Venezuela

Luiz Carlos Azedo: Meia-volta, volver!

“A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, atrás da China e dos Estados Unidos, mas é principal parceiro para a nossa indústria”

O encontro do presidente Jair Bolsonaro com o presidente da Argentina, Mauricio Macri, serviu para reposicionar o novo governo em relação ao Mercosul. Foi uma espécie de “meia-volta, volver!”, depois das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, logo após as eleições, de que as relações comerciais do Brasil com os vizinhos do Cone Sul não eram uma prioridade. Guedes chegou a contextualizar o comentário de maneira a desdizer seu significado, mas foi preciso o encontro de ontem para que as coisas ficassem realmente mais claras, principalmente para os vizinhos. Bolsonaro e Macri acertaram trabalhar conjuntamente para fortalecer o bloco sul-americano. O ministro Paulo Guedes, nas conversas com os argentinos, procurou desfazer a imagem de que estava de costas para o Mercosul. A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, atrás da China e dos Estados Unidos, mas é principal parceiro para a nossa indústria.

Isso significa que tudo ficará como dantes? Não, diplomatas do Brasil e Argentina discutiram mudanças nas regras do Mercosul que proíbem os países-membros de negociarem separadamente acordos de livre comércio com outros países. No caso brasileiro, Bolsonaro quer enxugar os encargos do Mercosul, reduzir tarifas e burocracia. Abre-se a possibilidade de avanços nas conversas com a União Europeia. Além disso, Paraguai e o Uruguai desejam fazer seus acordos bilaterais. O patinho feio do Mercosul é a Venezuela, que foi outro assunto abordado no encontro. Nesse caso, a afinação entre Bolsonaro e Macri é total: ambos pretendem endurecer o jogo ainda mais com o presidente do país vizinho, Nicolás Maduro, que assumiu novo mandato de seis anos e é considerado um ditador pela maioria dos países do continente.

Macri foi o mais enfático nos ataques a Maduro. Ressaltou que Argentina e Brasil reconhecem apenas a Assembleia Nacional da Venezuela, que é comandada pela oposição e considera Maduro um usurpador. “Reafirmamos nossa condenação à ditadura de Nicolás Maduro. Não aceitamos esse escárnio com a democracia, e, menos ainda, a tentativa de vitimização de quem na verdade é o algoz”, disse Macri. Bolsonaro foi mais comedido em relação a Maduro, mas reiterou que Brasil e Argentina jogarão juntos no caso da Venezuela: “Nossa cooperação na questão da Venezuela é o exemplo mais claro do momento. As conversas de hoje (ontem) com o presidente Macri só fazem reforçar minha convicção de que o relacionamento entre Brasil e Argentina seguirá avançando no rumo certo: o rumo da democracia, da liberdade, da segurança e do desenvolvimento”, disse.

Recessão
O fato de o Brasil e a Argentina terem governos ultraliberais tem um peso específico no continente, mas há uma variável imponderável: ao contrário de Bolsonaro, que acabou de assumir o governo, Macri está terminando seu mandato, em meio a um tremendo fracasso econômico. Os preços na Argentina subiram 2,6% em dezembro, com inflação anual de 2018 em 47,6%, a maior desde 1991. A meta de inflação de 23% em 2019, já considerada muito alta, dificilmente será alcançada, num ano de eleições presidenciais, nas quais Macri ainda pretende disputar a reeleição.

Com os preços descontrolados, o Banco Central argentino fez um ajuste duríssimo, com juros de até 70% e retirada de pesos do mercado. O dólar estabilizou em 37 pesos, mas a economia está em recessão: 2,5% em 2018; previsão de 2%, em 2019. Macri terá dificuldades para manter esse ajuste, quando nada porque os salários sofreram uma perda de poder de compra próxima a 10%, a maior desde 2002. Até o FMI prevê dificuldades para manter o ajuste, cujas projeções apontam que somente em 2024 os argentinos conseguirão recuperar o nível de vida de 2017. Será difícil para Macri resistir às pressões dos sindicatos por aumentos de salários e manter o acordo feito com o FMI.

À deriva
A propósito, a Inglaterra nunca esteve tão à deriva. Conservadores britânicos e unionistas da Irlanda do Norte salvaram a primeira-ministra Theresa May, derrotando por apenas 19 votos a moção de desconfiança apresentada pelos trabalhistas para evitar que o líder da oposição, Jeremy Corbyn, a substituísse, depois de a maioria esmagadora do parlamento do Reino Unido ter rejeitado o acordo de saída da União Europeia. O Brexit continua um salto no escuro, porque a primeira-ministra ainda não tem um plano B.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-meia-volta-volver/


Jorge Castañeda: Bolsonaro versus Maduro

As características pessoais e políticas desses dois líderes recém-empossados são uma receita para o desastre

Jair Bolsonaro foi investido como novo presidente do Brasil na semana passada. Nicolás Maduro, que assumiu a presidência da Venezuela em 2013 após a morte de Hugo Chávez, tomou posse para um segundo mandato na quinta-feira. As duas investiduras ilustram as ameaças enfrentadas pela democracia, pelos alinhamentos internacionais e a unidade da América Latina.

Bolsonaro é um ex-militar de direita com um histórico de declarações incendiárias sobre todos os assuntos, desde os direitos dos gays às mulheres, aos afro-brasileiros e Donald Trump.

Ele foi eleito numa onda de sentimento antissistema e anticorrupção no Brasil, e também por causa do desalento dos cidadãos com o número recorde de crimes (embora sua família já tenha sido acusada de corrupção). Ele de imediato entrou em atrito com outros líderes latino-americanos – cancelando os convites a Maduro e o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, para participar de sua posse – e praticamente rompeu relações diplomáticas com Venezuela.

O ministro venezuelano do Exterior, Jorge Arreaza, afirmou que Maduro jamais pensou em ir à posse de Bolsonaro. Por outro lado, poucos convidados participaram da investidura de Maduro. O Grupo de Lima, a União Europeia e vários países rejeitaram reconhecer a legitimidade de sua reeleição. Somente cubanos, bolivianos, nicaraguenses e salvadorenhos estiveram presentes, entre os convidados latino-americanos.

Além de sua eleição fraudulenta, Maduro violou flagrantemente os direitos humanos, levou a economia venezuelana ao colapso e criou uma crise humana que obrigou quase 3 milhões dos seus compatriotas a buscar o exílio. Com os preços em queda do petróleo, única fonte de exportação da Venezuela, o país mergulhará ainda mais no caos.

As características pessoais e políticas desses dois líderes, investidos no cargo com diferença de dias, são uma receita para o desastre.

