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Vera Magalhães: ‘Capitalismo social’

Passada a 'primeira fase' das reformas econômicas, governo Bolsonaro passa a mirar o social a partir deste ano; a intenção, como sempre, esbarra na realidade: dificilmente sobrará dinheiro para o 'capitalismo popular' sair do discurso

Paralelamente à fase dois das reformas econômicas, o governo Jair Bolsonaro começa a mirar o social a partir deste ano. A preocupação é da ala política, mas já chegou à equipe de Paulo Guedes, que passa a usar expressões como “capitalismo social” para designar um conjunto de propostas que começam a ser desenhadas para tirar da oposição o discurso de que Bolsonaro não combate a desigualdade.

O capitalismo “social” ou “popular”, como vem sendo chamado nos briefings do governo, significa “transferir riqueza para as pessoas, não só renda”. Vem aí, nesse espírito, o anúncio do remodelamento do Minha Casa Minha Vida, que já começou a ser debatido entre os ministérios do Desenvolvimento Regional e da Economia e representantes das construtoras. O nome-fantasia que vem sendo usado nesses encontros é Casa Amada Brasil, que remete ao slogan de pegada “militar” do governo. Não é definitivo, me dizem os participantes das conversas.

Também ainda não há consenso sobre o modelo de financiamento das novas moradias: se mantendo o que vigorava no Minha Casa Minha Vida, ou adotando os vouchers, saída que é defendida pelo ministro Gustavo Canuto, mas tem resistências na equipe econômica e nas próprias empreiteiras.

A intenção, como sempre, esbarra na realidade: se nem as reformas que vão aprofundar o ajuste fiscal estão garantidas, e o teto de gastos é ainda mais restrito neste ano, dificilmente sobrará dinheiro para o capitalismo social sair do discurso.

Congresso volta cobrando os ‘boletos’ de 2019
Não são poucos os queixumes regionais de deputados e senadores na “volta das férias” do Congresso. Acumulam-se nos ouvidos dos ministros queixas de que emendas prometidas não foram liberadas, e soluções encaminhadas para problemas de prefeitos e governadores ficaram esquecidas nas promessas de ano-novo. Nesse clima, o governo pode até ter uma trégua para aprovar medidas emergenciais como a da quarentena do coronavírus, mas as reformas tendem a dormitar em algum escaninho.

Ministros ‘tocadores’ tentam minar poder dos ‘combatentes’
Uma nova divisão vai se configurando na Esplanada dos Ministérios, à medida que avança o mandato de Jair Bolsonaro e alguns resultados vão se consolidando. Existe hoje o grupo que se autointitula dos “tocadores”, e se contrapõe ao dos “combatentes”, cuja influência junto a Bolsonaro é inversamente proporcional à capacidade de gestão.

Ministros da primeira ala, que inclui militares, técnicos e políticos, aconselharam Bolsonaro a demitir Abraham Weintraub (Educação), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil). Bolsonaro chegou a ser convencido a tirar Weintraub, mas mudou de ideia diante do “combate” (daí o apelido do grupo) que ele trava com “inimigos” do presidente.

Um ministro dá o código da lógica bolsonarista: quanto mais a imprensa bater, mais Bolsonaro fortalecerá o grupo, ainda que haja problemas concretos. O temor dos ministros do outro lado é de que o desastre seja debitado depois na conta reeleitoral de Bolsonaro.


Vera Magalhães: Apagão de janeiro

Primeiro mês do ano mostrou governo preso a suas próprias crises

O Congresso retoma suas atividades nesta semana ainda sem saber qual a estratégia do governo para a reforma tributária, sem perspectiva de receber a proposta de emenda à Constituição da reforma administrativa e sem um projeto do Executivo para equacionar o financiamento da educação básica a partir de 2021.

Janeiro ficou para trás e foi gasto, em Brasília, por apagões gerenciais do governo em várias áreas vitais para a população, crises palacianas vulgares e desnecessárias e o surgimento da velha e boa mamata por parte de aliados de Jair Bolsonaro, que propagandeava que ia acabar com essa velha prática da política, mas uma vez eleito passou a condescender com ela, a depender da lealdade e da proximidade de quem a pratica.

O que se viu no primeiro mês do ano não condiz com as elevadas expectativas que empresariado, mercado, produtores rurais e analistas têm para 2020: de mais reformas, crescimento acima de 2,5% ao ano, geração de empregos em ritmo mais acelerado e reforço na política do ministro Paulo Guedes de contenção do gasto público e ajuste fiscal paulatino, que foi bem sucedida no primeiro ano, mas enfrentará desafios adicionais neste.

Além disso, é necessário observar os ventos do mundo, e o que eles sopram neste início de ano é uma emergência global com o surto do novo coronavírus, cujo impacto na economia ainda é impossível de mensurar, mas que certamente afetará as exportações brasileiras.

