veja
Ricardo Noblat: Todos juntos contra Bolsonaro
O primeiro debate entre aspirantes a candidato a presidente
O painel de encerramento da sétima edição da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado pela comunidade de estudantes brasileiros de Boston (EUA), em parceria com o jornal O Estado de São Paulo, reuniu ontem, pela primeira vez, cinco aspirantes à candidato a presidente do Brasil na eleição de 2022.
O que mais uniu Ciro Gomes (PDT, os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o apresentador de televisão Luciano Huck: duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo, embora todas elas feitas sem que perdessem o prumo.
Ninguém desafinou quanto a isso. O clima foi cordial entre eles, que defendem que é preciso “curar as feridas provocadas pela polarização política” e construir “um projeto de país” para barrar a eventual reeleição de Bolsonaro. As críticas mais ácidas ao presidente partiram de Doria, Ciro e Haddad.
Os três chegaram a taxar de “genocida” a atuação do governo no combate à pandemia do coronavírus. E apontaram como traços do comportamento antidemocrático do presidente sua revolta com decisões do poder Judiciário e as tentativas de interferir na Polícia Federal bem como nas polícias militares estaduais.
Doria: “Lembro que o Brasil responde por 12% dos óbitos (no mundo) e menos de 3% da população (mundial). Significa dizer que 270 mil brasileiros morreram não em função do vírus, mas em função da péssima gestão que se faz da pandemia. É preciso pressionar o governo para que acelere o ritmo da vacinação”.
Haddad: “Quando o presidente é acusado de genocídio, ele não está sendo ofendido, são dados objetivos que mostram que o governo brasileiro falhou na grave crise que estamos enfrentando”. E acrescentou “que a palavra genocida” não é modo de falar, mas “uma descrição” da conduta de Bolsonaro ao longo da pandemia.
Ciro não seria Ciro se não usasse palavras mais fortes para distinguir-se dos demais debatedores. Chamou o governo de “fascista”, e Bolsonaro de “genocida boçal”. E vaticinou que “o delírio do presidente é formar uma milícia para resistir de forma armada à derrota eleitoral que se aproxima”.
Leite e Huck preferiram se ater mais à questão ambiental. O governador do Rio Grande do Sul citou os sucessivos recordes nos índices de desmatamento na Amazônia em outras regiões, dados que a seu ver têm sido motivo de desprestígio para o Brasil aos olhos de outros países do mundo.
Houve um momento do debate em que Huck censurou os seus colegas. Foi quando disse: “Só estou enxergando narrativas pelo retrovisor, vendo dificuldade de olhar para frente. Temos que deixar de lado nossas vaidades e entender que, mesmo com o enorme potencial, o Brasil não deu certo”. Para quê falou isso…
Ouviu de Haddad em troca: “Olhar para trás é um aprendizado, não é de todo ruim”. Doria também afirmou que entender o passado pode ajudar a projetar adequadamente o que fazer no presente. Ciro declarou “que é preciso, sim, conhecer o passado para que os erros não sejam repetidos”.
Huck recuperou-se ao voltar ao tema do meio ambiente: “A Amazônia tem tudo para ser o vale do silício da biotecnologia global. Tem muito dinheiro na mesa. Estima-se que tem mais de 50 trilhões de dólares no mundo para serem investidos em energia limpa, investimentos que iam para petroquímica, óleo e gás”.
O debate terminou com um afago de Haddad em Doria e Leite: “Quero me solidarizar com os dois governadores que são do PSDB, mas que têm sofrido ataques indignos e intoleráveis. Queria manifestar o meu repúdio ao tratamento que os governadores em geral vêm recebendo. Todo mundo aqui merece ser respeitado”.
Ricardo Noblat: Justiça deve um pedido de desculpas a Lula
Erro judicial é para ser reconhecido
Se ao Supremo Tribunal Federal cabe errar por último, como ministros da Corte, em tom de galhofa, costumam dizer, a ele cabe, portanto, pedir desculpas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos processos que respondeu na 13ª Vara Federal de Curitiba, e os 580 dias que passou preso por lá.
Não importa o que eu penso ou você pensa a respeito da decisão do Supremo que anulou as condenações de Lula porque a 13ª Vara Federal de Curitiba não seria o foro natural para julgá-lo. Decisão judicial é para ser cumprida, e ponto final. Tanto mais se ela carrega a rubrica da Suprema Corte de justiça do país.
Também pouco importa se a decisão se sustenta em tecnicalidades como muitos juristas observaram. Ou que tenha vindo com atraso. Ou que revele o vai e vem do aparelho judicial. Sem o império da lei, a sociedade voltaria à Idade da Pedra. É melhor uma justiça imperfeita e por vezes contraditória a nenhuma.
Sem o erro, apontado pela defesa de Lula ao longo de anos, a história do país poderia ter sido outra. Lula liderou todas as pesquisas de intenção de voto para presidente em 2018 até um mês antes da eleição. Impedido de ser candidato, cedeu a vez a Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro o derrotou.