Bolsonaro, embora democraticamente eleito, tem demonstrado inclinações autoritárias. Prometeu que tornará mais fácil para policiais e soldados atirarem contra suspeitos armados e defende a restauração da pena de morte. E afirmou que assinará decreto permitindo que todos os que o desejarem no Brasil comprem uma arma, incluindo as automáticas. O que basicamente armará toda a população.

Ameaçou também retirar o Brasil do Mercosul – bloco comercial que inclui também Argentina, Uruguai e Paraguai e do Acordo do Clima assinado em Paris. Deixou o plano de migração votado em Marrakesh. O seu chefe de gabinete, Onyx Lorenzoni, prometeu limpar o governo de todos os funcionários “com ideias comunistas e socialistas”, referindo-se a membros do Partido dos Trabalhadores dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

E, pior ainda, o novo presidente extinguiu todas as agências que tratam de matérias ligadas à comunidade LGBT, que não mais figura entre as protegidas pelo Ministério de Direitos Humanos.

Maduro, por seu lado, militarizou todas as instituições da Venezuela. Distribuiu armas automáticas a suas milícias e grupos paramilitares conhecidos como “colectivos”. Continua a sustentar Cuba, Bolívia e Nicarágua com dinheiro do petróleo e novamente fez aumentar as tensões com a Colômbia: o novo presidente colombiano, Iván Duque, acusou a Venezuela de “enviar assassinos para matá-lo”.

Originalmente, Maduro foi eleito mais ou menos democraticamente. Mas hoje faz parte de um grupo cada vez maior de líderes autoritários na América Latina que exercem o poder antidemocraticamente.

Embora Maduro seja da esquerda radical e Bolsonaro da extrema direita, ambos compartilham um viés autoritário. O confronto entre esses dois líderes pressagia um conflito. Há centenas de milhares de venezuelanos atravessando a fronteira do Brasil e da Colômbia. Bolsonaro e Duque detestam Maduro. Ambos nutrem simpatias por Trump e este simpatiza com ambos.

Um movimento de pinça (tática militar em que o Exército do oponente é atacado dos dois flancos) pelos Exércitos dos dois países, com apoio mais ou menos discreto dos EUA, é cada vez mais concebível, particularmente à medida que a região se inclina para a direita.

A Aliança do Pacífico, formada por Colômbia, Chile, Peru e México, hoje é liderada por três dirigentes de centro-direita. A Argentina, em meio à sua enésima crise financeira, pode, apesar de tudo, reeleger o conservador Mauricio Macri.

Somente Uruguai, Nicarágua e Bolívia são sobreviventes dos regimes da chamada “onda rosa” (da guinada à esquerda) que remonta ao início do século até 2015. O novo governo de esquerda no México se verá cada vez mais isolado na região, tendo de administrar por seus meios os vários conflitos com os EUA.

Nada disso é de bom augúrio para a América Latina. De 2003 a 2012, a região registrou um longo período de forte crescimento, amplamente financiado pelos altos preços das commodities. Após 2013 começou a desaceleração econômica, quando os preços despencaram e escândalos de corrupção irromperam por todo os lados. Mas as instituições se mantiveram firmes na maior parte do tempo e em muitos países; a democracia foi ameaçada somente por um número crescente de líderes que desejavam se perpetuar no poder por meios eleitorais, porém escusos.

Isso começa a mudar. Os sinais de alerta são óbvios: regimes autoritários de esquerda na Nicarágua e Venezuela; um presidente de direita no Brasil com ideias neofascistas que começou a legislar com rapidez surpreendente; um presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, reticente em defender os direitos humanos e a democracia na região e também com predisposição autoritária; na Bolívia o presidente Evo Morales, que planeja se candidatar este ano a um quarto mandato – o que o manterá no poder por 20 anos. Um colapso das instituições democráticas e do respeito aos direitos humanos na América Latina não é mais algo inimaginável.

A grande ausência, para o melhor ou pior, é de Washington. Os EUA certamente não assumirão nenhum papel nas crises potenciais ou em curso, exceto talvez incentivando Colômbia e Brasil a derrubar Maduro pela força. Mas certamente isso não afastará o hemisfério dessas tentações autoritárias, nem o conduzirá a uma maior responsabilidade coletiva.

Diante da inclinação de Trump a piorar as coisas por todo o lado, a ausência americana pode não ser ruim. Mas a passividade dos EUA significa um contrapeso a menos numa região que precisa de tantos quanto conseguir encontrar. / Tradução de Terezinha Martino

*É ex-chanceler do México


El País: Segunda posse de Maduro marca falência institucional da Venezuela

Presidente começa seu segundo com um país mergulhado em uma crise sem precedentes

Nicolás Maduro inicia seu segundo mandato nesta quinta-feira, um período presidencial que o manterá à frente do Governo venezuelano até 2025. A posse, indicada há meses como ponto de não retorno na gravíssima crise econômica e institucional que atravessa o país, de fato não representa novidade alguma para os cidadãos. Mas culmina a deriva do regime, que controla todos os estamentos do poder político e judiciário, e consuma uma ruptura aparentemente irremediável com as principais instâncias da comunidade internacional: Washington, Bruxelas e a maioria dos Governos da região. Maduro exibe, não obstante, o apoio de Rússia, China e Turquia, e o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, lhe deu um balão de oxigênio há uma semana ao rejeitar as sanções do Grupo de Lima.

Em maio, o sucessor de Hugo Chávez venceu eleições questionadas pela falta de garantias democráticas e observadores independentes. As forças majoritárias da oposição se recusaram a participar, provocando uma abstenção histórica de mais de 54%. O presidente, que assumiu o cargo em abril de 2013, buscava se legitimar diante do aumento da pressão e da deterioração dos direitos. Em resumo, começar um novo ciclo. Agora se formaliza o início dessa etapa, que começa precisamente com uma anomalia, um reflexo do que a Venezuela é hoje.

Maduro prestará juramento perante o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) em vez de fazê-lo na Assembleia Nacional, conforme estabelece a Constituição. A razão é que o Parlamento, com maioria da oposição, eleito em 2015, foi declarado em desacato, não existe mais para o Governo. Esse mesmo tribunal o despojou de suas funções e em julho de 2017, depois de três meses de protestos, que deixaram cerca de 150 mortos, foi realizada a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte na qual não têm assento representantes críticos em relação ao partido no poder. Na prática, é um órgão legislativo — presidido pelo número dois do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) — a serviço do Executivo.

