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Vera Magalhães: Livros para colorir
Ao sugerir que livros sejam ‘suavizados’, Bolsonaro segue script de todo candidato a autocrata
Retorno hoje a este espaço depois de um breve recesso de ano-novo. Para ele, escolhi dois livros tirados da estante de “ficção”, mas que se mostraram perturbadoramente atuais. Primeiro devorei Submissão, do francês Michel Houllebecq. Depois, ainda abalada, enfileirei finalmente O Conto da Aia, de Margaret Atwood. Duas distopias que têm em comum, além da discussão sobre fanatismo religioso e sua imbricação com o poder, o ataque à educação, e aos livros como seu combustível. De volta à realidade (sic), encontro Jair Bolsonaro estreando 2020 com um ataque aos livros didáticos, que, para ele, contêm um “amontoado” de coisa escrita e deveriam ser suavizados. Qualquer semelhança…
Todo candidato a autocrata tem horror ao conhecimento, à ciência, ao pensamento crítico, ao contraditório, a dados, evidências, fatos históricos, à dúvida, à filosofia, às ciências humanas, à pluralidade de pontos de vista, à palavra sem cabresto.
Não é à toa que não só as obras que me acompanharam nas férias, mas toda a literatura do gênero, tenham na destruição dos livros um ponto fulcral. No ano passado, convidada pelo Estado a listar livros para quem se interessa por política, recomendei o clássico sobre o assunto, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, este devorado nos tempos de faculdade – ah, essa universidade pública subversiva –, em que a sociedade de um futuro então longínquo, e hoje assustadoramente familiar, é construída a partir da queima de todos os livros (o título faz referência à temperatura em que o papel entra em combustão) por “bombeiros”. Nada mais atual que esta ironia num país em que o ministro da Educação ofende os cidadãos nas redes sociais, não?
O problema dos livros didáticos brasileiros está longe de ser o fato de que contêm textos demais. Ao presidente do País e a seus auxiliares deveria caber zelar pela acuidade das informações publicadas, pela revisão da linguagem e, principalmente, pela didática.
Uma das grandes chagas da Educação brasileira é que os alunos não compreendem o que é ensinado. Não adianta simplificar o conteúdo dos livros até torná-los tatibitate, enchê-los de figuras e muito menos, a pretexto de “suavizá-los”, recheá-los de ideologia e narrativas convenientes ao poder de turno – o que, no fim do dia, é o desejo subjacente à fala depreciativa de Bolsonaro.
Depois de investir contra o suposto hermetismo do material oferecido aos alunos, o passo seguinte imediato de todos os que seguem a cartilha autoritária é passar a apontar nele riscos de “doutrinação”, de “alienação” ou de “falsificação” de tudo aquilo que contrarie as crenças, os valores e a leitura de mundo e da História sustentados pelo ocupante do poder da vez.
Ao criar uma narrativa absolutamente fantasiosa – bem mais que a criatividade dos mestres da ficção científica distópica poderia supor, uma vez que o artefato “mamadeira de piroca” não encontra paralelo nem na República de Gilead –, segundo a qual Paulo Freire é ensinado nas escolas para promover lavagem cerebral nas crianças, o “kit gay” vem na lista de material escolar e as universidades são lavouras de maconha em larga escala, o governo Jair Bolsonaro investe diuturnamente, de forma sistemática e absolutamente irresponsável, contra a Educação que prometia resgatar das trevas da “esquerda”.
O legado do PT na corrupção e na falência da economia brasileira é uma chaga que será difícil de aplacar e cujo horror levou a que o bolsonarismo cruzasse a fronteira das distopias e virasse realidade. Mas em nenhum momento o PT demonstrou pelo conhecimento o desapreço que o presidente e seu entorno não conseguem esconder e que parece que não sossegarão enquanto não transformarem em política de Estado.
Vera Magalhães: Bombons de Bolsonaro
Caso Flávio explicita todos os vícios de um ano de governo
As revelações espantosas do Ministério Público do Rio de Janeiro explicitam todos os vícios da carreira de Jair Bolsonaro, apontados pela imprensa desde a campanha, mas ignorados pelo eleitorado, e também os de seu primeiro ano de mandato, igualmente assinalados pelo jornalismo profissional, já aceitos por uma parcela do mesmo eleitorado, mas ignorados (até aqui) pelo núcleo duro da militância bolsonarista e por setores da elite liberal. Vamos a eles, em pequenos bombons:
1. Bolsonaro nunca foi baluarte anticorrupção.
Trata-se de uma construção recente essa do Bolsonaro lavajatista. Em sua carreira, o deputado do baixo clero sempre esteve mais voltado às pautas corporativas, a fazer da política um negócio em família e a chocar com opiniões ofensivas que em combater a corrupção. Nunca integrou nenhuma CPI. Nunca foi do Conselho de Ética. Sempre criticou o Ministério Público. E, agora se sabe, praticou aquilo que sempre condenou na “velha política”.
