Venezuela

Míriam Leitão: Efeitos no Brasil da crise vizinha

Guaidó se manteve nas ruas, e Maduro ampliou a repressão. Governo brasileiro vê a crise se deteriorar rapidamente na Venezuela

No segundo dia da atual escalada de tensão na Venezuela, Juan Guaidó ainda permanecia nas ruas. Apesar da repressão, que se acentuou ontem, o líder oposicionista conseguiu realizar manifestação e prometeu continuar pressionando com protestos diários e a ameaça de uma greve geral. O ditador Nicolás Maduro convocou uma multidão de apoio a si mesmo, mas ontem a repressão baixou também sobre bairros pobres, que no auge do chavismo foram a sua grande força.

Guaidó não entregou o que prometeu no amanhecer do dia 30, mas está mantendo sua mobilização num país sem imprensa, com sinal de internet intermitente, e no qual o governo consegue silenciar por algum tempo até a mídia social. Sem falar na violenta repressão que já acumula um número alto de feridos. Maduro voltou ontem à TV, disse que derrotou “um complô” e propôs uma “jornada de diálogo” com o povo. A verdade é que ele está dependurado nos generais e reprimindo a população.

No governo brasileiro, o assunto é acompanhado com o máximo de atenção pelos inúmeros impactos no país. O informe da Operação Acolhida —para a qual foram enviados 500 soldados do Exército, que saíram de São Paulo para Pacaraima dois dias antes desse acirramento — é de que triplicou o número de venezuelanos que vêm para o Brasil todos os dias. Um dos efeitos óbvios é continuar pressionando a parca estrutura do estado de Roraima.

Ao sair da reunião de emergência ontem, no Ministério da Defesa, o presidente Jair Bolsonaro falou que a crise pode elevar o preço dos combustíveis no Brasil. Na verdade, a Venezuela está há tanto tempo em declínio de produção que sua ausência já foi colocada nos cálculos do mercado. Ontem a cotação subiu de US$ 71 para US$ 72, mas na semana passada estava em US$ 74. Em 28 de dezembro estava em US$ 53, portanto, este ano já teve uma alta forte. Esse sempre será um mercado instável. Quando Bolsonaro diz que se preocupa que haja “um problema sério aqui dentro como efeito colateral do que acontece lá”, ele se refere ao preço do diesel e ao movimento dos caminhoneiros.

Outro impacto que já se realizou é na energia de Roraima. Bolsonaro disse que o país está gastando um milhão de litros de óleo diesel por dia com as térmicas do estado. Roraima não está no Sistema Interligado Nacional (SIN), era abastecido pela hidrelétrica venezuelana de Guri e agora o país não consegue fornecer.

— A situação é emergencial e não podemos continuar de forma eterna com a energia do óleo diesel, gastando mais de R$ 1 bilhão por ano pela energia de Roraima —disse.

Não podemos mesmo, mas Bolsonaro repetiu o que disseram todos os governos antes dele, que a solução é o linhão para levar a energia de outros estados para lá. Na verdade, essa não é a única solução, ainda que seja desejável a ligação com Roraima. Se o Brasil tivesse investido, nos últimos anos, em energia fotovoltaica distribuída ou energia eólica no estado, já poderia ter caído a dependência do diesel que chega a Roraima de caminhão. O cúmulo da irracionalidade: queima-se diesel para transportar diesel para ele ser queimado nas térmicas e virar energia.

Outro risco para o Brasil é o flerte de uma ala do governo Bolsonaro com a ideia do uso do território brasileiro para movimentação de tropas americanas. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, voltou a dizer ontem que a possibilidade de intervenção militar não está descartada. Se dependesse só do presidente, do chanceler e do seu filho que posa de chanceler, o Brasil já teria se comprometido com essa aventura. Os comandantes militares vetam a proposta. Ontem, Bolsonaro definiu assim o processo de um eventual envolvimento do Brasil. “O presidente reúne o Conselho de Defesa, toma decisão e participa o parlamento.” O deputado Rodrigo Maia corrigiu. Pela Constituição, a palavra final é do Congresso. Não basta participá-lo, é preciso consultá-lo.

Há três semanas, aviões russos chegaram com tropas e equipamentos na Venezuela. Os cubanos estão dentro da máquina do Estado. A tensão sobe. Maduro, ameaçado, aumenta a violência. A avaliação dos militares brasileiros é de que a situação está se deteriorando rapidamente. É preciso estar preparado para enfrentar os efeitos desta crise no Brasil.


Daigo Oliva: Juan Guaidó, o breve?

Pobre oratória escancara a falta de repertório e carisma para liderar a oposição

​Em janeiro de 2017, já distante da produção literária, o escritor americano Philip Roth retomou as descrições que fazia da bestialidade humana para caçoar de Donald Trump.

Mais do que os adjetivos que os contrários ao presidente dos EUA frequentemente usam para atacá-lo, o romancista apontou, em entrevista à revista New Yorker, um outro aspecto do republicano: o vocabulário enxuto, que teria apenas “77 palavras”.

Ainda que a falta de recursos linguísticos do líder de uma nação como os EUA esteja na prateleira das bestialidades humanas, o número escolhido por Roth foi um exagero cômico.

Talvez seja possível dizer que o vocabulário de Juan Guaidó, líder oposicionista que protagoniza o noticiário sobre Venezuela há três meses, seja tão vasto quanto o de Trump.

Em seus discursos, Guaidó parece um disco riscado que gravita em torno da palavra “usurpador”. Desde que se declarou presidente interino, foram poucas as vezes em que suas falas tenham pegado na veia ou não passassem de déjà-vu.

