Venezuela

Fareed Zakaria: Esquerda dos EUA deve encontrar sua voz na Venezuela

Há sinais preocupantes de que a nova política externa dos democratas levará a um isolacionismo não tão diferente das concepções de Trump

O governo de Donald Trump enfrenta um teste na Venezuela. Ele precisa adotar uma política externa que contribua para a queda do regime de Nicolas Maduro, mas sem desencadear uma reação contra o que é percebido como “imperialismo americano”. E tem de respaldar uma transição que não ameace a velha guarda a ponto de ela lutar até o fim. E os EUA têm de se aliar a outras nações para ajudar um país que foi basicamente destruído na última década. Tudo isso exige uma diplomacia cuidadosa, multilateralismo e uma pressão silenciosa, não bombástica.

Mas a Venezuela também constitui um desafio para os democratas. Conseguirá o partido encontrar sua voz no caso da Venezuela e da política externa em geral? Até agora, observamos sinais preocupantes de que a nova política externa dos democratas poderá levar a um isolacionismo não tão diferente das concepções de Trump da “América em primeiro lugar”.

A deputada Tulsi Gabbard, do Havaí, afirmou que “os EUA não devem se envolver no caso da Venezuela e devem deixar o povo venezuelano determinar seu futuro”. Ilhan Omar, de Minnesota, disse: “Não podemos escolher líderes para outros países em nome de interesses corporativos multinacionais”. E o senador Bernie Sanders observou que “temos de aprender com as lições do passado e não nos envolvermos em mudanças de regime ou apoiar golpes”.

O guru da esquerda, Noam Chomsky, e outros 70 acadêmicos e ativistas, assinaram uma carta culpando ações dos EUA pela crise na Venezuela. É necessário explicar que os problemas da Venezuela foram causados por seu asqueroso governo? Que a população venezuelana não tem permissão para determinar o próprio futuro ou escolher seus líderes há anos, desde os tempos de Hugo Chávez?

O atual governo se agarrou ao poder fraudando eleições, procurando esmagar os partidos de oposição, amordaçando a mídia e usando força letal contra os que saem às ruas para protestar. O regime Chávez-Maduro destruiu o que foi um dia a nação mais rica da América Latina, produzindo uma inflação inimaginável de 1.000.000%. O indicador mais simples e desolador de como as coisas estão ruins na Venezuela é que, desde 2015, cerca de 3 milhões de venezuelanos fugiram.

Mas milhões estão lá e lutando. E multidões compareceram às urnas para votar contra esse governo, quase derrotando Maduro, em 2013, numa eleição desleal e conseguindo eleger um Parlamento de oposição, em 2015. E agora se uniram em torno de um líder de oposição, Juan Guaidó, e estão usando um processo constitucional para passar o controle do governo para o Parlamento eleito.

O governo venezuelano usou a sua riqueza vinda do petróleo para apoiar movimentos antiamericanos em toda a América Latina, de Cuba à Nicarágua. Mantém relações estreitas com traficantes de droga e está bem documentado que o país tem elos com Irã e o Hezbollah. O regime Maduro é apoiado por uma galeria de ditadores, de Vladimir Putin a Xi Jinping, Recep Tayyip Erdogan e os mulás iranianos.

Há um debate sobre o caminho a tomar no sentido de uma política externa progressista nos EUA. Existe um ceticismo, que é apropriado, quanto a um orçamento para a defesa que hoje é de US$ 700 bilhões e vem crescendo. Há lições a serem extraídas da ampliação demasiada do poder americano no exterior e das intervenções longas demais. A política com relação à Venezuela exigirá tato, cautela, um engajamento regional e mais. No entanto, para nos protegermos do perigo de erros e ações nefastas a resposta certamente não é o imobilismo resoluto.

Em um brilhante livro lançado no ano passado, A Foreign Policy for the Left, o filósofo político Michael Walzer (que é de esquerda) afirma que a posição padrão da esquerda tende para o imobilismo. O mundo é complicado, o poder americano pode ser mal utilizado e a informação nunca é suficiente, tudo isso serve para se manter fora de uma situação.

Walzer defende que, “num mundo assolado por guerras e conflitos civis, fanatismo religioso, ataques terroristas, nacionalismo de extrema-direita, governos tirânicos, enormes desigualdades e uma pobreza e fome generalizadas, o mundo exige uma atenção inteligente da esquerda”. / Tradução de Terezinha Martino


El País: Pressionado por ultimato europeu, Maduro se nega a abandonar o poder

O líder chavista rejeita, em entrevista na TV, a possibilidade de convocar eleições presidenciais

O líder chavista Nicolás Maduro rejeitou neste domingo em uma entrevista ao programa Salvados, de La Sexta, a possibilidade de abandonar o poder ou convocar eleições presidenciais. "Eu não aceito ultimatos de ninguém, a política internacional não pode ser baseada em ultimatos, por que a União Europeia deveria dar ordens a um país?", questionou Maduro, referindo-se ao prazo de oito dias — que terminou à meia-noite europeia — que foi dado por vários países europeus, incluindo Espanha, França, Reino Unido e Alemanha, para convocar eleições presidenciais. Na segunda-feira, espera-se que esses parceiros europeus reconheçam claramente o autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, após o prazo de oito dias dado ao líder chavista.

Ao final da entrevista, o apresentador do programa, Jordi Évole, ligou para Guaidó na frente de Maduro, mas seu telefone estava desligado e a caixa de correio estava cheia. O líder chavista deixou uma mensagem: "Pense bem no que você está fazendo, que você é um jovem, que você tem muitos anos de luta, que você não machuque mais o país, que você abandonou a estratégia do golpe, pare de simular uma presidência para a qual ninguém o escolheu, e se ele quer contribuir com algo, ele que se sente a uma mesa de conversação, cara a cara, diretamente, e nós falamos sobre os problemas do país, as soluções, que a política não é um jogo para meninos, exige muita responsabilidade, muito bom senso, por isso estou pedindo que você não seja usado por governos estrangeiros ou pelos velhos caciques da direita ”.