2. Misturar política e família não tem nada de nova política.
Os Bolsonaro se instalaram no poder sem nenhuma cerimônia. Na campanha, os filhos deram as cartas. Na posse, Carluxo se aboletou de carona no Rolls-Royce, numa das cenas mais emblemáticas desta era. Bolsonaro disse que daria o “filé” aos filhos, que um podia ser ministro e outro, embaixador em Washington. Juntos, os quatro amealharam patrimônio milionário tendo sido só políticos na vida. E, agora se apura, muito desse patrimônio pode ter vindo da prática de “rachadinha” e da existência de funcionários fantasmas. A imprensa mostrou na campanha. O eleitor fechou os olhos deliberadamente.
3. Decoro e liturgia do cargo importam.
O presidente, com o filho pilhado num escândalo que mistura laranja com chocolate, se descontrolou na frente do Alvorada. Em sua tradicional “paradinha”, em que fala de improviso a jornalistas com a claque de apoiadores, ofendeu repórteres e passou um recibo ao vivo, pelas redes sociais, de que o caso assombra o clã. Ao presidente da República cabe prestar contas, e não dar piti. Comunicação improvisada dá nisso, como sempre alertaram aqueles que têm bom senso. Apelar à comunicação direta como forma de populismo pode parecer boa ideia aos filhos idólatras e aos puxa-sacos aboletados em cargos públicos, mas expõe o governante. Bolsonaro sem filtro é isso aí.
4. Paranoia e mania de perseguição são passaporte para o autoritarismo.
Um presidente que não se vexa em acusar um ex-ministro, sem nenhuma evidência possível, de integrar um complô para matá-lo, não tem mais nenhum compromisso com os fatos e com as obrigações que o cargo lhe impõe. Está, portanto, a um passo de se mostrar disposto a tudo no combate a inimigos imaginários cada vez mais abundantes e espalhados. Cabe às instituições, como venho repetindo aqui e não me cansarei de lembrar quantas vezes precisar, dar um freio aos ímpetos persecutórios e claramente autoritários do presidente.
5. Relação com milícias coloca em xeque o discurso liberal de que a economia justifica tudo.
Na quarta-feira escrevi que, a despeito de ser um recordista de impopularidade, Bolsonaro seria favorito em 2022 se a economia seguisse crescendo, ainda que devagar. Eduardo, o 03, tirou onda, querendo desviar o foco do irmão chocolatier. Pois a impopularidade está confirmada, mas o favoritismo será fortemente abalado se o mito de pés de barro ficar nu, como já está ficando. Além de laranjal e rachadinha, o caso Flávio & Queiroz tem tudo para deixar ainda mais patente uma explosiva relação do clã com as milícias do Rio. Algo que será difícil até para a elite liberal, disposta a fechar os olhos para tudo em nome da agenda econômica, engolir.
Vera Magalhães: Com cerco a Flávio se fechando, PF pode sair de Moro
O fechamento do cerco em torno das relações financeiras entre Fabrício Queiroz, o ex-assessor que gerenciava os gabinetes da família Bolsonaro, o senador Flávio e familiares da segunda ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, Ana Cristina, fez com que ganhasse corpo a ideia de tirar a Polícia Federal da alçada do ministro Sérgio Moro.
É isso que explica a discussão, extemporânea aparentemente, de se recriar o Ministério de Segurança Pública, que existia sob Michel Temer e foi extinto justamente para concentrar atribuições e poderes em torno de Moro.
A relação entre o ministro da Justiça e Bolsonaro tem sido um jogo de afagos públicos seguidos de consecutivas iniciativas do presidente para esvaziar ou desautorizar o ex-juiz. Os afagos se devem à evidência de que Moro ainda goza de imenso prestígio na sociedade, superior ao do próprio Bolsonaro, e incluí-lo no rol dos ex-aliados transformados em adversários não seria uma operação simples como foi a de Gustavo Bebianno e Santos Cruz.
A ideia de Bolsonaro é designar para o Ministério de Segurança, caso a ideia prospere, o amigo e ex-deputado Alberto Fraga, expoente conhecido da “bancada da bala” e um dos maiores propagandistas da política armamentista defendida por Bolsonaro, da qual Moro é crítico.
A possibilidade de que o caso Queiroz atinja Bolsonaro e a família, o que levaria a PF a ser acionada, explica a pressa em tirá-la da alçada de Moro e colocá-la sob o comando de alguém mais próximo de Bolsonaro, além de político.
Vera Magalhães: Queiroz para estragar o Natal dos Bolsonaro
Tal como o Grinch, ex-assessor de Flávio volta à cena para assombrar o fim de ano da família presidencial
Busca e apreensão. Na penúltima semana do ano e um ano depois de Fabrício Queiroz se tornar um personagem conhecido nacionalmente graças a uma reportagem do Estadão, o Ministério Público do Rio trouxe o ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro de volta à cena política ao deflagrar uma operação de busca e apreensão com vários alvos, ligados a ele e a uma das ex-mulheres do presidente, Ana Cristina Valle, na capital do Rio e em Resende, interior fluminense. Os parentes são todos ex-assessores do filho 01 de Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio e figuram no inquérito que investiga se o ex-assessor foi usado para organizar uma "rachadinha" dos salários dos funcionários e quais as circunstâncias que explicam sua intensa e incompatível movimentação financeira e bancária.