A pobre oratória do venezuelano escancara a falta de repertório e carisma que seriam necessários para liderar a deposição de Nicolás Maduro. Entretanto, fossem só as palavras o problema de Guaidó, a vida da oposição venezuelana estaria fácil.

Tanto a investida para tirar o chavista do poder com ajuda de militares dissidentes quanto a frustrada tentativa de entrada de ajuda humanitária foram marcadas por improviso.

Por isso, emendou uma turnê por países sul-americanos que o apoiam, decidindo o itinerário a cada dia e mudando agendas a todo momento. O que sobra de ousadia falta em estratégia.

Na terça (30), outro lance surpreendente foi seguido de um deus nos acuda. Ao lado de desertores da Guarda Nacional Bolivariana, Guaidó apareceu com Leopoldo López, que até então estava em prisão domiciliar, para anunciar o apoio de militares para tirar Maduro.

reação do regime mostrou que as deserções não atingiram altas patentes das Forças Armadas. Guaidó sumiu e só voltou a aparecer ao fim da noite, com mais uma declaração insossa nas redes. Já López não sabia se dormia na embaixada do Chile ou na da Espanha.

Mas agora López não está mais confinado em casa. Mentor do plano de lançar Guaidó à presidência da Assembleia Nacional e depois transformá-lo em “presidente interino”, ele ainda é a grande figura do partido Vontade Popular.

Tão grande que foi condenado a 14 anos de prisão, algo que não ocorreu com o colega. Seria natural que López usurpasse o protagonismo de Guaidó.

* Daigo Oliva é editor de Mundo, foi bolsista do programa de jornalismo Knight-Wallace Fellowship, da Universidade de Michigan (EUA).

Vinicius Torres Freire: Para entender a miséria da Venezuela

Preço do ovo, salário e petróleo contam um pouco da vida impossível no vizinho

A vida cotidiana parece impossível na Venezuela. Parece inviável até quando a gente compara a dureza dos vizinhos à situação terrível das famílias muito pobres no Brasil, que recebem em média R$ 186 por mês do Bolsa Família e pagam R$ 2,50 pelo quilo do arroz mais barato. Pode ser pior.

Uma dúzia de ovos em Caracas sai por 6.400 bolívares. Um quilo de arroz, por 8.000 bolívares. O salário mínimo, mais o bônus alimentação, é de 65 mil bolívares, US$ 12,50, pelo câmbio oficial. Um frango custa uns 25 mil bolívares. Uma banana (uma unidade), 1.200 bolívares. Mais da metade dos trabalhadores do setor formal ganha um salário mínimo, mas as estatísticas são precárias.

É difícil entender a economia de um país em que a inflação em março era de 1.623.656% ao ano. Baixou um pouco. Havia chegado a 2.688.670%, em janeiro.

No auge do horror, a inflação brasileira foi a 6.821% ao ano, em 1990. Diferença de milhares para milhões, favor prestar atenção.

A inflação é calculada pela Assembleia Nacional, pois faz muitos anos ninguém acredita nas mentiras do governo (quando os números existem). É preciso recorrer a estimativas privadas ou a instituições internacionais para saber algo tão básico quanto o valor da produção nacional, o PIB.

Os números da ONU (Cepal) e do FMI divergem um pouco, mas desde 2013 a economia encolheu pelo menos 45%. O PIB do Brasil, que vive uma depressão, diminuiu 4,2% no mesmo período. Nos chutes para este ano, a recessão venezuelana deve ser de 10% a 25%.

Em uma década, a produção de veículos caiu uns 95%. Sim, quase tudo se foi, quase não se fabricam carros por lá, como quase mais nada. O que havia de indústria foi arruinado por desordem extrema e por importações, facilitadas pela demagogia do dólar barato e pagas pelo petróleo caro —enquanto durou.

As importações totais do país caíram 85% desde 2012. O país não tem dólares suficientes para comprar produtos no exterior, dá calotes na dívida e se vira com refinanciamentos e empréstimos de russos e chineses. Nos chutes informados do FMI, a taxa de desemprego seria de 35%.

O país começou a entrar em colapso no ano da morte de Hugo Chávez, em 2013. Na média dos últimos 20 anos, cerca de 90% do valor das exportações veio do petróleo (mais de 95%, nesta década).

O preço do barril baixou muito a partir de 2014, o que explodiu de vez a economia, é verdade.

No entanto: 1) Quase todos os países da América Latina vivem de commodities. Mesmo levando em conta a importância excessiva do petróleo, a Venezuela se desgraçou mais que os vizinhos; 2) O governo gastava como se o preço do barril fosse ficar alto para sempre. Quem tem renda variável e despesa permanentemente alta, um dia quebra; 3) O governo destruiu a PDVSA, a petroleira estatal; 4) Não há nada parecido com política econômica na Venezuela faz mais de dez anos; 5) A produção de petróleo caiu pela metade desde 2013.

O déficit do governo começou a explodir nesta década. Nas contas do FMI, anda pela casa de 30% do PIB (no pior desta crise desesperadora, chegou a 11% no Brasil). O governo paga as contas com emissão de dinheiro (digital, pois nem imprimir notas consegue: falta moeda na praça).

Sim, o boicote americano piorou a situação, o que nem de longe explica o desastre. A reconstrução, se e quando vier, vai depender de anos de tutela e de empréstimos externos de muitas dezenas de bilhões de dólares.


