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Ricardo Noblat: Congresso está pronto para virar um puxadinho do Planalto
O avanço de Bolsonaro sobre as demais instituições
A menos de dois anos das próximas eleições gerais, deputados e senadores fazem qualquer negócio na tentativa de assegurar um novo mandato, e o governo federal se vale disso para emplacar homens de sua confiança nas presidências da Câmara e do Senado. Salvo uma guinada de última hora, terá êxito.
É cedo ainda para dizer que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro está ladeira abaixo. As pesquisas de opinião a serem aplicadas lá para o final de fevereiro confirmarão ou não o que as mais recentes indicaram. Mas como o Congresso habita um mundo paralelo, para ele tanto faz como fez.
Meu mandato primeiro, o resto que se dane! Inclua-se o país no resto. Bolsonaro passou quase 30 anos como deputado federal, e se não aprendeu por lá grande coisa, aprendeu que a maioria dos seus colegas, ou quase todos, tem um preço. Quem pagar leva. A moeda são cargos, dinheiro para obras e toda sorte de sinecuras.
Não foi preciso que deputados e senadores metessem o pé para forçar a abertura dos cofres públicos – Bolsonaro mandou abri-los, uma vez que não entende isso como corrupção, como seus antecessores, uns mais, outros menos, também não entendiam. E como a oposição nesta terra abençoada por Deus inexiste…
Atraiu também a oposição. Os candidatos do governo poderão ser eleitos com o apoio da oposição sem votos e incapaz de resistir aos encantos de quem detém o poder. E Bolsonaro não só detém como tem sabido ampliá-lo, atropelando regras se necessário, atropelando como um governante autoritário, que é o que ele é.
O Congresso sob seu controle, se isso acontecer, se juntará a um ministério emasculado, à servil Procuradoria-Geral da República, a um ministro da Justiça do Brasil rebaixado à condição de ministro de Bolsonaro, à Receita Federal, à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Informação (Abin) que já foi um órgão de Estado.
Não haverá impeachment por mais que se peça. Nem CPI da pandemia. Os processos contra os filhos do presidente continuarão devagar, quase parando. Por que Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michele seguirá sem resposta, bem como a investigação sobre os bolsonaristas financiadores de atos antidemocráticos.
Em setembro, dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, dois já terão sido nomeados por Bolsonaro. Antes disso, com o voto do primeiro deles, Nunes Marques, é possível que Lula seja liberado para se candidatar a presidente. A Bolsonaro interessa que seja, para que possa depois ameaçar o país com a volta do comunismo.
Quanto aos trágicos erros que cometeu até aqui, sendo o mais grave deles a parceria com o vírus para salvar a economia à custa da morte dos que tivessem de morrer, Bolsonaro não liga. Porque acha – e com razão – que seus devotos fiéis e desinformados também não ligarão no Dia D e na Hora H de irem às urnas.
O Brasil profundo tem a cara da Record e do SBT, não da Globo. Torce por Bolsonaro como se torce por um time de futebol. Considera-o um ídolo, assim como um cantor de música sertaneja que faz sucesso. Detesta política e pensa que ele também detesta. Defende a democracia, mas não entende como ela funciona.
No passado votou no caçador de marajás, no homem do Real, no sapo barbudo e no capitão que prometia fuzilar os sapinhos. Ainda poderá votar no moço do caldeirão que costuma fazer caridade pública, é casado com aquela moça linda, de olhos azuis, que estourou nas paradas cantando “Eu vou de táxi”, lembra?
Ricardo Noblat: O plano de Bolsonaro para chegar politicamente vivo em 2022
Evitar o impeachment é a prioridade número 1
Mesmo quando meia dúzia de pesquisas de opinião, aplicadas por institutos diferentes, coincidem em apontar na mesma semana determinado resultado, o entendimento dos especialistas no assunto aconselha esperar as próximas para conferir se isso indica uma tendência ou o registro apenas de um soluço.
Os institutos Paraná, Ipesp, IDEIA, Datafolha e Atlas atestaram nos últimos cinco dias a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A reprovação a ele saltou de 32% para 40%, segundo o Datafolha. Mas só futuras pesquisas, respeitando o mesmo intervalo de tempo, confirmarão se Bolsonaro está ladeira abaixo.
Nem por isso o governo pode esperar para ver o que acontece. Bolsonaro não teve um plano para combater a pandemia da Covid-19. Ou melhor: seu plano era deixar que o vírus contaminasse mais de 70% dos brasileiros para que a partir daí a pandemia começasse a ceder. Resultado até agora: quase 220 mil mortos.
Mas plano para manter-se no poder e – quem sabe? – reeleger-se daqui a um ano, ele tem, e começa a ser executado. Primeiro ponto do plano: emplacar nomes de sua inteira confiança nas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. Os nomes: Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O mais importante dos dois é Lira. Cabe ao presidente da Câmara aceitar a abertura de processo de impeachment contra o presidente da República. Há 56 pedidos na Câmara. Se eleito, Lira não aceitará nenhum. A não ser que Bolsonaro se enfraqueça ao ponto de tornar impossível a tarefa de sustentá-lo.
O segundo ponto do plano de Bolsonaro para continuar vivo: uma reforma ministerial de grande ou de médio porte. Servirá para que ele amplie sua base de apoio no Congresso mediante a entrega de mais cargos do governo a deputados e senadores, além de livrar-se de companhias consideradas hoje incômodas.
Uma das companhias: o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, despachado para Manaus no fim da última semana sem bilhete de volta. Augusto Aras, Procurador-Geral da República, obteve junto ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para apurar se Pazuello falhou na crise de Manaus.