Endereços. Uma loja de franquia de chocolates de Flávio Bolsonaro foi um dos lugares que receberam a visita do MP. O advogado do senador, Frederick Wassef, disse que não vão "encontrar nada", uma vez que o cliente não teria o que esconder. Reportagem da revista Crusoé esmiúça transações imobiliárias de Flávio e da mulher e diz que o MP trabalha com a hipótese de que imóveis tenham sido vendidos como forma de "lavar" o dinheiro proveniente da rachadinha dos salários dos funcionários.
Atraso. As buscas marcam a retomada do caso Queiroz depois de quatro meses de paralisia, graças a uma liminar concedida pelo presidente do STF, Dias Toffoli, que sustou o inquérito e, de quebra, atingiu todas as investigações que tinham origem em relatórios do Coaf. Esta e as demais apurações só foram retomadas depois que, em novembro, o pleno do Supremo derrubou a liminar.
Vera Magalhães: Balbúrdia cultural
Áreas da Educação e Cultura no governo Bolsonaro viram palco de guerrilha olavista
Há um ano, aconteceu em Foz do Iguaçu a 1ª Cúpula Conservadora das Américas, promovida na esteira da vitória de Jair Bolsonaro e que reuniu os principais expoentes do conservadorismo brasileiro e do continente. Ali os irmãos Weintraub fizeram uma palestra em dupla em que ensinavam como vencer o marxismo cultural nas universidades.
O caminho, ensinavam, era ser mais engraçado que o comunista. “O comunista te xinga de fascista, racista, e você fica se defendendo. Quando um comunista ou um socialista te xinga você xinga de volta, como ensinou o professor Olavo”, palestrava Arthur. Abraham emendava: “Como a gente ganha? Não sendo chato. A gente tem de ser mais engraçado que os comunistas. Como você ganha a juventude? Com humor e inteligência”.
Foi assim, com um esquete pseudo-humorístico, que os irmãos Weintraub foram abrindo espaço no bolsolavismo. Abraham e Arthur haviam se aproximado de Bolsonaro por intermédio do então deputado Onyx Lorenzoni. Naquele evento seminal, os dois propunham “aplicar a teoria do Olavo de Carvalho para lidar com o marxismo cultural”. Viriam a ocupar assessorias no Planalto e o primeiro, meses depois, substituiria Ricardo Vélez Rodriguez no Ministério da Educação.
Ele levou a própria palestra ao pé da letra. Estrelou paródias musicais, distribuiu chocolates em lives, tirou a camisa para mostrar uma cicatriz que explicaria seu fraco desempenho acadêmico, xingou muito no Twitter e levou a guerrilha ideológica à condição de política educacional. O MEC, uma das pastas mais importantes da Esplanada, assiste, desde janeiro, a uma paralisia já constatada em dados por meio de um relatório de uma comissão especial da Câmara.
O Brasil perdeu o ano na Educação em 2019. E agora, de recuperação, assiste à fritura do ministro, vejam só, pelos próprios olavetes. Provavelmente os irmãos Weintraub não contavam com essa ao traçar sua estratégia de sobrevivência ao comunismo.
O fogo amigo se tornou público no fim de semana. Pupilos do autoproclamado filósofo passaram a fritar o ministro nas redes sociais. Ele foi chamado de “Weintrouble”, um trocadilho de seu nome com a palavra em inglês que significa “problema”, por uma página da internet ligada ao assessor presidencial Filipe G. Martins.
A origem da artilharia explica por que Jair Bolsonaro não praticou um de seus esportes favoritos, desmentir a imprensa, no noticiário que aponta que o ministro está pela bola sete.
A nota triste é que Weintraub não está para cair por conta da balbúrdia – para usar uma palavra que ele próprio notabilizou ao se referir ao que, segundo ele, ocorre nas universidades federais – na pasta, mas porque o aparelhamento do MEC não foi total e irrestrito, como desejam os olavetes.
O estopim para queimar seu filme com os seguidores do guru foi o anúncio de extinção da TV Escola, mantida pela pasta, que acabara de fechar acordo para a exibição de uma série documental (sic) do projeto Brasil Paralelo sobre História do Brasil, contada segundo Olavo e outros expoentes do conservadorismo.
Não é só no MEC que a sanha de dominação olavista galopa neste fim do primeiro ano de Bolsonaro. A Cultura está completamente aparelhada por pessoas que exibem como currículo o fanatismo ao guru e uma série de teorias tão toscas quanto a dos irmãos Weintraub.