Caso Lula venha de fato a ser candidato a presidente no ano que vem, seus adversários dirão que ele roubou ou se beneficiou do roubo dos seus parceiros, muitos deles condenados, alguns que até já cumpriram pena. Lula responderá que foi perseguido, injustiçado e que o Supremo de certa forma reconheceu isso.
O discurso de Lula ganhará um forte reforço se na sessão marcada para a próxima quinta-feira, o Supremo considerar suspeita a maneira como o ex-juiz Sérgio Moro conduziu os processos contra ele. A anulação das condenações se deu pelo placar elástico de 8 votos contra três. Na quinta-feira, não se espera nada parecido.
Mas prevaleça ou não o entendimento da Segunda Turma do Supremo que julgou Moro suspeito, ainda assim continuará faltando um pedido de desculpas pelo erro cometido.
Engana-se Bolsonaro se pensa em levar Biden no papo
Sérgio Moro tinha razão
Ao pedir demissão do Ministério da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro acusou o presidente Jair Bolsonaro de tentar intervir na Polícia Federal. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, logo se apressou a pedir ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para apurar o que havia de verdade na acusação.
O inquérito ainda não foi concluído, mas é certo que Aras, bolsonarista fiel, recomendará seu arquivamento por falta de provas – ou por excesso delas se não se recusasse a enxergá-las. Mas se a intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal naquela época ainda não se consumara, de lá para cá só fez aumentar.
A Polícia Federal ganhou há pouco um novo chefe. E o fato mais escandaloso da semana foi a demissão que ele se viu obrigado a fazer do seu colega Alexandre Saraiva, superintendente da Polícia Federal no Amazonas. Saraiva perdeu o cargo porque denunciou Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente.
Segundo Saraiva, amigo dos filhos de Bolsonaro e que no início do governo chegou a ser cotado para ministro do Meio Ambiente, Salles aliou-se a empresários flagrados na maior apreensão de madeira ilegal realizada pela Polícia Federal na região amazônica. Por isso apresentou contra ele notícia-crime ao Supremo Tribunal.
Salles é o queridinho de Bolsonaro. Só faz o que ele quer. E por ser assim, aumentou o desmatamento na Amazônia, a invasão de áreas indígenas por garimpeiros, e a máquina governamental de combate a tais desmandos segue em processo de desmonte. A aplicação de multas agora foi centralizada nas mãos de Salles.
Garimpeiros, desmatadores e contrabandistas de madeira votam em Bolsonaro. E isso é o que de fato importa para ele. O descaso de Bolsonaro com a preservação do meio ambiente lhe será cobrado na próxima semana durante um encontro internacional convocado por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.
Se Bolsonaro imagina que levará Biden no papo, engana-se.
Ricardo Noblat: Um presidente assombrado pelo fantasma do impeachment
Bolsonaro impõe condições a Deus para deixar a presidência
Se não bastassem os problemas que ele mesmo cria em volume considerável, além dos naturais que costumam afligir qualquer governante, o presidente Jair Bolsonaro ganhou mais um de bom tamanho que certamente lhe subtrairá o sono até que se resolva.
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, deu um prazo de cinco dias para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), explique por que não aceitou até agora nenhum dos pedidos de processo de impeachment contra Bolsonaro.
São mais de 60 pedidos que repousam numa gaveta desde quando Rodrigo Maia (DEM-RJ) era o presidente da Câmara. Outros quatros foram arquivados pelo não cumprimento de formalidades. Maia sempre disse que não era a hora de examiná-los.
Lira, eleito presidente da Câmara contra a vontade de Maia, pensa a mesma coisa. A seu juízo, e por falta de conveniência no momento, o melhor é que fiquem adormecidos. A acordarem, só quando o governo estiver caindo pela tabela, o que ainda não está.
Foi por pensar nessa mesma linha que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, havia deixado sem resposta o pedido de instalação da CPI da Covid, um direito da minoria parlamentar reconhecido pela Constituição.
Até que, na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso mandou que a CPI fosse instalada. O plenário do Supremo confirmou a ordem de Barroso. O requerimento de instalação foi lido em sessão do Senado, e indicados os 11 membros da CPI.
Há, de fato, um vácuo na legislação sobre o impeachment. Não cabe ao presidente da Câmara arquivar pedidos a seu gosto, mas não há prazo para que delibere a respeito. Se arquivar, abre brecha para que um recurso seja interposto e o plenário consultado.
O vácuo na legislação poderá ser preenchido se Cármen Lúcia determinar o exame dos pedidos de impeachment acumulados. É isso o que teme Bolsonaro e que o fez reagir na live semanal das quintas-feiras nas redes sociais. Bravateou:
– Eu não quero me antecipar e falar o que acho sobre isso, mas digo uma coisa: só Deus me tira da cadeira presidencial e me tira, obviamente, tirando a minha vida. Fora isso, o que estamos vendo acontecer no Brasil não vai se concretizar. Mas não vai mesmo.
Como cristão fervoroso que fez questão de se batizar nas águas do rio Jordão, Bolsonaro está cansado de saber que Deus concedeu ao homem o livre arbítrio. Pode observar tudo à distância segura, mas não se mete. Bolsonaro cairá ou não independente dele.
