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Vera Magalhães: Armas e a realidade

As reações não unânimes entre os apoiadores da flexibilização da política concernente a armas ao decreto que flexibiliza a posse mostram que a questão vai muito além da simples efetivação de uma proposta de campanha. É complexa e envolve muitos meandros políticos e jurídicos.

A solução adotada pelo governo encontrou restrições de parte da bancada da bala e de ativistas pró-armas, entre eles o mais conhecido no meio, Benê Barbosa, do MVB. Para esse grupo, o decreto foi “tímido” e ficou “aquém” do prometido ao longo da trajetória de parlamentar e candidato de Jair Bolsonaro.

Ao deixar para o Congresso a alteração do Estatuto do Desarmamento no que concerne ao porte de armas – quando setores do governo chegavam a falar, logo após a posse, que também isso seria definido por decreto –, Bolsonaro ouviu as ponderações do titular da Justiça, Sérgio Moro, que deixou claro que não era juridicamente possível adotar esse caminho. Ou, nas palavras do titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, à coluna ontem, não havia “brecha” para mexer no porte por decreto.

O texto do decreto, no entanto, contrariou alguma dose de cautela que a versão inicial sugerida pela Justiça continha. O caso mais explícito é a quantidade de armas facultada a cada “cidadão de bem”, como classifica Bolsonaro. Pela minuta da equipe de Moro, seriam no máximo duas. O decreto fala em quatro, mas pode estender esse limite indefinidamente a partir de critérios para lá de subjetivos.

As questões deixadas de fora do decreto serão encaminhadas por diferentes instrumentos, esclarece Onyx. Segundo ele, o porte rural será resolvido pelo projeto do deputado Afonso Hamm (PP-RS), que foi aprovado pela Câmara e está no Senado. O ministro afirmou que será pedida urgência na votação do projeto.

Já a abertura do mercado de armas de fogo para empresas não nacionais deve ser feita por meio de uma medida provisória.

O mesmo instrumento deverá ser usado para propor o recadastramento de armas de quem não renovou o registro – Onyx evita chamar de anistia.

Por fim, o porte urbano de armas ainda está em estudo no governo. A avaliação do Planalto é de que o texto do projeto do deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), que revoga o Estatuto do Desarmamento, é “amplo demais”. A ideia é apresentar outro, a partir da estaca zero, ou abraçar um projeto menos abrangente.

PREVIDÊNCIA
Bolsonaro vai levar ‘lição’ para estudar em Davos

Jair Bolsonaro receberá no domingo de Paulo Guedes, antes de embarcar para Davos, na Suíça, onde participará do Fórum Econômico Mundial, uma apresentação detalhada da proposta de reforma da Previdência. A ida, a volta e parte da viagem, na qual o presidente estará acompanhado do ministro da Economia, serão usadas para discutir os cenários, detalhar a proposta e convencer Bolsonaro da melhor forma de encaminhá-la.

A notícia de que a reforma ficaria só para depois da viagem tinha sido uma ducha de água fria no mercado, que começa a ficar cético com os sucessivos adiamentos da discussão e o crescimento, no seio do próprio governo, de lobbies para excetuar carreiras de servidores, como os militares, da proposta. Com a “lição de casa” no primeiro compromisso internacional, a ideia é que Bolsonaro volte da Suíça com a diretriz clara do escopo da reforma, seu cronograma de tramitação no Congresso e a forma de resistir à pressão corporativa.


Vera Magalhães: Presidente ou sindicalista?

Bolsonaro terá de mostrar se fez a conversão liberal ou se continua um defensor das pautas militares

Nas duas primeiras semanas de governo de Jair Bolsonaro, uma das únicas coisas virtuosas foi justamente aquela que é mais importante, e a que corre mais riscos, pelo andar da carruagem dos últimos dias: a aula de liberalismo de Paulo Guedes, que parecia apontar para uma mudança concreta de diretriz econômica num País pouco afeito a temas como responsabilidade fiscal, eficiência do Estado e estímulo ao empreendedorismo.

Parecia. O levante organizado pelos militares tão logo vislumbraram a possibilidade de serem incluídos na reforma da Previdência será o primeiro e decisivo teste para Bolsonaro demonstrar, na prática, se fez mesmo sua conversão no altar do liberalismo ou se continua sendo aquilo que sempre foi: um ardoroso defensor das causas sindicais dos militares – a quem continua tratando como “nós” mesmo depois de empossado, numa clara demonstração de que ainda não entendeu a dimensão do novo cargo que ocupa, e o fato de que agora não é mais o “capitão”.

Uma pista a respeito do lado para o qual ele pode pender foi dada em seu discurso na transmissão de cargo do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Ali, no dia 1 de seu governo, Bolsonaro voltou a encarnar o sindicalista que foi nos seus 27 anos de Câmara. “Um breve histórico, já que falamos de Defesa”, começou Bolsonaro, naquela prosódia de quem está lendo um ditado. E se pôs a elencar os governos que o antecederam. Não para se ombrear com os presidentes, mas com os militares, enumerando perdas e ganhos salariais, leis que retiraram benefícios, contingenciamento de recursos para as Forças Armadas e por aí afora. Apenas pautas corporativas. Nenhuma grande questão de Defesa. “Nós fomos um tanto quanto esquecidos”, se lamuriou.