Ao apostar na balbúrdia cultural, Bolsonaro mostra que, nesta área como em outras, aplica no governo, com sinal trocado, aquilo que condenava no PT antes de eleito. Com uma agravante: nos governos petistas o revanchismo, a perseguição aos inimigos, a censura das visões contrárias e o direcionamento de recursos públicos para propaganda ideológica nunca atingiram os níveis vistos agora.
Vera Magalhães: Esquerda no rehab
Partidos tentam alternativa a Lula, mas patinam na falta de nomes e projeto claro
O congresso de “refundação”, com todas as aspas e as ressalvas que esta palavra tão gasta pelos partidos brasileiros merece, do PSB jogou luz sobre um processo que a esquerda não-petista brasileira deflagrou de forma atabalhoada em 2018 e, com a soltura de Lula, acelera: o rehab da dependência ao PT.
Como todo processo de desintoxicação, esse inclui hesitação, recaídas e tentativas de redução de danos por meio de paliativos. Também como toda tentativa de largar um vício, não é algo linear nem livre de sofrimento.
Por muitos anos o PSB esteve no lugar em que o PCdoB prefere permanecer e ao qual o antes rebelde PSOL voltou: o de satélite do lulopetismo. Isso começou a mudar com o projeto presidencial de Eduardo Campos, frustrado pela sua morte em plena campanha de 2014, teve idas e vindas e ficou na geladeira em 2018 diante da recusa de Joaquim Barbosa a enfrentar o rojão de uma candidatura presidencial que, mostravam as pesquisas, poderia ser bem-sucedida.
Agora o partido tenta mais uma vez largar a adição. Deixou formalmente o famigerado Foro de São Paulo, que tem pouca relevância prática, mas virou um boitatá a assombrar a narrativa da direita, fez uma crítica à ditadura venezuelana e não se apressou a subir ao palanque de Lula assim que ele foi solto em Curitiba.
O partido descreve, assim, trajetória similar à do PDT de Ciro Gomes, à cada vez mais acanhada Rede, de Marina Silva, e ao PV. Claro que é o próprio Ciro que sonha amalgamar essas legendas em torno de mais uma tentativa de chegar ao Planalto, mas a repetição de seus cacoetes e a falta de um discurso eficaz para quebrar a polarização fazem com que os potenciais parceiros demonstrem dúvida quanto a embarcar em sua canoa.
A ideia de fugir do lulismo esbarra, portanto, na falta de um líder viável. E a culpa, neste caso, é da própria esquerda, que tolheu tentativas de renovação de lideranças ao, por exemplo, ameaçar de expulsão jovens deputados que ousaram votar pela reforma da Previdência, como Tabata Amaral (PDT) e Felipe Rigoni (PSB).
Essa dualidade entre quererem se mostrar responsáveis do ponto de vista fiscal, diferentemente do PT, mas não ousarem dar o passo, cobra um preço dos pacientes da reabilitação, mas não é um mal exclusivo da esquerda.
Basta ver que o chamado centro, que abarca legendas como PSDB, DEM e Cidadania, se vê perplexo ante o desafio de apoiar as reformas liberais de Paulo Guedes e ao mesmo tempo traçar uma linha divisória que o separe do reacionarismo bolsonarista e represente uma crítica sem meandros a retrocessos nos campos dos direitos individuais, da cultura, da educação e das conquistas sociais.
Não deveria ser difícil para alguém com um projeto social-democrata responsável fiscalmente, mas vira uma geleia geral quando João Doria fica num ioiô entre se diferenciar do presidente ao mesmo tempo que pisca a seus eleitores e Luciano Huck parece viver um eterno dilema entre se expor ao tiroteio ou manter o conforto da vida de celebridade.
Diante de uma esquerda que vira e mexe tem crise de abstinência do cachimbinho lulista e um centro que ameaça descer do muro, mas não desce, pesquisas mostram Bolsonaro e Lula confortáveis na situação de dois polos do cada vez mais interditado debate político no Brasil.
A ponto de Lula nem esconder, para silêncio cúmplice do eleitorado de esquerda que adora gritar “fascismo!” nas redes sociais, que prefere perder de novo para Bolsonaro a abrir uma alternativa de esquerda ou de centro à cada vez mais putrefata hegemonia petista. E há quem assista anestesiado a isso e entoe o refrão: “Mais uma dose? É claro que eu tô a fim”.
Vera Magalhães: Navegando sem bússola
Retaliação dos Estados Unidos e insistência em embaixada em Jerusalém mostram política externa amadora
Na semana que passou, Donald Trump, o amigão dos Bolsonaro, anunciou a sobretaxação ao aço e ao alumínio brasileiros, nossa política ambiental foi gongada na COP-25 e vimos Eduardo Bolsonaro, que não virou embaixador, mas segue dando pitacos em política externa, voltar a pregar a transferência da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. Resumo da ópera bufa? 2019 foi um ano em que retrocedemos em política externa.