Com isso, Aras ajuda a desimpedir o caminho para que Bolsonaro agradeça ao general pelos inestimáveis serviços prestados ao país e o devolva à caserna. Aras deixou Bolsonaro de fora do inquérito, é claro. Uma vez que deve a nomeação a ele e que sonha com uma vaga no Supremo… Sabe como são essas coisas.
O terceiro ponto do plano de Bolsonaro: aprovar no Congresso a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Se com esse ou outro nome, em nova versão, não importa. O novo/velho imposto sobre todas as transações financeiras abarrotaria de grana os cofres públicos.
Bolsonaro resistiu a comprar a ideia, mas o ministro Paulo Guedes, da Economia, o convenceu. O governo precisa de dinheiro para fazer face ao fim do pagamento do auxílio emergencial. Entre os brasileiros com renda de até dois salários mínimos mensais, a reprovação ao governo passou de 26% para 41%. Alerta vermelho!
Ricardo Noblat: Mutirão pela vacina, uma vez que vidas pouco importam
À falta de governo, cada um por si e Deus por todos
Estava escrito nas estrelas que não daria certo realizar as provas do Exame Nacional do Ensino Médio em meio a pandemia de coronavírus que ainda não acabou – pelo contrário, recrudesceu. A abstenção tem sido enorme. Como os estudantes mais pobres poderão se dar bem se não conseguiram sequer estudar direito?
Da mesma forma, parece escrito nas estrelas que o governo do inepto presidente Jair Bolsonaro não dará conta sozinho de bancar a vacinação em massa dos brasileiros contra o vírus. Não deu conta de enfrentar a doença quando podia, preferindo deixá-la se espalhar. Perdeu o bonde à partida da compra das vacinas.
Não foi por falta de dinheiro, mas de vontade, empenho e competência. Sobraram a visão negacionista do presidente da República e sua aposta errada na politização do assunto. Quando o governo acordou, se é que acordou, havia sido passado para trás pelo governador João Doria (PSDB-SP) e o Instituto Butantan.
Bons tempos aqueles para Bolsonaro onde a administração da crise de saúde não dependia só dele, mas também de governadores e prefeitos. Foram tempos em que ele pôde descaradamente mentir dizendo que o Supremo Tribunal Federal havia lhe tomado o dever e o direito de comandar a guerra à Covid-19.
Deram-se bem os governadores e prefeitos mais ativos na questão. No caso de Doria, por exemplo, revela a mais recente pesquisa Datafolha aplicada há quase uma semana que 46% dos brasileiros entendem que ele fez mais para combater o coronavírus do que Bolsonaro, apontado por apenas 28%.
Só que agora a bola está no pé do presidente e ele não sabe jogá-la. Quer prova maior disso do que a iniciativa de empresas privadas que negociam com o governo uma autorização para importar 33 milhões de doses da vacina de Oxford/Aztrazeneca? A tarefa caberia exclusivamente ao Ministério da Saúde.
Pelo acordo em curso, metade do total dos imunizantes seria doado ao Sistema Único de Saúde. O restante iria para funcionários e familiares das companhias que fazem parte da negociação, pelo menos 12 até agora. Onde fica o princípio de que todos os brasileiros têm direito à vacina e serão imunizados?
É compreensível que empresas poderosas se mexam para ocupar o espaço deixado vago pelo governo que ignorou no ano passado uma oferta da fabricante da vacina Pfizer para que comprasse 70 milhões de doses. O governo considerou alto o preço cobrado e abusivos os termos do contrato. A fabricante insistiu, sem sucesso.
A lei da oferta e da procura que rege a economia é muito simples. Se a procura por um produto aumenta, o preço sobe. Governos onde a inteligência prevalece pagaram mais caro para estimular a produção de vacinas e depois comprá-las a preço razoável. Como o governo Bolsonaro carece de inteligência, mas não só…
Corre atrás do prejuízo. Quem pagará por tantas vidas que se perderam devido à incúria e irresponsabilidade do presidente e da sua turma? Se deixar que morram os que tiverem de morrer não configura crime sujeito a impeachment, o que mais pode configurar? A compra de um Fiat Elba? Pedalada fiscal?
Ricardo Noblat: Imunizar o Brasil a galope é uma aposta arriscada do governo
À espera de avalanche de ofertas de vacinas
De duas, uma. Ou o presidente Jair Bolsonaro e seus ineptos auxiliares acreditam que o Brasil, em breve, estará sujeito a uma avalanche de ofertas de vacinas como em seus delírios prevê o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, ou pensam que continuarão a governar o país na base só do gogó.
Foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quem disse ter atravessado seu primeiro ano de governo levando o país na conversa, no que ele era bom de fato. Mas Bolsonaro, Pazuello e companhia limitada não se destacam pela oratória, nem pelo carisma. Tampouco pelo apoio que Fernando Henrique dispôs.
O número de pessoas por aqui que pretendem se vacinar contra a Covid-19 aumentou, ao mesmo tempo em que 62% da população afirmam que a pandemia está fora de controle. É o que mostra a pesquisa Datafolha aplicada nos últimos dias 20 e 21. Apenas 3% dos entrevistados acham que ela foi totalmente controlada.
A intenção de tomar a vacina cresceu seis pontos percentuais desde a última pesquisa, em dezembro. Agora, 79% dizem querer se imunizar, contra 73% há um mês. O número ainda é inferior à parcela de 89% da população que pretendia se vacinar contra o coronavírus em pesquisa feita em agosto do ano passado.
A rejeição às vacinas caiu, passando de 22% em dezembro para 17% agora. Cresceu de 73% para 77% o número de pessoas que admitem ter medo de se infectar pelo vírus. Tudo isso decorre do aumento de mortes que na próxima semana deverá ultrapassar a casa das 220 mil. Os infectados somavam 8.816.113 até ontem.