“A revolução bolivariana não é um homem, é um povo que escolheu ser livre e está decidido a defender sua liberdade, custe o que custar, nada nem ninguém o impedirá. Em 10 de janeiro prestarei juramento pelo povo”, proclamou o presidente, que para tentar fazer frente às advertências e sanções anunciadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, brande o fantasma do inimigo externo. “O povo consciente e mobilizado está disposto a defender a soberania e a independência da pátria, pelo seu direito inalienável de ser livre. Só o povo salvar o povo!”, escreveu no Twitter.

A Venezuela está mergulhada em uma catástrofe econômica sem precedentes na qual aos problemas de escassez se juntam uma hiperinflação exorbitante — o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê um aumento dos preços de 1.800.000% em dois anos — e uma dependência das classes populares das ajudas do Governo. Estas são algumas das causas de um êxodo que, de acordo com as Nações Unidas, se acelerou nos últimos meses e já soma três milhões de migrantes, dos quais mais de um milhão se estabeleceu na vizinha Colômbia.

Nesse contexto, Maduro, que em agosto sofreu um ataque de drones durante um ato militar, se empenha em demonstrar que tem o apoio de potências estrangeiras. “A Venezuela conta com um amplo apoio internacional e um povo consciente para vencer a perseguição econômica e as agressões contra a pátria. Não deterão nossa marcha rumo à prosperidade”, afirmou nesta quarta-feira. A realidade é que os efeitos dos acordos comerciais firmados com Rússia, China e Turquia por enquanto não foram notados e milhões de venezuelanos sobrevivem com um salário mínimo que ronda os cinco dólares.

“Traição à pátria”

A partir desta quinta-feira, além disso, ficarão rompidas as relações diplomáticas com pelo menos 13 países latino-americanos, os integrantes do chamado Grupo de Lima. Na região, o chavismo continua tendo o apoio do presidente boliviano, Evo Morales, do cubano Miguel Díaz-Canel e do nicaraguense Daniel Ortega. O México, no entanto, continua moderado e Andrés Manuel López Obrador insiste em uma saída negociada à crise, embora a oposição esteja desmobilizada ou na ilegalidade.

Os países do Grupo Lima, entre eles Colômbia, Brasil, Argentina, Canadá, Chile e Peru, proibirão a partir de sexta-feira a entrada em seus territórios de altos funcionários, começando com o próprio Maduro.  “Estamos avançando na concretização dessas medidas”, disse o ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Carlos Holmes Trujillo. Entre elas, figura a de “exortar outros membros da comunidade internacional a adotarem medidas semelhantes contra o regime de Maduro em favor da restauração da democracia”. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro também se manifestou diversas vezes contrariamente a Maduro. Mas o PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que perdeu a eleição em outubro, enviará sua presidenta para a cerimônia. "Somos solidários à posição do governo mexicano e de outros Estados latino-americanos que recusaram claramente a posição do chamado Grupo de Lima, abertamente alinhada com a postura belicista da Casa Branca", afirmou Gleisi Hoffmann em uma nota.

O Governo venezuelano respondeu com uma ameaça dirigida aos líderes da oposição e legisladores da Assembleia Nacional. A Constituinte ordenou ao Tribunal Supremo de Justiça e ao Ministério Público a abertura de uma “investigação imediata por traição à pátria a todos aqueles que se dobraram à declaração do mal chamado Grupo de Lima”. As condenações para esse crime podem chegar a 30 anos de prisão.


El País: Chavismo deixa rastro de corrupção em duas décadas de revolução bolivariana

A Venezuela é percebida como o país mais corrupto da América Latina. Legisladores estimam que o dano patrimonial chegue a 450 bilhões de dólares

Por Maolis Castro e Florantonia Singer, do El País

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, diz que nenhum governo do mundo combate a corrupção como o dele. Sua conclusão contrasta com os indicadores da Transparência Internacional, que situam a Venezuela como o país mais corrupto da América Latina. Mercedes de Freitas, diretora da ONG em Caracas, deduz que foi instalado um modelo com os “elementos de uma cleptocracia” no país. “Há evidências de que a crise econômica seja uma consequência da malversação de fundos públicos”, explica.

Maduro afirmou que essa percepção não passa de ataques da oposição. “Não existe, na história da Venezuela, um processo e um governo que tenham combatido a corrupção, em seu caráter estrutural, com maior rigor que a revolução bolivariana e os Governos de Hugo Chávez e meu. Não ignoro que uma das frentes de ataque de nossos adversários contra nós consiste em nos acusar de frouxidão com respeito à corrupção. É absolutamente falso”, disse Maduro numa entrevista feita pelo jornalista espanhol Ignacio Ramonet e difundida na última terça-feira.

Mas a fama ruim é global. De fato, a Rede de Execução de Crimes Financeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos emitiu, em setembro de 2017, um alerta às instituições financeiras sobre a “corrupção pública generalizada” que impera no país sul-americano.

O Legislativo faz um cálculo sobre o dano patrimonial gerado pela corrupção em 19 anos da autodenominada revolução bolivariana. “Só nos casos de corrupção conhecidos, pode-se dizer que as perdas chegam a 450 bilhões de dólares (oito vezes o orçamento da Venezuela em 2012, o mais alto). Mas essa é a ponta do iceberg, pois cada vez mais escândalos vêm à tona. É inegável que a corrupção é a causa da crise econômica”, diz Freddy Superlano, chefe da Comissão de Controladoria do Parlamento.

A acusação é dirigida ao Governo. O sistema de controle cambial, imposto em 2003 e ainda vigente, está vinculado a um esquema de fraude. Em 2014, Jorge Giordani, ex-ministro do Planejamento dos Governos de Chávez e do próprio Maduro, denunciou que pelo menos 25 milhões de dólares (92,5 milhões de reais) concedidos pela extinta Comissão Nacional de Administração de Divisas (Cadivi) a empresas participantes da rede de corrupção ou fora de operação foram desviados a contas privadas. Pelo esquema, firmas de fachada, sem trajetória e com sede em paraísos fiscais pediam divisas ao Estado venezuelano com preços preferenciais para supostas importações ou serviços. Após obterem grandes quantias alavancadas por funcionários do Governo, contudo, elas não respondiam pelo dinheiro.

A malversação de fundos é ampla. No final de novembro, uma reportagem do EL PAÍS revelou que uma investigação interna da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) envolve vários de seus ex-diretores numa fraude à companhia de pelo menos 500 milhões de dólares (1,8 bilhão de reais). Os funcionários teriam concedido contratos de compra de material para suas próprias sociedades, maquiado licitações em benefício próprio e lavado o dinheiro na Espanha.