Volto ao tema que já tratei aqui pelo menos em duas ocasiões: logo no início do governo, depois que o olavismo se instalou no Itamaraty e na antessala de Jair Bolsonaro, e às vésperas do discurso do presidente na abertura da Assembleia-Geral da ONU. Nas duas ocasiões meu ponto era o mesmo: ideologização extrema e sem amparo no pragmatismo e em dados levaria nossa política externa a ser motivo de piada no exterior. E é nessa condição que chegamos ao fim do ano.
Bolsonaro tascou um “I love you” para seu colega de madeixas alaranjadas um dia depois de subir ao púlpito da ONU e mandar ver em ideologia de gênero, defesa de exploração mineral em reservas indígenas, marxismo cultural e todos os outros clichês do bolsolavismo.
A declaração de amor era apenas mais uma demonstração de subserviência a Trump, depois de o filho 03 desfilar por Washington com um boné ridículo, pai, filho, chanceler e o assessor especial Filipe Martins passearem pela Casa Branca achando que eram da casa e Bolsonaro ensaiar mandar Dudu para um intercâmbio para se aprimorar na arte de fritar hambúrgueres.
Nada disso resultou em ganhos para o Brasil. O Brasil fez uma série de concessões unilaterais aos norte-americanos (na Base de Alcântara, ao abrir mão de visto para cidadãos norte-americanos, na elevação de importação de etanol sem contrapartida), mas assistiu, em retribuição, ao governo dos EUA barrar nossa entrada mais rápida na OCDE, manter barreiras sanitárias à nossa carne e, agora, sobretaxar aço e alumínio.
O caso da nossa relação com a China é emblemático, também. Em meio à guerra comercial de Trump com Pequim, os EUA pressionam para que o Brasil não adote a tecnologia chinesa do 5G. Em entrevista na semana passada, Filipe Martins mostrou preocupação com o tema, sugerindo que há opções europeias (Nokia? Ericsson? Sério?) à comprovadamente superior tecnologia chinesa. Vamos, de novo, ser subservientes a um interesse que não é nosso?
Gongado para a embaixada, Eduardo foi com o irmão Flávio para Abu Dhabi para engrossar o lobby pela transferência, à custa de rios de dinheiro público, da Fórmula-1 de São Paulo para o Rio. Detalhe: apesar da pinta de surfista e do sotaque, Dudu é deputado eleito por… São Paulo! Em entrevista a uma emissora israelense, voltou a pregar a transferência da embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, uma patacoada para agradar o eleitorado e os aliados evangélicos às vésperas da criação do novo partido, a Aliança pelo Brasil, de forte inclinação neopentecostal. De novo, os interesses do País sacrificados no altar da ideologia, do obscurantismo religioso e da agenda da família Bolsonaro.
O ano de 2020 será tenso no cenário externo. As eleições nos EUA, com Trump favorito, mas pressionado pelo processo de impeachment, o desenlace imprevisível da guerra comercial com a China, o acordo União Europeia-Mercosul precisando ser chancelado e uma recessão global no horizonte exigirão do Brasil, mais do que nunca, maturidade nas negociações e fim de paixões ideológicas ou puramente paranoicas que têm norteado nossa ação diplomática. Não parece que nosso time olavete esteja minimamente equipado para dar conta do recado, como os resultados vexatórios de 2019 deixam patente
Vera Magalhães: CPMI das Fake News pega fogo
Joice Hasselmann disseca funcionamento de esquema de milícia virtual bolsonarista
Treta. A CPMI das Fake News foi palco de mais um embate entre bolsonaristas e a ala bivarista do PSL. O depoimento da ex-líder do governo no Congresso Joice Hasselmann foi marcado por acusações sobre a participação de Eduardo Bolsonaro na organização das milícias virtuais bolsonaristas. Ela disse que o chamado "gabinete do ódio" é financiado com dinheiro público, pois haveria funcionários de gabinetes e do governo na organização dos linchamentos a inimigos e ex-aliados.
Pressa. O dia foi agitado no Congresso. A presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), contrariou a orientação do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e pautou para a semana que vem a votação de relatório de projeto de lei que altera o Código de Processo Penal para permitir a prisão após condenação em segunda instância. Ela atendeu a requerimento assinado por 43 senadores, e disse que só poderia segurar uma matéria na comissão se essa fosse a decisão da maioria dos integrantes do colegiado, ou decisão unânime dos líderes partidários. Alcolumbre, por sua vez, anunciou sessões do Congresso Nacional para a próxima semana, colocando em risco o funcionamento da comissão.
Time do Moro. Com isso, Tebet se alinha à pressão feita pelo ministro Sérgio Moro (Justiça) para acelerar a discussão da mudança. Moro participou de debate em que voltou a defender a medida. Em entrevista à Jovem Pan, o ministro disse que, da forma atual, as penas são cumpridas apenas no "dia de São Nunca". Ele negou que pretenda ser vice de Bolsonaro nas eleições de 2022 e afirmou que a melhor solução seria repetir a chapa com Mourão.