A frase “só Deus me tira da cadeira presidencial” é nada. Impor a Deus a condição de só tirá-lo da presidência tirando antes sua vida é escárnio com Deus. Bolsonaro não foi esfaqueado porque Deus deixou, nem Getúlio Vargas suicidou-se porque Deus quis.
Bolsonaro sente que o cerco se estreita em torno dele, e que talvez não se reeleja no ano que vem. É difícil, mas já não é mais impossível que seu mandato acabe abreviado. A culpa, a máxima culpa será sua, somente sua, e de mais ninguém.
Escaldado, Bolsonaro oscila no uso de pronomes sobre o Exército
Uma medida das dificuldades que ele enfrenta
O presidente Jair Bolsonaro pode não saber, ou porque faltou à aula ou porque nunca leu um livro como confessou, mas pronomes são palavras que acompanham os substantivos podendo substituí-los (direta ou indiretamente), retomá-los ou se referir a eles.
No momento, ele está às voltas com pronomes possessivos para designar o Exército ou as Forças Armadas. O que lhe causará menos problemas? Referir-se ao Exército como “meu Exército”? Ou como “nosso Exército”? Ou ainda como o “seu Exército”?
Há poucas semanas, ao demitir o ministro da Defesa, um general, e forçar a saída dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, ele chamou o Exército de “meu Exército”. Apanhou muito por isso e detonou uma crise militar.
Mais recentemente, valeu-se da expressão “nosso Exército”, mas ainda assim causou desconfiança. Ontem, finalmente, em discurso de passagem do comando militar do Sudeste, em São Paulo, evoluiu para “seu Exército”, como se nada tivesse a ver com ele.
Como presidente da República, quer se goste disso ou não, ele é o comandante das Forças Armadas, apesar de ter sido afastado do Exército por indisciplina e má conduta ética nos anos 1980. Chegou a planejar atentados terroristas a quartéis.
Cobrou dos novos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica que o tratem como “Supremo Comandante das Forças Armadas”. Só o comandante da Aeronáutica, um brigadeiro bolsonarista, já o fez.
Murillo de Aragão: O momento pré-eleitoral
O ambiente é de total indefinição e surpresas devem acontecer
Uma das lições de 2018 foi tirada do início prematuro da pré-campanha e da curta duração da campanha presidencial em si. A campanha curta decorreu da imposição de limites de gastos por candidatura e do fim das doações milionárias de empresas, bem como da decisão do Congresso Nacional de reduzir pela metade o tempo da campanha.
As decisões do Legislativo e o ambiente polarizado por causa da Operação Lava-Jato e pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff aqueceram a pré-campanha. Ao mesmo tempo, a Lava-Jato, com seus acertos e excessos, devastou o mundo político.
Poucos, além de Jair Bolsonaro, perceberam o alcance das mudanças e o início prematuro da corrida eleitoral. No começo de 2017, ele já estava em plena atividade eleitoral. Aproveitava-se de três fatores: não ser levado a sério pelo mundo político como candidato, do desgaste do establishment político com o avanço das investigações de corrupção e o uso intensivo e eficiente das redes sociais.
Fato é que, às portas das eleições de 2018, remanesceram duas narrativas: Bolsonaro como o candidato anti-establishment e Fernando Haddad como o “procurador” do lulismo. O centro e as periferias não conseguiram se posicionar. Ficaram pelo meio do caminho.
“O espaço para candidaturas e alianças potencialmente improváveis ainda está em aberto”
Considerando o quadro atual, como estamos em termos de pré-campanha? Vale lembrar Juan Manuel Fangio, multicampeão argentino de Fórmula 1, que dizia: “Carreras son carreras, y terminan cuando se baja la bandera de cuadros”. A máxima é reforçada pelo fato de as circunstâncias de 2018 não mais estarem presentes. Temos um ambiente político muito diferente. Mas, como sempre, cheio de eventos inesperados.
Dois deles se destacam. O primeiro é a pandemia de Covid-19, tema que entrou na agenda no início de 2020 e que continuará a afetar a política e a economia até as vésperas das eleições. Tanto pelo aspecto sanitário quanto pela questão econômica. O outro é a entrada de Lula no rol de pré-candidatos.
A potencial polarização Bolsonaro versus Lula — que existiu em 2018 — e a desorganização política dos partidos de centro nos remetem a uma história conhecida. Mas, talvez, o cenário não seja tão óbvio.
A demora na queda da taxa de mortalidade e a lentidão no processo da vacinação terão reflexos sérios na construção de narrativas. E a CPI da Pandemia, mesmo que, eventualmente, seja tutelada por uma maioria governista, servirá de palanque para ataques ao governo. O governo, pelo seu lado, ainda enfrenta a indefinição sobre como a economia vai se comportar em 2022. No centro, a falta de um candidato natural e a desunião dos partidos são enigmas a ser resolvidos. A fragmentação da esquerda também é uma questão.
