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Ricardo Noblat: Lula encarcerou o PT em Curitiba

Para o bem ou para o mal. O PT inventou o discurso de que o melhor seria insistir com a candidatura inexistente de Lula para esconder a verdade de que lhe falta um candidato com chances de vencer.

Notável, pois. Com 38 de idade, e tendo disputado todas as eleições de 1982 para cá, o segundo maior partido do país (o primeiro é o PMDB) foi incapaz de parir outros nomes de peso. Por quê? Porque isso jamais interessou a Lula.

Ninguém à sombra dele se criou. Por timidez de alguns. Por receio de outros de acabarem marginalizados por Lula. Por azar de poucos que acabaram ficando pelo meio do caminho ao se meterem em enrascadas.

Um desses poucos foi o ex-ministro José Dirceu, o coordenador da campanha presidencial de Lula em 2002. Incomodava Lula a condição não oculta de Dirceu de uma espécie de primeiro-ministro do governo.

No que Dirceu apareceu como o chefe do esquema do mensalão do PT, Lula mandou que ele se demitisse. Nada fez para impedir que Dirceu fosse cassado. A Justiça inocentou Dirceu da acusação de ter chefiado o esquema.

O ex-ministro Antônio Palocci, que Lula chamava de “meu irmão”, e que confessa ter administrado o dinheiro da propina paga a Lula, caiu ao se envolver com a quebra do sigilo bancário de um caseiro.

Houve também aqueles que preferiram pedir as contas e ir embora do PT. Marina Silva, petista de raiz, por exemplo, foi um deles. E houve os expulsos, como Luiza Erundina, que foram se abrigar em outros partidos.

Sempre que lhe pareceu conveniente, Lula fingiu distanciar-se do PT. Sempre que se viu em apuros, correu para o colo do PT. Assim foi quando o governo de Dilma começou a ir para o brejo e ele não viu mais como salvá-lo.

E mais recentemente foi assim quando a Lava Jato bateu à porta de Lula, obrigou-o a sentar no banco dos réus e por fim condenou-o a 12 anos e um mês de cadeia pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Encarcerado em Curitiba, Lula encarcerou também o PT. Fracassou, porém, no seu intento de encarcerar toda a esquerda. Parte dela circula por aí carregando Marina, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Manuela d’Ávilla.

Lula e seus dóceis serviçais teimam com a história de que o candidato do PT a presidente a ser escolhido em cima da hora herdará os votos de Lula e disputará o segundo turno. E se não for assim?

Se não for, que não atribuam mais essa culpa a Lula. Vítima de um golpe, Lula terá mais com o que se preocupar. É ele quem vê o sol quadrado há mais de 100 dias. É ele que está com os bens bloqueados. Até ficou viúvo.

Com a preciosa ajuda do PT, Lula já garantiu a essa altura a condição de mártir no imaginário coletivo dos que gostaram dos seus governos, embora desaprovem seus malfeitos.


Dora Kramer: Largados e pelados

Bem nas fotos das pesquisas, Ciro e Bolsonaro perdem para Alckmin no quesito confiança

A retomada da temporada eleitoral pós-Copa já acontece em ritmo de fatos relevantes. Dois, nesta semana: a adesão dos partidos do chamado centrão ao tucano Geraldo Alckmin e o isolamento de Jair Bolsonaro e Ciro Gomes no quesito alianças eleitorais. Certo de que conquistaria aliados à direita, Ciro flexibilizou posições, amenizou o discurso, mas não evitou levar uma rasteira de última hora. Por dois motivos: a mania de insultar a tudo e a todos e a ausência de firmeza ideológica, fatores que suscitam desconfiança.

Bolsonaro tem sofrido repetidas recusas de candidatos a vice na chapa de uma forma particularmente humilhante, pois as recusas ocorreram depois de anunciados os nomes pretendidos pelo deputado. Ciro e Bolsonaro reagiram na base do desprezo pelas uvas verdes, fazendo de conta que não se abalaram. Ambos menosprezaram o fator aliança. Da boca para fora.

Realmente, a adesão de partidos não garante eleitores, mas assegura tempo de televisão. Para quem dispõe, como os dois, de apenas parcos segundos cada um, a conquista de tempo no horário eleitoral não é algo de que possam abrir mão sem prejuízo.