O promotor Tarek William Saab, designado pela chavista Constituinte, prometeu ser “implacável” com a corrupção, mas ainda não se pronunciou sobre a acusação da Justiça dos EUA contra o empresário Raúl Gorrín, dono da TV Globovisión e vinculado ao Governo. Tampouco investigou denúncias contra Maduro. Segundo Euzenando Azevedo, ex-chefe da Odebrecht na Venezuela, a empreiteira teria dado 35 milhões de dólares (130 milhões de reais) a Maduro para financiar sua campanha presidencial de 2013, como candidato indicado pelo falecido presidente Chávez, em troca de substanciosos contratos no país.

Em contraste, Saab pediu à Interpol a captura de opositores e delatores como o ex-presidente da PDVSA Rafael Ramírez, do ex-tesoureiro Alejandro Andrade e de Claudia Díaz Guillén, uma enfermeira de Chávez acusada na Espanha de lavar dinheiro com seu esposo Adrián Velázquez, antigo chefe da segurança presidencial.

Além disso, a Justiça da Venezuela se tornou seletiva. Luisa Ortega Díaz, procuradora-geral do país, precisou fugir no ano passado por denunciar a repressão nos protestos contra o Governo e outras irregularidades cometidas por Maduro. Seus principais aliados também estão no exílio. Entre eles Zair Mundaray, ex-diretor de Atuação Processual do Ministério Público (2016-2017), que agora denuncia o enriquecimento de funcionários públicos. “Investigamos uma série de operações da Tesouraria com a compra de títulos do Reino Unido e sua revenda no mercado internacional, feitas por empresários aliados do Governo e nas quais a Venezuela perdeu muito dinheiro, porque dali saíram muitas riquezas, incluindo a da enfermeira Claudia Díaz. Pedimos uma ordem de prisão contra ela, mas foi revogada por um tribunal em 2016”, relata.

Apesar das travas, Mundaray diz que conseguiu confiscar duas pousadas, 13 carros e duas coberturas em Caracas. As propriedades da enfermeira foram adquiridas quando ela ganhava o equivalente a seis salários mínimos na Venezuela. “Claudia Díaz faz parte da rede original do saque à Tesouraria, e muitas fortunas surgiram dali. Por isso pediram a extradição, para evitar que mais pessoas falem com o Departamento de Justiça dos EUA”, afirma.

O ex-promotor diz que o modelo econômico instalado pelo chavismo, baseado no controle cambial como uma grande centrífuga de corrupção, e que recebeu abundantes recursos durante uma década de altos preços do petróleo, somou-se a outro elemento: o controle do Poder Judiciário com a chegada de Hugo Chávez, o que propiciou a impunidade e favoreceu o crime. “Qualquer investigação que for feita baterá contra um juiz” afirma.

O DILEMA DAS SANÇÕES

Com o envio de provas e informações ao Departamento de Estado dos EUA, Alejandro Rebolledo, advogado especialista em prevenção de legitimação de capitais, impulsiona há três anos as sanções contra altos funcionários do Governo, militares e empresários envolvidos em crimes na Venezuela.

No exílio, o jurista acusa o chavismo de estimular negócios ilegais em conjunto com “máfias” internacionais que supostamente penetraram no sistema financeiro através de estruturas nos EUA, Europa, Ásia e Emirados Árabes Unidos, auxiliadas por empresários, banqueiros e especialistas em lavagem de dinheiro. Por isso, ele propõe sanções contra funcionários e aliados do regime para enfrentar a malversação de fundos, embora o presidente Maduro denuncie que as restrições tenham gerado a perda de 20 bilhões de dólares (74 bilhões de reais) para o país em 2018 e diga que se trata de uma perseguição dos EUA. Segundo Rebolledo, o mecanismo abre a possibilidade de recuperar o patrimônio perdido assim que for “restabelecida a democracia” no país. “Todos os dias ouvimos notícias de investigações sobre lavagem de dinheiro. Isso não acaba”, afirma.

Mas o advogado não descarta que as sanções contra os altos funcionários propiciem operações de lavagem de dinheiro dentro do país. “Quem imagina que seu dinheiro possa ser congelado e bloqueado o investe na Venezuela: compra edifícios, terrenos, casas. É uma das leituras sobre as sanções contra o regime”, diz ele.


El País: As meninas em uma crise humanitária

Reconhecer o direito à vida digna de uma menina nômade é reconhecer como sua sobrevivência depende da proteção de seus direitos sexuais e reprodutivos

Por Débora Diniz e Giselle Carino, do El País

Quando falamos em crise humanitária, nossa imaginação é curta para ter a América Latina e o Caribe no mapa global. A lista tem tsunamis na Indonésia ou conflito armado na Síria. Não há Haiti pós-terremoto, Nicarágua em conflito armado, Porto Rico ainda no chão após o furacão Maria ou os milhares de caminhantes venezuelanos que atravessam a fronteira do norte da Colômbia todos os dias. As crianças aprisionadas na fronteira entre o México e o Estados Unidos foram as que ascenderam à comoção internacional, sem que a elas seja concedido o título de vítimas de uma tragédia humanitária. Um dos principais desafios para 2019 é incluir a América Latina e Caribe na geopolítica global das crises humanitárias.

Nomear uma crise humanitária exige pensar as causas, antecipar soluções e apresentar-se às suas vítimas. As tragédias ambientais ou políticas recebem nome, como foi o furacão Maria ou o populismo na Venezuela, mas as vítimas são aglomeradas em estatísticas populacionais. São mais de mil caminhantes os que atravessam a fronteira da Venezuela e da Colômbia diariamente em Alta Guajira — a cena é de um desamparo inesquecível. Muitas são famílias indígenas Wayuu que carregam o que podem pelo nomadismo sem fronteiras. Nem tanto venezuelanos ou colombianos, os indivíduos transitam entre um lado e outro à espera que sejam protegidos ou reconhecidos por um ou outro país. Se estima que metade dos caminhantes diários sejam indígenas.

Os caminhantes são o corpo do desamparo imposto por uma crise humanitária. É gente que antes tinha teto, trabalho, nome e sobrenome. Peregrinam para sobreviver — por isso, caminham. Os caminhantes da Venezuela são nômades que atravessam a fronteira da Colômbia ou do Brasil. Os que escolhem a região andina seguem marcha até o Chile e Argentina, mas alguns param pelo caminho. Os que arriscam o Brasil vivem em campos de confinamento, em um país pouco cuidador aos refugiados ou desalojados forçados. Tomamos a missão como um fardo ou favor.