Míriam Leitão: Venezuela encurralada

Guaidó fez uma aposta arriscada e perdeu, mas é questão de tempo para que chegue ao fim o poder do ditador venezuelano

O fracasso do movimento de ontem de Juan Guaidó não muda o fato de que o governo Nicolás Maduro está no fim. Não há poder que sobreviva a uma hiperinflação de dez milhões por cento e um PIB em queda livre há cinco anos. É uma questão de tempo. Maduro tem permanecido, apesar de ter demolido a economia, porque entregou o governo aos militares e montou uma máquina de guerra com as Forças Armadas, a Guarda Nacional Bolivariana, as milícias e os coletivos. Contudo, não há saída fácil para a Venezuela.

Os líderes militares brasileiros acompanharam com atenção cada evento no país vizinho ontem, mas desde cedo se convenceram de que o silêncio da cúpula militar e as informações contraditórias não confirmavam a garantia que Guaidó dera de que as Forças Armadas tinham mudado de lado. O líder da oposição fez uma aposta alta e perdeu. No fim do dia, já se ouvia em fontes diplomáticas que ele poderia ser preso. Por contraditório que pareça, a fraqueza de Guaidó não revela força de Maduro.

O ditador venezuelano demorou a dominar os acontecimentos, teve que esperar horas pela declaração do seu próprio ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Teve que dar mais uma volta no ferrolho das comunicações, tirando do ar os últimos canais não oficiais. Teve que reprimir manifestantes com o absurdo de um atropelamento por blindado.

A Operação Acolhida, do governo brasileiro em Roraima, tinha sido reforçada há dois dias com o envio de 500 soldados da Força Nacional para a fronteira. Os 25 militares que pediram asilo à embaixada tiveram imediatamente seu pedido aceito. A chegada deles foi um sinal de que Guaidó estava perdendo a capacidade de continuar o jogo. Do contrário, os militares não pediriam abrigo no Brasil. Venezuelanos vêm para o Brasil às centenas, a cada ano, jogando sobre o estado de Roraima um peso que ele não pode carregar sozinho.

É difícil explicar para um brasileiro o que é a recessão prevista para este ano na Venezuela, porque nada houve dessa dimensão no Brasil em qualquer momento da nossa história. Aqui houve, em 2015 e 2016, uma queda de 7% do PIB no acumulado dos dois anos. Lá haverá um encolhimento de 25% só em 2019. Maduro assumiu em 2013. E de 2014 a 2018 o PIB teve quedas sucessivas, de 3,8%, 6,2%, 17%, 15% e, no ano passado,18%. Uma sangria como essa atinge todas as classes sociais, empobrece, adoece, provoca ondas migratórias e mata. Quando se diz que a inflação saiu de 1 milhão por cento para dez milhões por cento é uma estimativa. Mas processos vorazes como esses e dessa dimensão fogem de qualquer parâmetro de contabilidade. Há muitos anos os venezuelanos, ao comprar, pesam o dinheiro porque é impossível contar as notas.

O caminho pelo qual Hugo Chávez começou a demolição da democracia foi a de assediar e enfraquecer as instituições uma a uma, ao mesmo tempo em que transferia recursos, poderes aos militares e armava os círculos bolivarianos. A milícia começou a ser organizada dentro do Palácio Miraflores na época de Chávez. Hoje, Maduro, seu seguidor, tem um milhão e meio de milicianos armados. Mesmo quando faltou tudo para a população, não faltou equipamento militar para Exército, Marinha e Aeronáutica. Eles sustentavam, até que passaram a ser governo. Têm grande parte dos ministérios e dos governos estaduais.

Guaidó, por seu turno, tem vivido uma ficção. Ele se declarou presidente, mas pela Constituição venezuelana, artigo 233, ele teria que convocar eleições em 30 dias para confirmar seu nome. Ele jamais teve o domínio do território, portanto, presidente nunca foi. Os países que o reconhecem como chefe de governo vivem uma ficção política. Ele jamais governou, mas é o maior líder da oposição venezuelana. A partir do que aconteceu ontem, ele tem poucas opções pela frente para continuar a exercer essa liderança.

Maduro ficará até o momento em que os militares quiserem. Hoje já praticamente donos do poder, eles podem se livrar dele no momento que desejarem. A transição não será fácil num país com este grau de deterioração econômica, política e social. Não há lado bom na Venezuela. Guaidó quis personificar a intervenção direta americana nas questões do país. Maduro é uma ditador corrupto e violento, que não sobreviverá no poder.


Eliane Cantanhêde: Juan Guaidó foi o grande derrotado na Venezuela

O autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, blefou e perdeu feio. Assim como Jânio Quadros imaginou ser carregado nos braços do povo em São Paulo, após a renúncia, em 1961, Guaidó pensou que bastaria convocar novas manifestações para o dia 1.º de Maio e puxaria uma deserção em massa nas Forças Armadas. Jânio ficou sozinho.

Guaidó demonstrou fraqueza. Assim, a crise na Venezuela vive seu pior momento, mas uma solução parece cada vez mais distante. “Vai demorar”, lamentou ontem à noite o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, que acompanha de perto as idas e vindas venezuelanas e analisou que Guaidó “foi para o tudo ou nada”. Só restam duas alternativas: ou Maduro sai, ou os opositores são presos.

O chanceler Ernesto Araujo conversou, em Washington, justamente na segunda-feira, com o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeu, e com o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, e um dos temas foi a Venezuela. Todos sabiam que Guaidó convocaria manifestações de rua, mas o governo brasileiro jura que não sabia que o opositor se aquartelaria de véspera numa base militar, esperando um apoio das Forças Armadas que não veio.