Durante a entrevista, Maduro acusou repetidamente Guaidó. "Há apenas um presidente da Venezuela", disse ele. E acrescentou: "Esta pessoa não é autorizada por nenhum artigo [legal], é uma piada autoproclamada em uma praça, não tem base constitucional, legal, protocolar, formal...". "Eles buscam dividir e uma intervenção que impõe um governo fantoche, eles tentam gerar a impressão de um governo paralelo que existe na mídia internacional, mas não existe na realidade", acrescentou.

Maduro argumentou que o processo de mobilização da oposição e a autoproclamação de Guaidó é parte de um golpe de Estado. "É uma campanha muito perigosa, como a que fizeram na Líbia", alertou, e defendeu a decisão de armar as milícias populares. "São as pessoas organizadas com armas em bairros, fábricas, universidades, dois milhões, há 50.000 unidades com um sargento cada, as pessoas já estão se armando", explicou.

Quando questionado sobre o risco de um conflito armado, Maduro disse: "Não depende de nós". Ele acrescentou: "Tudo depende do nível de loucura e agressividade do império do norte e seus aliados, eles querem voltar para o século 20, para saquear nossos recursos naturais, não pode ser." Quanto à possibilidade de um diálogo com a oposição, assegurou que fez "mil propostas privadas e públicas" tanto à oposição quanto ao governo dos Estados Unidos, ao qual pediu "respeito" e atribuiu ao racismo a falta de de comunicação: "A supremacia branca que governa a Casa Branca absolutamente despreza nosso povo."


Folha de S. Paulo: Após crise, Itamaraty está sob tutela de militares do governo

Ação ocorreu após Ernesto Araújo assinar documento sobre a Venezuela sem consultar generais

Por Igor Gielow, da Folha de S. Paulo

A ala militar do governo promoveu uma espécie de intervenção branca no Itamaraty, tutelando os movimentos do chanceler Ernesto Araújo sobre temas considerados sensíveis —crise na Venezuela à frente.

O chanceler, que nunca comandou um posto no exterior, se indispôs com os militares logo na largada do governo, numa crise até aqui inaudita.

No dia 4 de janeiro, ele participou de reunião no Peru do Grupo de Lima, que reúne 14 países para discutir a situação política venezuelana.

O grupo, que considera ilegítima a reeleição do ditador Nicolás Maduro no ano passado, se encontrou para determinar novas medidas contra o governo em Caracas.

Quando o documento foi divulgado, militares ligados à área de inteligência ficaram de cabelo em pé com o item “D” das providências anunciadas: “Suspender a cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro”, dizia o texto.

Só que Araújo não consultou a área militar sobre isso. E é justamente a cooperação com as Forças Armadas venezuelanas que mantém o Brasil minimamente informado sobre os passos da ditadura.

Isso ocorre tanto devido ao “backchannel”, informações de bastidor trocadas por oficiais, como com a observação direta da área de inteligência. Como diz um experiente negociador da região, o Brasil sabe mais sobre Caracas por meio dos próprios militares chavistas do que por canais diplomáticos regulares.

Isso aconteceu enquanto uma outra crise, essa pública, transcorria. Também na primeira semana do governo, o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler defenderam a instalação de uma base americana no Brasil, algo que soa herético aos militares daqui.

O general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) buscou o reduzir a um mal-entendido por parte da mídia —o fato de que o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, confirmou a oferta foi convenientemente deixado de lado.

No caso da Venezuela, alguns oficiais sugeriram que Araújo fosse demitido. Outros ponderaram sobre o dano de imagem que tal queda geraria e sugeriram que ele se consultasse mais com os ministros egressos da área militar.

Pelo menos dois generais com assento importante no governo conversam regularmente com o chanceler.

Um diplomata alinhado à nova chefia diz que isso é normal, dada a sobreposição de responsabilidades entre Itamaraty e militares.

Já um outro embaixador, em posição mais privilegiada mas no campo que Araújo promete remover de cargos de comando no ministério, afirma que não há comunicado sensível do chanceler que não tenha o teor discutido com a área de Defesa.

Seja qual for a gradação, o efeito da tutela foi visto ao longo do mês. Araújo reduziu sua visibilidade no caso Venezuela a poucas declarações e 7 das 22 postagens que fez no Twitter em janeiro.

Na mão inversa, o general Hamilton Mourão, o vice-presidente que ocupou a cadeira de Bolsonaro por seis dias no mês, falou em diversas ocasiões vezes sobre a crise.

Numa delas, na semana passada, indicou qual os caminho que as Forças Armadas da Venezuela deveriam tomar: oferecer uma saída ao ditador.

Mourão também antecipou movimentos que Araújo confirmou em entrevista coletiva na sexta (1º), como atender o pedido do líder oposicionista Juan Guaidó para o envio de ajuda à Venezuela e promover sanções econômicas contra membros do regime.

Até por não ser demissível, o general tem vocalizado a insatisfação. Como presidente interino, recebeu duas delegações árabes para dizer que não haverá a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, promessa de campanha de Bolsonaro repetida ao premiê israelense, Binyamin Netanyahu.

Araújo apenas disse que mudança está em estudo.

O movimento é destinado a agradar a base evangélica do presidente, que vê no reconhecimento da cidade como capital de Israel o restabelecimento de uma verdade bíblica e uma antessala para a volta de Cristo à Terra.

Os árabes, grandes compradores de aves brasileiras, prometem retaliar porque o status de Jerusalém é disputado entre palestinos e israelenses.

O vice também descartou, como já fizera o general Heleno e o próprio Bolsonaro, qualquer intervenção militar contra Maduro. A ideia foi ventilada várias vezes pelo presidente americano, Donald Trump, e os fardados temem que o chanceler se inspire em seu ídolo declarado.

Mourão também trocou farpas públicas com Olavo de Carvalho, o misto de escritor e ideólogo a quem Araújo deve seu discurso político e a indicação, feita por meio de Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL-SP. Ele, Araújo e o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, são alunos de Olavo engajados no projeto de “livrar o Itamaraty das amarras ideológicas”, como diz o presidente.