Os campos de refugiados são espaços complexos à imaginação política nacionalista que não reconhece os caminhantes como gente em busca de amparo existencial. Essas pessoas são definidas como “sem estado, ou seja, vivem em uma espécie de purgatório terrestre, como se ninguém tivesse o dever de reconhecê-las ou protegê-las. Na multidão nômade das crises humanitárias, há populações mais vulneráveis que outras. Uma delas são as meninas e mulheres — são as que mais tardiamente iniciam a fuga dos espaços de risco e quando migram seus riscos são semelhantes aos contextos de conflito armado, em que a violência e o estupro são práticas comuns. Conhecemos mulheres na ponte da travessia em Alta Guajira, na Colômbia, que, no trajeto sem rumo, engravidavam e batiam à porta de nossas clínicas para realizar um aborto legal por estupro. Conhecemos outras milhares que chegaram em busca de anticoncepção, escapando da fome e da desesperança, imaginando um futuro sem rumo.

A dramática conexão entre migração, gênero e saúde foi descrita em um relatório recente da prestigiosa revista acadêmica The Lancet. No marco de crises humanitárias de migração forçada, refugiados e desalojados podem se diferenciar pelas causas que provocam o deslocamento, mas se assemelham na insegurança vivida para sobreviver típica dos peregrinos involuntários. Somente na região conhecida como o triângulo norte da América Central (El Salvador, Guatemala e Honduras) se estima que 215.000 pessoas se puseram em marcha no primeiro semestre de 2017, um número que aumentou em 2018. Ainda sabemos pouco como sobrevivem as meninas nesta multidão de gente que caminha, como fazem para sobreviver ao trauma de um estupro ou de uma gravidez forçada.

Se ignoramos que há crise humanitária em nossa região, somos incapazes de imaginar quais vítimas são mais vulneráveis. Se a todos os peregrinos involuntários as causas da crise podem ser compartilhadas — como mudanças climáticas, corrupção política ou violência do Estado — as formas de cuidado e enfrentamento do desamparo são específicas às mulheres e meninas em nomadismo forçado. Reconhecer o direito à vida digna de uma menina nômade é reconhecer como sua sobrevivência depende da proteção de seus direitos sexuais e reprodutivos. Não é um corpo que caminha, é uma menina que carrega consigo o desamparo prévio imposto pela desigualdade de gênero que define os efeitos das crises humanitárias em nossa região.

 


Demétrio Magnoli: A folia do Ernesto

O Brasil de Bolsonaro oferece a Maduro um conveniente inimigo externo

Bolsonaro e Ernesto Araújo, o ministro indicado de Relações Exteriores, justificaram os "desconvites" a Díaz-Canel e a Maduro para a posse presidencial sob o argumento de que Cuba e Venezuela não realizam eleições livres.

A lógica empregada exigiria "desconvites" a dezenas de países autoritários com quem o Brasil mantém relações diplomáticas. A política externa bolsonarista começa no registro da pantomima. Nesse caso, a comemoração explícita emana dos grupelhos ideológicos que orbitam em torno do presidente eleito —mas a vitória é do ditador venezuelano.

Maduro mente todos os dias, obsessivamente. Agora, acusa Bolsonaro e o vice, Mourão, de participarem de um "complô preparado na Casa Branca para me assassinar" e "invadir a Venezuela", num plano que se iniciaria com "provocações na fronteira".

Nada evitará que ele minta, mas os "desconvites" conferem uma sombra de verossimilhança às suas palavras. O chavismo terminal precisa do espantalho ameaçador do inimigo externo para conservar um mínimo de coesão interna. A folia ideológica brasileira ajuda a prolongar o epílogo do falido regime venezuelano.

Ernesto Araújo é um homem de firmes convicções. Poucos anos atrás, defendia sem corar as políticas econômica e externa de Dilma Rousseff. Nos últimos meses, em pirueta olímpica, passou a repercutir o discurso místico do olavismo e as senhas doutrinárias da Breitbart News.

O folião do Itamaraty pretende operar como peão de Trump na América do Sul. A lógica dos "desconvites" ultrapassa o limite dos gestos simbólicos, apontando para a ruptura de relações diplomáticas com Cuba e Venezuela. Maduro torce por isso, que implicaria a voluntária retirada brasileira do terreno onde se decidirá o futuro da Venezuela.

O chavismo, que nunca foi homogêneo, cinde-se em correntes diversas que encaram o horizonte do abismo. O componente militar do regime, que controla as chaves da repressão, também está dividido.

A cola que ainda prende os chavistas a Maduro é o medo do futuro —isto é, o temor da retaliação e da vingança. Uma transição política sem sangue, ou com pouco sangue, depende de negociações com as alas do regime dispostas a abandonar o barco que naufraga. Para isso, são necessários mediadores. Ernesto, o folião, suprime as credenciais que fazem do Brasil um mediador eficiente.

Sem uma embaixada em Caracas, o Brasil exclui a si mesmo do jogo político. A embaixada deveria servir para municiar o governo brasileiro com informações confiáveis, estabelecer pontes de diálogo com a oposição e explorar rumos de superação da crise com dissidentes chavistas civis e militares. A denúncia permanente da violência do regime é uma obrigação moral e política.

Mas, além disso, o Brasil precisaria ajudar os atores venezuelanos a encontrar fórmulas capazes de conjurar o medo que impede a ruptura. Fora da transição negociada, só existe a guerra civil.

A sobrevivência agônica de Maduro seria impossível sem o amparo da China e da Rússia. Uma solução pacífica para a Venezuela passa pela ativação de canais diplomáticos regionais e globais. John Bolton, o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, investe no caos. Já o interesse dos países sul-americanos, especialmente os que compartilham fronteiras com a Venezuela, repousa na perspectiva de uma transição negociada.

O Brasil, atuando ao lado de Colômbia, Equador, Peru e Argentina, teria os meios para persuadir chineses e russos a cortar o cabo que mantém o governo de Maduro à tona. Mas Ernesto, o folião, prefere a pantomima —isto é, a irrelevância.

O Brasil de Lula e Dilma serviu ao chavismo, propiciando-lhe apoio diplomático e um verniz de legitimidade democrática. O Brasil de Bolsonaro prossegue o trabalho do lulismo, oferecendo a Maduro a imagem perfeita de um conveniente inimigo externo. O Ernesto tem custos.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Monica De Bolle: A Venezuela

Para entender e opinar sobre a Venezuela, é preciso primeiro compreender o arco histórico

A confusão sobre o convite-não-convite de Nicolás Maduro para a posse de Bolsonaro deu o que falar nos últimos dias. Maduro teria sido convidado pelo Itamaraty para a posse, a chancelaria da Venezuela recusou o convite, e em seguida Ernesto Araújo o desconvidou. É claro que a ditadura venezuelana deve ser rechaçada. Contudo, o uso constante do colapso venezuelano como arma ideológica é não apenas um equívoco, mas demonstração de profunda ignorância. São poucos os que realmente sabem alguma coisa sobre a história da Venezuela. Ao que parece, o próprio chanceler brasileiro prefere os espantalhos ideológicos a um entendimento sério de como o país chegou ao atual descalabro. Não é com desconhecimento que se faz boa política externa.