Militares. Na liquidação de fim de ano do Congresso, o Senado aprovou o projeto que altera a Previdência dos militares, que agora segue para sanção presidencial. Como a proposta reestrutura a carreira militar, a princípio ela levará a uma elevação de gastos, em vez de gerar economia. No cômputo final, a economia em dez anos será de apenas R$ 10 bilhões.
Vera Magalhães: Reforço positivo
O PIB mais 'parrudinho' do terceiro trimestre veio bem a calhar para Guedes
Paulo Guedes deverá usar o número positivo do PIB do terceiro trimestre como um antídoto para o risco de retrocesso em sua agenda de reformas.
Como já escrevi algumas vezes neste espaço, a soltura de Lula abateu a “linha de montagem” de projetos do ministro da Economia quando ela alçava o voo depois da promulgação da reforma da Previdência.
As três propostas de emendas à Constituição mandadas ao Senado tiveram boa acolhida dos parlamentares, boa vontade da cúpula da Casa, que rapidamente tratou de distribuir as relatorias e deslanchar a discussão, mas a reforma administrativa foi barrada pela circunstância política.
Agora, diante de números que indicam, na leitura da equipe econômica, que o caminho receitado desde a campanha está gerando frutos, de forma ainda lenta, mas contínua, Guedes deverá fazer nova tentativa junto a Jair Bolsonaro para reabilitar a reforma administrativa.
O ministro acha que enviá-la à Câmara, por onde vai começar a tramitar, ainda neste ano, será sinal de que o caminho será mantido e acentuado no ano que vem, contrariando as hesitações manifestadas até pelo presidente.
Seria uma forma, ainda, de o Posto Ipiranga terminar o primeiro ano de mandato renovando a carta branca que lhe foi conferida na largada. A menção de Bolsonaro a que lhe teriam pedido a “cabeça” do ministro soou como um recado do chefe ao ministro de que ninguém é insubstituível. Nesse cenário, o PIB mais parrudinho do terceiro trimestre veio bem a calhar.
‘Perseguição’ do PSL pode ajudar bolsonaristas
O anúncio de que os dissidentes bolsonaristas serão mesmo afastados pelo PSL de cargos em comissão e postos de comando nos diretórios e em lideranças será usado por eles como argumento na Justiça Eleitoral para que não percam o mandato por infidelidade partidária quando e se a Aliança pelo Brasil tiver a criação chancelada. Trata-se, por ironia, do mesmo argumento usado pelos deputados de “esquerda” Tábata Amaral (SP) e Felipe Rigoni (ES) contra seus partidos de origem, PDT e PSB, respectivamente.
Terceira ‘onda’ de olavistas toma Cultura
Depois de ondas de ocupação olavista resultarem em barraco, paralisia e demissões no Ministério da Educação e na Apex, a agência de promoção das exportações, a terceira onda de nomeações de pupilos do guru da Virgínia chegou com força aos postos da Cultura.
Com carta-branca de Bolsonaro, o dramaturgo Roberto Alvim designa para cargos em entidades como Funarte e Biblioteca Nacional seguidores de Olavo que têm como currículo um corolário de declarações e teses que vão de controversas a delirantes, como a de que a Terra é plana, defendida pelo maestro e youtuber Dante Mantovani em publicação depois apagada nas redes sociais.
Assim, Olavo, crítico do aparelhamento do PT da máquina pública, se torna patrono de um similar nos métodos, mas mais caricato no conteúdo, capaz de levar ao desmonte de uma indústria que vinha se estruturando em áreas como o audiovisual, mas teve um 2019 de obscurantismo ideológico e paralisia de investimentos e empregos.
Vera Magalhães: Hora dos freios
O episódio da fala do ministro Paulo Guedes de que não seria surpresa caso alguém voltasse a falar de AI-5 é emblemático porque mostra uma distinção cada vez mais difícil de ser feita: a daqueles que apoiam as medidas econômicas do titular da Economia e, por isso, fecham os olhos para os sistemáticos e cada vez mais graves abusos do seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Guedes mesmo flertou com isso em sua declaração, embora não ache que o fez.
O mercado, os conservadores, setores da imprensa, partidos como o Novo, outros ministros de Estado, eleitores que não se enquadram na categoria “mínions”, deputados e senadores estão no mesmo barco. Até quando será possível entoar o discurso de que a agenda reformista é boa e necessária e condescender com o inadmissível?
É incompatível com o estado democrático de direito aceitar excludente de ilicitude para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para a atuação de militares na contenção de protestos de rua – que, por sinal, ainda existem apenas na mente paranoica do presidente e de seus acólitos.
É incompatível com o estado democrático de direito um presidente decidir quais veículos de comunicação podem ser lidos, assinados e entrar em licitações em órgãos públicos. É inconstitucional, é grave, é imoral, é inadmissível. Nenhum democrata pode aceitar isso, sob nenhuma justificativa. É um limite rígido, que quem aceitar ultrapassar pode não perceber agora, mas passou para o lado dos que aceitam transigir com a democracia.