Todos os problemas hoje estão ocorrendo da porta para dentro nos arraiais políticos. Enquanto isso, o eleitor não polarizado assiste ao desenrolar da história e aguarda a passagem do tempo para tomar a sua decisão. O espaço para eventuais candidaturas surpreendentes e alianças potencialmente improváveis ainda está em aberto. Afinal, o Brasil não cansa de surpreender.
Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734
Ricardo Noblat: Bolsonaro está no limite de suas forças
O presidente dá sinais de esgotamento
Bolsonaro disse que não nasceu para ser presidente da República. Ninguém nasce. Presidência da República é destino. Até levar a facada em Juiz de Fora, ele ainda duvidava que se elegesse. Na noite da sua vitória, depois dos discursos de praxe, da confraternização com assessores e coisa e tal, na presença apenas dos filhos e de um amigo, ele chorou copiosamente.
Seu projeto inicial, uma vez cansado de quase 30 anos como deputado federal, era concorrer à presidência para alavancar a carreira política dos três filhos zero – Flávio, então deputado estadual no Rio, Carlos, vereador e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Derrotado, iria curtir a vida com sua mulher, Michelle, e a filha. Não lhe faltaria dinheiro para isso.
Dois anos e pouco depois e em meio a uma pandemia que não soube combater, ou que apostou que passaria se morressem os que tivessem de morrer, está à beira da exaustão e não esconde os sinais disso. Era evidente o prazer que sentia nos encontros diários com grupos de devotos à saída do Palácio da Alvorada para ir trabalhar e à chegada. Nos últimos dias, não disfarça sua irritação.
Reclamou de perguntas que lhe fizeram. Reclamou de uma mulher que interrompeu a sua fala e de outra que lhe pediu uma foto. Reclamou de um homem que quis saber o que ele poderia fazer para tirar seu Estado, o Rio de Janeiro, da pobreza. Ontem, sem que ninguém o tivesse provocado para isso, renovou as ameaças que costuma fazer com as mesmas palavras de sempre.
“O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providência, eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria e o desemprego estão aí”, afirmou. “Tem um barril de pólvora aí e tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar. Acho que em breve teremos um problema sério no Brasil.” E voltou a se queixar do Supremo Tribunal Federal.
Quem parece estar no limite é ele. Embora não admita, e jamais admitirá, é suficientemente inteligente para ver que seu governo é um fracasso, e que seu poder de mando só diminui. Montou um comitê para cuidar da pandemia, mas hoje é o ministro Ricardo Lewandowski quem dá as cartas como relator das ações sobre a crise sanitária que dão entrada no Supremo.
O ministro Luís Roberto Barroso empurrou por sua goela abaixo a CPI da Covid. Bolsonaro ainda luta para não digeri-la, mas pouco tem a fazer, salvo abrir os cofres para a compra futura de votos que se disponham a socorrê-lo. Os bolsonaristas radicais, esses continuam sob o jugo do ministro Alexandre de Moraes, presidente do inquérito que investiga seu mau comportamento.
O país segue sem Orçamento, o ministro Paulo Guedes, da Economia, capenga sob fogo amigo, e o Centrão não abre mão dos bilhões de reais reservados para o pagamento de emendas parlamentares e construção de obras em redutos eleitorais de deputados e senadores. O que Bolsonaro pode fazer? Pedalar a Lei de Responsabilidade Fiscal? Arriscar-se a ser pedalado?
Algo como um terço dos brasileiros eleitores ainda se dizem fiéis a ele, mas segundo a mais recente pesquisa do Poder Data, se o segundo turno da próxima eleição presidencial fosse agora, Lula derrotaria Bolsonaro por 52% dos votos a 34%, e ele também perderia para Luciano Huck por 48% a 35%. Contra João Doria, Ciro Gomes e Sérgio Moro, empataria.
O Supremo, logo mais à tarde, julgará ações que definirão o futuro de Lula. É certo que confirmará a suspensão de suas condenações, o que lhe assegura o direito de candidatar-se no ano que vem. É provável, apenas provável, que mantenha a decisão da Segunda Turma que considerou Moro suspeito na condução dos processos que envolveram o ex-presidente. A conferir.
A certa altura do ano passado, Bolsonaro torcia em silêncio para enfrentar Lula em 2022. Nos seus cálculos, seria reeleito com a ajuda do antipetismo. O agravamento da pandemia e da crise econômica obrigou Bolsonaro a refazer os cálculos. Lula é seu mais poderoso adversário. O antipetismo perdeu fôlego. E o centro está fragmentado, o que facilitará a vida de Lula.
Um prato cheio para empurrar o governo contra as cordas
Chovem contribuições à CPI da Covid
Salivam os senadores dispostos a acuar o governo tão logo a CPI da Covid seja instalada. De todos os lados, voluntariamente ou não, lhes chegam contribuições preciosas.
Procuradores da República do Amazonas apontam a omissão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na escalada da pandemia naquele Estado, e se preparam para processá-lo.
Segundo eles, no final de dezembro último, Pazuello foi informado da gravidade da situação, e nada fez, salvo recomendar o tratamento precoce da doença.