Na avaliação de oficiais brasileiros, há um forte motivo para os militares manterem o apoio ao presidente oficial, Nicolás Maduro: eles são cúmplices, que vêm comprando as Forças Armadas ao longo dos anos, até mesmo dando mais de mil patentes de general para eles. Logo, não acreditam nas promessas de anistia, que seriam demolidas em questão de meses.

Se havia “muita expectativa” positiva diante das manifestações de ontem, como disse Ernesto Araújo nos EUA, a sensação no Palácio do Planalto e arredores era de uma grande derrota de Guaidó, que perdeu força e deixou ainda mais longe uma saída para a crise. O primeiro sintoma disso foi a manifestação do comando militar em favor de Maduro.

O próximo a fugir pode ser o próprio Guaidó, até porque a tendência do regime é endurecer ainda mais a repressão aos opositores. Resumindo: foi uma operação desastrosa. Para Hamilton Mourão, porém, ainda há um fiapo de esperança. Por quê? Porque Maduro não apareceu nem abriu a boca e porque o Exército também não foi para as ruas defender o regime. Para o vice, portanto, a situação continua “indefinida” e, por isso, pode demorar.


O Estado de S. Paulo: 'Houve um erro estratégico e Guaidó perdeu um pouco de sua aura', diz Ricardo Sucre Heredia

O líder oposicionista Juan Guaidó pode ter se precipitado ao  declarar ter apoio de militares venezuelanos e convocar o povo às ruas para derrubar Maduro, afirma ao Estado Ricardo Sucre Heredia, cientista político venezuelano

Rodrigo Turrer, O Estado de S.Paulo

 O líder oposicionista Juan Guaidó pode ter se precipitado ao  declarar ter apoio de militares venezuelanos e convocar o povo às ruas para derrubar Maduro. Este movimento pode obrigar Guaidó e toda a oposição venezuelana a repensar sua estratégia para tirar o chavismo do poder, afirma ao Estado Ricardo Sucre Heredia, cientista político venezuelano.

Guaidó cometeu um erro?
O movimento parece ter sido uma ação para mobilizar o apoio de militares de alta patente, mas não parece ter dado certo. Resta entender se Guaidó conseguirá apoio das Forças Armadas como instituição, e não de pequenos grupos aqui e ali. Se isso não ocorrer, e até agora não ocorreu, será difícil Guaidó manter o movimento. Porque, por mais que seja popular, sem as Forças Armadas não é possível produzir resultado prático.

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A estratégia foi apressada?
Em termos de apoio militar, com certeza. Não sei se Guaidó tinha a promessa de alguns setores das Forças Armadas antes do seu anúncio, e essa ala militar refugou, mas me parece que o movimento foi fracassado. É preciso que haja apoio conjunto dos militares, e eles não parecem ter se mobilizado para apoiar Guaidó.

Qual a importância de Leopoldo López no movimento?
Leopoldo López é o mentor de Guaidó e tem participação na estratégia para derrubar o chavismo. Com certeza, a aparição dele nas ruas é sinal da adesão de algum membro da cúpula do chavismo. Aparentemente, o Manuel Ricardo (diretor do serviço de inteligência) coordenou a libertação de López. Há informações de que ele foi preso, e isso é mais um sinal de enfraquecimento da estratégia.

O pedido de refúgio de López à embaixada é sinal de que a estratégia não funcionou?
Com certeza é um sinal preocupante. Não é bom para o movimento que o principal aliado de Guaidó tenha se refugiado em uma embaixada estrangeira (no fim do dia, seu partido informou que ele havia deixado o local). É sinal de que os resultados não foram os esperados. Maduro se fortaleceu um pouco, mas ele também ainda está longe de ter apoio total. A demora na resposta é um sinal claro disso.

Guaidó pode ser preso? 
Em outros tempos ele já estaria preso, mas o apoio dos EUA a ele faz o chavismo pensar duas vezes antes de tomar a decisão. O chavismo não quer escancarar seu caráter ditatorial. Por mais que Maduro seja um ditador, ele pode dizer que foi eleito, respeita as instituições e tem apoio de países estrangeiros. É preciso esperar para ter mais informações, mas a estratégia de hoje vai ter um custo para Guaidó: de imagem, de liderança, de organização. Houve um erro estratégico e Guaidó perdeu um pouco de sua aura.


O Estado de S. Paulo: 'Não tem derrota nenhuma', diz Bolsonaro sobre mobilização de Guaidó na Venezuela

Presidente brasileiro afirma que País pode ter sofrer efeitos colaterais da crise venezuelana e possibilidade de intervenção é 'próxima de zero'

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira, dia 1º, que não houve derrota no movimento capitaneado na terça-feira, 30, pelo autoproclamado presidente interino da VenezuelaJuan Guaidó.

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"Não tem derrota nenhuma. Eu até elogio. Reconheço o espírito patriótico e democrático que ele (Guaidó) tem por lutar por liberdade em seu país", declarou Bolsonaro depois de se reunir no feriado do Dia do Trabalhador com ministros e comandantes das Forças Armadas na sede do Ministério da Defesa para discutir o acirramento da crise na Venezuela.

O presidente disse que tem preocupação com embargos econômicos à Venezuela para forçar a saída de Nicolás Maduro. "Temos de nos preparar - dada a política da Petrobrás não intervencionista da nossa parte - mas podemos ter um problema sério dentro do Brasil com os efeitos colaterais do que acontece lá", afirmou. Na semana passada, houve reação negativa a uma tentativa do presidente de evitar um aumento no preço do diesel.