Embora o Ministério da Saúde tenha receitado drogas ineficazes contra a doença e Bolsonaro insista em desacreditar a Coronavac, a rejeição à vacina de origem chinesa caiu. Era de 50% em dezembro. Agora é de 39%. Aumentou também o grau de confiança nas demais vacinas, inclusive na Spunik V, da Rússia.
Por ora, o número de doses de vacinas que estão sendo aplicadas aqui é ínfimo. O governo, porém, lançará uma ambiciosa campanha de propaganda para vender a ideia de que o Brasil está sendo imunizado. E se a avalanche de ofertas antecipada por Pazuello não acontecer? Na Europa já falta vacina.
É muito perigoso brincar com vidas.
Pazuello subiu ao patíbulo para salvar a cabeça de Bolsonaro
Aras, o procurador que só procura o que quer
Augusto Aras, Procurador-Geral da República, escolheu o general Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde especialista em logística militar, para pagar o preço pela ineficiência do governo até aqui no combate à pandemia do Coronavírus.
Ninguém duvida que Pazuello tenha culpa no cartório. Mas ele não faria o que fez até aqui, nem deixaria de fazer o que tinha de ser feito sem o aval do seu chefe. Falta alguém em Nuremberg, e esse alguém atende pelo nome de Jair Messias Bolsonaro.
Diga-se em favor do general, por exemplo, que lhe custou muita saliva convencer Bolsonaro a comprar a Coronavac, a vacina do Instituto Butantã e de um laboratório chinês. Bolsonaro afinal cedeu, para no dia seguinte desautorizar a compra.
Para deixar Bolsonaro de fora do pedido de abertura de inquérito que encaminhou ao Supremo Tribunal Federal, Aras limitou o fracasso do governo no enfrentamento do vírus à falta de oxigênio que continua matando pessoas em hospitais de Manaus.
De fato, o general soube com antecedência que era iminente o colapso da rede de saúde pública em Manaus e fora dali, e que haveria mortes por asfixia. Visitou a cidade e receitou o “tratamento precoce” dos doentes à base de cloroquina.
Mas é impossível que ao voltar a Brasília não tenha informado o presidente da República sobre o que viu e ouviu, além do que havia recebido por escrito. Se Bolsonaro o mantém no cargo até hoje é porque está satisfeito com o seu trabalho.
Separar Bolsonaro de Pazuello no caso da pandemia é uma tentativa de Aras de salvar a cabeça do ex-capitão à custa da cabeça do general. Pazuello subiu ao patíbulo.
Cristovam Buarque: Nossos Bolsuellos
Este governo joga contra o Brasil
Um bom governo depende do presidente usar sua vontade política e contar com a competência de seus ministros, e realizarem os projetos que o país necessita para caminhar com coesão e rumo. Esta combinação da vontade política com a competência gerencial cria a sinergia necessária para fazer o país avançar deixando legados dos presidentes.
O atual presidente não demonstra vontade política nem conta com ministros que permitam deixar um legado para o Brasil. Ele não se preparou para deixar legado e se rodeou de ministros que se dedicam a bajular e atrapalhar. Estamos sem propostas, sem liderança e sem competência.
O melhor exemplo é a saúde. Bolsonaro não se preparou. Não tinha projeto para superar as dificuldades que recebeu, e não sabe o que fazer diante da epidemia. Ele usa sua vontade política para negar o problema, para recusar o uso da ciência e substituiu os ministros competentes por um que deseja apenas agradar ao chefe e sem competência técnica, nem gerencial.
Em vez de se ajudarem, se atrapalham, porque são atrapalhados. Em vez de sinergia temos uma entropia: um governo autofágico e que engole o Brasil.
Para ameaçar ainda mais o futuro do Brasil, esta situação não é apenas na saúde. Nas relações exteriores tem um ministro antidiplomático, despreparado, capaz de dificultar, no lugar de ajudar, inclusive com BRICS, aliança criada pela vontade do presidente Lula e a competência do ministro Celso Amorim, que agiam com a sinergia de um time Lulamorim, quando agora temos a entropia do Bolsuello. Na economia, o Guedes diz coisas que não deveria e é obrigado a se desdizer, ou a corrigir o presidente depois do estrago feito. No meio ambiente, o ministro é anti-ecológico. Além de fazer o contrário do que o país precisa, agrava as relações internacionais.
Este governo joga contra o Brasil, tropeçando no presente, em vez de caminhar para o futuro. Pior, aue não se vislumbra luz, nem sinergia no lado da oposição, onde o Brasil também tem seus bolssuelos. No final do regime militar, assistiu-se sinergia entre os líderes da época. Ulisses, Arraes, Brizola, Tancredo jogavam com a vontade certa e a competência necessária. Apesar de visões e interesses próprios, jogaram unidos a favor da democracia no país.
Nossos líderes atuais ainda não demonstraram esta vontade, nem competência para o diálogo. Não vemos Ciro, Marina, Lula, Huck, Dória, Dino lutando de forma combinada para livrar o Brasil do governo entrópico dos bolsuellos. Cada um é candidato a ser o próximo presidente, não a barrar os desastres do atual. O resultado é que dificilmente o Brasil conseguirá o impeachment e possivelmente a oposição chegará dividida no primeiro turno, repetindo 2018 e reelegendo um governo sem vontade nem competência para deixar um Brasil melhor.
*Cristovam Buarque foi ministro, governador e senador
Ricardo Noblat: Acendeu a luz vermelha para a reeleição de Bolsonaro
Se tiver impeachment ainda vai demorar
Uma notícia boa para o presidente Jair Bolsonaro: a Câmara dos Deputados não deveria abrir um processo de impeachment contra ele. É o que pensam 53% das 2.030 pessoas em todo o Brasil entrevistadas por telefone pelo Datafolha nos últimos dias 20 e 21. O percentual era de 50% no início de dezembro. Os que defendiam o impeachment caíram de 46% para 42%. Parabéns, presidente!