Diante de um cenário internacional cada vez mais complexo e da importância de uma agenda econômica difícil de implementar, era de se esperar que o presidente e seus ministros estivessem focados nos assuntos importantes, e que iniciassem desde antes da volta do recesso a tão fundamental quanto negligenciada articulação política com o Legislativo.

Mas não foi isso que se viu no mês que passou. O Ministério da Educação brindou o País com uma lambança no Enem e no Sisu que não se sabe ainda se terminou. O secretário de ensino superior pegou o boné e deixou o cargo pouco depois do lançamento do Future-se, projeto que já pode ser “redesenhado” sem nem ter sido implementado. E a saída para a substituição do Fundeb é discutida pelo Congresso com o Ministério da Economia, porque o MEC simplesmente não é um interlocutor naquela que é a decisão mais importante para o financiamento da educação básica.

Mas o ministro Abraham Weintraub segue prestigiado junto a Bolsonaro. Ganhou uma fotinho no Twitter ao lado do presidente no fechamento da semana como sinal de que escapou do paredão. Tão previsível quanto desalentador, por ser um indicativo claro de que mérito não é critério para a nomeação e substituição de ministros neste governo, e sim uma lealdade baseada em mistificação, ideologia barata e promoção de guerra cultural.

Com essa régua, não causa espanto que o episódio da demissão, recontratação e “redemissão” de Vicente Santini, ex-assessor da Casa Civil que usava a FAB para conhecer o mundo, tenha virado um pretexto para fritar Onyx Lorenzoni, que estava de férias. Era necessário um bode expiatório quando a mamata do amigo da família Bolsonaro ficou pública.

O ministro perdeu o PPI, plano de parcerias e concessões, não porque a lógica sempre ditou que ele seja da Economia, mas como castigo e humilhação pública. De novo, competência não é o critério.

Filas no INSS e no Bolsa Família, intervenção na política ambiental depois da evidência internacional de fracasso na área e a desnecessária pinimba com o ministro da Justiça, Sergio Moro, foram outros legados de janeiro. Nesse quadro, os humores do Congresso na volta não tendem a favorecer a hercúlea tarefa de Paulo Guedes, que virou o ministro faz-tudo. Até quando ele vai segurar?


Vera Magalhães: Onyx vai a Bolsonaro, mas ainda balança no cargo

Presidente encerra entrevista sem confirmar se chefe da Casa Civil fica ou sai do governo

Chá de cadeira. Onyx está sendo colocado em fogo brando pelo chefe. Bolsonaro demorou a receber o ministro, que voltou antes das férias nos Estados Unidos quando viu que sua cabeça estava a prêmio. "Já que deturpou a entrevista, acabou a conversa", respondeu o presidente, encerrando um dos quebra-queixo em frente ao Alvorada no fim da tarde desta sexta-feira em que pretendia falar apenas das medidas de prevenção ao coronavírus. "Deturpar" a conversa, no caso, é perguntar se um dos principais ministros do governo vai permanecer ou cair.

Resta um. Nos bastidores, auxiliares dão conta de que Bolsonaro estuda formas de realocar Onyx no governo. Poderia ser o Ministério do Desenvolvimento Regional ou o cobiçado Ministério da Educação, mas há obstáculos no caminho, além do desconforto do chefe da Casa Civil com a possibilidade de que a mudança seja vista como "rebaixamento".

Montanha-russa. O gaúcho foi o primeiro ministro anunciado pelo então presidente eleito, ainda em outubro, juntamente com Paulo Guedes. Tal prestígio se devia ao fato de ter sido o primeiro deputado com trânsito na Câmara a apoiar o então baixo clero Bolsonaro, contrariando inclusive decisão do DEM, seu partido. Ele demonstrou força ao bancar a candidatura de Davi Alcolumbre no Senado e ao emplacar um auxiliar seu no Ministério da Educação, mas foi perdendo espaço para outros integrantes do Planalto e se indispondo com Guedes pelo rumo das reformas.

Eles que lutem. Onyx agora vive a situação bastante constrangedora de ter de duelar por uma vaga com um aliado seu, o titular da Educação, Abraham Weintraub, que ele "inventou" no bolsonarismo. Weintraub começou uma campanha para se manter no posto que passa por atiçar uma das principais características de Bolsonaro: a paranoia. Passou a ventilar que Rodrigo Maia o ataca para iniciar o caminho para propor o impeachment do presidente. Tenta, assim, obter um biombo para evitar sua saída do governo com base apenas na lealdade, e não em critérios técnicos ou gerenciais, uma vez que o caos administrativo se alastra pela Educação.

Prioridades. Enquanto uma guerra como sempre autoinduzida consome o presidente, seus filhos, alguns dos principais ministros e vários postos de escalões inferiores, às vésperas da volta do Congresso, no mundo grandes reviravoltas podem ter consequências para o Brasil sem que o governo pareça dar a elas a atenção devida. O Reino Unido selou sua saída da União Europeia, o que deve mexer com interesses brasileiros, entre eles a prioridade para o acordo comercial entre Brasil e UE. E o surto de coronavírus galopa no mundo enquanto o Brasil ainda engatinha em medidas tímidas e restritas ao Ministério da Saúde, sem que haja uma abordagem global de governo, que englobe áreas como comércio exterior, agricultura, turismo e segurança, por exemplo.