Enquanto isso, Alckmin já contabiliza 38% do horário. Não garante votos, mas transmite confiança, dá notícia de que os partidos estão botando fé no crescimento da candidatura. Em quadro de indefinição total isso conta. E bastante.


Ricardo Noblat: Ciro, biruta de aeroporto

O maior adversário dele é ele mesmo

Mal o bloco dos partidos mais fisiológicos do Congresso bateu o martelo em torno da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência da República, Ciro Gomes, que hoje será indicado oficialmente pelo PDT como candidato à vaga de Temer, deu meia volta volver. Nem esperou o anúncio oficial do apoio a Alckmin.

Primeiro fez uma autocrítica: “Eu não sou o dono da verdade, não sou poupado do erro, eu cometo erros. Eu cometo erros e não me custa nada reconhecer erros”. Depois, um aceno ao PT: “O Brasil nunca será um país em paz enquanto o companheiro Luiz Inácio Lula da Silva não restaurar a sua liberdade. Eu luto por isso”.

A favor de Ciro, diga-se que ele suou a camisa para ser o candidato da esquerda a presidente. O PT refugou-o: “Nem com reza braba” ela seria, anunciou a senadora Gleisi Hoffman, presidente do partido. O PC do B lançou Manuela d’Ávila candidata de olho na vaga de vice de Lula. O PSOL, Guilherme Boulos.

Desprezado pela esquerda, Ciro passou a cortejar a direita que queria distância da candidatura de Jair Bolsonaro. Chegou a conquistar o apoio do PP e do Solidariedade. Sonhou com a adesão do DEM e do PR do ex-mensaleiro Valdemar da Costa Neto. Acabou também desprezado pela direita.

Como das outras duas vezes em que foi candidato a presidente, Ciro derrapou mais pelo que disse do que pelo que fez. Para atrair a esquerda, radicalizou seu discurso. Para mais recentemente atrair a direita, suavizou-o no que pode. Não despertou confiança em nenhum dos lados. Moveu-se como uma biruta de aeroporto.

Em certo momento, disse que se eleito revogaria a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso. Para depois afirmar que não seria bem assim. Prometeu anular a eventual fusão da Embraer com a Boeing. Corrigiu-se mais adiante. Chamou um vereador negro de “capitão do Mato”. E uma promotora de filha-da-puta.

Seguirá no jogo e, ao cabo, poderá perder para ele mesmo.


Ricardo Noblat: Chapa de farda

O que dirá Jair Bosonaro (PSL) em 11 míseros segundos quando tiver início no próximo dia 31 de agosto o período de propaganda no rádio e na televisão dos candidatos às eleições gerais de outubro?

(A leitura em voz alta das linhas acima consome 14 segundos. A leitura silenciosa, pouco mais de seis.)

Foi por isso que ele correu atrás do apoio do Partido da República (PR) que lhe acrescentaria mais 45 segundos. Correu e perdeu. Queria o senador Magno Malta (PR-ES) como candidato a vice. Ficará com o general da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira.

O general disse que está pronto para enfrentar sua nova missão. Ex-capitão do Exército, Bolsonaro não precisa de um general que lhe bata continência para se tornar confiável à gente que usa farda ou que gosta de uma mesmo sem usá-la. Confiável ele já é.

Precisava de mais tempo de propaganda. E também de um contingente de vereadores, deputados estaduais e federais espalhados pelo país capazes de ajudá-lo na caça ao voto. Diz que 240 deputados federais de vários partidos o apoiam. A ver depois.

Se ele antes cogitou de não comparecer a debates eleitorais no rádio e na televisão para escapar a críticas dos seus adversários, agora não poderá perder um só deles. As redes sociais não lhe bastarão. Como, de resto, a nenhum dos candidatos.

Nas eleições de 2014, ao virar candidata do PSB a presidente da República, a ex-ministra Marina Silva disparou nas pesquisas de intenção de voto. Dilma e Aécio Neves se juntaram para massacrá-la. Era mínimo o tempo de Marina no rádio e na televisão.

