pelo impeachment e atingindo o ápice na condenação e prisão de Lula, a guinada está mais para o meme que vai no título desta coluna.
TRABALHO ESCRAVO
Bolsonaro quer fim de ‘ativismo fiscalizatório’
Na primeira entrevista após o primeiro turno das eleições, Jair Bolsonaro (PSL) criticou, na Jovem Pan, o que chamou de “ativismo fiscalizatório” em relação a denúncias de trabalho escravo ou análogo à escravidão. Recorrendo a um exemplo, disse que uma agricultora pode estar borrifando uma lavoura de alface com veneno sem saber que está grávida e, nesta situação, se um fiscal chegar, o proprietário rural pode ser punido por trabalho análogo à escravidão até com a expropriação do imóvel. Para ele, “isso não pode continuar acontecendo”.
No ano passado, uma portaria do Ministério do Trabalho tentou alterar as definições de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravidão. Diante da reação negativa do Ministério Público, da Justiça e da imprensa, o governo Michel Temer recuou e o então ministro, Ronaldo Nogueira, caiu. Como inseriu o tema em uma resposta sobre um outro assunto, Bolsonaro não esclareceu se quer mudar a legislação, que está em vigor desde 2003.
NOVO CONGRESSO
Articulador de Bolsonaro fala em ‘modelo europeu’
Onyx Lorenzoni (DEM-RS), principal articulador de Bolsonaro no parlamento, se entusiasmou com a renovação do Congresso. Para ele, a nova configuração aproxima o parlamento brasileiro dos europeus, em que bancadas ideológicas mais definidas darão lugar às fisiológicas que mandaram na Câmara e no Senado até aqui e negociavam apoio por emendas ou cargos, com o Centrão como símbolo. A conferir.
PARTIDOS
Vem aí temporada de ‘fusões e aquisições’
A possível fusão da Rede, que não atingiu a cláusula de barreira, com o PV abriu a temporada do que os políticos chamam nos bastidores de “fusões e aquisições” de siglas por outras. Um dos partidos mais ambiciosos nesse mercado – que nada mais é que o velho troca-troca partidário, agora com licença da Justiça Eleitoral –, é o Podemos, que resolveu colocar em prática o slogan “abre o olho”, de seu candidato à Presidência, e calcula que pode agregar de 5 a 7 novos deputados.