Vera Magalhães: Sabotagem

Se há alguém que conspira contra a Educação é o presidente da República

O ano de 2020 na Educação começou marcado por uma palavra trazida à moda pelo ministro da pasta: balbúrdia. Confusão na correção do Enem e, consequentemente, na divulgação do resultado do Sisu, o sistema unificado que usa as notas do exame para direcionar os alunos para as universidades.

Ontem, com liminar concedida pelo Superior Tribunal de Justiça, estudantes conseguiram ter acesso aos resultados, mas muitas dúvidas ainda pairavam quanto aos critérios de atribuição das notas e escolha de vagas.

Diante de evidente falha técnica e administrativa do MEC, Jair Bolsonaro optou pela sua saída padrão quando as coisas vão mal por ineficiência dos assessores que ele considera leais, ideologicamente alinhados e suficientemente lacradores nas redes sociais: apontou sabotagem, provavelmente da esquerda infiltrada na pasta.

Isso, claro, sem ter qualquer dado ou evidência – uma sindicância, uma auditoria, alguma denúncia em canais oficiais – de que tenha havido algo do gênero. Diversionismo para enganar aquele exército bovino das redes sociais sempre disposto a amparar qualquer absurdo que venha do governo.

Acontece que numa pasta que lida com estatísticas, como a Educação, o sedimento formado pelo aparelhamento ideológico, pela inépcia administrativa e pelo desprezo à ciência vai deixar marcas que ficarão associadas ao governo Bolsonaro para a História. E neste caso não será possível apontar um complô alienígena para culpar.

Enquanto tudo isso acontecia em seu quintal, o ministro Abraham Weintraub ocupava os últimos dias com mais postagens nas redes sociais divulgando fake news contra jornalistas ou brandindo um vidro de água sanitária numa receita caseira para aplacar o suposto mau hálito de outro. Sim, isso mesmo. Dentro do gabinete do MEC. Está no Twitter, com orgulho indisfarçado da própria capacidade de fomentar a “guerra cultural”.

Também se dispôs a encaminhar “diretamente ao Inep” o caso da filha de um apoiador, uma das milhões de estudantes que apontaram erro na correção do Enem, sempre por meio da rede social favorita. Não é só. Nos últimos dias, decreto assinado por Bolsonaro abre uma brecha para que este MEC, assim aparelhado, em que o titular da Capes, responsável por pesquisas, se revela orgulhosamente defensor do criacionismo, produza livros didáticos.

Não foi por acaso o ataque de Bolsonaro aos livros adquiridos por meio do Programa Nacional do Livro Didático, aqueles que, no gosto presidencial, tinham muita coisa escrita.

O filão dos livros didáticos sempre foi uma espécie de galinha dos ovos de ouro dos pupilos de Olavo de Carvalho que foram encastelados no MEC na gestão de Ricardo Vélez Rodríguez, caíram por intervenção do general Santos Cruz, mas continuam orbitando em torno do poder. Vários desses olavetes inflamados têm participações em editoras e esperam só uma chance para abocanhar esse rentável mercado. E, de quebra, fazer aquela doutrinaçãozinha ideológica, porque ninguém é de ferro.

É esse estado de coisas que compromete de maneira séria a Educação brasileira. Exumar Paulo Freire e malhá-lo como um Judas diante de uma massa que não sabe nada a respeito da obra do educador é um jeito de criar uma cortina de fumaça para o verdadeiro plano de utilizar educação e cultura como correia de transmissão do reacionarismo (e nunca conservadorismo, porque os conservadores de fato se contorcem diante dessa marcha batida rumo às piores práticas autoritárias).

O Congresso, que tem em suas cadeiras alguns bons parlamentares com foco nessa área, precisa, no retorno do recesso, voltar os olhos para os desmandos no MEC, já que, pelo jeito, Bolsonaro continuará apontando inimigos imaginários enquanto seu ministro pinta e borda.


Vera Magalhães: Currículo x vassalagem

Moro e Guedes têm biografia anterior a Bolsonaro; outros ministros, não

A semana que passou serviu para comprovar algumas características da Presidência de Jair Bolsonaro que já ficaram óbvias em seu primeiro ano de mandato e que terão profundas consequências para o saldo final deste período, numa perspectiva histórica.

Bolsonaro não quer auxiliares, mas súditos com lealdade cega e irrestrita. A paranoia com possíveis traições é total, e levada ao paroxismo quando envolve ameaças (reais ou virtuais) à sua reeleição em 2022.