Começo lá atrás, no pós-guerra. Entre 1948 e 1958 a Venezuela era uma ditadura. Removido o ditador presidente Marcos Pérez Jiménez em janeiro de 1958, os três maiores partidos políticos do país – AD, Copei e URD – firmaram um pacto que ficou conhecido como Ponto Fixo (“Punto Fijo”). O pacto tinha como objetivo enraizar e proteger a democracia em um país que havia sido governado por ditadores praticamente desde sua independência, em 1830. O Ponto Fixo deu origem ao sistema bipartidário formado pela AD e pelo Copei que permaneceu em vigor até a ascensão de Hugo Chávez nos anos 1990. Durante as quatro décadas decorridas entre 1958 e 1998, a Venezuela foi essencialmente uma democracia estável, tendo chegado a ser um dos primeiros países latino-americanos a ser classificado como país de renda média alta pelo Banco Mundial.

Entre 1960 e 1977, a renda por habitante crescera mais de 30%, alcançando US$ 16 mil por pessoa. Contudo, entre o fim dos anos 70 e meados dos anos 80, a renda por habitante perdera todo o ganho anterior, passando de US$ 16 mil para pouco menos de US$ 12 mil. Ou seja, o país sofreu um colapso brutal do crescimento em virtude de vários problemas, inclusive da queda dos preços do petróleo. Colapsos dessa magnitude costumam estar associados a guerras e graves conflitos internos, o que não foi o caso da Venezuela. Até hoje estudiosos se debruçam sobre o dilema do crescimento venezuelano durante os anos 80 e 90.

A insatisfação popular com o desempenho da economia e a percepção de que o Ponto Fixo engessara o sistema político, com os dois principais partidos envolvidos em escândalos de corrupção e práticas clientelistas, abriram o caminho para que um militar de baixa patente tentasse um golpe de Estado em 1992 – sim, Hugo Chávez. O golpe falhou, mas em 1993 foi quebrada a hegemonia bipartidária com o enfraquecimento dos dois principais partidos. Após período de intensa turbulência entre 1993 e 1994, Rafael Caldera, um dos arquitetos do Ponto Fixo e da Constituição de 1961, presidente entre 1969 e 1974, foi novamente alçado à presidência.

Caldera foi sucedido por Chávez, vitorioso em 1998, ano em que as eleições foram marcadas pela ausência de partidos e de candidatos tradicionais. Os partidos haviam caído no mais absoluto descrédito. Chávez e os demais presidenciáveis de 1998 se posicionaram como indivíduos com clara posição antissistema, capazes de atender aos anseios do povo venezuelano. Chávez foi eleito em 1998 e horas após a vitória anunciou referendo sobre a reforma constitucional que seria a base de sua “Revolução Bolivariana”. A reforma foi aprovada e a Assembleia Constituinte foi formada com maioria chavista, dando a Chávez o poder de reescrever a Constituição que encerrou de vez o pacto Ponto Fixo. A nova Constituição, que ampliava o mandato presidencial de 5 para 6 anos, entrou em vigor pouco mais de um ano após a vitória de Chávez. Em 2000, anos antes da eleição presidencial prevista pela nova Constituição, Chávez conseguiu antecipar o pleito e se “reeleger” por seis anos. A partir daí estavam montadas as bases que permitiriam seu plano de permanência não democrática no poder.

Portanto, para entender e opinar sobre a Venezuela, é preciso compreender o arco histórico. É fácil demais plantá-la como espantalho para assustar ingênuos e desinformados, sobretudo no contexto brasileiro atual.

Tamanho desconhecimento em nada ajudará a política externa brasileira a dar conta do imenso desafio que a Venezuela de Maduro representa para a região. Dizem que o Brasil não é para principiantes. Menos ainda a Venezuela.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Monica De Bolle: Um conto chinês

Apesar da queda da produção de petróleo, o regime de Maduro tem sido capaz de se sustentar

Quando se trata da China, o que se destaca na América Latina são os lados positivos de relação por vezes tão disparatada quanto a cena de abertura do filme de Sebastián Borensztein: uma vaca cai do céu matando uma jovem – após a cena inicial, lê-se “baseado em fatos reais”. Os fatos reais geralmente destacados são a maior integração comercial entre a China e a região, a realidade de que a China já ultrapassa os EUA – em alguns casos – no peso que tem na América Latina, os volumosos investimentos chineses. Segundo dados compilados pelo Inter-American Dialogue, o banco de desenvolvimento da China (China Development Bank, CDB) e o China Ex-Im Bank, duas das maiores instituições financeiras do país, têm sido responsáveis pelo envio de recursos para conjunto seleto de países desde 2005. São eles: Argentina, Brasil, Equador e Venezuela.

Do que é possível saber – transparência não é o forte dos investimentos chineses – a China fez 17 empréstimos para a Venezuela, totalizando cerca de US$ 63 bilhões. Para o Brasil, foram 12 empréstimos no montante de US$ 42 bilhões. Para a Argentina, US$ 18 bilhões por meio de 11 empréstimos. Os dados provavelmente subestimam a presença do investimento chinês na região, sobretudo na Venezuela, onde os arranjos entre os dois governos estão encobertos por véu de mistério.

O que se sabe é que a China, transacional e pragmática, não está mais dando dinheiro ao regime de Nicolás Maduro. Ao contrário, os chineses andam mais preocupados em receber o que lhes é devido, seja na forma de pagamentos diretos, seja por meio de barris de petróleo. Apesar da queda sistemática da produção de petróleo, o regime de Maduro tem sido capaz de se sustentar. O PIB em queda livre e a hiperinflação que engoliu a Venezuela não prenunciam o fim da ditadura.

Mas este não é mais um artigo sobre a Venezuela. Este é um artigo sobre a atuação da China na Venezuela para além do comércio, dos investimentos e das transações opacas entre o país asiático e a PDVSA, a empresa de petróleo venezuelana. Dia desses, assisti a um dos vídeos mais perturbadores que já havia visto sobre a atuação dos chineses na Venezuela. Tratava-se de uma reportagem investigativa do New York Times sobre o que a China anda fazendo na região. Intitulado “O Equipamento Antiprotesto que os Déspotas Amam” (“The Anti-Protest Gear that Despots Love”) e disponível no YouTube, a reportagem mostra como os imensos protestos que tomaram as ruas de Caracas em abril e maio de 2017 foram eliminados. Reparem: não há mais protestos daquela magnitude desde então, ainda que a situação de penúria, miséria, tragédia em que vive a população só tenha piorado. Por quê?