Quanto ao mais descoberto pelo Datafolha, só tem notícia ruim – com efeito, em linha com pesquisas divulgadas nesta semana pelos institutos Paraná, Ipespe e IDEIA. Subiu de 32% para 40% os que avaliam o desempenho de Bolsonaro como ruim ou péssimo. Os que avaliam como ótimo e bom diminuíram de 37% para 31%. É a maior queda desde o começo do seu governo há dois anos.
Metade dos brasileiros considera que ele não tem capacidade para governar e não merece confiança. Nunca confiam em sua palavra 41% (eram 37% em dezembro) dos entrevistados, enquanto 38% o fazem às vezes (eram 39%) e 19%, sempre (eram 21%). Também pudera. Bolsonaro, hoje, diz uma coisa e amanhã o seu oposto. Fala mal das vacinas, depois as compra e fala mal outra vez.
As pessoas que têm medo de pegar o novo coronavírus estão entre as que mais rejeitam o presidente. A rejeição a ele entre os que têm muito medo de ser infectados pelo vírus saltou de 41% em dezembro para 51%. A aprovação caiu de 27% para 20%. Entre quem tem um pouco de medo de infectar-se, a rejeição subiu de 30% para 37%. A parceria com o vírus fez mal a ele.
O presidente é mais rejeitado entre os que ganham mais de 10 salários mínimos (52%), com curso superior (50%), mulheres e jovens de 16 a 24 anos (46%). Os mais ricos e instruídos são os que menos confiam nele, bem como os jovens. Os empresários – sabe como é… – seguem sendo o grupo profissional mais fiel a Bolsonaro. 58% acreditam na sua capacidade de governar.
O que explica a quantidade de más notícias para o presidente? O recrudescimento da pandemia com o aumento de casos e de mortes em todo o país, a crise da falta de oxigênio em Manaus, a performance desastrosa do governo neste início da vacinação em massa e o fim do pagamento do auxílio de emergência em 31 de dezembro aos brasileiros mais pobres.
No Nordeste, por exemplo, a rejeição a Bolsonaro passou de 34% para 43%, e tende a aumentar. Em junho do ano passado foi de 52%. O maior tombo ocorreu no Norte, onde fica Manaus, e no Centro-Oeste, região que sempre foi um reduto dos bolsonaristas. Bolsonaro amarga 44% de rejeição no Sudeste, a região mais populosa do Brasil, 10 pontos percentuais a mais do que no Sul.
Sempre poderia ser pior, e é nisso que se agarram os ministros de Bolsonaro e os políticos do Centrão gulosos por mais cargos no governo. Quanto mais crescerem as dificuldades para o presidente renovar seu mandato, mais o Centrão se oferecerá para ajudá-lo. Caso se convença mais adiante que Bolsonaro será derrotado, o Centrão negociará com quem possa se eleger.
Quem dispensa máscara e se aglomera é burro
Desabafo de prefeitos aflitos
Nas últimas 48 horas, dois prefeitos de grandes cidades perderam a paciência e chamaram de burros os que dispensam o uso de máscara, engrossam aglomerações e não querem se vacinar..
Um foi Alexandre Kalil (PSD), prefeito reeleito de Belo Horizonte no primeiro turno com a maior votação do país – 63,36% dos votos válidos. Foi curto e grosso, bem ao seu estilo:
“Eu confio 200% na vacina, eu confio na ciência. Nós temos uma tradição de vacinas no Brasil. Todo mundo tem de se vacinar, quem não quer é negacionista, idiota e burro.”
O outro, Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, eleito no segundo turno com 64,7% dos votos válidos, quase o dobro de Marcelo Crivella (Republicanos), seu adversário. Disse Paes:
“Para vocês que sabem que não vão pisar nas baladas, nas festas, deixem de ser burros. Vocês estão matando as pessoas”.
No Rio, todas as 33 Regiões Administrativas da cidade têm, agora, risco alto de contágio. Eram 25 na semana passada. Em São Paulo, só os serviços essenciais poderão abrir nos fins de semana.
Enquanto isso… No dia em que o governo federal celebrou a chegada de 2 milhões de doses de vacinas da Índia, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar mal das vacinas. Faz sentido?
Antes, Bolsonaro falava mal apenas da Coronavac, a vacina chinesa bancada pelo governador João Doria (PSDB), de São Paulo, e produzida pelo Instituto Butantan. Agora, não faz distinção.
Esta semana, à falta do que fazer ou de querer fazer alguma coisa, Bolsonaro passou um largo pedaço de tarde assistindo ao treino do Flamengo que enfrentaria o Palmeiras em Brasília. Foi vaiado.
Se a Índia não se dispuser a vender mais vacinas da Astra/Zêneca, as que chegaram ontem aqui darão para imunizar apenas 1 milhão de pessoas. São duas doses por pessoa.
A China prometeu doar 1.700 cilindros de oxigênio para que Manaus volte a respirar relativamente em paz. Sobre a remessa de insumos para a fabricação da Coronavc, nada por ora.
Nesse ritmo, o Brasil entrará em 2022 vacinando e com mais mortos e doentes. Culpa do governo federal – e também dos milhões de burros que pastam por aí.
Ricardo Noblat: Bolsonaro tem o ministro da Saúde que merece e escolheu
Pazuello, sequer, domina bem a arte da desfaçatez
Sabe quantos testes de Covid-19 foram aplicados no Brasil desde o início da pandemia, em março fará um ano? E a quantidade de medicamentos para qualquer tipo de doença que tem estocado?