E alguns ministros terão sempre de analisar se vale a pena submeterem sua biografia a esse jugo, uma vez que têm uma história anterior ao bolsonarismo, diferentemente de outros. Mas isso também faz com que Bolsonaro não consiga apenas descartá-los ao primeiro sinal de “deslealdade”, como fez com Gustavo Bebianno e Santos Cruz. O que torna o jogo mais complexo e imprevisível.

Sérgio Moro passou a semana na frigideira presidencial, na qual já esteve em diversas ocasiões em 2019. Foi parar lá a despeito de ter declarado lealdade publicamente a Bolsonaro em rede nacional no Roda Viva, mas porque o presidente não o achou suficientemente enfático, viu alguns contrapontos indesejáveis entre a própria conduta e as ideias do ministro da Justiça e, principalmente, porque sentiu que Moro está mais político, mais solto e mais popular do que nunca.

Paulo Guedes, outro dos que têm um currículo que precede a associação com o bolsonarismo, foi a Davos sozinho. Ricardo Salles fugiu da raia, pois não seria possível enrolar no Fórum Econômico Mundial como faz nas entrevistas em série que dá para convencer a opinião pública do impossível: que sua política ambiental não é um fracasso, tanto que o próprio Bolsonaro colocou o vice-presidente, Hamilton Mourão, para intervir nela e tentar limpar a barra do Brasil no exterior.

Coube ao ministro da Economia falar sobre tudo em Davos, já que o próprio presidente também preferiu se ausentar para não responder pelas promessas que fez há um ano, mas não executou. Guedes aproveitou o ensejo para jogar a ideia do imposto sobre o “pecado”, e foi mais um a entrar na lista de desautorizados de Bolsonaro. De leve, com carinho, porque também aqui o presidente sabe que não pode prescindir do Posto Ipiranga.

Enquanto toureia os ministros que têm mais popularidade que ele, ou que têm uma vida própria quando resolverem sair, Bolsonaro pode ter o alento de contar com a vassalagem daqueles que só podem ser ministros em seu governo, pois não eram nada antes e voltarão a não ser nada depois.

Podem ser campeões na esperada lealdade, mas são candidatos a ser entraves no caminho da tão sonhada reeleição.

O “imprecionante” Abraham Weintraub, na semana de colapso do Sisu e do Enem, e enquanto a solução para o Fundeb segue longe de ser alcançada, entregou ao público mais performances bizarras nas redes sociais, se ocupando de atacar colunistas críticos ao seu chefe. Nota 10 na régua bolsonarista, pode respirar aliviado na cadeira, mesmo colocando a Educação do País de cabeça para baixo.

Idem quanto a Damares Alves e sua canhestra política de abstinência sexual para jovens, e a Ernesto Araújo indo à Índia pregar contra a globalização pela enésima vez. Agora até um criacionista apareceu para cuidar da Capes, ligada ao MEC do ministro “imprecionante” e responsável, vejam só, por pesquisa.

E é neste time que Regina Duarte se prepara para entrar. Ela tem um currículo brilhante, uma trajetória exitosa e uma coragem imensa, pois a chance de arriscar tudo isso num “namoro” furado com Bolsonaro é enorme. Ainda assim, pode se juntar a Moro e Guedes no time dos que têm a perder, mas representam algum alento diante do resto do pessoal. Boa sorte para ela.


Vera Magalhães: Huck é lançado candidato em Davos, e não refuta

Questionado no Fórum Econômico Mundial de Davos a respeito de uma futura candidatura à Presidência da República, Luciano Huck enrolou, falou de Amazônia, que não tinha nada a ver com a pergunta, mas acabou concluindo, para risos da plateia que acompanha a palestra: “Sua pergunta é muito difícil. Não tenho a resposta nem para mim mesmo”.

Mas o fato é que ele não só não refutou a ideia como, na resposta, deu justificativas de por que pode acabar trilhando este caminho. O “lançamento” de sua candidatura foi feito por Raiam Pinto dos Santos, que estava na audiência do almoço-painel, se apresentou como empreendedor e quis saber que garantias Huck daria de que seu projeto é para valer.

Para o apresentador, há “muitas maneiras” de se engajar nas mudanças que o País precisa. “Entrar para a política é uma delas”, afirmou. Mas também listou outras iniciativas que poderiam ser tomadas, como fomentar, inclusive por meio de financiamento, a qualificação de novos talentos da política –algo que já faz, por meio da parceria com os movimentos de renovação, que, por sua vez, são vistos como a plataforma inicial, anterior inclusive aos partidos, para seu lançamento na política.

“Todas as decisões que tomamos na vida são políticas”, afirmou o apresentador, que está circulando em Davos com uma inédita barba branca. Seria uma forma de testar uma aparência mais “presidenciável”?


Vera Magalhães: 'Cadeia de comando'

Desafios postos diante de Moro vão além da disciplina e da hierarquia: são políticos, éticos e institucionais

“Eu não contrario publicamente o presidente. Existe aí, evidentemente, uma cadeia de comando.” A frase, dita por Sérgio Moro já no primeiro bloco do programa Roda Viva, foi a tônica da entrevista do ministro da Justiça. É claro que num regime presidencialista os ministros seguem o presidente da República. Mas os desafios postos diante de Moro vão além da disciplina e da hierarquia. São políticos, éticos e institucionais.