O vice também criticou o chanceler numa entrevista à revista Época, dizendo que ele não havia dito a que veio. Em particular, oficiais da ala militar e generais da ativa são bem menos diplomáticos, especialmente quando comentam o caudaloso discurso de estreia de Araújo. Outras manifestações, como o artigo em que creditou a Deus a união entre Bolsonaro e Olavo, são apenas alvo de chacota.

Não por acaso, Mourão tem se encontrado com embaixadores para tentar desfazer a má impressão que o governo Bolsonaro causa entre políticos estrangeiros —salvo, naturalmente, Trump e líderes assemelhados na Itália, Hungria ou Israel.


Luiz Werneck Vianna: O Brasil acima de tudo

A presença afirmativa do País não deve e não pode se comprometer por políticas de ocasião

Tempos sombrios os que vivemos, as portas do inferno se abrem diante do nosso olhar descuidado para os perigos a que estamos expostos com uma guerra civil rondando nossa vizinha Venezuela. A dualidade de poder, como registram os clássicos da teoria política, dificilmente suporta situações de equilíbrio e tende a desatar conflitos em que um dos polos envolvidos procura eliminar o seu rival, ou por uma solução de guerra civil, ou induzindo a erosão completa das suas bases de sustentação, favorecendo, no melhor dos casos, a intervenção da política em favor dos setores sociais que se demonstrarem hegemônicos.

O caso venezuelano, em que um grupo opositor ao governo consagrou nas ruas um presidente da República, negando legitimidade ao que está no exercício do poder, conhece a particularidade de que o poder rejeitado de Nicolás Maduro por movimentos sociais e vários partidos políticos em grandes manifestações conta com o apoio de instituições estatais, fundamentalmente do aparato militar, até então coeso na defesa do atual governo. Das duas, uma: ou a oposição – hoje amparada por governos poderosos da região, como, entre outros, o americano, o brasileiro, o argentino, e até de países poderosos europeus, num revival dos tempos coloniais – tem sucesso em abalar de tal forma o governo Maduro que o leve à renúncia; ou, alternativamente, apela ao recurso de uma intervenção armada dos seus aliados internacionais, entre os quais o Brasil, a fim de resolver suas questões internas.

Na hipótese de o governo brasileiro optar pela via tresloucada da intervenção militar, diante de uma cerrada defesa militar da Venezuela do seu governo e seu território, vai para a lata do lixo uma tradição centenária da nossa política externa, inaugurada pelo barão do Rio Branco – não por acaso, nome de avenidas urbanas nas principais capitais do País –, de conduzir as relações internacionais em paz, por meio de soluções negociadas, empenhada historicamente, nas palavras de Rubens Ricupero em seu monumental A Diplomacia na Construção do Brasil, em ver nosso país “reconhecido como força construtiva de moderação e equilíbrio a serviço da criação de um sistema internacional mais democrático e igualitário, mais equilibrado e pacífico” (Versal, 2017, página 31).

Tradições nacionais enraizadas como as da nossa política externa não se deixam cancelar por atos de vontade, elas conformam a nossa segunda pele, embora estejam em risco sob a condução do atual chanceler, que pretende conduzi-la com o espírito de cruzada do que entende, por questões metafísicas, ser uma luta do bem contra o mal. Não se pode afastar a possibilidade de que nuestra America, este extremo Ocidente, nas palavras do cientista político francês Alain Rouquié, seja arrastada, à falta da presença de paz e de uma política de negociação nos conflitos da região que o Brasil sempre representou, seja deslocada para o Oriente político por políticas desastradas que nos conduzam à guerra.

Nesse caso infeliz, a ressurgência da guerra fria dos anos 1950, já em curso, encontraria seu novo ponto quente na América Latina, como se faz indicar na forte contraposição entre Estados Unidos, Rússia e China e seus aliados sobre a questão da Venezuela.

A entrada em cena de países europeus, como Espanha, Alemanha, Reino Unido, França e Portugal, ao apresentarem um ultimato ao governo de Maduro para que convoque novas eleições presidenciais no prazo de oito dias, sob pena de reconhecerem o governo do seu opositor Juan Guaidó, dramatiza ainda mais o conflito venezuelano, que assim escala definitivamente da dimensão regional para a mundial. Ignorado esse ultimato, uma guerra civil com participação de forças externas pode escapar de cálculos de gabinete para se tornar possível.

Uma vez que ainda estamos no terreno das especulações, digamos que Nicolás Maduro queira emular – e tenha estofo pessoal para tanto – o destino trágico de Salvador Allende, e, se for o caso, defender seu governo de armas na mão, vindo a ser eliminado fisicamente. Sua remoção do governo, distante de uma operação de precisão cirúrgica, pode precipitar uma guerra civil com evidente potencial para se expandir ao longo das suas fronteiras nacionais, entre as quais a brasileira.

Essa possibilidade terrificante, que não é de laboratório, ainda pode ser afastada com o pronto retorno da política externa brasileira ao seu leito historicamente comprovado pela experiência acumulada dos seus estadistas. Se as palavras ainda valem, o fato de a advertência de que devemos ser fiéis às nossas tradições de não intervenção na política dos países vizinhos ter vindo do vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, e não dos próceres da nossa política externa, acende um ponto de luz a ser estimulado.

Quando vista comparativamente no cenário do subcontinente, a formação do nosso Estado e da sua política é a mais robusta confirmação do gênio político dos próceres que estabeleceram seus fundamentos. O caudilhismo, tão presente na política dos nossos vizinhos, não encontrou aqui lugar propício e, sobretudo, realizamos a obra-prima da unidade territorial, ao contrário da balcanização dos países hispano-americanos. Soubemos ainda preservar as instituições políticas comprometidas com os ideais civilizatórios declarados pela nossa primeira Constituição, sob inspiração do estadista José Bonifácio.