Desta vez também será mínimo. Como Bolsonaro, Marina é candidata de um partido minúsculo. Como ele, não atraiu outros partidos – sequer tentou. Bolsonaro é o segundo colocado nas pesquisas. Hoje, só Marina o derrotaria no segundo turno.


Mary Zaidan: Lula não é o Brasil

Lula puxa a corda que seus fiéis esticam

No início de setembro de 2014, o então governador do Distrito Federal, Agnelo Queiróz (PT), candidato à reeleição, comemorou. Seu maior adversário, o também ex José Roberto Arruda (PR), líder absoluto nas pesquisas, com 37%, estava fora do páreo.

Impedido pela Lei da Ficha Limpa, Arruda se viu obrigado a desistir da disputa, sem o que não poderia colocar outro nome no seu lugar.

Dois outros candidatos a governos estaduais também foram banidos pelas mesmas regras: José Riva, do Mato Grosso, e Neudo Campos, de Roraima, substituído na última hora por sua mulher, a atual governadora Suely Campos.

“Ficha suja não pode participar de eleição”, proclamava o governador petista, que acabaria derrotado por Rodrigo Rollemberg (PSB) dois meses depois.

Hoje, Queiróz é companheiro de Arruda nos enroscos envolvendo o Mané Garrincha, um dos estádios mais caros do planeta – custou mais de R$ 1,7 bilhão, com superfaturamento calculado em R$ 950 milhões. E a campanha feita por ele pró-Ficha Limpa é o que o PT quer esquecer. Ou, pelo menos, driblar.

Condenado por órgão colegiado em segunda instância – exatamente como está escrito na Lei Complementar 135 que ele próprio sancionou em 2010 -, Luiz Inácio sabe que Lula não pode ser candidato. Assim como sabia da falseta do habeas corpus de soltura do desembargador de plantão. Não há recurso possível, janela ou hipótese para tal.

Mas isso são apenas leis, e leis pouco importam para essa turma. Da cadeia, Lula faz o que sempre fez: chacota do Judiciário e da Justiça. E, claro, estimula os desatinos.

Como do ponto de vista legal sua candidatura inexiste, Lula puxa a corda que seus fiéis esticam.

Obedientes, eles entopem a Justiça com recursos impróprios e petições idênticas, exigem que Lula possa fazer campanha, como se sua condenação fosse ilegítima. Alardeiam ao mundo que o Brasil vive em regime de exceção, apostam no caos.

No limite, pretendem mais do que simplesmente inscrever Lula como candidato. Querem postergar a recusa definitiva do TSE com recursos no STF, e, por que não?, provocar o constrangimento de uma anulação das eleições com a cassação de Lula depois do voto dado.

Ao mesmo tempo, deixam claro a impossibilidade de sobrevida sem o chefe. Escancaram que qualquer plano B ou C, que tanto espaço ocupa na mídia, salva pouco ou quase nada do que resta do partido.

O desembargador amigo de domingo e a assumida esperança depositada no STF presidido por Dias Toffoli a partir de setembro, seriam trunfos, agora exauridos.

Embora no afã de livrar Lula o PT se esforce para o país andar para trás, o avanço já se deu. A candidatura Lula terá o mesmo final da de Arruda, também enrolado com a Justiça, de Neudo Campos, em prisão domiciliar desde 2016, e de Riva, condenado a 26 anos de xilindró.

Do contrário, revogam-se não só as leis, mas o Brasil.

* Mary Zaidan é jornalista.


Ricardo Noblat: Perigo maior é Toffoli

Rasgada a Constituição, por que não rasgar a lei da Ficha Limpa?

Se José Dias Toffoli não se julga impedido de julgar nada que afete os interesses do PT, embora tenha sido advogado do partido, assessor de José Dirceu, empregado de Lula, e a ele deva sua indicação para ministro, por que o desembargador Rogério Favreto deveria se julgar impedido?

Só por que Favreto foi filiado ao PT por 19 anos, assessorou Tarso Genro (PT) no Ministério da Justiça, e a Lula (PT) no Palácio do Planalto?