Os políticos são óbvios, estão na mesa e tanto ele quanto o presidente os compreendem muito bem. Moro é o único a ombrear com Bolsonaro nas pesquisas hoje. O chefe não pode demiti-lo, sob pena de criar um adversário. E ele não pode sair do governo agora, sem antes traçar um caminho. O jogo de ver quem pisca primeiro continuará, e Moro parece ainda ter apetite para engolir alguns sapos.
Os conflitos éticos dizem respeito aos quase diários ataques às liberdades e às minorias por parte de Bolsonaro e de seus auxiliares.

Até quando será possível ao ex-juiz calar sobre assuntos como o atentado à produtora Porta dos Fundos e falar apenas em privado sobre absurdos como a performance nazista de Roberto Alvim? Ou silenciar quanto aos ataques à liberdade de imprensa? Não se trata, como diz ele, de ser um “comentarista-geral” da República. Mas de cumprir o papel de ministro da Justiça: o de guardião da democracia e da Constituição.

Por fim, os dilemas institucionais são os decorrentes do fato de que Moro convive no governo com acusados de irregularidades que, como juiz, não hesitaria em investigar. Isso afeta a imagem de “herói do Brasil”, hashtag que liderou o Twitter mundial durante o programa.

O ministro tem o maior cacife político do Brasil hoje. Ganha de Bolsonaro e eclipsou Lula. Resta saber o quanto desse patrimônio está disposto a queimar enquanto aguarda saber se vai para o STF ou se parte para uma candidatura. Pode parecer que há muito tempo até 2022, mas a corrosão que a exposição ao bolsonarismo é capaz de operar é incerta.

Denúncia contra Glenn é arbitrária e será rechaçada pelo STF
O enquadramento do jornalista Glenn Greenwald por interceptação ilegal de conversas telefônicas e invasão de dispositivos eletrônicos na denúncia oferecida pelo procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira contra os hackers investigados na Operação Spoofing será rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Os ministros consideram que a denúncia não prova a participação de Glenn nos crimes, pois seu contato com os hackers é posterior à sua execução. Além disso, a maioria do STF entende que a denúncia viola a garantia dada aos jornalistas pela Constituição de manter o sigilo da fonte. Por fim, ministros avaliam que o procurador contrariou decisão de Gilmar Mendes que exclui Glenn do rol de investigados da Spoofing.

Ao agir de forma corporativista, como para “vingar” os procuradores da Lava Jato, o MPF expõe ainda mais a instituição e abala a já depauperada imagem do Brasil no exterior no que diz respeito à liberdade de imprensa.


Vera Magalhães: Mudança x concessão

Demissão de Alvim não sinaliza que Bolsonaro vá mudar, mas que foi obrigado a recuar

Como tudo no Brasil de hoje, o filme Dois Papas foi tragado pela polarização rasa e redutora que engolfa da política às artes, passando pelo esporte e pelas relações familiares. Direita e esquerda “adotaram" cada uma um Papa, alheias à complexidade de uma Igreja de milhares de anos e aos aspectos sutis da obra.

Numa das cenas mais marcantes do filme, os dois monstros Anthony Hopkins (Bento 16) e Jonathan Pryce (ainda Bergoglio) discutem a diferença entre mudança e concessão. “Eu mudei”, diz o argentino ao Papa, diante de cobranças sobre a revisão que ele fez de dogmas e ritos da Igreja. “Não, você fez concessões”, replica Bento. “Não, eu mudei. É algo diferente.” De fato.

Em mais um episódio de espantosa gravidade, o País foi dormir na quinta-feira e acordou na sexta assombrado por um pesadelo: num vídeo de composição macabra, o então secretário nacional de Cultura, Roberto Alvim, recitava com excitação indisfarçada e olhos vidrados um texto com trechos copiados de Joseph Goebbels, o mais fanático dos ideólogos do nazismo, que foi com Hitler até o final e morreu e matou a mulher e os seis filhos para não fazer nenhuma concessão e não abdicar da ideologia mortífera que ajudou a implementar.

A reação foi avassaladora, mas não unânime. Num sinal de deterioração profunda do tecido social, houve quem defendesse o discurso tresloucado de Alvim pela necessidade de uma cultura que ou será nacional ou “não será nada”, alinhada aos valores cristãos e da família, e lamentasse sua demissão. Outros contemporizaram, celebrando a “rapidez” com que o presidente demitiu Alvim. E é aqui que entra a diferença entre mudança e concessão a que aludi no início do texto.