Com essas credenciais fomos reconhecidos como capazes de mediação nos conflitos regionais, com ênfase nas negociações políticas em favor de soluções pacíficas. A presença afirmativa do Brasil, garante de equilíbrio no subcontinente, não deve e não pode se comprometer por políticas de ocasião que transfiram sua soberania a potências externas a nós, sejam quais forem, em suas disputas geopolíticas e econômicas. Para ficar com palavras da moda, o Brasil acima de tudo.


Nelson de Sá: Doutrina Monroe ronda ação dos EUA na Venezuela

Resposta americana 'às eleições fraudulentas na Guatemala e em Honduras' foi diferente, aponta FT

Na capa do New York Times de domingo, “Rubio assume papel de destituidor-chefe na Venezuela”. Mostra como o senador pela Flórida, “ao lado do vice Mike Pence”, dobrou Donald Trump e “comanda estratégia dos EUA na Venezuela”.

A CNN entrevistou Marco Rubio e o Washington Post destacou que ele negou que os EUA estejam dando “um golpe”, citando o apoio de outros: “Isso não é EUA. Isso é Honduras. Isso é Guatemala. É Brasil, Colômbia, Argentina etc. etc.”.

No Financial Times, o colunista Edward Luce sublinhou a mudança de Trump, que admitiu intervenção militar porque “a Venezuela não é muito longe”, como um sinal de retorno à Doutrina Monroe, “pela qual os EUA tratam o Hemisfério Ocidental [as Américas] como o seu quintal”.

As desculpas são seletivas, acrescenta Luce, lembrando que o governo americano “tem sido alheio às eleições fraudulentas na Guatemala e em Honduras”. Arrisca que a diferença é que “os refugiados de Guatemala e Honduras tendem a ser pobres, enquanto as elites financeiras venezuelanas na Flórida, que o visitam na ‘Casa Branca de inverno’ em Mar-a-Lago, não são”.

Pelo sim, pelo não, o Huanqiu/Global Times, ligado ao PC chinês, afirmou que “a comunidade internacional deve atentar para a Doutrina Monroe mais uma vez semeando desastre na América Latina”.

GUERRA À HUAWEI
Na manchete digital do NYT ao longo do domingo, “EUA pressionam aliados para combater Huawei em nova corrida armamentista com China”. Querem barrar a gigante chinesa, que está à frente das concorrentes americanas na “transição para as revolucionárias redes 5G”. Os “aliados” citados são os europeus Alemanha, Reino Unido e Polônia.

Fechando o domingo, na manchete do FT, “Enviado da China à União Europeia ataca ‘calúnias’ contra Huawei”.

RUIM PARA OS NEGÓCIOS
Em contraste com as coberturas dos desastres de Mariana e do Museu Nacional, a tragédia em Brumadinho vem tendo relativamente pouco destaque no exterior, restrita agora ao noticiário das mortes.

O francês Le Monde avançou um pouco com a reportagem “Rompimento reaviva controvérsia sobre segurança dos complexos de mineração”.

E a Bloomberg deu análise sob o título “Postura pró-negócios de Bolsonaro é testada pelo rompimento mortal de represa”.

COMMODITY
O chinês Huanqiu, com despachos de agências russas, foi dos poucos jornais a manchetar (acima, via celular) no exterior o rompimento da barragem "de minério de ferro" no Brasil.

*Nelson de Sá é jornalista, foi editor da Ilustrada.


Portal do PPS: Reconhecimento internacional de Guaidó dá novo rumo à luta contra ditadura Maduro, diz Freire

Dualidade: Guaidó se autodeclara presidente da Venezuela e ganha apoio internacional

O presidente do PPS, Roberto Freire, disse que o reconhecimento internacional e o apoio da população à Assembleia Nacional e Juan Guaidó, que se autodeclarou presidente da Venezuela, nesta quarta-feira (23), dará novo rumo à luta contra ditadura de Nicolás Maduro.

“O reconhecimento internacional e o apoio do povo à AN [Assembleia Nacional] e seu presidente [Guaidó] novo rumo terá a luta contra a ditadura de Maduro”, escreveu Freire em seu perfil no microblog Twitter.

O Brasil foi um dos primeiros países na América Latina a reconhecer Guaidó como presidente interino da Venezuela. Estados Unidos, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru também condenaram o regime de Nicolás Maduro.

Freire disse ainda na rede social que não foi apenas a instalação da dualidade de poder na Venezuela, mas que “começaram os movimentos e conflitos para uma futura – que pode estar mais próxima do que aparenta – decisão do impasse político entre a ditadura de Maduro e a democracia da AN”, o Parlamento venezuelano de maioria oposicionista.

Em nota pública (veja aqui), o PPS reconheceu Guaidó como presidente interino da Venezuela e afirma que “ele tem a legitimidade democrática necessária para superar a crise política que vigora há bastante tempo” na Venezuela.

Além de apoiar Guaidó, o partido “alerta que a solução do impasse venezuelano tem que ser resolvido pelo seu povo, de forma democrática e livre, e não por qualquer tipo de intervenção externa”.

 


Matias Spektor: Bolsonaro pressiona Venezuela, mas plano tem falhas

Governo brasileiro precisa recorrer a medidas que reduzam a dependência de Juan Guaidó

O governo Bolsonaro começou a entregar sua promessa de redobrar a pressão contra a ditadura venezuelana.

O Brasil reconheceu Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional em Caracas, como o legítimo chefe de governo venezuelano. No Twitter, o chanceler Ernesto Araújo aproveitou para chamar Nicolás Maduro de “ex-presidente”.

Poucas horas depois, os americanos fizeram o mesmo. Aproveitando o movimento, o vice-presidente Mike Pence prometeu apoiar o povo venezuelano, caso ele “levante a sua voz num pedido de liberdade”.

Os protestos de rua ocorridos nesta quarta-feira (23) contra Nicolás Maduro só dão fôlego adicional ao Palácio do Planalto. Nos próximos dias, numerosos países seguirão a coalizão sul-americana a reboque.