Norinco, a empresa estatal chinesa especializada em equipamentos militares, vendeu para o governo Maduro tanques e veículos desenhados para montar barreiras e arremessar mísseis de gás lacrimogêneo e canhões de água nas multidões. As mortes – muitas não reportadas – e os milhares de feridos nos protestos do ano passado resultaram do uso do aparato antiprotestos fabricado e vendido pelos chineses. O sumiço das multidões desde então deve-se ao medo de ser vítima de um sofisticado equipamento para suprimir demonstrações legítimas e pacíficas. Como soube disso? Não por meio dos jornais, ou por ampla divulgação da reportagem do New York Times pela mídia. Soube diretamente de um jovem político venezuelano hoje exilado aqui em Washington que teve a sorte de escapar – pela fronteira entre o Brasil e a Venezuela – das garras de Maduro. Ele estava lá, nos protestos de 2017. Enfrentou os tanques e foi derrotado por eles.

Esse é apenas um dos relatos chocantes sobre a atuação da China na Venezuela. O outro diz respeito à empresa de tecnologia ZTE, alvo de sanções dos EUA, que vendeu para Maduro os chips da nova carteira de identidade anunciada em novembro. Para ter acesso a medicamentos, comida, aposentadorias, venezuelanos têm de adquirir a nova carteira, cuja tecnologia permite que cidadãos sejam rastreados e monitorados todo o tempo pela ditadura homicida. Qualquer semelhança com Orwell é mais do que mera coincidência. É a implantação da mais perversa distopia debaixo dos narizes de todos. Onde estão as denúncias?

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


El País: Nações Unidas apontam aumento dramático da desnutrição na Venezuela

É o país das Américas que teve o maior aumento de desnutrição, segundo novo relatório da FAO apresentado na última semana

Por Alonso Moleiro, do El País

A Venezuela é o país latino-americano que teve os maiores aumentos em matéria de fome e desnutrição no biênio 2016-2018. É o que indica o novo estudo apresentado na última semana pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) juntamente com o Programa Mundial de Alimentos e a Organização Pan-Americana da Saúde.

A Bolívia e a Argentina são os outros dois países que acompanham a Venezuela neste quadro, que integra o tóxico coquetel de subnutrição, má nutrição e obesidade. A República Bolivariana responde por 1,3 milhão do total de 1,5 milhão de pessoas com novos problemas estruturais em sua ingestão cotidiana de calorias. O estudo mostra que, em termos gerais, os quadros de desnutrição aumentaram em média de 5% a 6% da população dos países latino-americanos e caribenhos no período de 2015 a 2018. Haiti, Antígua e Barbuda, Bolívia e Granada são as nações com maiores níveis de desnutrição em relação ao total de suas populações.

O novo relatório da FAO sobre a segurança alimentar na Venezuela reflete um dos muitos paradoxos da crise econômica atravessada pelo país caribenho. Em 2012, com Hugo Chávez ainda vivo, a mesma organização havia feito um reconhecimento público ao Governo venezuelano por seus avanços na quantidade e na qualidade do consumo diário de calorias. A instituição parabenizava a Venezuela “por ter alcançado antecipadamente a meta número um do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio: reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofrem de fome em 2015”.

Durante aquele 2012 em que Chávez foi reeleito, o Governo bolivariano orquestrou com o certificado da FAO uma poderosa campanha de propaganda para alcançar seus objetivos. Na época, a economia venezuelana continuava crescendo na esteira dos altos preços do petróleo, a inflação não chegava aos brutais índices de hoje e o Governo, diante dos imperativos eleitorais, havia elaborado um ambicioso sistema de distribuição de alimentos baratos, expressado sobretudo nos estatais Mercados de Alimentos (Mercal) e nas Casas de Alimentação. Durante um tempo, ambos os programas tiveram uma inquestionável penetração nas zonas populares e empobrecidas do país.

O período compreendido entre a doença e a morte de Chávez e a chegada ao poder de Nicolás Maduro veio acompanhado de uma grave crise cambial que gerou uma sangria de divisas no país. Os programas sociais do Mercal declinaram e desapareceram entre as propinas e a corrupção desenfreada. Muitos alimentos importados começaram a apodrecer na alfândega e nos portos. A decisão de Maduro de radicalizar o modelo político chavista produziu a histórica derrubada da economia venezuelana, que se traduziu numa contração de 44% do PIB entre 2014 e 2018. Algumas organizações especializadas, como a Fundação Bengoa e o Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela, questionavam havia tempo o pronunciamento da FAO, alertando quanto à piora violenta das condições sociais da população e ao crescimento da fome no país – um dos aspectos sobre os quais o chavismo considera que tem conquistas concretas para mostrar. Nem os líderes do governista Partido Socialista Unido da Venezuela nem o gabinete de Maduro se pronunciaram sobre o novo relatório da FAO.

A desnutrição e a fome, embora jamais tenham deixado de ser um problema que gera inquietudes e polêmicas, historicamente não haviam ocupado um lugar de destaque no radar das preocupações imediatas do venezuelano médio, segundo as pesquisas de opinião. Nos melhores tempos de Chávez, esse ponto inclusive tinha desaparecido da lista de preocupações imediatas dos habitantes, afetados tradicionalmente por outros assuntos, como a segurança cidadã, os serviços públicos e o desemprego.

Hoje, a ingestão de alimentos, a escassez de produtos e o aumento de preços estão no topo de todas as respostas da população nas consultas feitas pelos institutos de pesquisa.


Reportagem da FAP apresenta, em vídeos, fotos e textos, detalhes do maior êxodo da América Latina

Equipe de reportagem da revista Política Democrática faz uma imersão no país de Nicolás Maduro e mostra os dramas enfrentados pelos venezuelanos em sua luta pela sobrevivência

No lançamento de sua versão totalmente digital, a revista Política Democrática destaca o drama de imigrantes oriundos da Venezuela que peregrinam no maior êxodo da história da América Latina. Em vídeos, fotografias e textos, também conta histórias de quem atravessou a fronteira com o Brasil, em busca de sobrevivência. Repórteres da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que produz e edita a publicação, viajaram a Caracas para mostrar, ainda, os reflexos do colapso político e socioeconômico que assola o país presidido por Nicolás Maduro.

