VERA MAGALHÃES

Vera Magalhães: Rosa Weber pode frear poder de Lira

Ministra Rosa Weber é a relatora das ações que discutem a legalidade das chamadas emendas de relator

Vera Magalhães / O Globo

Com os partidos postulantes a uma cada vez mais distante terceira via despejando votos a favor de Jair Bolsonaro, o Tribunal de Contas da União “integrado” ao governo, como disse o presidente, e o orçamento secreto de Arthur Lira comendo solto, quem poderá frear o vale-tudo visto para a aprovação da excrescência batizada de PEC dos Precatórios?

Como sempre, os olhos estão voltados para o Supremo Tribunal Federal. Primeiro na análise da constitucionalidade da emenda que, numa só tacada, deu um calote no pagamento de precatórios e arrombou o teto de gastos. Ela é flagrantemente inconstitucional nessas duas pontas. A primeira já foi objeto de julgamento do próprio STF.

Mas não é essa a única providência que pode — e deve — partir do STF. Está tardando muito para que a ministra Rosa Weber, relatora das ações que discutem a legalidade das emendas do relator ao Orçamento, vulgo orçamento secreto, leve esse caso essencial para o país ao plenário da Corte.

A invenção de uma modalidade de emenda que é um fast-track de recursos orçamentários para as bases dos deputados e senadores, sem muita ingerência dos órgãos de controle e fiscalização, está não só colocando em xeque as contas públicas, como deturpando fortemente a governabilidade e, no limite, a democracia.

Se antes a sociedade se chocou quando Roberto Jefferson denunciou o mensalão, que consistia no uso de agências de publicidade para pagar a deputados em troca de apoio no governo Lula 1, que dizer de uma engrenagem que, sem intermediários, irriga prefeituras e empresas ligadas aos mesmos parlamentares, com fortes indícios de que parte desses bilhões volta para os beneméritos?

Trata-se de um modelo de cooptação de apoio no Congresso sem precedentes em matéria de volume de recursos e efetividade. Tanto é assim que a votação desta quarta-feira comprovou o que já venho escrevendo há tempos: graças ao controle que exerce sobre as emendas do relator, em que o relator é só um laranja, Arthur Lira é hoje o homem mais poderoso do Brasil.

Foi ele, e não nenhum ministro ou líder governista, que garantiu os votos necessários à aprovação da PEC dos Predatórios (não, não é um erro de digitação, trata-se de um projeto de predar mesmo o Orçamento, em que os beneficiários do Auxílio Brasil são só figurantes).

Lira faz o que faz, liberando até voto transcontinental, de graça? Certamente, não. Vem aí, tão certo quanto que o sol nascerá amanhã, um lauto aumento nas famigeradas emendas e no fundão eleitoral.

E então, ministra Rosa? É voz corrente no STF que ela se cercou de informações a respeito do caráter conspurcatório da democracia que tais emendas adquirem e de como isso representa um expediente desigual de força, até eleitoral, por parte do presidente de turno.

Mais: se não for o Judiciário a disciplinar essa imoralidade, quem mais? Algum presidente eleito na vigência de um instrumento tão caro ao Legislativo terá coragem de revogá-lo? Dificilmente.

O mal tem de ser estancado já, e pela raiz. Há diferentes apostas em Brasília quanto ao que Rosa proporá em seu voto e como votarão os demais nove ministros. Ela pode desde julgar as emendas do relator inconstitucionais e determinar sua extinção até estipular limites de valores e freios a seu caráter praticamente secreto.

Mas é urgente que ela libere essas ações para o plenário, sob pena de o consórcio Bolsolira continuar usando votações que envolvem pedaladas monumentais com recursos públicos como ferramenta para tentar viabilizar politicamente um presidente cuja popularidade precisa ser levantada à custa de tratores, escavadeiras e, se possível, até guindastes. No caso da turma que chancelou a PEC dos Predatórios, quanto mais superfaturados, melhor.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/rosa-weber-pode-frear-poder-de-lira.html


Marco temporal vem a calhar para governo que vê índios como estorvo

Marco temporal virou passaporte para Bolsonaro impulsionar uma política de subjugar os povos indígenas e lhes tirar direitos

Vera Magalhães / O Globo

Não começou no governo Jair Bolsonaro a discussão a respeito da adoção da tese do marco temporal como vinculante para a demarcação de terras indígenas, decisão fundamental para o futuro do Brasil que, de tão intrincada, o Supremo Tribunal Federal pode de novo adiar nesta quarta-feira.