A implicação imediata disso tudo é elevar o passe de Bolsonaro junto ao governo dos Estados Unidos. O presidente brasileiro se apresentará como esteio da estabilidade regional.

Se a tese segundo a qual Guaidó é o melhor caminho para uma transição democrática ganhar força, também sairá fortalecido o ministro das Relações Exteriores, um de seus mais ativos artífices.

O problema é que essa estratégia tem um problema.

​Guaidó está longe de ser uma liderança consolidada. Ele não conta com base ampla nem controla as ruas. Seu programa de governo é vago, utópico e não oferece plataforma crível para a construção da coalizão que será necessária num esforço de restauração da democracia.

Por isso, o Brasil precisa complementar esse trabalho com outras medidas que reduzam a dependência de Guaidó.

A primeira é a necessidade urgente de diálogo entre o Brasil e as Forças Armadas venezuelanas. Hoje, esse canal não existe, mas não há saída para a crise do país vizinho que exclua os militares.

A construção desse canal também importa porque, ao menos no primeiro momento, Maduro vai redobrar a repressão contra a população.

A segunda medida diz respeito à construção de pontes com aqueles líderes políticos venezuelanos que têm máquina e influência real.

Muitas vezes, trata-se de gente jovem que, outrora chavista, se posiciona agora contra Maduro. Os governadores das províncias de Miranda e Carabobo são exemplos disso.

Se houver um levante popular generalizado e duradouro, então essa gente terá papel decisivo na construção de soluções para a crise no futuro.

Por fim, está a questão da China e da Rússia, as duas potências que ainda apoiam o regime venezuelano. A capacidade brasileira de pressionar esses países é quase nula. Mas o argumento de que eles ganharão mais sendo parte da solução do que do problema precisa ser feito um dia. Esta é uma boa hora para começar.

*Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.


Clóvis Rossi: Acabou, Nicolás, fuja enquanto dá

Nunca antes um ditador foi tão repudiado como o venezuelano

Nunca vi, em tantos e tantos anos de cobertura de manifestações de massa, uma multidão tão impressionante como a que se reuniu nesta quarta-feira (23) em Caracas para repudiar a ditadura de Nicolás Maduro.

Para quem gosta de comparações, a Folha calculou em 1 milhão de pessoas a massa concentrada no Anhangabaú para o comício das diretas, em 1984. Eu observei —e o jornal publicou— que achava um exagero e comparei com a multidão que, meses antes, acompanhara o comício de encerramento da campanha de Raúl Alfonsín à Presidência argentina. Havia mais gente.

Pois bem: em Caracas havia mais gente ainda do que nos dois grandes atos de massa citados (para não mencionar que houve manifestações igualmente importantes em várias outras cidades). Pelo menos é o que dá para deduzir das fotos feitas com drones e penduradas no site do jornal espanhol El País.

Não resta, pois, a mais remota dúvida de que a Venezuela em massa rejeita Nicolás Maduro. Não por acaso, um dos gritos mais populares da manifestação foi “não quero ‘bono’, não quero CLAP, o que quero é que se vá Nicolás".

“Bono” é o “Bonus de la Pátria", dinheiro vivo para comprar pelo menos a anestesia popular; CLAP são os Comitês Locais de Abastecimento e Preços, que distribuem cestas básicas com a mesma finalidade.

Se serviram, até agora, para evitar que a rua fervesse, como ferveu nesta quarta-feira, já não bastam. A pergunta seguinte inevitável é: Nicolás se irá?

Claro que não há uma resposta para a pergunta, por enquanto. Há, entretanto, um dado que pode vir a ser relevante no futuro imediato: a oposição ganhou claramente uma lufada de ar fresco com a escolha para comandá-la de Juan Guaidó (pronuncia-se Guaidô). O tamanho da manifestação dá força à sua proclamação como “presidente em exercício”. Força acentuada pelo reconhecimento por Donald Trump.

Pode ser a chance de iniciar de fato um processo de transição. Ainda mais se prosperar a iniciativa que cinco países europeus estão propondo à Federica Mogherini, uma espécie de chanceler do bloco: França, Itália, Portugal, Holanda e Espanha querem criar o que chamam de “grupo de contato” para facilitar o diálogo entre as autoridades da Venezuela e a oposição para superar a atual situação.

Sou muito cético em relação ao diálogo com Maduro e companhia. Se tivessem um mínimo de decência, já teriam procurado um meio de enfrentar a crise ou, mais decentemente ainda, teriam renunciado e fugido.

Mas não parece haver outra alternativa, descartada como o foi por todos os atores relevantes uma intervenção militar que seria de fato catastrófica.

Se o Brasil tivesse um chanceler credenciado, ele já estaria de volta ao Brasil, para gerenciar uma crise tão tremenda em um país vizinho, em vez de deixar a iniciativa nas mãos de europeus e americanos.

Seu papel em Davos é irrelevante, para não dizer patético. Aqui, poderia coordenar com os países vizinhos e com as embaixadas europeias uma maneira de forçar Maduro a um diálogo realmente produtivo. Se fosse eu, ofereceria um avião para que Maduro e sua turma fujam para Cuba, com o que puderem levar. É a maneira expedita de atender ao grito da rua caraquenha de que Nicolás se vá. E já iria tarde.

*Clóvis Rossi é repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.


O Estado de S. Paulo: Militares brasileiros alertam para conflito interno no chavismo

Generais das Forças Armadas ouvidos pelo Estado afirmaram que o futuro de Nicolás Maduro dependerá do apoio que ainda terá dos militares venezuelanos

Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo

Generais das Forças Armadas ouvidos pelo Estado afirmaram que o futuro de Nicolás Maduro dependerá do apoio que ainda terá dos militares venezuelanos. Para eles, a Venezuela não tem uma resistência organizada. Não se tem certeza do quanto se resistiria porque não se sabe exatamente com que parte das Forças Armadas a oposição poderia contar e se esse número seria expressivo.