Quando setembro chegar, Toffoli substituirá a ministra Cármen Lúcia na presidência do Supremo Tribunal Federal. A bancada da toga que quer ver Lula livre, e que hoje é maioria na segunda turma do tribunal, não deixará nada barato. Se puder, dará um jeito de soltá-lo. E de acabar com a prisão de condenado em segunda instância.

Mesmo solto, Lula não poderá ser candidato a presidente porque a Lei da Ficha Limpa proíbe. Mas ele pedirá registro de sua candidatura. E só então caberá à Justiça negar o registro. Não se descarte, porém, que o Supremo rasgue a lei e permita que ele seja candidato.

Foi sob a proteção do ministro Ricardo Lewandowski, na época presidente do Supremo, que o Senado cassou o mandato de Dilma, mas preservou seus direitos políticos. A Constituição é clara: quem tem o mandato cassado perde os direitos políticos. O Senado rasgou a Constituição. E rasgada ela permanece.


Ruy Fabiano: No país da Justiça pelo avesso

Adiou-se o sonho de Lula de ser libertado

O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, adiou o sonho de Lula de ser libertado. Arquivou ontem, no final do dia, pedido da defesa nesse sentido, que seria julgado na terça-feira.

Não o fez, no entanto, movido pela improcedência do pedido, rejeitado há dois meses pelo próprio pleno do STF, na sequência de decisão similar do STJ – mas mesmo assim, reapresentado. A lei processual brasileira é uma das metáforas do Infinito.

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O motivo foi a decisão do TRF-4 de negar admissão do recurso extraordinário ao STF, admitindo, contudo, que seja encaminhado ao STJ. Adiou apenas a manobra, redirecionando-a de tribunal.

Ganhou-se, portanto, tempo, não segurança jurídica. Ela, diante da conduta que vem tendo a Corte Suprema do país, continua a ser uma das carências básicas a sustentar o ambiente de crise.

E não é só lá que isso acontece. Eis que, dias antes, a Câmara dos Deputados chegou ao suprassumo da inversão de valores: por iniciativa do líder do PT, Paulo Pimenta, decidiu instalar uma CPI para investigar a Lava Jato. Nada menos.

A proposta, uma vez no papel, ultrapassou, em tempo recorde, o número mínimo de assinaturas (190). Não foi necessário mais que um dia. Quem disse que nada une a política brasileira?

Não há tema mais ecumênico e suprapartidário, neste momento, que o combate à Lava Jato. Une os três Poderes, associa adversários históricos: esquerda, direita, centro, sobreloja e subsolo.

Diante da repercussão negativa – e o ano é eleitoral -, deu-se o previsível: vários signatários tentaram retirar seu apoio. Era tarde. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, informou que o Regimento Interno da Casa não autoriza. Apoiou, não há como desapoiar.

Ou seja, teremos CPI. Só que será um pouco diferente: nela, os infratores serão os juízes – e estes os réus. Instrumento para apurar irregularidades – crimes, transgressões -, estará agora nas mãos dos acusados. Nem Al Capone pensou em algo assim.

Quase simultaneamente, o STF (sempre ele) protagonizou outra cena de justiça pelo avesso, inocentando a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann. Não que ela seja inocente – e é improvável que algum ministro creia nos argumentos que acabaram prevalecendo.

Faltou, porém, o recibo. O ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, confirmou que pagou a Gleisi e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, R$ 1 milhão dos cofres da Petrobras em propina, a pretexto de auxiliar na campanha eleitoral.

Os operadores da “doação” também confirmaram tudo. Mas, lapso dos lapsos, não há recibo. Que mancada!

Talvez a “insignificância” da quantia, num contexto em que já se ultrapassou o trilhão em desvios (se contabilizados os empréstimos-doações do BNDES aos países bolivarianos e a ditaduras africanas), não justifique maior rigor. Foi só um milhão…

A notícia positiva (será?) é que Antonio Palocci fechou acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Pode ser um golpe mortal contra Lula, Dilma e o PT. Ou não.

* Ruy Fabiano é jornalista


Ricardo Noblat: O direito de Bolsonaro ao silêncio

O candidato que prega o confronto tem medo de debates

O líder das pesquisas de intenção de voto sem Lula, o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) cogita não comparecer a debates no rádio e na televisão com os demais candidatos à sucessão do presidente Michel Temer. E por isso já começou a ser duramente criticado.