Segundo a assessoria do Ministério da Defesa, foram convocados para a reunião fora da agenda oficial os ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores).

Em vez de os ministros irem ao encontro do presidente, como é praxe, Bolsonaro decidiu ir à sede do Ministério da Defesa. O comboio presidencial deixou o Palácio da Alvorada em direção à Esplanada dos Ministérios por volta das 9h.

Bolsonaro voltou a afirmar que a possibilidade de intervenção militar brasileira na Venezuela "é próxima de zero". "Não existe isso", afirmou. "Estamos preocupados porque  tem reflexos. Fizemos uma medida provisória  que  não é pela Venezuela, mas é para que Roraima não entre num caos", afirmou Bolsonaro em relação ao crédito extraordinário de R$ 223,8 milhões para assistência emergencial e acolhimento humanitário dos venezuelanos. A MP foi publicada ontem em edição extra do Diário Oficial da União.

"A orientação nossa é conceder asilo. Há uma preocupação nossa – se tiver uma corrida muito grande para isso – para o espaço físico", afirmou o presidente. Segundo o governo brasileiro, a média diária é de 250 a 300 pessoas que entram no Brasil.

Na volta ao Palácio da Alvorada, o presidente parou para cumprimentar apoiadores. / Colaborou Lorenna Rodrigues


Luiz Carlos Azedo: “Guerra fria” na nossa fronteira

“Com apoio da China, Putin tem se colocado como aliado incondicional de Maduro no Conselho de Segurança da ONU e desloca a fronteira de sua disputa com os Estados Unidos para a Venezuela”

A Venezuela está à beira de guerra civil, o que não é nada bom para o Brasil. Os últimos acontecimentos mostram que a “dualidade de poderes” que o país vive — desde que o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se proclamou presidente interino, com apoio dos Estados Unidos, do Brasil e dos principais países do Ocidente — está próxima de um desfecho. Em circunstâncias normais, o presidente Nicolás Maduro já teria caído, mas ele tem o apoio da cúpula das Forças Armadas de seu país, além de Cuba, da Rússia e da China. Os acontecimentos de ontem, quando a Guarda Nacional Venezuelana reprimiu violentamente os manifestantes, mostram que a situação é cada vez mais crítica.

Quem quiser ter uma ideia da tragédia que é uma guerra civil pode assistir, na Netflix, a uma série russa intitulada O Caminho dos Tormentos, dirigida por Konstantin Khudyakov, lançada em novembro de 2017, quando a Revolução Russa completou 100 anos. É inspirada na trilogia que lhe empresta o nome, de autoria de Alexei Tolstoy (não confundir com Leon Tolstoy, o gigante de Guerra e Paz e Anna Karenina). O romance narra a própria experiência do autor, um aristocrata russo que transitou de um lado a outro da guerra civil. A realização da série pela RWS (Russian World Studios), grande produtora privada de cinema e televisão, teve apoio financeiro do Ministério da Cultura da Rússia.

A série faz parte do esforço do presidente Vladimir Putin no sentido de resgatar a história e o espírito da Grande Rússia, mostrando os sacrifícios pelos quais o povo passou durante a guerra civil. Os fatos históricos que contextualizam o drama de duas irmãs que pertenciam à aristocracia russa durante o conflito são rigorosamente verdadeiros. Se Putin não deseja uma guerra civil em seu próprio território, está sempre metido em outros conflitos nos quais os interesses geopolíticos da Rússia podem ser ameaçados pelos Estados Unidos. Nesse grande jogo, seu poder de intervenção está suficientemente demonstrado na divisão da Ucrânia, com a independência da região carbonífera de Dombass, e na Síria, onde manteve no poder o ditador Bashar Hafaez al-Assad, que governa o país desde 2000 (a Rússia mantém uma grande base naval na Síria, para abrigar sua frota do Mediterrâneo).

Dissidência militar
A novidade é a presença russa na Venezuela, que troca petróleo por armamento e assistência técnica e militar. A presença numerosa de médicos e técnicos cubanos na Venezuela não tem a mesma importância. Com apoio da China, Putin tem se colocado como aliado incondicional de Maduro no Conselho de Segurança da ONU e parece interessado em deslocar a fronteira de sua disputa com os Estados Unidos para a Venezuela, numa espécie de nova “guerra fria”. Ontem, fez mais uma advertência de que a Rússia condena uma intervenção militar dos Estados Unidos no país vizinho.

Guaidó convocou uma manifestação para as imediações da base aérea La Carlota, à qual compareceu em companhia do líder oposicionista Leopoldo López, que estava preso em casa. Anunciou o apoio de militares para tirar Nicolás Maduro do poder na Venezuela. Mas não foi o que aconteceu, apesar do enorme apoio popular que demonstrou ter. Diosdado Cabello, considerado número dois do governo, admitiu que uma ala do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) facilitou a libertação de López, líder do partido Vontade Popular.

Maduro denunciou o que classificou como “tentativa de golpe”, e o governo não demorou para reprimir os opositores: atropelou manifestantes com blindados, bloqueou redes sociais, censurou e interrompeu transmissões de emissoras de rádio e TV a cabo. O ministro da Defesa, Vladimir Padriño, garantiu que todas as unidades militares estavam com o governo. Aparentemente, se havia de fato uma dissidência militar, foi neutralizada. Algo deu errado. As manifestações estavam programadas para este Primeiro de Maio e foram antecipadas.