Mas foi neste governo que esse tema virou mais uma daquelas bandeiras que o presidente brande para se contrapor de forma sempre brutal a qualquer direito de minorias com que não tem qualquer empatia nem qualquer compromisso como governante.

O marco temporal virou um passaporte para Bolsonaro impulsionar uma política de subjugar os povos indígenas e lhes tirar direitos, e é essa a dimensão que o julgamento do STF adquiriu, com a maior mobilização pela vida já organizada em Brasília por representantes de várias etnias.


Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Foi ainda no julgamento da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, concluída em 2009, que a tese do marco temporal ganhou corpo, incluída entre 19 condicionantes apresentadas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito ao voto histórico de Carlos Ayres Britto que reconhecia a demarcação contínua da área no Estado de Roraima.

Um parecer da Advocacia-Geral da União, no governo Michel Temer, vinculou toda e qualquer demarcação de terra indígena àquelas condicionantes.

Em resumo, a tese propugna que o direito às terras indígenas assegurado pela Constituição teria a própria promulgação da Carta como marco. Ou seja: para ter assegurado seu direito inalienável às terras, os índios teriam de comprovar estar nelas antes de 1988.

Os defensores dos povos indígenas argumentam que a relação desses povos originários com seu território vai muito além dessa definição arbitrária de tempo. Trata-se de uma “relação cosmológica, antropológica”, como sustentou Samara Pataxó, coordenadora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas em recente entrevista à jornalista Renata Lo Prete.

Mais: sustentam que, ao tornar obrigatória a tese do marco temporal, o Supremo ensejará uma extrema judicialização de reservas já demarcadas e a paralisação de novas demarcações (desejo confesso, sempre repetido por Bolsonaro), além de potencializar os conflitos violentos em áreas em disputa.

O voto do relator do julgamento, Edson Fachin, reverte a decisão de 2009 e a jurisprudência, que tem validado o marco temporal como critério.


Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
Ato contra o Marco Temporal - 26/08/21. Foto: Gabriel Paiva/Fotos Públicas
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No mesmo sentido, de amplo reconhecimento ao direito incondicional dos povos originários às suas terras, vai o texto do artigo 231 da Constituição. Ali não se fala que aqueles direitos valem apenas para quem já está nas terras. Da mesma forma, várias das condicionantes de Menezes Direito abraçadas pelo parecer da AGU não resistem a ser cotejadas com o texto da Constituição.

Uma pena que, na prorrogação de um julgamento histórico como o de Raposa Serra do Sol, os ministros tenham concordado com um adendo que acabou por relativizar aquilo que eles mesmos reconheceram com tanta altivez.

Ao celebrar a vitória da demarcação contínua daquele território (e não em ilhas, como era a tese da ocasião para tentar retirar direitos dos índios), o então ministro celebrou que a Corte estivesse dando “o mais sonoro e rotundo não ao etnocídio”. De fato. Mas, ao aquiescer com tantas e tão amplas condicionantes, aquela formação do STF nos trouxe até este novo impasse.

O provável adiamento não retira a polêmica da sala, nem fará com que os indígenas se desmobilizem. Cabe ao STF analisar o caso no contexto de tantas e tão graves ameaças ao direito à existência dessas etnias e de minorias em geral no Brasil. Uma tecnicalidade não pode servir de aval para que se cometam novas e possivelmente cabais violências contra os índios no Brasil, que este governo enxerga como estorvos ao desenvolvimento, a ser removidos.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/marco-temporal-vem-calhar-para-governo-que-ve-indios-como-estorvo.html