Ora, ele tem esse direito. Não será o primeiro candidato a presidente ou a qualquer outro cargo importante a fugir de debates. Até Lula já fugiu em 2006 quando foi candidato à reeleição – e venceu. Dilma também fugiu em 2010 e em 2014, e venceu.

No caso de Bolsonaro não será novidade. Ele evita até mesmo a conceder entrevistas. Alega que a mídia o persegue e só lhe deseja fazer mal. Convidado a expor suas ideias para plateias com o direito de lhe fazer perguntas, costuma faltar.

Candidatos procedem assim por cálculo político. Uns porque estão demasiadamente na frente das pesquisas e temem darem-se mal nos debates. Outros porque detestam correr riscos. Candidatos nanicos, esses não perdem um debate. São os mais assíduos.

De fato, Bolsonaro teme o confronto não por que lidera as pesquisas apenas, mas porque é um despreparado. Não sabe o que dizer sobre os principais problemas do país. Não sabe dizer como governaria. Na maioria das vezes, o que diz não resistiria ao contraditório.

É um político que repete clichês, lugares comuns, e aposta nos instintos mais primitivos das pessoas dispostas a ouvi-lo sem contestá-lo. Uma grande parcela dos eleitores se sente satisfeita ouvindo simplesmente o que possa reforçar suas convicções.

Não se descarte, porém, a hipótese de Bolsonaro surpreender e marcar presença em algum debate. Basta que comece a despencar nas pesquisas e que se sinta ameaçado de ficar de fora do segundo turno da eleição. É sempre assim.


Gaudêncio Torquato: O vulcão social

O país está dividido. Os geofísicos ensinam que a fusão de rochas com materiais voláteis, submetidas a uma temperatura que pode chegar aos 1500º C, resulta em magma, substância existente no interior da terra em uma profundidade entre 15 a 1500 kms. Nas últimas semanas, contemplamos essa massa avermelhada de um vulcão na Guatemala, América Central, correndo por encostas, cobrindo cidades de fogo e cinzas e deixando um grande saldo de mortos e desaparecidos.

A imagem nos remete a uma leve sensação de conforto pelo fato de o Brasil não ter vulcões em atividade. Não significa que estamos imunes às desgraças por outros fatores. Nossa cultura política, por exemplo, é fonte de desvios e curvas que tiram o país de seu rumo civilizatório. Nem bem saímos da pior recessão da história, sob a sombra de reformas para recolocar o trem nos trilhos, eis que o pessimismo volta a abater o ânimo.

Apesar do alerta do ex-presidente Fernando Henrique (em seus tempos de mando) de que “não podemos cair no catastrofismo”, o futuro é tão sombrio que não há como escapar à ideia de magmas em formação subindo à superfície para explodir na erupção de um vulcão social, caso se eleja este ano um perfil de extrema direita ou esquerda. A sugestão do próprio FHC de se arrumar consenso em torno de Marina Silva (Rede) não resiste à evidente inferência de que essa figura pacata não reúne condições para enfrentar a real politik. Seria tragada pelo tufão político.

Voltemos aos extremos. O espírito beligerante de Jair Bolsonaro, caso eleito, levaria o país para uma posição de continuados conflitos. Estabeleceria de imediato a disputa de “cabo-de-guerra” entre militantes, com arengas e querelas expandindo posições radicais e envolvendo classes sociais em confrontos nas ruas e no Congresso. A ingovernabilidade ganharia corpo, o clima social sob a ameaça de um rastilho de pólvora. Os bolsonarianos gostariam de acender o pavio. O vulcão entraria em erupção diante de gestos tresloucados do governante.

Do outro lado, eventual perfil representando correntes de esquerda reforçaria o refrão do apartheid social, “nós e eles”, que o PT continua a brandir em suas mensagens e expressões de seus porta-vozes – Lula, Gleisi, Lindberg Faria, entre os principais. Para montar firme na sela do cavalo, o eleito não deixaria brechas: encheria a máquina governamental de radicais e enfiaria o Estado na estrutura partidária. Todos os cantinhos seriam reocupados no projeto de poder de 20 anos, com juros e correção monetária cobrados do impeachment de Dilma. Teríamos a amarração da sociedade ao Estado forte.