É inadmissível que o presidente invista de forma deliberada contra a sociedade civil organizada, nomeando para cargos públicos – portanto aparelhando, assim como acusava a esquerda de fazer – pessoas imbuídas única e exclusivamente do espírito de promover revanche e retaliar uma parte do povo brasileiro. Um presidente não pode escolher para quem vai governar nem lançar instrumentos de Estado para perseguir aqueles a quem abdicou de representar.
Isso o tira dos trilhos delimitados pela Constituição, e deveria ser razão para que os demais Poderes, a OAB, a imprensa, a população e os partidos responsáveis usassem os mecanismos de freios e contrapesos disponíveis no mesmo ordenamento jurídico que vem sendo sistematicamente aviltado para pará-lo. Já. Independentemente da agenda de reformas, e até para que ela não seja rapidamente deslegitimada, colocada em segundo plano como já vem sendo colocada pelo próprio presidente aprendiz de autocrata, que resolveu rasgar a fantasia liberal e partir em marcha batida para a supressão sistemática de direitos e garantias que não são deles, mas nossos. Foram conquistados duramente, ao longo de décadas de uma volta à democracia que a ditadura que ele nega e apoia nos tirou ao longo de mais de duas décadas. Vamos deixar? Por que motivo?
Deputados e senadores, os senhores foram tão eleitos quanto o presidente. Engavetem logo essas tentativas de usar excludente de ilicitude como se fosse band-aid. Não é. É instrumento excepcional. Não sejam cúmplices desse atentado gradual e diário à democracia, pois a próxima vítima podem ser os senhores. Vale para veículos de imprensa, que olham acovardados para as investidas contra seus congêneres sem se dar conta de que estão no mesmo balaio.
E vale para os ministros do Supremo. Parem de investir vocês também contra a segurança jurídica do País e se assenhorem do seu papel de guardiões da Constituição.
Um ministro me disse nesta semana que se Bolsonaro insistir no caminho do arbítrio haverá demissão coletiva. Será? Senhores civis e militares, examinem suas consciências: com quanto de abusos os senhores estão dispostos a transigir? Porque um tanto vocês já engoliram em meio a risos nervosos e declarações bizarras.
Vera Magalhães: Nem em tese
A democracia é um valor absoluto e intransitivo, que não permite relativização
Peço licença ao leitor do BRPolítico para desenvolver, nesta coluna, uma análise que publiquei no site nesta terça-feira. É que o assunto é inescapável. Trata-se, por óbvio, da entrevista do ministro Paulo Guedes nos Estados Unidos, em que teceu uma tese segundo a qual, se a esquerda radicalizar, não se poderá reclamar caso o “lado de cá”, do governo, replique falando em um novo AI-5.
Algumas coisas não devem ser ditas por homens públicos, em on ou em off, no caso concreto ou em tese. Menos ainda pelo responsável pela Economia do País e aquele a quem a sociedade, o mercado, o setor produtivo e o mundo veem como a âncora de confiabilidade de um governo em que esse ativo já foi completamente dilapidado em 11 meses.
Eu sei que Guedes não defendeu medidas extremas em sua fala. Não tenho por que desconfiar da convicção democrática do ministro. Já ouvi dele próprio o raciocínio que levou à sua declaração, em uma conversa informal recente.
A base é um lamento: ele sabe que sua agenda de reformas pós-Previdência foi abatida enquanto decolava com a soltura de Lula, a radicalização de seu discurso e a reação imediata de Jair Bolsonaro – a meu ver, misto de paranoia, autoritarismo e nenhuma fé no credo liberal.
Escrevi que isso iria acontecer neste mesmo espaço, no último dia 10, o domingo imediatamente subsequente ao “Lula solto”. O caudilho petista estava, então, havia dois dias na rua, mas eu cravei: a agenda de Guedes tinha tudo para ser a primeira vítima da volta da polarização esquerda-direita ao seu grau máximo.
Não deu outra, e não demorou. Bolsonaro mandou segurar a reforma administrativa e as demais Propostas de Emendas à Constituição que tratam de mudanças fiscais e federativas, que já tinham ido ao Congresso, agora devem andar em ritmo lento.
Mas naquele mesmo texto eu já dizia, no título, que a ocasião seria uma espécie de “PhD” para Guedes, economista brilhante, mas cujas declarações em política às vezes resvalam para a ingenuidade, outras tantas dão mostras de incompreensão dos ritos democráticos – como quando defendeu uma “prensa” no Congresso para aprovar as reformas, ainda na transição.
Dizer que não seria surpresa que setores do governo defendessem, ainda que como reação à oposição, medidas como um inadmissível AI-5 ou algo próximo, coloca o fiador da economia no mesmo barco que a ala ideológica e autoritária do governo – que, aliás, age para fustigá-lo, e à qual ele deveria ser um contraponto necessário.
Por isso, não dá para passar uma flanela na fala do ministro. Mesmo porque ela embute perigosa condescendência com o autoritarismo demonstrado pelo presidente e o entorno, que vêm numa nítida escalada de radicalização, usando a soltura de Lula e a conclamação que ele faz para que as pessoas vão às ruas como pretexto para defender, por exemplo, excludente de ilicitude para Operações de Garantia da Lei e da Ordem. A declaração tem, ainda, um erro factual: omite que Eduardo Bolsonaro falou em AI-5 muito antes da soltura de Lula – e não como reação a ele, como deu a entender o ministro.
É urgente que Guedes se retrate. O ministro acha que foi vítima de uma pegadinha, e sua fala foi distorcida e tirada de contexto. Mas algumas ideias complexas, que cabem bem numa conversa informal, se tornam desastrosas quando expressadas numa coletiva, por uma autoridade.
O AI-5 é uma chaga histórica indelével, de uma ditadura que o Brasil não aceitará repetir, em nenhum grau, sob nenhuma justificativa e em nenhuma circunstância. A democracia é um valor absoluto e intransitivo, que não permite meio termo. Eu coloco Guedes entre os democratas. Ele precisa deixar isso claro, pois nem todos à sua volta estão no mesmo pelotão.
Vera Magalhâes: Bolsonaro agora quer GLO para tudo
Presidente, que já enviou ao Congresso projeto para excludente de ilicitude em operações, fala em usá-las para reintegrações de posse; virou moda?
Testando limites. O presidente já é bem conhecido por testar a acolhida de suas ideias algo heterodoxas de uso da força para depois submetê-las ao escrutínio do Congresso. O fato é que o governo está paranoico com a ideia de que protestos como os que ocorrem no Chile, na Bolívia e na Colômbia aconteçam no Brasil, sob patrocínio de Lula e do PT. O MST entra na jogada nessa mesma fantasia: Bolsonaro parte da ideia de que os "exércitos" de sem-terra poderiam ser usados no plano lulista para colocar fogo no País.
Aspirina. Que o presidente costuma ser acometido desse tipo de temor e dar corda a essas narrativas já se sabe. O que não é razoável é colocar as Forças Armadas nesta equação. Nem tornar um instrumento que a Constituição prevê para circunstâncias excepcionais de riscos à ordem pública, como as operações de GLO, algo banalizado a ser usado em qualquer circunstância - e ainda com o bônus do excludente de ilicitude para militares que agirem nessas novas circunstâncias.
Desvirtuamento. As Forças Armadas não têm o papel constitucional de atuar como força suplementar de segurança pública. Mais: militares não gostam que se recorra às GLOs como quem troca de roupa. Uma coisa é evocar a garantia da lei e da ordem em circunstâncias como chacinas em presídios, comandadas a partir de fora por facções criminosas, ou grandes eventos como Olimpíadas, outra é usar o expediente para cumprir reintegrações de posse em propriedades privadas, algo que é atribuição das polícias estaduais. Não vai passar no Congresso e não será aceito pelas Forças Armadas, mas o presidente gasta tempo e energia para disseminar esse tipo de ideia. E depois a culpa por se discutirem só pautas negativas é da imprensa.
Documentos. Outra notícia que resvala nos pendores pouco democráticos do bolsonarismo veio do jornal O Globo, que mostrou que o Gabinete de Segurança Institucional tem travado o fornecimento de dados da Abin cujo sigilo prescreveu pela Lei de Acesso à Informação Pública, em vigor desde 2012. Mais de 90 pedidos de informações feitos pelo jornal foram negados sob o argumento de que eram dados sensíveis, concernentes a questões de Estado. Mas se a lei define o prazo e o grau de sigilo dos documentos, há que se debater: não é direito da sociedade conhecer as informações quando elas se tornam de domínio público? Qualquer mudança nas regras não teria de passar por emendas à lei que está em vigor?
Segunda instância. Enquanto comemora a melhora dos indicadores de mortes violentas e atribui os números a iniciativas de sua pasta, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, enfrenta um jogo de aparências com o Senado: foi cancelada uma audiência pública para debater o projeto que altera o Código de Processo Penal para prever a possibilidade de cumprimento de pena após condenação em segunda instância. No lugar dela, Moro foi chamado para uma reunião nesta terça, 26, na residência oficial da presidência do Senado, em que líderes tentarão convencê-lo de que estão empenhados em buscar formas de antecipar o cumprimento das penas, quando, na verdade, querem jogar o assunto para um futuro remoto.
Câmara. Enquanto isso, na Câmara, o presidente Rodrigo Maia diz que existe uma possibilidade de acordo com o Senado: os senadores que aprovem a PEC já chancelada pela CCJ da Casa quando ela chegar lá. Acontece que os deputados também não têm pressa de levar este tema ao plenário: a emenda vai passar por uma Comissão Especial, cujo prazo de discussão é bastante elástico. A ideia comum a senadores e deputados é esperar que a virada do ano faça arrefecer a pressão popular (e de Moro) pela mudança no rito de cumprimento de penas.