Veja aqui a reportagem especial sobre a crise humanitária na Venezuela

Na viagem à capital da Venezuela, a equipe de reportagem de Política Democrática faz uma imersão no país presidido por Nicolás Maduro e conta aos internautas como é a luta pela sobrevivência, principalmente entre a classe média e os mais pobres. Com título “Um país à beira do abismo”, a reportagem mostra ainda a dificuldade de denunciar problemas no país, já que o governo venezuelano proíbe jornalistas de tirarem fotos ou fazer vídeos.

Com conteúdo estritamente jornalístico, a manchete da revista mescla análise do contexto político com relatos de pessoas que ainda vivem na Venezuela. Além disso, apresenta, de forma didática, uma cronologia da crise que assola o país e a proposta de Nicolás Maduro para tentar estancar a sangria humanitária.

A segunda parte da reportagem, intitulada “Um grito por humanidade”, conta a dificuldade dos imigrantes que já saíram da Venezuela e atravessaram a fronteira com o Brasil, em Pacaraima, a 215 km de Boa Vista (RR). Em média, de acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), 500 pessoas fazem esse percurso todos os dias. No total, desde o agravamento da crise, em 2015, mais de 2 milhões de pessoas já deixaram o país vizinho.

Na página 13 da revista, os internautas poderão acessar a cronologia da crise, entendendo, sobretudo, a repercussão da queda do preço do petróleo no dia a dia da população venezuelana. Em seguida, em vídeo, deputados da oposição contam como é difícil viver no país, principalmente depois que Maduro dissolveu o poder da Assembleia Nacional, em 2017.

Em vídeo, a reportagem também mostra, na página 14, os poucos detalhes do Plano de Desenvolvimento Nacional, divulgado pelo presidente venezuelano, no dia 15 de outubro. Na página seguinte, o internauta também poderá assistir a um minidocumentário com depoimentos de imigrantes que já chegaram ao Brasil. Além disso, está disponível para o público uma arte com detalhes dos locais para onde essas pessoas estão sendo encaminhadas dentro do país.

Vídeo do minidocumentário:

https://www.youtube.com/watch?v=GkUldPLo5HI

 

 

Confira a Galeria de fotos 

Crise humanitária na Venezuela desafia o Brasil


Revista Política Democrática - Online

Revista Política Democrática  #1ª Edição

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FAP lança revista Política Democrática digital

Totalmente on-line e com design responsivo, publicação tem acesso gratuito e traz análises, entrevista e reportagens especiais

Em celebração aos 30 anos da democracia e a quatro dias do segundo turno das eleições no Brasil, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) lança, nesta quarta-feira (24), a revista Política Democrática em formato totalmente on-line e com design responsivo. A publicação contempla análises de renomados articulistas, entrevista exclusiva e reportagens especiais, as quais poderão ser acessadas, de graça, pelos internautas.

Nesta edição de lançamento do formato digital, Política Democrática destaca o drama de imigrantes oriundos da Venezuela que peregrinam no maior êxodo da história da América Latina e conta, em vídeos, fotografias e textos, histórias de quem atravessou a fronteira com o Brasil, em busca de sobrevivência. Repórteres da FAP viajaram a Caracas para mostrar, ainda, os reflexos do colapso político e socioeconômico que assola o país presidido por Nicolás Maduro.

Além disso, a revista também reservou, assim como para outras análises, um espaço para entrevista com a economista Monica de Bolle, única mulher latino-americana a integrar a equipe do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, em Washington, D.C. Na avaliação dela, a agenda fiscal deverá ser prioridade do novo presidente.

Objetividade
Com o propósito de entregar conteúdo de altíssima qualidade para o público em seu novo formato, a revista reuniu um time de profissionais capazes de fazer análises do contexto brasileiro, de forma mais objetiva possível, especialmente das eleições de 2018. “O critério de seleção foi a alta capacidade profissional e interpretativa dos jornalistas e acadêmicos que assinaram as matérias, convicção que, estamos certos, justificará plenamente o título de Política Democrática”, diz o diretor da revista, André Amado.

Em relação às análises, André avalia que a publicação mostra opiniões baseadas em reflexões acadêmicas ou em experiências pessoais, que, por isso, segundo ele, “ganham legitimidade além do marco habitual e distorcido dos maniqueísmos ideológicos”. “Seu lançamento, entre os dois turnos das eleições, incorpora apreciação dos resultados da primeira volta e afina as perspectivas para a reta de chegada das candidaturas, apesar do clima visceral com que se vêm desenrolando as campanhas de um e de outro”, afirma o diretor, referindo-se aos candidatos do PT, Fernando Haddad, e do PSL, Jair Bolsonaro, à Presidência da República.

 

» Para acessar a revista, clique na imagem acima ou no link abaixo:
 http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2018/10/24/revista-politica-democratica-online/

 

Relevância e agilidade
O período eleitoral, de acordo com o editor da revista, Paulo Jacinto Almeida, faz com que a revista sirva como palco de debates sobre os projetos propostos para o país. “É de extrema relevância neste momento em que estamos escolhendo o próximo presidente da República”, destaca ele. “É a continuidade de um projeto existente desde o início do século, que vem debatendo política, democracia, esquerda e cultura na conjuntura brasileira e se torna fundamental ao auxiliar o internauta com informações e análises sobre este momento decisivo em nossa história”, acrescenta.

O editor ressalta que a publicação digital poderá ser acessada em qualquer plataforma, como celular, tablet ou desktop, e a qualquer momento. Segundo ele, a nova revista poderá otimizar um fator cada vez mais importante na sociedade do conhecimento: o tempo. “Ele (internauta) ganha agilidade e praticidade para se manter informado e acessar análises de temas cruciais para o nosso país”, diz Paulo.

A seguir, confira a relação de conteúdos da revista e seus respectivos autores:

*Lições do primeiro turno (Caetano Araújo)
*O que esperar de Jair Bolsonaro (Creomar Lima Carvalho de Souza)
*O que esperar de Fernando Haddad (Creomar Lima Carvalho de Souza)
*A verdade do oráculo digital (Sergio Denicoli)
*Quadrinhos (JCaesar)
*Reportagem de capa: Um país à beira do abismo (Cleomar Almeida e Germano Martiniano)
*Um olhar crítico sobre a democracia (João Batista de Andrade)
*Por quem os sinos dobram (Alberto Aggio)
*Ameaças à democracia (Elimar Pinheiro do Nascimento)
*Entrevista com Monica de Bolle: Agenda fiscal terá de ser prioridade do próximo presidente (André Amado, Caetano Araújo, Creomar de Souza e Priscila Mendes)
*Fernando Gasparian e a morte do nacional-desenvolvimentismo (Jorge Caldeira)
*Yuval Noah Harari investiga as inquietações do presente em “21 lições para o século 21” (Dara Kaufman)
*Atropelado pelas Emergências (Sérgio C. Buarque)