O país está dividido. E a hipótese de harmonia social não passa de lorota expressa pelas extremidades. O que se vê na linguagem de militantes nas redes sociais é a destilação de ódio, infâmias, acusações pesadas e enaltecimento das ditaduras. O Brasil volta a sofrer a síndrome de Sísifo, o condenado pelos deuses a depositar a pedra no cume da montanha, tarefa que tenta executar por toda a eternidade.

* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Ricardo Noblat: Denúncia contra Temer não passará

Afastar presidente em véspera de eleições gerais é receita indigesta

O Supremo Tribunal Federal já sabe como lidar com uma eventual terceira nova denúncia de corrupção e de lavagem de dinheiro contra o presidente Michel Temer, caso ela de fato seja oferecida ao seu exame pela Procuradora Geral da República Raquel Dodge.

Se isso acontecer, será depois do recesso da Justiça em julho. Em agosto, os candidatos às eleições de 3 de outubro estarão em plena campanha, que no rádio e na televisão começará no dia 31. Não haverá tempo, portanto, para mais nada.

O envio da denúncia à Câmara dos Deputados certamente provocaria forte turbulência política com reflexos nos resultados das eleições. Fazer isso para quê? Melhor que ela fique no Supremo pelo menos até depois do segundo turno. Ou que acabe arquivada.

Os ministros contam para isso com a compreensão da maioria dos brasileiros. Ou da maioria dos brasileiros sensatos – se isso lá o que for.


Roberto freire: Um grande passo para a unidade

O polo democrático e reformista deve ter o claro compromisso de dar seguimento ao resgate da dívida social.

Na terça-feira passada (05/06), na Câmera dos Deputados, partidos e personalidades do campo democrático assinaram um manifesto em prol da unidade em torno de um programa democrático e reformista.

Discursei em nome do PPS (Partido Popular Socialista).

A iniciativa é, em si mesma, alvissareira. O desejo da unidade é, sem dúvida, seu primeiro motor e alicerce.

Definimos o campo democrático como aquele que tem como bases a democracia, a república e a obediência à Constituição Federal.

Excluem-se o bolsonarismo e o lulopetismo.

Esses dois campos, um na ultradireita, outro no populismo totalitário de esquerda, opõem-se às normas e ritos constitucionais e deles derivados, flertam com saídas à margem da democracia para a imposição à sociedade de seus propósitos políticos e ideológicos.

Tivemos há poucos dias a demonstração cabal da simbiose objetiva entre esses dois campos extremistas, na greve/locaute dos caminheiros.

Ambos atuaram para desestabilizar a democracia e criar um clima de confronto na sociedade, que geraria incertezas sobre a realização das eleições gerais em 2018.

O baixo crescimento econômico, o desemprego, a crise acentuada dos sistemas de saúde pública, educacional, da segurança pública e dos transportes, dentre outros, são o caldo de cultura para a desesperança e para o cultivo de aventuras totalitárias, à direita e à esquerda.

O polo democrático e reformista deve ter o claro compromisso de dar seguimento ao resgate da dívida social.

A democracia e a república têm de ser o ambiente onde melhoram perceptivelmente as condições de vida do conjunto da população.

Deve, também, ter este polo o claro compromisso com as liberdades democráticas, as garantias individuais e o respeito absoluto à pluralidade e à diversidade de expressões em todas as áreas.

Todas essas questões estão contempladas, fundamentalmente, no Manifesto.

O detalhamento do programa mínimo é atividade para o curso da campanha, para os debates, para os encontros abertos com os diversos setores da sociedade brasileira.

O manifesto dá bases valiosas e um rumo para esse amplo debate.

É necessário que se sele um pacto de não agressão entre as candidaturas democráticas e reformistas.

O adversário não está entre nós, mas nos extremos.

No nosso campo, as ideias e ideais são plurais, diversos.

Devemos expô-los com toda abertura, mas sem perder jamais de vista o sentido da busca da convergência de propósitos.