O ministro Benjamin Zymler, relator no Tribunal de Contas da União do processo sobre a conduta do Ministério da Saúde durante a pandemia, se diz convencido de que ocorreram muitos erros.
Do mesmo tribunal, o ministro Bruno Dantas admitiu que há provas para “impor condenações severas” a Pazuello. Ainda não foram porque ministros governistas pediram vista do processo.
Dos 11 titulares da CPI, seis são de partidos da oposição ou que se dizem independentes. Os independentes serão alvo de assédio financeiro por parte do governo.
Mesmo assim, quanto mais mortes colecione o vírus por falta de vacinas, mais se agravará o estado do governo. O loteamento de cargos seguirá a pleno vapor.
Ricardo Noblat: CPI da Covid pode virar a CPI do fim do mundo de Bolsonaro
Se não terminar em pizza, é claro
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sabe-se como começa, mas não como termina. A da Covid, sequer se sabe como começará. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, leu o pedido de abertura da CPI como mandou na semana passada o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
CPI é direito assegurado pela Constituição à minoria parlamentar. Mas no que depender da tropa aliada ao governo Bolsonaro dentro do Senado, ela não sairá do papel. Se sair, não será instalada até que passe a pandemia. Se for instalada antes, simplesmente não funcionará. Se funcionar, será sabotada até o fim.
Em sessão nesta tarde, o Supremo deve avalizar a decisão de Barroso que tanto irritou Bolsonaro, deixando-o em pânico. O principal objetivo da CPI é investigar erros cometidos pelo governo no combate à Covid. Secundariamente, poderá investigar erros de governadores e prefeitos no uso de verbas federais.
Faltam vacinas no país. Faltam remédios para a intubação de vítimas da doença em estado grave. Na maioria dos municípios, faltam UTIs, e os doentes são transferidos para municípios que as tenham. Acontece que nesses lugares a rede de UTIs está perto do colapso. E o número de mortes só faz crescer.
Salvo os ideológicos, nenhum parlamentar, deputado ou senador pouco importa, se presta a defender o governo de graça numa CPI, qualquer governo. Bolsonaro já é refém do Centrão, do qual depende para aprovar projetos do governo no Congresso e barrar pedidos de impeachment que possam abreviar seu mandato.
Caberá ao MDB a relatoria da CPI da Covid. É o cargo mais importante. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula e do PT, deve ser o relator. A oposição ao governo e os partidos que se dizem independentes indicarão 7 dos 11 titulares da CPI. É um mau sinal para Bolsonaro. Certeza de encrenca feia.
O MDB tem um pé dentro do governo, mas quer pôr os dois. Se conseguir, não significa que apoiará a reeleição de Bolsonaro no ano que vem, longe disso. A tendência do partido é apoiar um candidato do centro (não confunda com Centrão), mas se ele não tiver chances de vencer, poderá se alinhar a Lula.
Nada pode haver de pior para um governo do que a abertura de uma CPI justamente no momento em que ele está mais fraco, e por ora, sem perspectivas de se recuperar. Se a CPI decolar e investigar a fundo o que deve, haverá chuvas e trovoadas em Brasília com um final imprevisível. Certas coisas serão inevitáveis.
Por exemplo: convocar para depor o atual ministro da Saúde e os três que o antecederam – entre eles, o general da ativa Eduardo Pazuello que saiu de lá insinuando que políticos do Centrão tentaram encher os bolsos nas negociações para a compra de vacinas. Um general sendo interrogado por senadores, já pensou?
Não deverá ser o único. Quanto foi gasto pelo Exército para produzir cloroquina receitada por Bolsonaro para tratamento precoce do vírus? Tratamento precoce para a doença jamais existiu. Quem deu ordem ao Exército para tal? O general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, talvez saiba.
Por que o sucessor de Luiz Henrique Mandetta, o médico Nelson Tech, foi ministro da Saúde por menos de 30 dias? O que o levou a pedir demissão? Não pôde nem montar sua equipe. Por que não pôde? E a história da vacina da Pfizer oferecida ao governo em junho do ano passado e recusada até o final de dezembro?
Se não terminar em pizza, a CPI da Covid tem tudo para no futuro tornar-se conhecida como a CPI do fim do mundo de Bolsonaro e de muita gente.
Ricardo Noblat: Bolsonaro coleciona derrotas na guerra contra a CPI da Covid
Um presidente em apuros
O presidente Jair Bolsonaro negou que soubesse que fora gravada sua conversa com o senador Jorge Kajuru (CIDADANIA) e que autorizou sua divulgação. Gravar conversa com presidente da República é crime, segundo ele. (Não é, mas deixa pra lá.) O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) denunciou Kajuru ao Conselho de Ética do Senado que não se reúne há dois anos.
Kajuru disse que grava todas as suas conversas com políticos para poder se defender depois, caso digam que ele falou uma coisa que não tenha falado. Dispõe para isso de uma caneta-gravador que ganhou de presente. Disse que avisou, sim, a Bolsonaro, em um segundo telefonema, que divulgaria o conteúdo da conversa. E que o presidente não se opôs a isso.
Bolsonaro é presidente do baixo clero, como Kajuru é do baixo clero do Senado. Não se deve dar importância ao episódio, aconselham políticos experientes e ministros do Supremo Tribunal Federal. Valer-se de Kajuru como escada revela o crescente isolamento de Bolsonaro. Os dois formam uma dupla do barulho. Ambos se merecem. O país passaria muito bem sem eles.
Mas como ignorar que Bolsonaro, deputado do baixo clero por quase 30 anos, acidentalmente eleito presidente, governa – ou desgoverna – o país há 15 meses, e tem mais 20 pela frente? O fato é que ele perdeu a batalha inicial da CPI destinada a apurar os erros do seu governo no combate à Covid. Os senadores mantiveram suas assinaturas no pedido de convocação.
Para completar, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, ordenou a Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, que instalasse a CPI. É o que ele começará a fazer hoje. Restou a Bolsonaro, portanto, criar tumulto com o propósito de retardar o início da CPI, e uma narrativa a ser compartilhada com seus devotos mais radicais sempre dispostos a defendê-lo.
A conversa com Kajuru faz parte do tumulto. O pedido de convocação de outra CPI, essa para investigar as ações de governadores e de prefeitos durante a pandemia, também. Ocorre que o regimento interno do Senado, no seu artigo 146, diz que investigar ações de governadores e prefeitos não lhe cabe. Cabe às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
Em 2014, para esvaziar a CPI que investigaria a roubalheira na Petrobras, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, ampliou o seu alcance, determinando que também fossem investigadas supostas irregularidades em contratos relativos aos trens e metrôs de São Paulo e do Distrito Federal. A presidente da República era Dilma Rousseff, e Renan seu aliado.
A oposição acionou o Supremo, e a ministra Rosa Weber deferiu liminar determinando que a CPI fosse instalada com “objeto restrito”. Escreveu: “O procedimento adotado pelo eminente presidente do Senado Federal, ainda que amparado em preceitos regimentais, desfigura o instituto constitucional assegurado às minorias políticas”. E argumentou:
– Não se pode prever, ao certo, quais deliberações serão tomadas; mas é possível antecipar que, uma vez alterada a quantidade de fatos determinados objeto das investigações, o universo de deliberações e a dinâmica interna dessas já não serão os mesmos constantes da proposta original.
Seria tão simples Bolsonaro proceder como sugeriu o deputado Fábio Faria (PSD-RN), seu ministro das Comunicações. Faria condenou a CPI, mas disse que se ela fosse instalada, ficaria provado que o governo Bolsonaro acertou em cheio no combate à pandemia. Ora, pois, vamos lá! CPI para salvar o governo e parar com essa história de que Bolsonaro é um genocida.
Ricardo Noblat: Bolsonaro sugere impeachment de ministros do STF para esvaziar CPI
Quanto mais confusão, melhor para ele
Por mais repulsiva que seja quando revelada, a tentativa de interferência de um presidente da República em assuntos internos do Congresso faz parte do jogo jogado às escondidas do distinto público, aqui e em toda parte. Não chega a ser um crime capaz de derrubá-lo. Transparência é tudo o que não há na política.
Mas quando um presidente também interfere para que um parlamentar apresente pedidos de impeachment contra ministros da mais alta Corte de Justiça do país, o crime está mais do que configurado – desta vez por atentar contra a autonomia dos poderes. Foi o que fez o presidente Jair Bolsonaro.
Em conversa por telefone divulgada pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) nas redes sociais, Bolsonaro sugere com clareza que, se houver pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal, a CPI da Covid poderá ser esvaziada, deixando assim de investigá-lo e ao seu governo.
Se Bolsonaro sente-se tão à vontade para interferir no Senado e boicotar a decisão do Supremo de mandar instalar a CPI, quanto mais em órgãos que não são do governo, mas do Estado, como Receita Federal, Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República, e o que mais possa ameaçar sua segurança, e a dos filhos.
“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro a Kajuru. “Sabe o que eu acho que vai acontecer? Eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo.”
Kajuru respondeu que ingressou com pedido no Supremo para obrigar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a também pautar para votação em plenário o afastamento do ministro Alexandre de Moraes, ao que Bolsonaro respondeu: “Você é dez. Sou a favor de botar tudo para a frente”.
O Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra ministros do Supremo. Contra Alexandre de Moraes são seis. Ele virou alvo após determinar a prisão de vários bolsonaristas investigados no inquérito das Fake News. Há pedidos também para investigar Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
CPI é um instrumento da minoria parlamentar assegurado pela Constituição. O pedido de CPI da Covid cumpriu todos os requisitos legais, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado de Bolsonaro, preferiu engavetá-lo. Foi o ministro Luís Roberto Barroso que mandou instalá-la de imediato.
“A CPI, hoje, é para investigar omissões do governo Bolsonaro, ponto final. Se não mudar o objetivo, ela vai só vir pra cima de mim. Tem que mudar a amplitude dela”, comentou Bolsonaro com Kajuru. “Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir (o ex-ministro da Saúde) Pazuello para fazer um relatório sacana.”
Amanhã, em sessão do Senado, Pacheco vai ler o requerimento de instalação da CPI. Na quarta-feira, o plenário do Senado aprovará ou não o requerimento que foi assinado por 33 dos 81 senadores. Nesse mesmo dia, o plenário do Supremo avalizará a decisão de Barroso por larga maioria de votos.
Não se sabe se Kajuru tornou pública por sua conta e risco o telefonema trocado com Bolsonaro no último sábado. Ou se foi autorizado por ele a fazê-lo. Para o presidente, em meio a uma pandemia que só cresce e mata porque o governo se recusa a combatê-la desde o início, quanto mais confusão melhor.
Ricardo Noblat: À falta do que fazer, Bolsonaro passeia e ataca João Doria
O fim de semana do presidente da República
Jair Bolsonaro foi às compras no fim de semana. Às compras de corações e mentes disponíveis em São Sebastião, região administrativa do Distrito Federal, a 26 quilômetros de Brasília.
Fez o de sempre e disse o de sempre. Comeu galeto assado do lado de fora de um estabelecimento comercial onde tentou entrar, mas foi barrado por uma empregada: “Não pode”.
Ali, respeitava-se o mínimo de distanciamento social. Sem máscara, e acompanhado de ministros sem máscaras, visitou refugiados venezuelanos a pretexto de conhecer como eles vivem.
Com um cachorrinho no colo, tentou conquistar a simpatia do grupo ao comentar: “Não tem mais animais na Venezuela. Comeram tudo. Não é só gato e cachorro não, até cavalo”.
Com direito à transmissão ao vivo por seus canais na internet, voltou a criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal que avalizou o fechamento de templos e igrejas durante a pandemia.
Disse: “Lamento os superpoderes que o Supremo deu aos estados e aos governadores para fechar, inclusive, igrejas de cultos religiosos. É um absurdo dos absurdos”.
E para não perder a viagem, atirou novamente no governador João Doria (PSDB), seu alvo preferencial desde que o Instituto Butantan começou a fabricar a vacina chinesa Coronavac:
– Parece que esse patife de São Paulo quer quebrar o estado, quebrar o Brasil, para depois me apontar como responsável.
Em sua defesa, saiu-se com esta: “O pessoal que me acusa de ditador nunca viu uma palavra minha e um só gesto que eu fugisse da Constituição”.
Uma vez que o passeio já rendera boas imagens, embora a audiência tenha sido fraca, deu-se por satisfeito e foi embora. Enquanto isso, com passe livre, a Covid-19 fazia mais vítimas.
Ricardo Noblat: Sem Exército para chamar de seu, Bolsonaro agora ataca o STF
Um suicida político em ação
Sequer foram cicatrizadas ainda as feridas abertas por sua tentativa de intervir nas Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir outras – desta vez com o Supremo Tribunal Federal. Deve haver alguma lógica em ações que só fazem enfraquecê-lo. Se não há, é porque ele é mesmo estúpido.
O ministro Luís Roberto Barroso, em resposta à provocação feita por dois senadores, decidiu que o Senado deve instalar a CPI da Covid, instrumento previsto na Constituição que garante voz à minoria parlamentar. O pedido de CPI respeitou todos os requisitos previstos. E o Supremo assim agiu em outras ocasiões.
Uma delas foi em 2007 quando obrigou a Câmara a instalar a CPI do Apagão Aéreo. Lula era então presidente da República, e Bolsonaro deputado federal. O governo tudo fez para que não houvesse CPI, e Bolsonaro tudo fez para que houvesse. À época, em entrevista, ele disse:
– Por que o governo teme a CPI? Eu não tenho dúvida do superfaturamento de obras em aeroportos. Se quiser me acusar de leviano, eu respondo: ‘Abra a CPI que eu provo lá’.
Bolsonaro não viu interferência descabida do Supremo em outro poder por causa disso. Agora, que o presidente da República é ele, vê, como proclamou ontem:
– Não há dúvida de que há interferência do Supremo em todos os Poderes. No Senado tem pedido de impeachment de ministros do Supremo. Não estou entrando nessa briga. Será que a decisão tem que ser a mesma para o Senado botar em pauta o pedido de impeachment de ministro do Supremo?
O que uma coisa tem a ver com a outra? Nada. Cabe ao Senado, não ao Supremo, pôr em pauta pedido de impeachment de ministros de tribunais superiores. Impossível que Bolsonaro não saiba. Se não sabe, seus assessores jurídicos poderiam esclarecê-lo. Mas não, o que ele quer é criar confusão.
Escolheu Barroso como alvo, assim como na semana passada seu alvo foi o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, que se recusou a deixar que a política entrasse nos quartéis. Para livrar-se dele, Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa. Pujol e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica acabaram saindo.
“Falta-lhe [a Barroso] coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política” – bateu Bolsonaro abaixo da linha da cintura. E o que conseguiu? Que os demais ministros do Supremo se unissem em torno da decisão tomada por Barroso, assim como partidos políticos, governadores de Estado e juristas em geral.