Não sabe e não saberá tão cedo. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) quis saber e valeu-se para isso da Lei de Acesso a tais informações que o governo Bolsonaro costuma desrespeitar.
O Ministério da Saúde respondeu ao pedido dizendo que as informações “se encontram em status reservado” porque poderiam “pôr em risco a vida, a segurança e a saúde da população”.
Outro argumento usado pelo ministério para dizer não a Valente: as informações requeridas por ele oferecem “elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do país”.
Esperar o quê do ministério sob o comando de um general especialista em logística que já marcou e remarcou tantas vezes o que chamou de Dia D da vacinação em massa contra o vírus?
E que quando a vacinação começou havia poucas doses disponíveis que mal dariam para atender 4% da fatia dos brasileiros do grupo considerado prioritário?
O general Eduardo Pazuello sequer domina como Bolsonaro a arte da desfaçatez. Retirou, ontem, do ar o aplicativo que recomendava remédios sem eficácia contra a Covid, como a cloroquina.
Alegou que o sistema havia sido ativado “indevidamente” por um hacker e que a plataforma fora lançada como um projeto-piloto e não funcionava oficialmente, “apenas como um simulador”.
Mas como era assim, se foi ele, durante evento no último dia 13 em Manaus, quem lançou a plataforma em reunião com médicos e outras autoridades da área de saúde?
Naquela ocasião, Pazuello já sabia que o sistema de saúde de Manaus estava em colapso, e que em poucos dias faltaria até oxigênio para o atendimento de doentes na rede hospitalar.
Por mais que Bolsonaro negue, o general tem seus dias contados como ministro. Não será o único ministro a sair em breve. Sairá em meio a uma reforma ministerial para evitar que Bolsonaro caia.
Ricardo Noblat: No que aposta Bolsonaro para completar o mandato e ganhar outro
Quem mudou? O ex-capitão ou o Exército?
E o governo federal faz de conta que mortes por falta de oxigênio no Norte do país é problema dos governos estaduais, que culpam os municipais, que devolvem a responsabilidade aos estaduais, que suplicam em vão por socorro ao federal. Segue o baile.
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, reuniu-se com o embaixador da China no Brasil. Pediu pressa na remessa de insumos para a fabricação da vacina chinesa Coronavac. Foi desautorizado em nota pelo governo federal.
Diz a nota que é atribuição do governo federal, e só dele, defender os interesses do país em conversas com representantes de outros governos. Tanto mais em meio a uma pandemia que matou quase 213 mil pessoas até ontem, das quais 1.381 nas últimas 24 horas.
Governo esquisito, este. O presidente Jair Bolsonaro vive dizendo que o Supremo Tribunal Federal impediu-o de combater a Covid-19, o que é uma mentira. Mas quando um membro de outro poder da República combate e tenta ajudá-lo, ele repele.
Vidas não importam a Bolsonaro, somente política, e logo ele que se apresentou aos brasileiros há dois anos como o antipolítico por excelência, embora deputado federal de sete mandatos. O Brasil nunca esteve em pior situação e, o presidente, idem.
Como é incapaz de admitir erros, Bolsonaro reuniu seus ministros e cobrou-lhes duas coisas em termos duros – o que significa uma explosão de palavrões onde “porra” é o mais leve. A primeira: que defendam o governo. A segunda, que trabalhem melhor.
A cobrança por um trabalho melhor foi dirigida, principalmente, ao general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde. Ora, Pazuello não é médico, não sabia o que era SUS e não se ofereceu para ser ministro. Bolsonaro foi quem o convocou e lhe deu a tarefa.
Como na caserna missão dada é para ser cumprida, Pazuello perfilou-se, bateu continência ao chefe das Forças Armadas e encarou o desafio. Afinal, logística militar é sua especialidade. E uma pandemia se enfrenta também com logística, certo? Pois.
Cadê o cargueiro da Força Aérea Brasileira que poderia estar voando para abastecer o Norte do país com cilindros de oxigênio suficientes para que ninguém morresse? Foi despachado para uma manobra militar junto com a Força Aérea dos Estados Unidos.
Cadê o avião da Força Aérea americana que o governo federal disse que pediria aos Estados Unidos uma vez que o avião da Força Aérea Brasileira está indisponível? Trump, o amigo de Bolsonaro, deixou a Casa Branca e não mandou.
O presidente empossado Joe Biden seria mais sensível a um pedido dessa natureza. Por que Bolsonaro não pede a ele? Só por que torceu abertamente por sua derrota? Só por que foi o último chefe de Estado a cumprimentá-lo pela vitória?
Só por que foi o único chefe de Estado a justificar a invasão do Capitólio por hordas que Biden batizou de terroristas domésticos? Biden haverá de entender que, no passado, Bolsonaro planejou jogar bombas em quartéis. Perdeu a farda.
Foi um momento de fraqueza de Bolsonaro. Faltou-lhe coragem para lançar as bombas. Contra todas as provas, negou em depoimentos, negou por escrito, negou pelo mais sagrado que tivesse planejado atos terroristas. O Exército não acreditou.
Mudou Bolsonaro ou mudou o Exército que agora confia 100% nele a ponto de um general da ativa fazer parte do governo? Os gabinetes mais importantes do Palácio do Planalto são ocupados por generais da reserva. O governo emprega 3 mil militares.
Bolsonaro aposta na farda para completar o mandato e conquistar outro. Faltam menos de 88 semanas para a eleição do ano que vem. Que passem rápido, com oxigênio hospitalar para quem precisa.