Com um presidente que se apresenta como um deles e representados como nunca estiveram desde a redemocratização na estrutura política do governo, os militares já trataram de marcar posição na questão da reforma: acham que têm de ficar fora do regime que for fixado para servidores, pelas especificidades da carreira.

Reportagem do Estadão da última semana mostrou que o déficit da Previdência dos militares cresce mais que o dos servidores civis e o do INSS. Hoje, 90% dos militares se aposentam antes dos 54 anos, sendo que 50% o fazem antes de 49. Mais de metade do orçamento da Defesa é destinado ao pagamento de pensões ou aposentadorias.

Quando se aposenta – mesmo quando o faz dessa forma prematura, muitas vezes por questão de hierarquia, para evitar que um subordinado seja mais antigo que um superior, por não ter progredido de patente –, o militar leva 100% do último soldo. Por qualquer ângulo que se olhe essa realidade é incompatível com o saneamento do sistema previdenciário.

Propostas de reforma como a dos economistas Paulo Tafner e Pedro Fernando Nery atacam essa questão e enquadram os militares na regra geral. A equipe de Paulo Guedes pretende ir pelo mesmo caminho, comprando a briga de defender a reforma mais abrangente possível no Congresso.

Mas, para ter sucesso, precisará de respaldo político. E é aí que mora o perigo. Num governo em que o presidente vive um dilema hamletiano entre ser ou não ser mais um capitão e os militares estão em algumas das principais posições de poder e já fincaram o pé contra a proposta, a balança parece desequilibrada em desfavor do “posto Ipiranga”.

Excluir os militares é a primeira brecha para começar a fazer da reforma um queijo suíço em que cada lobby organizado vai lá e fura um buraquinho. Daí para perder o embalo político capaz de assegurar sua aprovação o caminho é curto e bastante conhecido, pois foi o trilhado por todos os governos que antecederam o atual.


Vera Magalhães: De quem foi o ‘auê’

Coube ao general Augusto Heleno a tarefa de colocar ordem na cozinha do governo Jair Bolsonaro no episódio da base militar dos EUA no Brasil

Na última coluna, escrevi que caberia ao general Augusto Heleno a tarefa de colocar ordem na cozinha do governo Jair Bolsonaro. Pobre general, com sua missão inglória. Não bastasse ter de apagar as chamas dos fogões, precisa fingir que o feijão não queimou quando todo mundo sente o cheiro à distância.

Foi o que fez no episódio de outra mancada de Bolsonaro, desta vez quanto à (real ou hipotética) base militar dos EUA no Brasil: disse que fizeram um “auê” e que Bolsonaro não entendia de onde tinha surgido o assunto.

Como assim? Na entrevista ao SBT semana passada, questionado diretamente a esse respeito, o presidente disse que a cooperação com os Estados Unidos, além de comercial, “pode ser bélica” e abriu a possibilidade de se discutir isso.

O chanceler Ernesto Araújo foi além, e, em Lima, confirmou a possibilidade. “Não haveria problema na questão de uma presença desse tipo.”

Já o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, disse textualmente a Eliane Cantanhêde que os EUA ficaram muito satisfeitos com a “oferta” do presidente Bolsonaro.

Resta a pergunta: quem foram os responsáveis pelo “auê”? O presidente e o chanceler, que, no afã de agradar aos Estados Unidos, meteram os pés pelas mãos e causaram uma reação alarmada nas Forças Armadas – como Heleno bem sabe e tratou de contornar, assim como o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que disse não ver “razão” para uma base americana em solo brasileiro.

A razão? O “auê” ideológico de sempre do presidente com o tal risco socialista. Afinal, foi esse o caminho tortuoso do raciocínio de Bolsonaro na entrevista ao SBT, ao analisar a possibilidade de uma base russa na Venezuela. “Nós das Forças Armadas somos o último obstáculo para o socialismo”, se empolgou.

Bolsonaro, Araújo e Pompeo comungam da ideia de uma união de EUA e Brasil para “tornar o mundo um lugar mais seguro”, como disse o auxiliar de Donald Trump. Os militares, com os pés firmes no chão, estão de cabelo em pé com essas maquinações, ainda que Heleno tente bancar o blasé.

DIREITA CINDIDA?
Apoio a Bolsonaro sofre primeiros abalos nas redes

Os grupos de WhatsApp, as páginas pró-Bolsonaro nas redes sociais e os perfis que alimentam o culto ao capitão no Twitter sofreram os primeiros abalos no apoio monolítico após os primeiros dias de governo. O monitoramento das redes mostrou que a primeira controvérsia a causar estrago foi a decisão do PSL de apoiar a reeleição de Rodrigo Maia na eleição da Câmara dos Deputados. O fato foi bem explorado pelo MBL (Movimento Brasil Livre), que fincou pé na candidatura (que o próprio movimento sabe que é só para marcar posição) de Kim Kataguiri.

A adesão de nomes estrelados do PSL, como a deputada estadual eleita Janaina Paschoal, que explicitou o desconforto com o apoio a Maia, serviu para mover os canhões da crítica contra a ala mais midiática da bancada federal. A nomeação de Murilo Resende para coordenar o Enem foi outro foco de cizânia na direita, de novo regida pelo MBL – que já recebeu recados dos bolsonaristas para que pare de dividir a o campo conservador.