Os militares brasileiros lembram ainda que existem três grupos armados na Venezuela a serviço do governo. Além das próprias forças, há as milícias e a Guarda Nacional, e todos vivem das benesses dadas por Maduro. Por isso, há dúvidas sobre a proporção e se haveria algum apoio desses grupos ao líder opositor venezuelano Juan Guaidó, que se declarou presidente interino da Venezuela.

De acordo com esses militares, uma saída seria Maduro, vendo que a pressão internacional contra ele cresceu e a situação em seu país começa a sair do controle, pedir asilo a algum “país amigo” como Cuba ou Nicarágua. Mas não há previsão sobre quando isso poderia acontecer, embora as fontes militares ressaltem que nenhum país consegue conviver com a instabilidade de “dois presidentes no poder”. As mesmas fontes militares ressalvam que nada na Venezuela ocorre rapidamente, necessitando de um “período de maturação”. Os militares ouvidos torcem para que esse período seja breve.

Oposição convoca manifestação na Venezuela
A rapidez do Brasil em reconhecer Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, conforme ele mesmo se declarou, não foi considerada precipitada. Segundo apurou o Estado, todo este desenho já estava sendo construído e foi amplamente discutido na semana passada, durante a visita do presidente da Argentina ao Brasil, Mauricio Macri.

Fontes do governo brasileiro asseguram que não há o menor risco de qualquer envolvimento das Forças Armadas brasileiras com a Venezuela. Os militares, assim como a diplomacia brasileira, estão acompanhando atentamente o desenrolar dos fatos. Nesta quarta-feira, 23, quando ocorreram confrontos e tumultos no país vizinho, não houve registro de aumento significativo de entrada de venezuelanos no Brasil. Embora as Forças Armadas estejam alertas, não há nenhuma movimentação de tropas nas fronteiras com a Venezuela.

Há, no entanto, uma grande preocupação com a possibilidade de confronto entre os próprios militares venezuelanos, em razão da tensão provocada pela promessa de anistia a militares que desertarem, feita pela oposição. Hoje, a cúpula das Forças Armadas venezuelanas está comprometida com o governo Maduro. Na avaliação dos oficiais brasileiros, eles foram corrompidos a ponto de existirem mais de 2 mil generais, número considerado “absurdo”. No Brasil existem cerca de 150 generais.

Maduro chama Bolsonaro de 'Hitler moderno'
Maduro seguiu o receituário de Hugo Chávez e alimentou a lealdade das Forças Armadas com cargos políticos e posições de comando em estatais. No entanto, a avaliação de militares é que existem focos de resistência interna, em postos mais baixos. Os militares de baixa patente, vendo o apoio crescente de organizações internacionais e de várias nações, poderiam ajudar a sustentar Guaidó, evitando sua prisão. Além das Forças Armadas, a Guarda Nacional e as milícias são fortes apoiadoras do chavismo e de Maduro.

Armados e com poder similar ao de forças policiais, os integrantes da guarda são conhecido por reprimir manifestantes, como visto durante a última onda de protestos na Venezuela, em 2017.

Segundo as fontes ouvidas pelo ‘Estado’, com o governo brasileiro apoiando o governo de oposição na Venezuela, as autoridades militares e diplomáticas estarão em alerta máximo, aguardando a evolução dos fatos, para que o presidente Jair Bolsonaro possa dar os próximos passos em relação ao país vizinho.


Luiz Carlos Azedo: Dualidade de poderes

“Grandes manifestações populares, apesar de toda repressão policial e a violência das milícias chavistas, demonstram que a sociedade venezuelana já não aceita o governo de Maduro”

O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, que é o líder da oposição, se declarou ontem presidente interino do país, diante de gigantesca manifestação popular em Caracas: “Na condição de presidente da Assembleia Nacional, ante Deus, a Venezuela, em respeito a meus colegas deputados, juro assumir formalmente as competências do Executivo nacional como presidente interino da Venezuela. Para conseguir o fim da usurpação, um governo de transição e ter eleições livres.”

Guaidó foi imediatamente reconhecido presidente por Estados Unidos, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Guatemala, além do Brasil. O Itamaraty emitiu uma nota oficial na qual “reconhece o Senhor Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela”, além de anunciar que “apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem”. O presidente Nicolás Maduro, considerado um ditador pelo Grupo de Lima e pelos Estados Unidos, porém, não pretende deixar o cargo: “Aqui não se rende ninguém, aqui não foge ninguém. Aqui vamos à carga. Aqui vamos ao combate. E aqui vamos à vitória da paz, da vida, da democracia”. Maduro acusa o presidente Donald Trump de liderar um complô contra o regime chavista e rompeu relações com os Estados Unidos, dando um prazo de 72 horas para os diplomatas norte-americanos deixarem a Venezuela.

A tragédia social venezuelana, com a emigração em massa, já vem de alguns anos. A fome fez os venezuelanos perderem, em média, 11 quilos no ano passado. Já são 12 trimestres seguidos de recessão. Entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que caia mais 15% neste ano. Com a hiperinflação, essa é uma linha de força da crise contra a qual Maduro nada pode fazer. O colapso do modelo de capitalismo de Estado venezuelano, mesmo com tanto petróleo, não pode ser superado sem um consenso social e político em torno de reformas de caráter liberal na economia. A linha adotada por Maduro, na direção de aprofundar a socialização do país, não tem respaldo político na sociedade nem pode se sustentar apenas no apoio da Rússia, da China e de Cuba.

Os artifícios usados por Maduro para se perpetuar no poder, fraudando eleições, aparentemente se esgotaram. Um sinal de sua fraqueza é o fato de que até agora não conseguiu fechar a Assembleia Nacional, que desafia seu poder. As grandes manifestações populares, apesar de toda repressão policial e a violência das milícias chavistas, demonstram que a sociedade já não aceita o governo de Maduro. Pela sua própria natureza, tal situação não pode ser estável. A sociedade necessita de uma nova concentração de poder, que pode se dar por duas vias: a renúncia de Maduro e um pacto com os militares para transitar à democracia, ou o fechamento da Assembleia Nacional e a implantação de uma ditadura aberta, com prisões em massa. Os militares bolivarianos apoiam Maduro porque controlam a maioria dos ministérios e das empresas estatais.

Mudança de postura

O modelo clássico de dualidade de poderes é a Revolução Inglesa (1625-1688) do século XVII, na qual o poder real, apoiado pelos aristocratas e bispos, se opunha à burguesia e aos fidalgos das províncias reunidos no Parlamento presbiteriano londrino. A longa luta entre esses dois polos de poder resultou numa guerra civil, numa ditadura e numa revolução democrática. Enquanto Londres e Oxford rivalizavam como centro de poder, surgiu uma terceira força, o Exército de Cromwell, que estabeleceu uma ditadura pretoriana. Com sua morte, nova dualidade de poderes se estabeleceu. Carlos II (1660 – 1685) foi proclamado rei da Inglaterra com poderes limitados. O parlamento se dividiu em dois grupos: os Whigs, que eram contra o rei e ligados à burguesia, e os Tories, defensores feudais e ligados à antiga aristocracia.

Com a morte de Carlos II, seu irmão Jaime II assumiu o governo, mas quis restaurar o absolutismo e o catolicismo, e acabou com o habeas corpus, proteção à prisão sem motivo legal. O parlamento não tolerou esse comportamento e convocou Maria Stuart, filha de Jaime II e esposa de Guilherme de Orange, para ser a rainha. Essa foi a Revolução Gloriosa. Guilherme se tornou rei e assinou a Declaração dos Direitos, que concedia amplos poderes ao Parlamento e vigora até hoje. Ao longo da história, esse tipo de dualidade de poderes se repetiu em vários países, em momentos diferentes, como na Revolução Francesa (1789-1799) e na Revolução Russa (1917-1921).

Ninguém sabe ainda o que vai acontecer com a Venezuela, mas a sua situação política se alterou radicalmente com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Maduro perdeu seu principal aliado no subcontinente, o Brasil, bem antes disso, com o impeachment de Dilma Rousseff. O governo de Michel Temer já havia tomado distância regulamentar de Maduro, mas não havia assumido uma postura de alinhamento automático com os Estados Unidos nem o apoio escancarado à oposição venezuelana, embora as pressões norte-americanas para uma postura mais agressiva já existissem, a ponto de o Departamento de Estado pedir ao governo brasileiro que mandasse tropas para a Guiana, temendo uma invasão do Exército venezuelano no país vizinho, em razão de uma disputa de fronteiras.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-dualidade-de-poderes/


O Globo: Brasil reconhece Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela

Bolsonaro afirma que apoiará 'processo de transição' no país vizinho; EUA e mais nove países do continente também reconhecem, ao contrário do México

Por Eliane Oliveira e Daniel Rittner

BRASÍLIA E DAVOS — Ao lado de pelo menos mais 10 governos, incluindo o dos Estados Unidos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, reconheceu na tarde desta quarta-feira o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, como presidente interino daquele país. "O Brasil apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem à Venezuela", escreveu Bolsonaro em uma rede social.

Além do Brasil e EUA, reconheceram Guaidó como "presidente encarregado" Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Paraguai, Guatemala, Costa Rica, Equador e Canadá. A União Europeia disse apenas que "acompanha de perto" a situação venezuelana e estabeleceu consultas entre os 28 países-membros do bloco. O México anunciou que, por enquanto, continuará reconhecendo Nicolás Maduro como presidente.

Em Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial, Bolsonaro prometeu dar "todo o apoio necessário" para o reconhecimento internacional de Guaidó como presidente e para a mudança de regime na Venezuela. Ele fez uma rápida declaração ao lado do colega colombiano, Iván Duque, da vice-presidente peruana, Mercedes Araóz, e da chanceler canadense, Christya Freeland. Todos participaram de um "diálogo diplomático" sobre a crise venezuelana.

— O Brasil, juntamente com os demais países do Grupo de Lima ao longo do dia, que estão reconhecendo um a um esse fato, nós daremos todo o apoio político necessário para que esse processo siga seu destino — afirmou Bolsonaro, referindo-se ao grupo formado por 14 países da América Latina e do Caribe mais o Canadá.

Duque foi na mesma linha:

— Quero expressar que a Colômbia reconhece Juan Guaidó como presidente da Venezuela e acompanha esse processo de transição rumo à democracia, para que o povo venezuelano se libere da ditadura.

O Itamaraty divulgou uma nota em que afirma que o reconhecimento da proclamação de Guaidó se dá "de acordo com a Constituição daquele país" e "tal como avalizado pelo Supremo Tribunal de Justiça" no exílio.

A oposição, que tem maioria na Assembleia Nacional eleita em 2015, já havia declarado Nicolás Maduro um "usurpador" da Presidência desde que ele tomou posse para um segundo mandato, em 10 de janeiro, depois de ser reeleito em maio de 2018 em um pleito boicotado pelos opositores porque, segundo eles, não cumpria as condições mínimas de transparência e liberdade.

Guaidó, que se proclamou "presidente encarregado" durante uma jornada de protestos contra Maduro em Caracas nesta quarta, recebera carta branca de boa parte dos países do Grupo de Lima para se declarar presidente interino.

A situação na Venezuela foi discutida na semana passada, em Brasília, em reuniões entre membros do primeiro escalão do governo —- entre os quais o chanceler Ernesto Araújo e o ministro da Justiça, Sergio Moro — e líderes exilados da oposição a Maduro. Também participaram das conversas representantes do governo americano e do Grupo de Lima.

O presidente americano, Donald Trump, foi o primeiro dirigente estrangeiro a reconhecer o líder opositor como presidente interino da Venezuela. "Continuaremos a considerar o ilegítimo regime de Maduro como responsável direto por qualquer possível ameaça à segurança do povo venezuelano", disse o chefe da Casa Branca em comunicado. Trump afirmou ainda que "usará todo o peso econômico e o poder diplomático dos EUA para pressionar pela restauração da democracia venezuelana". Os EUA informaram que consideram "todas as opções" se Maduro usar a força na Venezuela.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, pediu a Maduro que "abandone a Presidência em favor de um líder legítimo, refletindo a vontade do povo venezuelano". Pompeo também exortou militares e forças de segurança do país a "apoiarem a democracia e protegerem os cidadãos".

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, cumprimentou Guaidó. "Tem todo o nosso reconhecimento para impulsionar o retorno do país à democracia", tuitou Almagro, que tem o apoio de Brasil, Colômbia e EUA, entre outros, para reeleger-se para o cargo.

Europa tenta facilitar diálogo
Mais cedo, em Davos, o chanceler do Paraguai, Luis Castiglioni, disse que vê o Brasil como uma "ponte" para convencer China e Rússia, hoje alicerces internacionais para a sobrevivência política de Maduro, a mudar de posição.

— É uma facilidade que o Brasil tem o Brasil como membro dos Brics — disse o ministro, depois de reunião com o colega brasileiro, Ernesto Araújo.

Para ele, é necessário mostrar aos chineses e aos russos como o regime venezuelano é "pernicioso". Pequim, sobretudo, vem fazendo empréstimos bilionários a Caracas em troca de compromissos de fornecimento de petróleo em longo prazo. O chanceler destacou a importância de construir uma "aliança global" em torno do assunto e afirmou que espera um "forte compromisso" da União Europeia.

A autoproclamação de Guaidó ocorre quando os europeus tentam promover um "grupo de contato" internacional para buscar uma saída negociada para a crise no país por meio de um diálogo entre governo e oposição. Embora não reconheça as eleições que levaram à reeleição de Maduro, a UE resiste a romper relações com o governo venezuelano e promove desde outubro este grupo que não busca mediar, mas facilitar um diálogo.

Os embaixadores europeus na Venezuela expuseram essa iniciativa, que esperam lançar em meados de fevereiro com a participação de países da América Latina, no fim de semana passado em duas reuniões com Maduro e com Guaidó.


Demétrio Magnoli: Gleisi, falemos sobre Ariana

Quando empresta sua solidariedade à ditadura de lá, perde o direito moral de denunciar a ditadura de cá

Na posse de Nicolás Maduro para um segundo mandato, compareceram apenas os líderes de Cuba, da Nicarágua, da Bolívia, de El Salvador e de alguns micro-Estados caribenhos.

Mas Gleisi Hoffmann esteve em Caracas para prestar “solidariedade ao povo venezuelano”, na senha ritual petista que significa, de fato, solidariedade à ditadura chavista.

A presidente do PT não se encontrou com Ariana Granadillo, sobre a qual possivelmente nada sabe. Sugiro-lhe uma rápida pesquisa no site do Foro Penal, organização independente venezuelana dedicada à defesa dos presos e perseguidos políticos no país. A história da jovem talvez propicie-lhe uma revisão de consciência.

Ariana tem 21 anos, estuda medicina e mora com um parente em Caracas, onde faz residência num hospital. Para seu azar, o parente é um oficial militar investigado sob a acusação de conspiração.

No último ano, ela foi presa três vezes, em fevereiro, maio e junho, sem qualquer ordem judicial. Na primeira, olhos vendados, sofreu maus-tratos durante dois dias, em interrogatórios nos quais indagavam-lhe sobre o paradeiro do proprietário da casa.

Na segunda, foi detida com seus pais, no estado de Miranda, e permaneceu incomunicável por uma semana. Submetida a tortura, inclusive asfixia temporária, reiterou que não tinha notícia do parente militar e acabou liberada sem acusações.

Finalmente, na última, policiais a retiraram de um ônibus e ela foi encaminhada a uma prisão, até ser transferida para o quartel-general da inteligência militar em Caracas. Em julho, perante um tribunal militar, ouviu a acusação de instigação de rebelião, por manter conversas telefônicas com a mulher do oficial militar e ter recebido dinheiro dela.

Ariana confirmou os contatos com a dona da casa onde reside e explicou que só recebeu valores relativos aos gastos com os cachorros do casal. Liberada condicionalmente, ela não pode deixar o país e deve apresentar-se a um oficial de justiça a cada oito dias.

A estudante não é caso isolado. Num relatório publicado há pouco, o Foro Penal e a Human Rights Watch analisaram os casos de 32 familiares de militares acusados de rebelião que experimentaram prisões arbitrárias e sevícias.

As vítimas sofrem espancamentos, choques elétricos, asfixia, cortes de lâminas nos pés e privação de alimentos. Vários desses civis são processados em tribunais militares por “traição” e “instigação à rebelião” por se recusarem a prestar informações sobre o paradeiro de seus parentes.

Os abusos policiais registrados no relatório seguem um padrão geral estabelecido desde 2014, amplamente descrito em investigações conduzidas por representantes de direitos humanos da ONU, da OEA e de organizações da sociedade civil.

A ditadura “de esquerda” opera com métodos similares aos da ditadura militar brasileira celebrada por Jair Bolsonaro. Até mesmo o termo “revolução” aproxima os dois regimes, com a exclusiva diferença do sinal ideológico que se atribui a ele.

“Deixar de ir seria covardia, concessão à direita”, justificou-se Gleisi num tuíte, empregando uma palavra que deveria evitar. Os covardes são os chefes do regime cívico-militar que prende e tortura.

Covardia é festejar com eles, ignorando suas vítimas. A covardia estende-se aos dirigentes do PT, inclusive Fernando Haddad, que deram amparo à viagem, e à miríade de figuras públicas de esquerda ligados ao partido, cujo silêncio pétreo acompanhou o périplo de Gleisi. O triste espetáculo desenrola um fio lógico de longo alcance.

Gleisi, falemos sobre Ariana. Quando aplaude Maduro, você aplaude Médici e Geisel. Quando ignora as torturas “deles”, ignora retrospectivamente também as “nossas”.

Quando empresta sua solidariedade à ditadura de lá, perde o direito moral de denunciar a ditadura de cá. No lugar de Bolsonaro, eu pagaria sua passagem a Caracas.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.