O sabotador número 2 das vacinas contra o coronavírus
O legítimo sucessor do pai
Flávio Bolsonaro, o senador denunciado por se beneficiar de dinheiro público, perdeu a voz. E, por temperamento, talvez jamais se prestasse a esse papel.
Carlos Bolsonaro, o vereador investigado pelo mesmo crime, perdeu o brilho, e de resto anda muito ocupado em apagar nas redes sociais mensagens que postou em nome do pai.
Jair Bolsonaro, o presidente da República que dispensa máscara, já fez por merecer o título de sabotador número 1 das vacinas. Tal honraria ninguém lhe tomará.
O sabotador número 2 das vacinas, portanto, é justamente o que você pensa – Eduardo Bolsonaro, deputado federal, que no passado fritou hambúrgueres e, agora, frita vidas.
Logo quando o Brasil está de quatro diante da China porque depende dela para fabricar vacinas, Bolsonaro voltou a criticar a China pelo atraso no envio de insumos.
Escreveu nas redes sociais que a Coronavac, vacina chinesa, não é aplicada nos chineses. Não disse por quê. Não apresentou provas, mas os Bolsonaro se sentem dispensados de provar o que dizem.
Justificou o atraso da vacina que a Índia não se comprometeu a dar ao Brasil, ao contrário do que anunciara seu pai:
“A vacina que está vindo do Brasil vem da Índia. Mas como a Índia pode distribuir vacinas sendo que a própria população ainda não foi vacinada? Existe uma pressão popular que gerou uma instabilidade que atrasou, e o problema já está sendo resolvido”.
Para variar, atacou o governador João Doria (PSDB-SP):
“O presidente sempre deixou claro que assim que a Anvisa chancelasse, não haveria problema. O problema é que o governador João Doria não queria que a vacina, que vem da China mas não é aplicada nos chineses, passasse pela Anvisa. E para piorar ele falava sobre vacinação obrigatória.”
Bateu também em Luciano Huck:
“Basta lembrar do apresentador do nariz grande choramingando que nada poderia fazer para ajudar o oxigênio em Manaus, este é o padrão.”
Sobrou até para a Secretaria de Comunicação do governo:
“A comunicação do governo poderia melhorar? Sim, sempre dá para aperfeiçoar tudo. Mas pense comigo: será que se o governo agisse diferente estes que criticam estariam elogiando? Adianto a resposta: a esmagadora maioria não”.
Eduardo é uma cópia escarrada do pai, e, dos filhos, o mais interessado em ficar com sua herança política.
Ricardo Noblat: É a Constituição, estúpido, não os militares que garante a democracia
Bolsonaro finge que faltou a essa aula
Nada há de ignorância quando o presidente Jair Bolsonaro diz, como disse ontem, como disse no passado antes e depois de se eleger, que “quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”.
Pelo menos isso, ele sabe que não é assim. Quem garante a democracia é a Constituição. A nossa, em vigor desde 1988, foi escrita e aprovada por representantes do povo eleitos justamente para dar conta de tal tarefa.
Sempre que se vê em apuros, Bolsonaro bate à porta dos quartéis atrás de apoio, corteja seus antigos pares e ameaça seus adversários políticos com esse tipo de declaração. É quando seu instinto e intuito golpistas traem de fato o que ele é.
As Forças Armadas não estão acima da Constituição que o presidente jurou respeitar, mas que desrespeita sempre que pode. Obedecer à Constituição não é só um dever, é uma obrigação coletiva. Tentar enfraquecê-la é um crime de lesa majestade.
Do que mais têm medo Bolsonaro e Pazuello
Crime de responsabilidade
Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello têm em comum a formação militar e o fato de serem no momento as duas figuras públicas de maior relevo em meio a uma pandemia que colheu até ontem no Brasil mais de 210 mil vidas. E que poderá colher muito mais, uma vez que mal começou, a vacinação poderá ser suspensa em breve devido à falta de doses suficientes para imunizar tanta gente.
Faltam insumos para que o Instituto Butantan possa fabricar a CoronaVac no volume necessário. A Fundação Oswaldo Cruz também não tem para fabricar a AstraZeneca. Os insumos para as duas vacinas dependem da China que os produz, e, por lá, menos de 1% da população foi imunizada. Fracassou a operação de compra da AstraZeneca à Índia. Era fake. Um golpe.
Apesar do uso da farda, seria uma injustiça com Pazuello comparar sua trajetória nos quartéis com a de Bolsonaro. Pazuello é um general ainda na ativa, para constrangimento dos seus pares que preferiam vê-lo na reserva dada às circunstâncias que ele enfrenta. Bolsonaro ganhou o título de capitão quando foi afastado do Exército por ter planejado atentados à bomba a quartéis.
Mas o general aceitou servir ao ex-capitão depois que dois médicos deixaram o Ministério da Saúde ao se recusarem a fazer o que Bolsonaro mandava – entre outras coisas, recomendar o tratamento precoce de casos da Covid-19 com drogas ineficazes. Sabe-se lá porque Bolsonaro ordenou ao Exército a fabricação em massa de cloroquina. Sabia-se que era uma fraude.
Bolsonaro acostumou-se à fama de mentiroso e não liga mais. Nada mais fácil do que provar que ele mente. Mente sempre. Mente descaradamente. Mente displicentemente. Mente naturalmente. Mente irresponsavelmente. E de tanto enxovalhar a verdade, tornou-se incapaz de reconhecer quando encontra uma pela frente por mais robusta que ela seja.
Isso obriga ao restabelecimento de certas verdades. Em abril último, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que governadores e prefeitos TAMBÉM poderiam adotar medidas contra a pandemia, NÃO APENAS o governo federal. Como Bolsonaro insiste em dizer que o tribunal esvaziou seu poder de combater o vírus, o Supremo voltou a desmenti-lo em nota oficial.