Nesta altura do campeonato, em plena Copa do Mundo, ainda na fase de escolha de candidaturas pelas convenções partidárias, pode ainda não ser o momento da unificação de uma candidatura do campo expresso no manifesto.

Mas ela, a unificação, acontecerá, seja no segundo turno das eleições, ou mesmo no primeiro turno, pelas escolhas e respostas do eleitorado e pela sensibilidade e altruísmo de partidos e personalidades do campo expresso pelo Manifesto.

O decisivo é que todos os partidos e personalidades do campo democrático jamais deixem de ter em mente a busca da convergência, o combate ao extremos e a perseguição da governabilidade e da estabilidade, com transparência para a sociedade, no pós-eleições. Há um dia seguinte às eleições de outubro.

Temos uma grande oportunidade, no período eleitoral, de trazer a atenção dos brasileiros e brasileiras para as grandes questões nacionais que podem fazer o Brasil reencontrar seu caminho para o desenvolvimento, político, econômico, social e cultural, nos eixos da democracia e da república, com pluralismo, diversidade, sustentabilidade e busca da justiça social.

Propus, em Brasília, nesta terça-feira, que os presidentes dos partidos ali presentes dessem um passo seguinte, uma reunião para aprofundarmos as tratativas na direção da unidade.

A história dirá se a reunião da terça-feira, 5 de junho, poderá ter sido um primeiro e grande passo nessa direção. Essa é a nossa aposta, com a veemência e o compromisso que o momento exige.

 


Murillo de Aragão: ‘Fake news’ e democracia

Não podemos acabar com as fake news, mas podemos contê-las.

Sobre o tema fake news, temos boas e más notícias. Comecemos pelas más. As fake news nunca vão deixar de existir, independentemente dos seus meios de propagação. Hoje são as redes sociais. Antes foram as cartas, os jornais, os livros. A outra má notícia é que as fake news podem mudar o destino de uma nação, como se evidenciou nas eleições presidenciais vencidas por Donald Trump em 2016 nos Estados Unidos. A mais poderosa nação do planeta ficou de joelhos perante o fluxo contínuo de notícias falsas.

No Brasil, as cartas falsas de Artur Bernardes contra o marechal e ex-presidente Hermes da Fonseca alimentaram o movimento tenentista nos anos 1920, que culminou com um processo de intensa influência militar na política. Assim, notícias falsas são potencialmente perigosas para o processo democrático.

Claramente, o Brasil não está preparado para a onda de fake news que vem por aí e que já mostrou seu alcance e seus efeitos, por exemplo, durante a greve dos caminhoneiros que paralisou o país no mês passado. Os Estados Unidos, com uma parto de segurança muito maior e sofisticado que o nosso, nada pôde fazer. Em sendo assim, o que podemos fazer para evitar em nosso país que as notícias falsas distorçam o resultado eleitoral em outubro? É aí que entram algumas boas notícias.

Não podemos acabar com as fake news, mas podemos contê-las. Como? Já existe um movimento das autoridades destinado a conter o fluxo de fake news no processo eleitoral. Ao contrário dos americanos, que tiveram de assistir ao fenômeno, os brasileiros buscam — dentro de suas limitações — agir de forma preventiva. A segunda boa notícia é que as redes sociais estão mais atentas ao problema e temem ser penalizadas pela divulgação de informações inverídicas. O episódio Cambridge Analytica serviu de alerta a todas as plataformas. Em especial, ao Facebook.

A terceira boa notícia reside na atuação da imprensa, que tem checado mais atentamente as notícias divulgadas, estimulando uma atitude mais reflexiva por parte do internauta. Por fim, a tecnologia pode ajudar muito. A mesma tecnologia que apoia o comércio de moedas virtuais, o blockchain, poderá vir a ser um instrumento de validação das informações postadas nas redes.

No entanto, nada vai funcionar se o anonimato na internet não for combatido e se o internauta não melhorar suas atitudes, desenvolvendo maior senso de cidadania. Quem posta tem de ser identificado e responsabilizado pelo que diz. É assim com a imprensa e a mídia em geral e deve ser assim na internet. Cada um tem a liberdade de dizer o que quer, mas deve assumir as consequências pelo que diz.

*Murillo de Aragão é cientista político