Do nosso lado, houve intensa movimentação da Chancelaria brasileira, com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se encontrando, em Washington, na segunda-feira, com John Bolton, assessor de Segurança Nacional, e Mike Pompeo, secretário de Estado. Bolsonaro anunciou apoio a Guaidó bem cedo, mas os militares brasileiros foram cautelosos quanto ao desfecho da crise. Os serviços de inteligência brasileiros não tinham informações precisas sobre o que estava acontecendo. No fim da tarde, o porta-voz da Presidência, Rêgo Barros, confirmou que 25 militares venezuelanos haviam pedido asilo à embaixada brasileira. A família de Leopoldo López pediu asilo ao Chile. A crise se aprofunda, mas o que interessa ao Brasil é uma saída democrática pacífica.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-guerra-fria-na-nossa-fronteira/


Folha de S. Paulo: Líderes da oposição se unem a militares dissidentes para derrubar Maduro, que reage

Operação Liberdade, de Juan Guaidó e Leopoldo López, leva a confrontos com forças de segurança leais à ditadura

Nesta quarta-feira (1º), a oposição da Venezuela convocou novos protestos contra o ditador Nicolás Maduro, no segundo dia de ações pra tentar retirá-lo do comando do país.

Na terça (30), houve confrontos em Caracas. O líder da oposição, Juan Guaidó, e o preso político Leopoldo López se dirigiram à base aérea de La Carlota e anunciaram uma ação contra Maduro, com apoio de militares dissidentes.

Em resposta, o ditador disse que as Forças Armadas do país seguem leais a ele, e convocou uma manifestação popular em apoio a seu governo.

López, que estava prisão domiciliar desde agosto de 2017, cumprindo pena de quase 14 anos por incitação à violência em protestos contra o governo, disse ter sido "liberado por militares à ordem da Constituição e do presidente Guaidó".

Os dois deixaram a base quando o local passou a ser alvo de bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Guarda Nacional Bolivariana (GNB), alinhada ao regime Maduro.

Isso deu início a uma série de confrontos pelas ruas de Caracas entre os opositores e as forças leais a Maduro. Dezenas de pessoas ficaram feridas na ação e López acabou se refugiando com a família na embaixada do Chile em Caracas.

A situação teve repercussão internacional, com diversos líderes se manifestando a favor e contra o regime de Maduro.

O chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, acusou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de ser uma "peça no xadrez de [Donald] Trump".

Já Bolsonaro afirmou que é "próxima de zero" de Brasil participar de ação armada na Venezuela.

Siga os fatos mais recentes da situação na Venezuela.


Raul Jungmann é o entrevistado especial da sexta edição da Revista Política Democrática Online

Elucidar o caso Marielle, diante da captura de partes das instituições do Estado por uma aliança satânica entre o crime organizado, a política e a corrupção no Rio de Janeiro, é fundamental, avalia Raul Jungmann, em entrevista à Revista Política Democrática Online

“É fundamental desvendar o caso Marielle, mas ele pode ser apenas o fio da meada para algo mais amplo. Como imaginar que os dois suspeitos presos, profissionais com possível ligação com o “escritório do crime”, tenham passado três meses planejando o assassinato motivados apenas por “motivo torpe”, uma motivação de ódio?”, questiona Raul Jungmann, o entrevistado especial desta sexta edição da Revista Política Democrática Online.

» Confira a aqui a Revista Política Democrática – Edição 06

Jungmann, um dos fundadores do Partido Popular Socialista (PPS), atual Cidadania (23), já foi vereador, deputado estadual, deputado federal e ocupou diversos cargos importantes nos governos FHC e Temer, tendo sido Ministro da Defesa e Ministro da Segurança Institucional neste último.

Na entrevista à Revista Política Democrática Online, Raul Jungmann também comenta a situação atual do Rio de Janeiro por conta do crime organizado, particularmente as milícias, que dominam de 800 a 830 comunidades da capital fluminense e a sobre a intervenção federal, que durou 10 meses e foi tomada pelo então presidente Michel temer com base em um instrumento da Constituição de 88, que nunca fora testado antes.

A crítica situação da Venezuela também é um dos temas tratados por Raul Jungmann na entrevista. Para ele, “processos de transição de regimes autoritários para regimes democráticos têm de contar com as garantias de quem é oposição que, quando chegar ao governo, não vai punir quem agora é governo e,
efetivamente, vai deixar de ser”, avalia.

“Isso é uma coisa absolutamente central e, no caso da Venezuela, uma debilidade”, completa. De acordo com Jungmann, “nem a oposição tem condições de assegurar a incolumidade, a não perseguição, a integridade, seja o lá o que for, desses que estão no poder, sobretudo o estamento militar, e tampouco, do lado de lá, há a percepção de que quem está hoje fazendo oposição terá condições de assegurar isso”.

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Fernando Gabeira: Venezuela inspira cuidados

Articular a pressão interna e externa parece-me no momento a melhor saída

Fui quatro vezes à fronteira com a Venezuela. A última jornada, entrega de caminhões com comida e remédio, acompanhei de longe. A sensação que tenho é de que algumas pessoas superestimaram a possibilidade da queda imediata de Maduro. Esperam um nocaute numa luta que só poderia ser ganha por pontos. E de certa forma a luta foi ganha. A violência contra os manifestantes e o incêndio dos caminhões contribuíram para isolar um pouco mais o ditador bolivariano.