Chamar Pazuello de mentiroso o incomoda muito. Pega muito mal para um militar, mais ainda quando ele é detentor da mais alta patente de sua Arma. É uma ofensa que nenhum deles engole calado. Infelizmente para ele, está provado que o general mentiu ao afirmar que nunca receitou o tratamento precoce com cloroquina para pacientes com sintomas da doença.
Que Pazuello queira culpar o clima da Amazônia pela falta de oxigênio que matou dezenas de pessoas em Manaus e começa a matar também em cidades do Pará, não é propriamente uma mentira. Seria um exagero, digamos com boa vontade, ou ignorância. Que ele culpe o fuso horário pela demora em importar vacina da Índia pode ser entendido como uma desculpa.
Porém, o general mente ao negar que patrocinou o que agora batiza de “atendimento precoce” com remédios rejeitados pelo mundo inteiro. No final de maio passado, o Ministério da Saúde incluiu nos seus protocolos a sugestão de uso da cloroquina em pacientes hospitalizados com gravidade média e alta. E remeteu aos Estados pelo menos 3,4 milhões de doses da droga.
Não lembra? Leia aqui a notícia publicada pela Agência Brasil, um órgão de informação do governo. Isso aconteceu depois que o médico Nelson Teich cedeu a Pazuello a vaga de ministro da Saúde. Quer mais? Na madrugada de hoje, no site do ministério, ainda poderia ser encontrado um manual de orientação sobre o uso da cloroquina para tratamento precoce.
A troca de “tratamento precoce” por “atendimento precoce” tem a ver com o medo de Pazuello de ser denunciado por crime de responsabilidade. O mesmo medo passou a ser compartilhado por Bolsonaro. Crime de responsabilidade pode abreviar seu mandato porque a Constituição considera inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.
Ricardo Noblat: Bolsonaro escolheu ser o coveiro dele mesmo
Doria fez barba, cabelo e bigode no presidente
Na medida em que se enfraquece, o presidente Jair Bolsonaro perde mais e mais o controle sobre os fatos produzidos ou não por seu governo. Dois episódios de ontem provam isso.
Os cinco diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nomeados por ele, anunciaram ao país que não existe tratamento preventivo contra a Covid-19.
Desmentiram Bolsonaro em transmissão nacional de rádio e de televisão. Até o ministro da Saúde, o general de peito estufado Eduardo Pazuello, também o fez com todo o cuidado do mundo.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) deu início à vacinação em massa, o que o Ministério da Saúde disse que só poderia acontecer depois de sua autorização.
Doria também reteve a cota paulista de doses da vacina fabricada pelo Butantan que o Ministério da Saúde esperava receber para em seguida devolver a São Paulo. Uma estupidez, por certo.
Foi um ato de rebeldia do governador que, ao ser acusado por Pazuello de promover um “golpe de marketing”, respondeu que há 11 meses Bolsonaro promove um “golpe de morte”.
O presidente da República vai fazer o quê? Processar Doria? Pressionar a Justiça para que mande prendê-lo por crime de desobediência civil? Se o fizer, perderá.
Vamos ao mantra adotado por 9 entre 10 estrelas da política: presidente pode muito, mas não tudo. Bolsonaro, por mais que diga o contrário aos berros, cada dia que passa manda menos.
A derrota que colheu com a aprovação emergencial das vacinas foi a maior derrota desde que acidentalmente se elegeu há dois anos e tomou posse da presidência sem estar preparado para isso.
Mais de 70% dos brasileiros queriam se vacinar. O percentual crescerá com o início da vacinação em massa. Bolsonaro sempre desacreditou a vacina e diz que não se vacinará.
Em todos os países onde começou, a vacinação foi festejada pelos chefes de Estado. Aqui, Bolsonaro não deu um pio. Desapareceu. Apareça, Bolsonaro! Livre-se do colete à prova de vacina. Não dói.
No passado, quando um time goleava o outro, dizia-se que fez dele barba, cabelo e bigode, lembrou o jornalista Ricardo Kotscho. Perfeito! Doria fez barba, cabelo e bigode em Bolsonaro.
O 7 x 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo de 2014 é pouco para dar a verdadeira dimensão da surra que Bolsonaro levou de Doria. Outras surras virão em breve.
Os bolsonaristas e seus cúmplices construíram a falsa narrativa da invencibilidade de Bolsonaro, fizesse ele o que fizesse. E que ele se tornara de alguns meses para cá um presidente normal.
Jamais Bolsonaro será um presidente normal porque como ser humano jamais foi normal. Não pode ser normal quem defende a tortura, tem fixação em armas, detesta gays e sabota a vida.
Aturá-lo por mais dois anos será insuportável, mas talvez sirva para ensinar os brasileiros a votar melhor.
Ricardo Noblat: Covid-19 - Procurador Geral da República só enxerga o que quer
Augusto Aras é tão negacionista quanto Bolsonaro
Depois de cinco dias consecutivos com mais de mil mortos pela Covid-19 no Brasil, finalmente o procurador-geral da República, Augusto Aras, acordou e determinou a abertura de um inquérito no Superior Tribunal de Justiça.
Não tire conclusões apressadas. O inquérito não é para apurar a eventual omissão do governo federal no combate à pandemia do coronavírus que até aqui matou 209.350 pessoas, infectando quase 8.500 mil. Aras acha que não houve omissão.
Se omissão houve, foi do governador Wilson Lima (PSC), eleito há dois anos com o apoio de Bolsonaro, e da prefeitura de Manaus, comandada pelo recém-empossado David Almeida (Avante), na crise de saúde do Amazonas.