2020 JÁ CHEGOU
Bruno Covas marca posição diante de avanço de Meirelles

A decisão de nomear para a Secretaria Municipal de Educação um desafeto de João Doria Jr. foi o marco simbólico de independência de Bruno Covas em São Paulo. Foi um aviso de que seu governo começou para valer e, principalmente, que ele não aceitará “surpresas” vindas do Palácio dos Bandeirantes na sucessão de 2020, em que disputará a reeleição.

Incomodou Covas, de acordo com aliados do prefeito, o espaço dado por Doria a Henrique Meirelles, que sabidamente tem pretensões políticas. Interlocutores de Covas dizem não ver problema na nomeação do amigo João Cury, expulso do PSDB por apoiar Márcio França – e cuja gestão foi criticada na chegada pelos auxiliares de Doria –, quando o próprio governador designou como principal secretário justamente Meirelles, que disputou a Presidência contra o tucano e ex-padrinho Geraldo Alckmin. Recado mais claro impossível: cada um no seu quadrado, no PSDB e nos próximos projetos políticos.


Vera Magalhães: Ordem na cozinha

É no Planalto que tem de haver coordenação para evitar ruídos

Ruídos, bateção de cabeça e recuos são normais na primeira semana de qualquer evento: casamento, emprego, treino, dieta, escola. Não seria diferente numa estrutura tão complexa quanto o governo de um país. Os que se viram nos últimos dias, portanto, podem ser colocados na conta daquele momento da mudança em que tudo está em caixas espalhadas e você não sabe onde achar uma xícara para tomar o café pela manhã. Tá ok.

Mas assim como funcionários não podem passar muito tempo perdidos na função e as provas começam pouco tempo depois do início das aulas, governos têm urgências diárias, envolvem decisões cruciais em todas as pastas a todo momento e requerem organização rápida. No caso do governo federal, esse papel é exercido na cozinha, que é o Palácio do Planalto. E é justamente ali que parece reinar a bagunça maior na mudança da “família” Bolsonaro.

Desde a transição, o arranjo montado para o Planalto pareceu meio esquisitão, disfuncional. Onyx Lorenzoni, primeiro ministro anunciado pelo “capitão”, como insiste em chamar o presidente até hoje, chegou com um voluntarismo diretamente proporcional à própria inexperiência. Demonstra uma certeza na empostação de voz que lhe falta nas respostas mais básicas, como se viu nos episódios do salário mínimo e da reforma da Previdência.

Tratou de anunciar a “despetização” da pasta como a medida mais importante que promoveria. Como se o PT não estivesse fora da Presidência há 2 anos e 7 meses. Pelo jeito, o afã de mandar todo mundo embora foi tal que faltou gente para fazer as informações chegarem a ele, que se mostrou absolutamente vendido quando sua postura corporal e sua arrogância costumeira afetavam certezas inexistentes.

O general Santos Cruz, instalado na Secretaria de Governo, por ora é uma incógnita. Fechado, reservado, chama a atenção pelo silêncio num governo de tagarelas. Pode ser bom, mas, tendo-se em vista que seu cargo envolve participação na articulação política, fica a dúvida: para que, afinal, ele está no Planalto?

A equipe da cozinha conta ainda com Gustavo Bebianno, na Secretaria-Geral da Presidência. Depois de sobreviver a uma tentativa de fritura entre a campanha, quando foi muito importante, e a transição, o ex-presidente do PSL assegurou presença no entorno de Bolsonaro para coordenar a modernização do governo e ser a interface com a sociedade civil. Na prática, será um contraponto a Onyx, o que pode gerar muita cotovelada justamente onde Bolsonaro precisa de concertação – ainda mais dada a ansiedade demonstrada por ele próprio em sua primeira semana na Presidência, anunciando como assinadas medidas que haviam sido descartadas ou queimando a largada na discussão do projeto mais importante de seu governo, a reforma da Previdência.

Diante do caos reinante entre as panelas, com o fogão com todas as bocas funcionando com chama alta e os pedidos que não param de chegar do salão, caberá, ao que tudo indica, ao general Augusto Heleno a função de colocar ordem na cozinha.

Sua entrevista à GloboNews na semana que passou esteve entre as falas virtuosas de uma semana que terminou confusa – juntamente às de Paulo Guedes e Sérgio Moro, justamente os dois manda-chuvas fora da cozinha. Com segurança e sem medo de defender posturas polêmicas ou duras (mas de forma fundamentada), Heleno demonstrou entender a cabeça de Bolsonaro e comungar de suas ideias, mas ter a sensatez e a experiência necessárias para mitigar as mais exóticas delas, alertar para os riscos do voluntarismo excessivo e corrigir os arroubos dos aprendizes das facas e cutelos. É bom Bolsonaro lhe dar logo o avental antes que a sopa entorne.


Vera Magalhães: Papo ‘reto’

Diferentemente da expectativa de que usaria ao menos uma das falas para pregar a união do País e prometer governar para todos, o presidente Jair Bolsonaro preferiu se dirigir aos próprios eleitores e aliados

Os dois discursos de Jair Bolsonaro na posse seguiram a mesma linha “papo reto”, como definiu o novo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Diferentemente da expectativa de que usaria ao menos uma das falas para pregar a união do País e prometer governar para todos, o presidente preferiu se dirigir aos próprios eleitores e aliados.

Na Câmara, fez um discurso de forte tom ideológico, intercalado com um aceno para os congressistas ao anunciar que estava “casando” com eles, mas com as cláusulas do contrato nupcial previamente estipuladas: nada de negociação nas velhas bases partidárias, a agenda será aquela com a qual foi eleito e os deputados e senadores serão instados a endossá-la por meio da pressão popular.

Mais tarde, no parlatório, o tom “palanqueiro” foi ainda mais acentuado, com as menções historicamente equivocadas à superação do “socialismo”, como se o Brasil, sob Michel Temer, tivesse um governo sequer de esquerda. Soou apenas caricato. Da mesma forma que o grito de guerra de que a bandeira do Brasil nunca será vermelha, a não ser que seja a cor do sangue que poderá ser derramado para defendê-la.

Que ele governe segundo sua plataforma de campanha é desejável e sinal de maturidade política do Brasil. Que insista em uma retórica incendiária em nome de uma mobilização permanente é o contrário da necessidade de uma articulação política muito precisa para aprovar medidas duras, como a reforma da Previdência – que, não por acaso, só apareceu de forma tímida nos discursos para os convertidos.

PRIMEIRA-DAMA
Michelle acerta com discurso pró-inclusão

Michelle Bolsonaro foi a surpresa positiva da posse. A primeira-dama inovou e quebrou o protocolo ao discursar em libras em favor da inclusão de surdos. Fez uma fala que soou espontânea sobre um tema que desperta pouca mobilização da sociedade, suavizou as falas em determinados momentos belicosas de Jair Bolsonaro e mostrou uma faceta de engajamento pouco conhecida do público em geral. No aspecto estético, estava belíssima num vestido de cetim rosa de corte clássico ombro-a-ombro confeccionado por uma estilista pouco conhecida do Rio de Janeiro.

SÃO PAULO
Doria se projeta nacionalmente e anuncia guinada no PSDB

Os discursos de João Doria Jr. na posse foram muito claros no sentido de se apresentar como uma liderança nacional, e não apenas o governador do maior Estado do País. O tucano apresentou o próprio secretariado como uma “seleção”, se dirigiu aos “brasileiros de São Paulo”, destacou a importância econômica do Estado e demonstrou disposição de implementar a pauta liberal defendida nacionalmente por Jair Bolsonaro em ritmo mais “acelerado”, para usar seu jargão preferido. Doria reiterou apoio ao presidente, a cuja posse compareceu, mas monta para si uma vitrine própria para mais adiante se distanciar dele, se for conveniente. Em outra frente, deixou clara a disposição de dar uma guinada no PSDB e assumir seu comando. A ausência da velha guarda tucana na posse apenas acentuou a ruptura que ele mesmo fez questão de marcar, ao pontuar as diferenças de estilo entre ele e os “pais fundadores”, inclusive o ex-padrinho Geraldo Alckmin.


Vera Magalhães: Depois de amanhã

Daqui a dois dias, Brasil inicia um novo ciclo político em sua História

Não será apenas uma troca de presidentes o que ocorrerá em Brasília depois de amanhã. Daqui a dois dias, o Brasil iniciará um novo ciclo em sua História. Se encerra período iniciado na eleição de 1994, em que partidos de centro-esquerda e com uma pauta social-democrata se alternaram no poder. PT e PSDB, com o MDB (ex-PMDB) atuando como o pêndulo a oscilar entre os dois polos, descem a rampa com Michel Temer.

Quem sobe é um presidente eleito por ser antissistema, antipolítica, antipartidos, mas que, a partir de depois de amanhã, terá de encontrar uma forma de governar de acordo com as regras do sistema, segundo as balizas da política e em alguma concertação com os partidos.

A forma como se dará a transmutação do Jair Bolsonaro convertido em mito num presidente mais ou menos disposto à composição e à conciliação para governar será uma das chaves para se entender o período que se inicia depois de amanhã.

Os desafios que se apresentam para esse novo ciclo histórico são gigantescos. O Brasil de 2019 tem uma economia que se recupera lenta e debilmente há dois anos do desastre de Dilma Rousseff, instituições que foram testadas ao limite e estão, por isso, bastante fatigadas, e uma política que virou um balaio de gatos em razão da reação indignada do eleitorado à corrupção revelada pela Lava Jato.

Bolsonaro é o produto dessa reação, o que faz com que a fé que desperta seja do mesmo tamanho da descrença no chamado establishment – aí incluída a imprensa – e dela se alimente, instigando-a.

A tentação de governar esticando essa corda da indignação existe no entorno do futuro presidente, e pode ser justamente sua perdição. Parece haver no coração do bolsonarismo, essa força heterogênea e ainda em formação, a crença na ideia pueril de que o esquema de comunicação direta, ancorado nas redes sociais, será suficiente para prolongar a expectativa positiva dessa população cética indefinidamente. Não será.

Desde sempre, e também nesse 2019 de ruptura, é a economia a chave do sucesso ou do fracasso de qualquer governante num País com tantas desigualdades e tantas urgências quanto o Brasil.

Ou Bolsonaro entende que terá de usar a largada de seu governo para ministrar os remédios amargos e aprovar, de uma vez por todas, a tão falada reforma da Previdência, ou não terá tanque de roupa suja que chegue para manter sua aura mítica.

Isso porque, sem esse sinal, a economia seguirá travada, os investimentos permanecerão tímidos, as contas públicas continuarão desandando, Estados e municípios viverão em romaria a Brasília com o pires na mão e o voto de confiança à sua promessa liberal se esgarçará rápido.

O alcance de uma política calcada só na demonização do PT e na contraposição pobre e falsa entre esquerda e direita pode ter apelo para uma massa de fanatizados do Twitter, que repetem termos como marxismo cultural ou globalismo sem nunca terem lido uma obra marxista ou estudado globalização realmente, mas não para o eleitor médio, o brasileiro real, que é diverso, complexo e não convertido a seitas como o petismo e o bolsonarismo.

Se enganarão Bolsonaro e seus exércitos se imaginarem que a massa de quem o elegeu bebe dessa água. Há ali muita gente que apenas tapou o nariz e votou em quem lhe parecia menos pior diante do risco de volta do PT. Esse público, bem como a grande massa que não votou em Bolsonaro, quer emprego, não vai aceitar direitos a menos, não comprará fácil alinhamentos meramente ideológicos que contrariem os interesses do País e não apoiará nenhuma aventura antidemocrática.


Vera Magalhães: Muita espuma ideológica

Sobra retórica e faltam prioridades concretas às vésperas da posse

Desconvite a ditadores de Cuba e Venezuela para a posse, bravatas sobre a revisão das demarcações de terras indígenas, bate-boca com Nicolás Maduro, tititi nos bastidores do Itamaraty, gritaria em torno da tal Escola sem Partido, brigas de hooligans em cerimônias de diplomação em vários Estados.

Algumas das querelas que ocuparam futuros ministros, o próximo presidente da República, diplomatas e os novos (sic) congressistas nas últimas semanas parecem refletir a disputa entre alas de direita e de esquerda em algum grêmio estudantil, e não discussões de um grupo que se prepara para subir a rampa do Palácio do Planalto daqui a menos de dez dias.

Enquanto as alas mais ideologizadas do futuro governo promovem uma versão tosca de reality show com direito a lives nas redes sociais, os dois pilares até aqui sólidos da próxima administração montam times igualmente consistentes para as ambiciosas tarefas que terão pela frente. Mas fica a dúvida: terão Paulo Guedes e Sérgio Moro respaldo do restante do governo e, principalmente, de Jair Bolsonaro, para encaminhar sua pauta com foco, articulação política, prioridade e estratégia diante de tanta espuma que seus colegas e os aliados no Legislativo já deram mostra de que são capazes de produzir?

O segundo escalão do Ministério da Economia é primoroso. Eu, que já questionei a falta de experiência anterior de Paulo Guedes no setor público e sua falta de traquejo verbal para a negociação política, neste caso não tenho reparos: trata-se de uma das equipes mais bem compostas da área econômica nos últimos tempos, aproveitando nomes experimentados e montando uma estrutura que parece altamente capaz de enfrentar, ao mesmo tempo, o ajuste fiscal necessário e o desejado e tão adiado destravamento do crescimento.

Mas os temas econômicos estão tendo menos atenção de Bolsonaro e seu entorno da articulação política, nas manifestações públicas que fazem, que o besteirol ideológico.

Tome-se a tal cúpula conservadora realizada em Foz do Iguaçu há algumas semanas. Ali se gastou mais saliva discutindo ideologia de gênero, o fantasma da volta do comunismo e outras quimeras do que a necessidade de um ajuste liberal de fato na economia. Mesmo no painel dedicado ao tema, um economista da equipe de transição lacrou ao ensinar como berrar na cara de um esquerdista, e não ao aproveitar o evento para deixar claro à plateia conservadora que ou se faz a reforma da Previdência ou já era.

No Itamaraty, o clima de caça às bruxas às antigas gerações e a pregação de um trumpismo cristão se sobrepõem à montagem de uma estratégia moderna, inteligente e sem maniqueísmo que permita ao Brasil se posicionar num mundo que não deixará de ser multipolar e cuja complexidade geopolítica vai muito, mas muito além do que as tuitadas recheadas de mistificação do futuro chanceler sugerem.

Bolsonaro foi eleito prometendo banir o viés ideológico de esquerda da máquina federal, depois de 13 anos de domínio petista. Eis um bom propósito: o aparelhamento, visível desde os primórdios de Lula, com a ascensão novo-rica de uma casta sindical às delícias do poder, foi a gênese da roubalheira que se viu ao longo dos anos.

Mas substituir a ideologização de esquerda por outra igualmente atrasada, jeca e talvez até interessada em aparelhar tudo que houver pela frente não é, decididamente, o caminho para um País que o mesmo PT quase levou à falência.

Que os lacradores deixem Guedes e Moro trabalhar e que Bolsonaro perceba que é no sucesso desses dois, e não nos likes da turba direitista hidrófoba, que mora suas chances de sucesso a partir de 1.º de janeiro.

A campanha já acabou faz tempo.


Vera Magalhães: Supremo como fonte de instabilidade política e jurídica

Não se trata aqui de dizer que a Corte deva se curvar à opinião pública

O factoide produzido nesta quarta-feira, 19, por Marco Aurélio Mello com a breve liminar mandando soltar presos condenados em segunda instância serviu apenas ao propósito de desgastar ainda mais o Supremo Tribunal Federal.

Não se trata aqui de dizer que a Corte deva se curvar à opinião pública. O fato é que, de garantidor da estabilidade jurídica do País, como reza a Constituição, o Supremo tem sido, cada vez mais, a fonte a partir da qual emana toda a insegurança – não só jurídica e judicial, mas, como consequência, política.

O STF se manifestou em três ocasiões pela possibilidade de execução provisória da pena de prisão a partir da condenação em segunda instância: duas em habeas corpus, em 2016, e a terceira em julgamento do plenário virtual, que garantiu repercussão geral àquelas decisões.

Neste ano, voltou a se debruçar sobre a questão ao julgar outro HC, do ex-presidente Lula. Já há sessão marcada para abril para tratar da questão, aí sim, de forma definitiva, nas duas ações das quais Marco Aurélio é relator.

Foi a insatisfação com a demora em levar a questão à pauta que fez com que Marco Aurélio se adiantasse e exarasse essa decisão injustificável, à véspera do recesso.

Afrontou o colegiado, o presidente da Corte, a opinião pública e a segurança jurídica, às vésperas do recesso judicial e da posse do novo governo. E forçou Toffoli a, também de forma monocrática, revogar a liminar para evitar consequências mais nefastas.

E não se trata só da eventual soltura de Lula, consequência politicamente mais estridente da decisão, mas de bagunçar todo o sistema judicial do País por birra.

No caso do ex-presidente, Marco Aurélio sabe das implicações sociais e políticas de suscitar de novo esse debate às vésperas da posse de Jair Bolsonaro. Com que propósito, uma vez que o julgamento do mérito das ações das quais é relator já está marcado?

Marco Aurélio termina o dia tendo contribuído, de forma absolutamente desnecessária, para o descrédito da Corte, cujas decisões monocráticas ultrapassam em muito o razoável num tribunal que tem na colegialidade uma das suas razões de ser e não têm paralelo em tribunais superiores de países estáveis jurídica e politicamente.

E são decisões como essas, tomadas muitas vezes por vaidade e por falta de compreensão do fato de que a Corte não é mais um arquipélago de 11 ilhas impermeável ao escrutínio da sociedade, que fazem com que as pessoas considerem que o STF é uma vergonha para o País – como externou recentemente um cidadão que quase levou voz de prisão de Ricardo Lewandowski por isso.


Vera Magalhães: Com a palavra, Fabrício Queiroz

Ao que tudo indica, o Brasil verá Fabrício Queiroz nesta quarta-feira. O ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, tão próximo da família que era visto constantemente em festas, pescarias e campanhas com integrantes do clã e tinha vários familiares empregados nos gabinetes de Jair Bolsonaro & filhos, de repente sumiu e ninguém mais ouviu falar dele.

Flávio, o ex-chefe, chegou a dizer que falou, sim, com Queiroz, há cerca de dez dias, quando veio a público um relatório do Coaf que mostra movimentação de mais de um milhão de reais em sua conta entre 2016 e 2017. Achou que a explicação do ex-assessor era “bastante razoável” para essa e outras atipicidades de sua movimentação bancária, mas não disse qual justificativa era essa. Depois não se soube mais de contatos entre ambos, ainda que Flávio esteja com o nome diariamente nas páginas de jornais graças ao caso.

Pois Queiroz deve depor nesta quarta-feira ao Ministério Público do Rio. Além do montante que passou pela sua conta, terá de explicar por que outros servidores do gabinete do agora senador eleito na Assembleia do Rio depositavam sistematicamente dinheiro para ele, em datas próximas ao pagamento dos salários na Casa.

Também poderá esclarecer por que esses depósitos e transferências coincidiam quase sempre com saques de dinheiro vivo em quantias semelhantes.

Por fim, poderá referendar a afirmação feita pelo presidente eleito de que contraiu R$ 40 mil em empréstimos com ele, mesmo tendo uma movimentação de dinheiro tão expressiva em conta, e se os R$ 24 mil que repassou à futura primeira-dama, Michelle, eram pagamento desses empréstimos feitos sem recibo em declaração no Imposto de Renda.

As explicações do ex-servidor são essenciais para que não continue pairando essa cortina de silêncio numa família que, para todo o resto, é expedita em se manifestar nas redes sociais, na tão propalada comunicação direta com o povo.

Ontem mesmo, Jair Bolsonaro fez mais uma de suas transmissões ao vivo. Tratou de vários temas confortáveis e populares para seu público cativo: médicos cubanos, a escola militar batizada com o nome de seu pai, o desconvite aos ditadores de Cuba e Venezuela para a posse. Surfou tranquilamente e manteve aquecida a torcida. Mas não tratou de Fabrício Queiroz, seu amigo desde os anos 1980. Eduardo Bolsonaro também tratara de se esquivar do assunto mais cedo, ao dizer que o problema é de seu irmão, não dele.

Como ninguém quer tratar do tema, que fale o próprio personagem. Com a palavra, Fabrício Queiroz.

CÂMARA
João Campos investirá em associar Maia ao PT

A campanha do deputado João Campos (PRB-GO) à presidência da Câmara aposta em associar a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) aos partidos de oposição, notadamente ao PT, como forma de tentar atrair o apoio ainda incerto do PSL e da base bolsonarista. Nas conversas com esses deputados e com a imprensa, aliados de Campos dizem que Maia, por enquanto, esconde o PT para não melindrar o futuro governo, mas a aliança já estaria selada. Campos parte do diagnóstico óbvio: a polarização extrema entre bolsonaristas e petistas, que ficou evidente na campanha e segue a todo vapor na transição, como se viu ontem na diplomação em São Paulo, pode funcionar como fator de desgaste de Maia junto a setores da próxima bancada governista mais ideologizados. Outro trunfo com o qual ele espera contar é o fato de ser delegado da Polícia Federal. Fará uma pregação da pauta anticorrupção do futuro ministro Sérgio Moro como forma de se contrapor, de novo, a Maia e ao Centrão.


Vera Magalhães: O risco de dispersão

Aprovação a plataforma de Bolsonaro é chance única para a reforma da Previdência

Na semana passada, mediei o painel sobre desafios políticos do governo Jair Bolsonarono fórum promovido pelo Estado e pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. Na mesa, cientistas políticos e economistas demonstraram otimismo quanto à possibilidade de Jair Bolsonaro aprovar a reforma da Previdência tão adiada, mas divergiram quanto ao timing e a estratégia de ataque da tarefa.

Com algumas nuances de análise, o cientista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, e o economista Samuel Pessoa, da FGV, opinaram que é possível mesclar a agenda econômica, da qual a reforma é o carro chefe, com aquela mais cara ao coração bolsonarista, que inclui projetos na área de segurança pública e outros voltados a questões de costumes, com viés conservador. O cientista político Fernando Abrucio, também da FGV, foi taxativo: se o futuro governo dispersar energias mandando ao Congresso várias prioridades, muitas das quais conflitantes e em sua maioria rejeitadas por algum setor da sociedade, a chance de aprovar a reforma ainda no primeiro semestre se reduz muito. Concordo plenamente com ele.

O Congresso é um organismo com humores próprios, difíceis de compreender para que se possa obter maiorias seguras e mais ou menos duradouras. Qualquer métrica que se use isoladamente para aferir a governabilidade é falha: alinhamento dos partidos, influência das chamadas bancadas temáticas, apelo no chamado baixo clero ou peso regional das pautas são variáveis intercambiáveis e que mudam ao sabor da circunstância.

Para a reforma da Previdência será necessário um manejo fino de todas essas forças que se aglutinam lá dentro, uma comunicação muito precisa com a sociedade e com os parlamentares para deixar claro, de uma vez por todas, que se trata de corrigir distorções e eliminar privilégios, e não de cassar direitos adquiridos (que não são tocados pela proposta) e assegurar alguma racionalidade fiscal para um Estado que, se continuar assim, não terá capacidade de investir nem de assegurar o simples pagamento dos próprios benefícios. Um desafio tão complexo exige foco, uniformidade no discurso da parte de todas as alas do governo, a começar do próprio presidente, e que não haja distrações pelo caminho.

E é neste momento que entram em cena alguns complicadores em potencial na maneira como o futuro governo vai sendo composto. Há pelo menos três pilares muito fortes no desenho da gestão Bolsonaro: o econômico, capitaneado por Paulo Guedes, o de segurança/combate à corrupção, nas mãos de Sérgio Moro, e o militar, simbolizado pelo general Augusto Heleno, mas com tentáculos em várias áreas, da coordenação política à infraestrutura.

A articulação política, diante de colunas assim tão robustas, parece meio tíbia. Mais do que isso: seu comando está disperso e não há clareza a respeito de quem terá a palavra final para dialogar com um Congresso tão complexo e em grande medida desconhecido, dada a renovação recorde que sofreu. Jair Bolsonaro tem um grande trunfo para começar o governo. Pesquisa CNI/Ibope mostra que 75% da população concorda com as medidas até aqui esboçadas. Isso demonstra que ele venceu a resistência inicial de um grande contingente que não votou nele e que começa com um voto de confiança muito robusto. Usá-lo vai requerer sabedoria.

Enviar de uma vez para o Congresso prioridades múltiplas e em alguma medida conflitante significará, a meu ver, começar gastando essa confiança de forma pouco inteligente. Se a reforma é a condição sine qua non para o sucesso do governo, o mais eficaz é tirá-la da frente logo para, aí sim, ter sossego para discutir a agenda mais cara ao bolsonarismo de raiz.


Vera Magalhães: O peso da farda

Jair Bolsonaro foi alertado diretamente pelo núcleo político do governo e por integrantes do PSL sobre o desenho do Palácio do Planalto, que acabou conferindo papel para os militares em questões relativas à articulação política. O que antes era um ti-ti-ti de bastidores foi finalmente colocado à mesa.

Conselheiros do presidente eleito disseram claramente a ele que o corporativismo e uma certa inflexibilidade dos militares são características não condizentes com a necessidade de fazer a mediação com o Congresso.

Bolsonaro ouviu e não deu sinais de que pretende redesenhar a divisão de tarefas no Planalto. A presença dos militares no governo era algo já anunciado desde a campanha – portanto, nenhuma surpresa.

O que não estava no desenho inicial era justamente que a farda e o coturno fossem aparecer também na coordenação política, com os generais Augusto Heleno e Santos Cruz assumindo funções que até hoje foram de civis. A avaliação é que haverá disputa de espaço entre o GSI e a Secretaria de Governo, sob o comando dos dois generais, e a Casa Civil e a Secretaria-Geral da Presidência.

Juntamente com a proeminência dos filhos de Bolsonaro, todos eles com mandatos eletivos, e a disputa por controle na bancada do PSL da Câmara, este é considerado um foco de tensão na largada do futuro governo caso os limites de cada um não sejam estabelecidos de forma clara pelo próprio presidente.

ITAMARATY
Diplomatas temem ‘geladeira' com ascensão de novo grupo

A composição do grupo da transição no Itamaraty, praticamente sem integrantes do ministério e dominado por assessores do PSL, assustou os diplomatas “das antigas”, que temem ser colocados na geladeira, superados por uma nova geração. Um sinal disso foi dado por Ernesto Araújo com a escolha de Otávio Brandelli, também recém-promovido a embaixador, como secretário-geral.

EFICIÊNCIA
Fundação Falconi vai desenhar projeto de modernização

A Fundação Falconi, fundada pelo especialista em gestão Vicente Falconi, fará uma consultoria ao governo Bolsonaro na área de modernização administrativa e gestão de diversas áreas. O estudo, coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência, de Gustavo Bebianno, será custeado pela iniciativa privada (empresários de vários setores já estão sendo contatados para aderir ao financiamento). A ideia é melhorar a prestação de serviços em áreas como saúde, educação e segurança (os presídios federais serão alvo do estudo). Os gestores da Falconi vão treinar inicialmente uma turma de 300 gestores públicos – que será ampliada gradualmente. A fundação trabalhará sob o comando da nova Secretaria de Modernização, que será um dos eixos principais da pasta. Uma das missões da consultoria será traçar um novo plano de carreiras e salários para os servidores federais – tarefa mais espinhosa, porque dependerá de mudança legislativa no regime jurídico único.


Vera Magalhães: De pedras a vidraças

Negar respostas não é caminho para quem sempre foi inflexível com denúncias

O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deixou uma entrevista coletiva no meio na última sexta-feira com ares de indignação ao ser questionado sobre o relatório do Coaf que aponta movimentação de R$ 1,2 milhão em um ano na conta de um ex-assessor parlamentar do deputado estadual e futuro senador Flávio Bolsonaro. Esbravejou, dizendo que “setores” estão há um ano tentando “destruir a reputação” do presidente eleito, Jair Bolsonaro.

Antes, chegara a pedir uma “trégua” da imprensa em relação a Bolsonaro. Como é que é? Diante do piti do futuro responsável pela articulação política do governo, cumpre rememorar um pouco de sua trajetória política. Lorenzoni se notabilizou na Câmara por participar de toda e qualquer CPI, sempre com uma postura inquisidora e avessa a qualquer tipo de trégua.

Agora que ele próprio e pessoas importantes do núcleo do futuro governo se veem citados em acusações ou em casos que podem ser objeto de investigação, a indignação muda de endereço, para apontar perseguição, dizer que já acertou as contas com Deus ou simplesmente dar as costas sem as necessárias explicações.

Essa postura mostra a dificuldade de quem sempre atirou pedras de se colocar na posição de vidraça. Mas é bom o ministro já ir se acostumando, bem como todo o entorno de Bolsonaro. A eleição do futuro presidente e de boa parte do novo Congresso, bem como de muitos governadores, se deveu em grande medida à indignação - por eles trabalhada à exaustão - com a corrupção associada ao PT e aos seus aliados.

Ao inflamar ainda mais a sociedade contra os malfeitos, Bolsonaro e seus aliados atraíram para si a expectativa de um comportamento em tudo diferente daquele que condenaram em tom tão grandiloquente.

Não adianta virar as costas. Muito menos apelar para o “e no tempo do PT”, como também fez Onyx.

Os dois truques, aliás, foram usados por Lula e pelos petistas ao longo do tempo. Primeiro afetar indignação diante das evidências de desvios em casos como o mensalão e o petrolão, por exemplo. Os petistas adoravam evocar o passado de CPIs e denúncias contra adversários do partido, antes de chegar ao poder, como se isso fosse um salvo-conduto eterno.

E o segundo o de, diante da denúncia, sempre trazer à baila o adversário para demonizá-lo. “E no tempo do Fernando Henrique?” era o curinga que os petistas sempre tiravam da mão quando se viam em apuros.

Agora Lula está preso, deve continuar assim por um bom tempo, possivelmente terá novas condenações, o PT está fora do poder desde 2016 e Bolsonaro, Lorenzoni e outros que ascenderam justamente na onda antipetista estão no poder. Condição em que devem explicações. Não se trata de uma concessão ou de boa vontade, ministro Onyx, mas de obrigação, como o senhor corretamente sempre cobrou nas CPIs que o alçaram à fama.

A boa vontade que beira a condescendência do eleitorado de Bolsonaro com ele e seu entorno têm prazo de validade. Aliás, o próprio declínio da adoração a Lula deveria servir de exemplo. O discurso de combate a todo e qualquer desvio ético, pequeno ou grande, é um pilar importante - juntamente com o conservadorismo e o tema da segurança pública - do triunfo de Bolsonaro. Para que ele se mantenha sem abalos é necessário que casos como o do ex-assessor, o de Onyx e outros que apareçam sejam tratados com seriedade e as explicações sejam rápidas e suficientes.

Culpar a imprensa, o PT, forças ocultas ou sabe-se lá quem é uma saída marota para a qual a população, que nestas eleições viveu o ápice de um processo de discussão política acalorada, não vai comprar barato. Como, aliás, sempre pregaram aqueles que a maioria acabou de eleger.