Numa luta ganha por pontos, o vencedor também sofre alguns golpes. O grupo de países que apoiou Juan Guaidó utilizou um grande símbolo, que é a ajuda humanitária, mas parece ter-se esquecido de que outras crises surgem constantemente no mundo. E um dos princípios da ajuda humanitária é exatamente não usá-la para proselitismo político.

Se entendi bem os informes acerca da reunião sobre a Venezuela na Colômbia, havia uma divergência latente entre a posição brasileira e a norte-americana. Creio que essa divergência pode ser encontrada numa frase que os americanos usam com frequência: todas as opções para derrubar Maduro estão sobre a mesa. A julgar pelo general Hamilton Mourão, que representou o Brasil, há pelo menos uma opção que não nos interessa: a intervenção militar.

Há muitas razões para o Brasil descartar essa hipótese. Uma delas é o fato de termos uma fronteira comum e uma série de questões que precisam ser resolvidas bilateralmente. Um clima de guerra poderia atrair milhares de novos refugiados. Apesar do indiscutível poderio militar dos EUA e das forças bem equipadas da Colômbia, a vitória rápida na Venezuela não é tão previsível.

O centro de todas as táticas, no momento, é tentar descolar as Forças Armadas venezuelanas da ditadura de Maduro. Daí a insistência nas promessas de anistia e o apelo aos oficiais para que pensem no futuro. No entanto, a resistência a uma intervenção militar não surgiria apenas nas Forças Armadas. Há os paramilitares organizados por Maduro e possivelmente orientados pelos cubanos. E há uma polícia política que só teria a perder com a queda do regime.

Mesmo entre os militares há os que parecem imunes a qualquer proposta de anistia. São os generais que ocupam postos no governo e obtêm neles grandes vantagens financeiras. Podem até achar interessante a ideia de uma velhice tranquila. Mas dificilmente se disporão a perder os ganhos materiais que recebem de Maduro em troca de apoio.

É um caminho complicado. Guaidó definiu-o bem, afirmando que a ditadura não cairá por si própria. Não só Maduro pode refugiar-se no seu bunker em Miraflores, como existem centenas de pessoas dispostas a se imolar pelo socialismo do século 21.

O general Mourão também disse algo que me parece correto: a Venezuela não consegue sozinha se livrar desse esquema de dominação. Se Maduro não renuncia, a intervenção militar é inviável e a Venezuela não pode resolver a parada sozinha, o que nos resta como alternativa?

Guaidó marcou nova manifestação para amanhã. Ele, que parece ter capturado a simpatia de grande parte do povo, seguirá nesse caminho. Mas sabemos que nem sempre as manifestações se mantêm quando não conseguem resultados práticos. Elas tendem a refluir com o tempo, para reaparecer adiante, às vezes com mais força.

Articular a pressão interna e externa parece-me no momento a melhor saída, ainda que tome mais tempo. O sofrimento do povo venezuelano é um dado que leva muitos ao desejo de rapidez e nocaute.

Nem sempre soluções fulminantes são as menos dolorosas. Há outras ditaduras no mundo. Algumas são tratadas pela comunidade internacional com certa tolerância. Não só a Arábia Saudita, como a Coreia do Norte são objeto de táticas diferentes dos EUA. Há nisso tudo outra questão delicada: combinar com os russos. E os chineses. Ambos financiam a Venezuela e possivelmente têm sua dívida paga com petróleo. Assim como é necessário tranquilizar os militares com anistia, seria preciso convencer os russos e chineses de que não terão perdas econômicas com a mudança.

Não sei qual é a posição de Guaidó sobre isso. Mas como seu objetivo é conduzir a transição para a democracia, realizar eleições, não só ele, como outros atores da oposição vão precisar se manifestar sobre isso. Naturalmente, Maduro e a cúpula do governo podem também ser alcançados por uma política de anistia e retirada segura da Venezuela.

Imagino como algumas pessoas podem torcer o nariz para essas hipóteses. Combinar com os russos? Deixar Maduro escapar do país? São as contingências de uma vitória por pontos, diferente de simples nocaute.

Supor um caminho mais radical e de curta duração pode trazer sérias consequências, e não só as sangrentas de uma guerra no continente. São também as constantes decepções das pessoas que acreditam que um regime comunista, apoiado pelos cubanos, vai deixar a cena, refugiando-se numa embaixada ou pura e simplesmente partindo num avião de carreira.

Não creio que o Brasil deva temer uma posição moderada. Afinal, embora exista um esforço muito amplo para derrubar Maduro, as consequências do processo violento vão ser mais sentidas nos países vizinhos. Outro dia, em Pacaraima, segui uma ambulância militar venezuelana. Quando chegou a Boa Vista foi direto para o Hospital Geral e desembarcou um jovem soldado que precisava de ajuda.

Isso me fez pensar. Se até os militares cruzam a fronteira em busca de ajuda médica, qual o papel de Roraima num cenário de guerra? Volta e meia há apagões em Boa Vista. A energia vem da Venezuela. Estamos prontos para substituí-la?

O próprio Maduro, ao condenar a ajuda humanitária, de certa forma poupou o Brasil. Disse que tinha dinheiro para comprar nossa carne, nosso arroz e nosso leite em pó. Não é verdade, mas é uma nuance. E, em política, nuance conta. Ele não ignora que o Brasil quer derrubá-lo. Mas distingue o método dos adversários.