O presidente de fato se indignou com o que o auxiliar disse? Não, de forma alguma. Menos de 24 horas antes de demiti-lo e poucas antes de ele publicar sua ópera bufa, Bolsonaro o saudou numa das lives semanais – também elas obra da estética autoritária do bolsonarismo, não nos enganemos – como o redentor da cultura nacional. Finalmente, disse o presidente do Brasil, tínhamos um secretário da Cultura digno do posto. E ali Alvim já desfiava sua política cultural sectária, anunciando um prêmio que contemplaria apenas os alinhados com o regime.

Bolsonaro mudou entre os dois atos, o da louvação e o da demissão? Não, fez uma concessão. A contragosto, momentânea. Que não muda o caráter francamente autoritário de seu projeto de poder para a educação, a cultura, a política externa e os costumes, para ficar em poucas áreas.

Na manhã de sexta o presidente ainda relutava em rifar Alvim. Tanto que a primeira nota do Palácio diz que ele já havia se explicado, e o fã de Goebbels se pôs a dar entrevistas em que reiterava o conteúdo da frase copiada. O que levou Bolsonaro a fazer sua concessão foi a evidência de que a comunidade judaica, aliada política importante de seu projeto, não aceitaria uma demonstração tão violenta de antissemitismo vinda de um auxiliar direto do presidente.

Portanto, não haverá mudança. As manifestações racistas, autoritárias e francamente persecutórias a vários setores da sociedade continuarão vindo diariamente do presidente e da ala ideológica do governo.

Mas foi riscada mais uma linha no chão. A sociedade não tolerará mais esses arroubos e nem as tentações de aparelhar e tutelar a vida nacional num projeto que é tudo, menos liberal e democrático. Quantos e quais setores ainda estarão dispostos a fechar os olhos para essa evidência em nome da política econômica é algo que será definidor dos próximos anos.

Mas Bolsonaro foi avisado: pode xingar, ofender, tentar calar a imprensa, que não vai adiantar. Ele não vai mudar. Mas terá de fazer concessões. É democracia que chama.


Vera Magalhães: Toffoli mantém juiz de garantias, mas limita atuação e adia entrada em vigor

Presidente do STF negou pedidos de liminar para suspender o dispositivo, mas disciplinou sua adoção

Meio termo. Dias Toffoli negou os pedidos feitos por partidos como Podemos e PSL e entidades como a AMB para sustar, por inconstitucional, a criação da figura do juiz de garantias, que conduzirá os processos na fase de investigação. Como dissemos no nosso relatório semanal Fique de Olho, no BRPolítico, Toffoli não deixou a questão para o vice-presidente da Corte e relator das ações, Luiz Fux, que tem postura mais contrária ao dispositivo do juiz de garantias. Mas em sua pormenorizada decisão, o presidente do Supremo mitigou em vários pontos a lei aprovada pelo Congresso.

Depois e mais brando. Em primeiro lugar, Toffoli prorrogou em seis meses o prazo para que o Judiciário ponha em prática a divisão dos processos entre dos juízes. Trata-se de uma decisão perfeitamente razoável: era impraticável que uma medida que altera totalmente a rotina da Justiça passasse a vigorar na semana que vem. Além disso, ele excetuou casos que não terão a atuação de juiz de garantias (aqueles que hoje são decididos por tribunais do júri e os da Justiça Eleitoral) e sustou a determinação de que em comarcas com um juiz seja feito um rodízio com outras comarcas.

Consultas antes de decidir. Toffoli conversou com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Também ouviu o ministro Sérgio Moro (Justiça), numa aproximação surpreendente, já que o presidente está na ala de ministros do STF que têm sistematicamente questionado métodos e procedimentos da Lava Jato, operação que notabilizou Moro e da qual ele é um defensor ardoroso. Além do fim do rodízio, vieram do ministro o pedido de adiamento da vigência da lei e da suspensão de uma determinação de que juízes que tiverem acesso a uma prova ilegal sejam impedidos de julgar.

Ele gostou. O resultado foi que Moro elogiou a decisão de Toffoli nas redes sociais. Embora tenha reiterado que, na sua opinião, a simples adoção do juiz de garantias seja um erro, o ministro disse que a decisão do presidente do STF ajuda a corrigir falhas na lei aprovada por deputados e senadores (faltou ele dizer que ela foi sancionada desta maneira por seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, depois de consulta ao próprio Toffoli).


Vera Magalhães: Passa no Posto Ipiranga

Bolsonaro voltou das férias mão aberta, mas cabe a Guedes assinar os cheques

Nada como uma melhora, mesmo tímida, nas condições financeiras e um verão ensolarado para deixar a pessoa animada e propensa a gastar. Parece ser esse o estado de espírito de um Jair Bolsonaro que, ademais, se esqueceu de levar o protetor solar na mala e voltou das férias na praia tão torrado quanto mão aberta.

Subsídios? Tem de ver isso aí, talkey? Salário mínimo? Dá para pagar um pouco mais. Décimo terceiro para o Bolsa Família? Passa ali no Posto Ipiranga. Teto de gastos? Vocês da imprensa só querem falar de notícia ruim. E Paulo Guedes que trate de assinar os cheques.

Mas existe dinheiro para todas as bondades que o presidente quer praticar em 2020? Assegurado, não. Embora tenha concordado com o reajuste maior que o previsto inicialmente no mínimo, o próprio ministro da Economia deixou claro que ainda não há provisão de receita para bancar seu custo, de R$ 2,3 bilhões neste ano. Diz que em breve será anunciado de onde vai “aparecer” o dinheiro. Aguardemos.

Ou oremos, já que, tudo indica, uma das tendências do ano novo da gastança de Bolsonaro é ajudar a encher as burras das igrejas evangélicas, que, afinal, estão coletando “de graça” assinaturas para a criação do Aliança pelo Brasil.

Depois de aventar o subsídio da conta de luz para templos religiosos, o presidente desconversou. Disse que ainda não decidiu e que está levando “pancada” à toa. Como a desinformação é o método de Bolsonaro se comunicar, convém esclarecer: a seu pedido, o Ministério de Minas e Energia elaborou uma minuta de decreto com a subvenção aos templos. O populismo tarifário-religioso custaria R$ 30 milhões ao ano.

A manutenção de outro desses benefícios, o concedido – por Dilma Rousseff, é bom frisar – à colocação de placas de energia solar em residências, custará algo como R$ 30 bilhões até 2035. O presidente deve achar que o Posto Ipiranga fabrica dinheiro.

Não só ainda não tem essa capacidade como terá limites ainda mais estritos para cumprir neste ano. Não poderá, por exemplo, custear o estouro do teto de gastos por parte do Judiciário e do Legislativo, o que já vai custar uma pressão política e tanto num ano cheio de votações complicadas no Congresso e demandas igualmente complexas no STF.

As privatizações, com as quais Guedes e equipe estimam obter exagerados R$ 150 bilhões em 2020, ainda dependem de uma série de circunstâncias políticas, muito mais complexas quando se sabe que este é um ano eleitoral – portanto com calendário legislativo mais curto e disposição dos parlamentares ao desgaste bastante reduzida.

A venda da Eletrobrás, carro-chefe do pacote, conta com a obstrução ativa do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que tem sido um “facilitador” da vida do governo em outras áreas, mas fez desta pauta um cavalo de batalha.

Por fim, Guedes empenha um otimismo exagerado em que a linha de montagem de reformas que desenhou vá funcionar azeitadinha, mas ela tende a já emperrar na saída, uma vez que Bolsonaro não parece disposto a bancar a reforma administrativa e se indispor de vez com o funcionalismo público. O presidente demonstra crer que já fez sua cota de maldade com a reforma da Previdência, e sua prioridade neste ano, está óbvio, é pavimentar o caminho para o partido de sua família e atravessar o deserto da denúncia contra o filho Flávio, sem muitos solavancos.

Guedes estará em Davos na semana que vem, onde deve desfilar os relativamente bons resultados da economia no primeiro ano e propagar perspectivas mais animadoras para o segundo. Diante da diferença de tom entre ele e Bolsonaro nesta largada, a melhor notícia é que o presidente tenha desistido de acompanhá-lo na viagem.


Vera Magalhães: Censura está na moda

Veto ao Porta dos Fundos só foi possível porque há no País um ambiente leniente com o arbítrio

E logo na segunda semana da nova década, o Brasil voltou algumas para trás. Nos vimos de novo diante de uma discussão que parecia saída dos porões da ditadura nos anos 1970, quando burocratas decidiam que novelas, peças teatrais ou músicas poderiam ser veiculadas de acordo com circunstâncias políticas, religiosas ou morais.

Mais esse retrocesso não é algo fortuito, ou descontextualizado. Ele se insere no espírito do tempo do bolsonarismo, em que a ascensão de uma elite que teima em bater no peito para se dizer conservadora, quando é apenas reacionária e preconceituosa, permite a pessoas como o desembargador Benedicto Abicair, que já trazia esses fantasmas em sua alma antes da nova era, colocá-los para fora em forma de decisão judicial, uma vez que agora há “mercado” para isso.

É a tal “normalização” de uma série de condutas que a polidez civilizacional mantinha enrustidas até pouco tempo. Eu odeio esta palavra e acho que ela virou um daqueles curingas que a esquerda saca da manga toda vez que não consegue fazer uma autocrítica quanto aos próprios vícios, que permitiram que essa direita reacionária saísse da toca e galgasse o poder.

Mas, de fato, há uma leniência cada vez maior da sociedade com decisões, opiniões e atos que investem deliberadamente contra conquistas sociais, históricas e culturais que vieram a partir da redemocratização.

Direitos que levaram tanto tempo para ser estabelecidos, mas que podem desaparecer num par de anos, caso a sociedade e as instituições não percebam a corrosão rápida do tecido democrático que se dá a partir do Executivo e se espraia pelos demais Poderes, encontra ecos até no Ministério Público, contamina setores da classe artística e aparelha, às avessas, máquinas que antes serviam à agenda da esquerda.