Embora tenha afirmado que levou em consideração o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que cabe à União, Estados e municípios atuarem em conjunto no combate à pandemia, Aras preferiu deixar a União de fora do inquérito.
Sabe como é. Antigamente – quer dizer: antes de Bolsonaro -, o presidente da República escolhia um dos três nomes mais votados pelos procuradores para o cargo de procurador-geral. No caso de Aras, ele sequer foi votado.
Daí que ele foi uma escolha pessoal de Bolsonaro, que não o nomearia sem a certeza de que Aras o protegeria e cumpriria todas as suas vontades. E assim tem sido. O procurador-geral da República deu lugar ao procurador-geral de Bolsonaro.
Só procura o que interessa ao presidente. E quando esbarra em algo que não interessa a ele, dá um jeito de não ver. E se por acaso for obrigado a ver, releva a importância do que viu. Aras sabia que seria assim e aceitou jogar o jogo.
No ano passado, não se pagava imposto para a compra a outros países de cilindros de oxigênio. Este ano começou com um imposto de 14% a 16%. O imposto pago na compra de armas era de 20% no ano passado. Este ano foi zerado.
Pelo menos desde o dia 23 de novembro último, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a Secretaria de Saúde do Amazonas sabia que a quantidade de oxigênio hospitalar disponível seria insuficiente para atender o recrudescimento da pandemia.
A informação consta de projeto básico, elaborado pela própria Secretaria, para a última compra extra do insumo em 2020. Principal fornecedora do Estado, a empresa White Martins teria conseguido atender ao pedido por mais cilindros.
Mas não houve pedido. Em dezembro, o governo do Estado, sob pressão de comerciantes bolsonaristas, relaxou as medidas de isolamento social, descartando qualquer possibilidade de endurecê-las depois. Bolsonaro festejou em vídeo.
Nesta semana, o estoque de oxigênio acabou nos hospitais de Manaus e pacientes começaram a morrer asfixiados. O ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, esteve lá. Pôde ver o que acontecia, mas receitou o tratamento precoce com cloroquina.
Fez mais que isso. Obteve autorização do governo do Amazonas para que grupos de médicos e de servidores do ministério visitassem unidades de saúde em Manaus, orientando-as no uso de drogas contra o vírus comprovadamente ineficazes.
Uma cunhada de Pazuello avisou-o que tinha um familiar infectado pelo vírus e “sem oxigênio para passar o dia”, de acordo com a Folha de S. Paulo. Mas, sabe como é… Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Pazuello tem juízo.
Essa é uma história de terror doméstico que chocou o país e o mundo e que não tem Dia D para acabar. A China anunciou que ajudará o Brasil com dinheiro, uma vez que seria difícil e demorada a operação de mandar cilindros de oxigênio.
A Venezuela é logo ali. E apesar de o governo Bolsonaro não reconhecer o governo de Nicolás Maduro e de apoiar o governo inexistente de Juan Guaidó, a ajuda da Venezuela chegará nos próximos dias. Vai recusá-la? Terá coragem para tanto?
Cerca de 100.000 litros de oxigênio foram carregados na Siderúrgica del Orinoco para seguir rumo ao Brasil em caminhões. Uma centena de médicos formados pela Venezuela em parceria com Cuba está disposta a ir para Manaus. E aí?
Tremenda saia justa para um governo de machos que detestam expor suas fraquezas.
Cristovam Buarque: O presidente asfixiador
A falta do oxigênio é consequência do colapso político de um governo despreparado para cuidar do Brasil.
Política é a arte de um povo para definir seu caminho com coesão e rumo, por meio de dirigentes escolhidos. O colapso do sistema de saúde em Manaus é prova do fracasso da política. Irresponsabilidade, incompetência, insensibilidade dos governantes que nós elegemos, sobretudo o obscurantismo deles provocaram a tragédia da asfixia de doentes por falta de oxigênio. A imagem de brasileiros se afogando nos corredores de hospitais, por falta de um balão de oxigênio, é uma metáfora real de um governante com o pé no pescoço do país inteiro.
A falta do oxigênio é consequência do colapso político de um governo despreparado para cuidar do Brasil. O sofrimento e morte no Amazonas, previsto por todos os cientistas e pelos ministros de saúde que foram demitidos porque alertaram, é consequência do descuido do presidente com o sofrimento, seu apego à feitiçaria no lugar da ciência, sua mesquinharia ao politizar a saúde pública e seu despreparo gerencial e sua falta de patriotismo. A crise sanitária é apenas um dos males que ele está provocado.
Nestes seus dois anos, ele conseguiu nos transformar em uma nação ridicularizada e desprezada no cenário internacional, está asfixiando o país em função de seu constante incentivo à destruição das florestas, seu descuido e até repulsa à educação de base, ensino superior, ciência e tecnologia e aos artistas faz dele o asfixiador do conhecimento e do espírito nacional, até mesmo esta conseguindo desmoralizar o Exército brasileiro ao dar-lhe tarefas para as quais seus generais demonstram despreparo. Bolsonaro é o asfixiador do Brasil.
Mas lamentavelmente ele não é o único. A asfixia também é feita pelos que não conseguem barra-la. Há dois anos nosso divisionismo permitiu a eleição deste asfixiador. E agora a divisão não nos dá a força necessária para seu impeachment por crime contra os brasileiros e o Brasil. Daqui a dois anos ele pode ser reeleito, se não nos unirmos e oferecermos uma proposta e um nome confiável nas eleições de 2022.
Bolsonaro é o asfixiador, mas o Brasil não nos perdoará se não encontrarmos os meios para impedir sua maldade e sua incompetência. Um país caminha errado, quando seu governo é ruim, mas entra em colapso quando as oposições também são ruins ou quando não se unem.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro