velha política
Joel Pinheiro da Fonseca: O Brasil optou pela política, mas será a velha ou a nova?
População mostra que os surtos revolucionários duram pouco
Nas eleições municipais, o Brasil voltou à velha política. Sei que o termo é criticado. Alguns propõem que a distinção seja entre "boa" e "má" política, e não "velha" e "nova". A palavra importa pouco, desde que estejamos de acordo sobre a coisa: o fato de que uma boa parte da classe política nacional vive de negociar interesses partidários e individuais por mais poder, mais verbas e mais visibilidade, deixando a população de fora (exceto para ganhar voto).
Diálogo, negociação, saber ceder aqui para obter ali; são virtudes necessárias para uma política que funcione. Querer substituir isso pelos gritos raivosos de um chefe intransigente pode alegrar uma parcela do eleitorado, mas é receita certa para, na melhor das hipóteses, frustração e ineficácia (e, na pior, violência e ditadura). Mas essas virtudes políticas precisam servir a um fim que não é a própria política. E isso ainda não conseguimos fazer.
A história brasileira mostra a preferência pela negociação e conciliação sobre a ruptura e o conflito. Isso não é, em si, bom nem mau; é a característica que salta aos olhos na história brasileira. Tem lado positivo: evitamos os piores derramamentos de sangue, os mergulhos em ideologias alucinadas e grandes líderes onipotentes. E tem o lado negativo: a mudança demora mais. É tudo feito parcialmente, para contemplar também os interesses de quem perdeu. Tanto o mal quanto o bem saem incompletos.
Nossa independência teve conflitos, mas nada que se comparasse à independência americana, da América hispânica ou do Haiti. Idem para a abolição da escravidão. Na hora de passarmos para a República, não matamos nosso monarca, como França ou México. Pelo contrário, sustentamos seus descendentes até hoje.
Nossos períodos ditatoriais, por mais brutais que tenham sido, não se comparam em violência com as ditaduras à direita e à esquerda do resto do continente. Tampouco nosso culto a grandes líderes tem algo que se aproxime de peronismo ou chavismo. Poucos estão dispostos a matar por uma causa ou líder. E absolutamente ninguém está disposto a morrer. Há espaço para todos os grupos que ambicionam o poder; menos para o grosso desarticulado da população.
Não foi à toa que a "classe política" ganhou reputação ruim. É claro que existem representantes sérios, mas um número grande o suficiente e visível o suficiente deu mostras de estar, ao longo das décadas, no jogo político apenas para melhorar sua posição. A corrupção é parte disso, mas não é todo o problema. Mesmo estritamente dentro da lei, uma política profissional que busque apenas os interesses de seus participantes está falhando gravemente na sua função primordial que é servir a sociedade.
É inútil sonhar com uma política na qual não haja, também, negociação de interesses. Na verdade, ela é em alguma medida desejável: sem poder, sem cargos, sem recursos, nenhum político ou partido conseguirá implementar as medidas que beneficiem os eleitores. Estamos fadados a fazer política. O próprio governo Bolsonaro, a essa altura, abandonou suas pretensões revolucionárias para deitar e rolar gostoso com o centrão. Mas faz a "velha" (ou "má") política: negocia sobrevivência, não propostas.
A população mostra que os surtos revolucionários duram pouco; logo buscamos líderes capazes de conversar e chegar a consensos. Mas se eles não entregarem resultados, o sonho de ruptura voltará. Num mundo que se rasga em meio à polarização e a atomização promovida pelas redes sociais, a preferência nacional por negociação e diplomacia vem bem a calhar. Mas apenas se seus líderes souberem conciliar essas virtudes com algo além de seu próprio interesse.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
Mauricio Huertas: “Nova”, “velha” e “boa” política
A emenda pior que o soneto, as reformas necessárias e a diferença entre “nova”, “velha” e “boa” política
Senta que lá vem polêmica! Quando pensei em uma imagem para ilustrar este artigo, foi inevitável lembrar da restauração desastrada da “velhinha de Borja”, como ficou conhecida a bondosa senhora octogenária, restauradora voluntária do interior da Espanha, que há alguns anos tentou “consertar”, por sua conta e risco (literalmente), uma pintura de Jesus Cristo do século 19.