El País: Guaidó reaviva a pressão contra Maduro com seu regresso à Venezuela

Presidente da Assembleia Nacional enfrenta a ameaça de prisão e retorna ao país pelo aeroporto de Caracas, uma concessão de Maduro que aumenta a disputa entre os dois

A disputa política na Venezuela entra em uma nova fase. Juan Guaidó se livrou na segunda-feira da primeira ameaça de detenção e retornou ao país de modo triunfal. O presidente da Assembleia Nacional, reconhecido como presidente interino por mais de 50 Governos, voltou após desafiar Nicolás Maduro com sua saída há mais de uma semana após ser proibido pela Justiça. O fez em um voo comercial, entrando pelo aeroporto internacional de Maiquetía (Caracas), como havia anunciado, um sinal da determinação do político venezuelano e uma concessão de Maduro, já que não faz sentido pensar que poderia aterrissar e passar pelos controles de imigração sem sua aprovação.

A entrada de Guaidó por Maiquetía pode ser interpretada como um sinal de fraqueza do chavismo, submerso como nunca em uma pressão internacional após a violenta resposta dada em 23 de fevereiro na fronteira e que até essa segunda-feira continuava dividido, de acordo com vários líderes oposicionistas conhecedores dos passos de Guaidó, entre a ala mais radical, liderada por Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, e o círculo mais próximo a Maduro, entre eles os irmãos Rodríguez, Jorge e Delcy [ministro da Comunicação e vice-presidenta], partidários de se evitar uma prisão. Pelo menos, não por enquanto. Também não esclarece a incógnita de se o alto comando militar optou por não se submeter a outra tentativa de pressão que permita rachá-lo, após a deserção de mais de 700 militares nas últimas semanas.

Depois de mais de uma semana fora do país e após o fracasso na tentativa de entrada de ajuda humanitária pelos diversos pontos da fronteira, as expectativas que a liderança de Guaidó geraram enfraqueceram. De modo que também há uma boa dose de cálculo político em uma parte do comando chavista, que procura diminuir a relevância e Guaidó, à espera de seus próximos movimentos, sabendo que controlam todos os estamentos do país com exceção da Assembleia Nacional, cujas decisões, de fato, quase não têm importância. “Não iremos cair em provocações”, disse um dirigente de alto escalão. Nos primeiros momentos, o hermetismo diante do retorno de Guaidó era absoluto. Se geralmente o chavismo tende a contra-atacar os atos da oposição, nesse caso, os únicos movimentos públicos percebidos eram nas contas das redes sociais, em que se pedia à população que continuasse comemorando carnaval.

A presença de Guaidó na Venezuela submete também a oposição a sua própria encruzilhada. O fantasma de uma intervenção militar, que os setores mais radicais agitaram com força nos últimos dias, ficou, pelo menos por enquanto, diluído, enquanto o chavismo diminui a tensão ao não deter Guaidó. Entre os dirigentes mais jovens, a chamada Geração 2007, que se fortaleceu em torno da figura do presidente da Assembleia Nacional, a sensação é que o principal é evitar um cenário que permita a Maduro ganhar tempo e resistir, porque, sentem, é onde melhor se sai. Para consegui-lo, muitos deles têm certeza que não se deve voltar à situação de duas semanas atrás em que Guaidó ia de um lado para outro apresentando seus planos, como também são necessárias medidas e propostas concretas ao chavismo para se chegar a uma saída pacífica. Quais devem ser adotadas e como fazê-lo são motivos de intensos debates na oposição, um amálgama de forças e espectros ideológicos, em que os veteranos políticos começam também a tentar se aproveitar de uma situação que não esperavam no começo do ano. Um compêndio de líderes em que tem papel determinante o que permanece, por decisão do chavismo, preso: Leopoldo López, detido em 2014 e ainda em prisão domiciliar.

Para evitar qualquer problema na entrada do aeroporto de Maiquetía, Guaidó era esperado por uma dezena de embaixadores europeus, entre eles o espanhol, Jesús Silva, informa Maolis Castro. Não foi preciso. Pelo contrário, funcionários de algumas companhias aéreas se aproximaram para apoiá-lo e comemoraram seu retorno. Existiam muitas dúvidas. As imagens de Guaidó falando com a tripulação e os passageiros do voo comercial em que viajou do Panamá; sorrindo para um agente de imigração no aeroporto ao entregar seu passaporte; na sequência entrando em uma caminhonete levando a bandeira venezuelana e, depois, mostrando seu passaporte a milhares de seguidores em Caracas, estão carregadas de um simbolismo que a liderança de Guaidó precisava. Confirma, também, que o jovem político se desenvolve muito melhor dentro do país, como dizem muitos dos deputados de sua geração que o acompanham, e nem tanto fora, onde fica apagado entre tantos mandatários internacionais, como aconteceu na fronteira da Colômbia.

“O mundo irá nos respaldar, mas quem precisa avançar somos nós com a união de todos os setores, somos cidadãos poderosos”, afirmou Guaidó em sua primeira manifestação após seu retorno à Venezuela, informa Florantonia Singer. Em seu discurso, o presidente da Assembleia Nacional voltou a enviar mensagens às Forças Armadas, a quem pediu que “não fiquem de braços cruzados”. Para a oposição ao chavismo, a ruptura da cúpula militar é fundamental para conquistar seu objetivo. Guaidó faz questão que o Exército detenha os coletivos, grupos armados ligados ao chavismo, para que não ajam contra a população, como aconteceu nas localidades de fronteira em 23 de fevereiro. “Usaram sua última linha de defesa para massacrar o povo”, criticou Guaidó em referência à tentativa de levar ajuda humanitária que, admitiu, não pode “ser chamada de bem-sucedida”.