Existe um fator muito poderoso nessa estratégia que tem o condão de potencializá-la: a presença cada vez maior da questão religiosa no debate público. Bolsonaro passou da constante citação a trechos da Bíblia para uma indisfarçada coalizão cristã de governo.

A parceria para a viabilização do Aliança pelo Brasil está sendo paga pelo presidente em forma de promessas de prorrogação de benefícios fiscais já existentes e da concessão de novos, como o escandaloso subsídio de energia para grandes templos, que vem sendo estudado à revelia da equipe econômica.

O proselitismo religioso sem disfarces a que o presidente e seus auxiliares se dedicam vai contaminando todas as esferas decisórias do governo, da política cultural a discussões vitais como o uso do canabidiol para fins medicinais, passando até pela discussão sobre a liberação ou não de jogo de azar no território nacional. Temas que deveriam ser decididos a partir de estudos de viabilidade jurídica, impacto econômico e outros fatores racionais viram debate de porta de igreja.

Diante deste quadro, não é de espantar que um desembargador “terrivelmente cristão” se julgue investido da missão divina de “acalmar” a sociedade, algo que certamente não consta de nenhum código que ele deve ter no gabinete para embasar suas decisões.

Que o presidente e seus principais auxiliares não abram a boca para condenar a censura escancarada a um produto cultural funciona como combustível do incêndio das garantias a que assistimos.

Desta vez coube ao STF colocar a focinheira nos dentes arreganhados do autoritarismo que espreita o País. Que sirva de lição aos ministros daquela Corte de algo que há muito se alerta: cabe a eles serem os bastiões da Constituição, e não mais um fator de instabilidade, como vêm sendo em muitos episódios recentes. É quando a democracia está em xeque que o vigor das instituições é testado.


Vera Magalhães: Os obstáculos de Guedes nesse início do ano

O noticiário do início do ano está coalhado de situações em que Jair Bolsonaro e alguma outra área do governo se contrapõem à diretriz de austeridade, corte a subsídios e combate ao populismo fiscal e tarifário da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia). Trata-se de uma queda de braço que por ora passa meio batida pelo radar, uma vez que Guedes está em férias no exterior e só retorna ao Brasil brevemente para uma escala antes de Davos. Mas os focos vão se multiplicando.

O Estadão desta sexta-feira informa que Jair Bolsonaro quer conceder subsídio na energia elétrica para templos religiosos de grande porte, em mais um aceno político aos evangélicos, que têm sido um importante esteio de seu governo. Encomendou inclusive uma minuta de decreto ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Subsídios tarifários e fiscais estão sendo combatidos pelo Ministério da Economia, que tenta, quase sempre sem sucesso, revogar vários que foram concedidos pelo governo da petista Dilma Rousseff.

O episódio dos templos não é o único a opor a área de Minas e Energia e o time de Guedes: há ainda a polêmica da revogação do subsídio às placas de energia solar em residências, pretendida pela Economia e pela Aneel e sustada por ordem de Bolsonaro, e a discussão sobre um colchão para os preços dos subsídios, esboçada por Bento Albuquerque e à qual a equipe da Economia tem sérias restrições, conforme informa o colunista Lauro Jardim em O Globo desta sexta.

Por fim, na cesta de problemas do início de ano que aguardam a volta de Guedes estão o caos no INSS, agora sob o guarda-chuva de seu superministério, a negociação com Bolsonaro sobre a reforma administrativa, que o presidente quer atenuar ao máximo, e a busca por recursos para a expansão prometida do Bolsa Família, conforme mostra reportagem da Folha nesta sexta.

Caos do INSS depõe contra discurso das reformas
As cenas de caos na análise de concessão de benefícios previdenciários, com estoque de mais de 1 milhão de pedidos não analisados e filas quilométricas com velhinhos, pessoas com necessidades especiais e crianças aguardando por horas para não serem atendidas, depõem contra o convencimento, por parte da sociedade, tanto da reforma da Previdência quanto da reestruturação do Estado, com sua redução –ambas medidas virtuosas e necessárias, mas que precisam ser implementadas com a necessária competência e com cuidado para com os cidadãos.

O governo perde a narrativa de que a reforma da Previdência foi bem estruturada quando o responsável pelo atendimento do INSS vai a uma rede nacional para admitir que o sistema não está ainda programado para calcular os benefícios pelas novas regras. Como defender que a informatização garantirá “conforto” aos usuários, palavra que ele usou, se as imagens mostram um colapso de atendimento?

Da mesma forma, essa impossibilidade de atender a demanda contradiz o discurso de enxugamento do atendimento humano na Previdência e sua troca por serviços informatizados, já que, da forma como estão estruturados, eles claramente não estão dando conta do recado.

A redução do Estado é algo desejável diante do caos fiscal do Brasil, mas ela tem de vir acompanhada de um choque de eficiência que não torne os serviços públicos, que já são de péssima qualidade diante de uma carga tributária das maiores do mundo, ainda mais caóticos.