Pois, mal comparando com a campanha eleitoral a sensação é a mesma ao confrontar a legislação antiga e desgastada que havia anteriormente com esse puxadinho improvisado, essa gambiarra apresentada pelo Congresso Nacional para as eleições de 2018, que agora já sentimos os efeitos, em vez de uma verdadeira, profunda e necessária reforma.
O que era ruim ficou pior. Se a população reclamava de campanhas caras e do desperdício de recursos gastos para eleger os políticos de sempre, a resposta deles, na contramão do bom senso, foi exatamente criar um fundo público eleitoral, ou seja, entregar de mão beijada mais de R$ 2,5 bilhões para os donos dos partidos, somados o fundo partidário tradicional com o novo caixa específico para esta eleição, uma farra bilionária inimaginável com dinheiro que deveria ser investido em saúde, educação e desenvolvimento para o país, no lugar de financiar a estrutura podre, viciada e carcomida das legendas partidárias.
Os campeões do financiamento público também são – e veja que nada é por acaso – os líderes no ranking das denúncias investigadas na Lava Jato e em outras operações do Ministério Público e da Polícia Federal: MDB, PT, PSDB e PP, entre outros menos aquinhoados. O que eles pretendiam, com essa legislação remendada em vigor, era cristalizar o domínio político e financeiro deste consórcio fisiologista. Somem-se ao esbanjamento do dinheiro público outras decisões como o monopólio do tempo de propaganda no rádio e na TV, a limitação do acesso aos debates e… pronto! Nem Pinky e Cérebro, aqueles ratinhos do desenho animado, tiveram uma ideia tão genial nas suas armações e trapaças para conquistar o mundo.
A eleição por lista fechada, uma excrescência barrada durante os debates na Câmara e no Senado, funciona na realidade quando os partidos definem livremente quanto e quem vai receber dinheiro público para a sua campanha, dentro da sua lista de candidatos preferenciais, praticamente inviabilizando os demais. O controle sobre o acesso à propaganda oficial também é exclusivo da cúpula dos partidos. Aparece na TV quem eles determinarem. Os outros que se virem sozinhos, quase clandestinos. É a mesma lógica do veto a candidaturas avulsas: o controle absoluto é dos partidos.
A renovação é dificultada a qualquer custo (e esse custo – caríssimo, como já ficou claro – é espetado na conta do povo). Alguns novos partidos tem insignificantes 4 ou 5 segundos de propaganda na TV. Não dá nem para se apresentar minimamente, como fazia no folclórico bordão “Meu nome é Enéas” o falecido presidenciável do igualmente finado Prona. Se o eleitor-espectador piscar o olho, não vê passar o candidato. Isso é justo? É democrático?
Dos debates só participa quem está em partido ou coligação com um número “x” de parlamentares. Ou seja, partido novo (e o Novo é mesmo um dos exemplos concretos e objetivos) está excluído dos confrontos entre candidatos mediados na TV, enquanto participam outros que aparentemente seriam barrados se houvesse teste psicotécnico ou exame antidoping para ocupar uma cadeira. Lamentável como se criam labirintos jurídicos e armadilhas políticas tendo como pano de fundo a “democracia”, essa palavrinha mágica que esconde tantos abusos e absurdos corporativistas e antiéticos, ilusão de ótica que segue beneficiando quem deseja manter tudo como está para ver como é que fica.
Democracia mesmo, aquela que existe quando a boa política (mais que “nova” ou “velha”, mas verdadeiramente “boa”, que corresponda plenamente ao que é exigido, desejado ou esperado quanto à natureza, adequação, função, eficácia e funcionamento da política) é posta em prática, não teremos ainda em 2018 ou até que as reformas estruturais do Brasil sejam tocadas com rigor, coragem, responsabilidade e independência. Por isso o voto em 7 de outubro é tão importante: para a Presidência da República e para o Governo do Estado, mas também – e principalmente – para o Senado Federal, a Câmara dos Deputados e a Assembleia Legislativa. Afinal, quem me representa?