Conseguiu que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, que engavetou o pedido da CPI da Covid, se apressasse em declarar que respeitará a decisão de Barroso, como se tivesse outra opção. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Pacheco prometeu que não mexerá “um milímetro” para barrar a atuação da CPI.
“Uma vez instalada, todas as condições lhe serão dadas para que funcione bem e chegue a conclusões”, afirmou. “É importante que ela cumpra sua finalidade na apuração de responsabilidades”. E foi além ao dizer que Bolsonaro não contribui para o combate à epidemia com seu discurso negacionista:
– Para bom entendedor, um pingo é letra. Quando ele [Bolsonaro] prega qualquer tipo de negacionismo, eu vou criticar o negacionismo e consequentemente estou criticando a fala dele.
Era Pacheco que dizia que, a seu juízo, “e por conveniência”, não era hora de abrir a CPI. Quem o diz agora é Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro tanto quanto Pacheco é. Lira trocou “conveniência” por “ocasionalidade” e repetiu o Pacheco de antes da decisão de Barroso:
– A CPI não nasce à toa. Tem de ter um fato determinado e tem de ter as assinaturas. E ela tem de ter a ocasionalidade. Eu comungo da ideia de que esse não é momento de se encontrar culpados, de se apontar o dedo para ninguém.
O momento seria do quê? Segundo Lira, “de se correr atrás de vacina, esteja ela onde estiver, e apontar seringa e agulha no braço dos brasileiros. Esse é o momento. Daqui a dois, três meses, esses culpados estarão morando em outro lugar, estarão apagadas as provas, estarão escondidas as evidências? Não”.
Conversa mole para enganar os trouxas. Ao governo, cabe correr atrás de seringas, agulhas e vacinas para imunizar milhões de brasileiros vítimas da pandemia. Isso não impede que o Senado, desde agora, investigue os escandalosos erros cometidos até aqui e que transformaram o Brasil numa ameaça aos outros países.
Ricardo Noblat: Em um único dia, Bolsonaro é derrotado duas vezes no STF
Vem aí a CPI da Covid para acuar o governo
O fracasso do governo do presidente Jair Bolsonaro no combate à Covid-19 subiu à cabeça de Marcelo Queiroga, o quarto ministro da Saúde em menos de um ano.
Anthony Fauci, o mais respeitado imunologista americano e conselheiro do presidente Joe Biden, disse que o Brasil virou uma “ameaça mundial” porque a pandemia aqui só faz crescer.
Em visita a Porto Alegre, perguntado a respeito, Queiroz estufou o peito, imitou a arrogância do seu chefe, e respondeu assim:
– Ele [Fauci] deve cuidar dos Estados Unidos. Do Brasil, cuido eu.
Bolsonaro amou a resposta de Queiroga logo no dia em que o vírus matou no país mais 4.190 pessoas. Foi o segundo dia com mais mortes desde o começo da pandemia.
A quarta-feira havia sido um dia ameno para Bolsonaro. Ele fez o que mais gosta: viajar, falar o que lhe vem à cabeça sem ser contestado, e arrancar aplausos dos seus devotos.
Esteve em Chapecó, em Santa Catarina, em Iguaçu, no Paraná, e em São Paulo onde jantou com empresários amigos escolhidos a dedo e que acabaram por ovacioná-lo.
A quinta-feira foi um dia pesado para Bolsonaro. Não pela morte de tanta gente, mas porque ele colheu duas derrotas importantes no Supremo Tribunal Federal.
A primeira: por 9 votos contra 2, o Supremo decidiu que governadores e prefeitos podem fechar templos e igrejas enquanto durar a pandemia. Bolsonaro queria o contrário.
A segunda derrota: o ministro Luís Roberto Barroso mandou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), instale de imediato a CPI da Covid.
Cumpridas as exigências da Constituição (número mínimo de apoiadores, definição do fato a ser investigado e prazo de funcionamento), a CPI é direito da minoria parlamentar.
Todos os requisitos foram cumpridos desde janeiro último, mas Pacheco, eleito presidente do Senado com o apoio de Bolsonaro, recusou-se a instalar a CPI para não criar embaraços ao governo.
Ontem mesmo, antes de Barroso anunciar sua decisão, Pacheco afirmou:
– Considero que a CPI da pandemia neste momento vai ser um ponto fora da curva. Além disso, pode ser o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia.
No seu despacho, Barroso ensinou a respeito de CPIs:
– Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática.
Simples assim. O que levou Pacheco a retrucar que, a seu juízo, e por razões de conveniência, a CPI não deveria sair da gaveta, mas que decisão da justiça é para ser cumprida, e ele a cumprirá.
Ora, era o que faltava. Não cumprir? Agora, resta ao governo escalar a maior e a mais confiável bancada de senadores aliados seus para se defender na CPI e atrapalhar seu funcionamento.
Custará caro. Ninguém trabalha de graça para governo numa CPI. Só o faz em troca de muito dinheiro, de cargos e de outros favores inconfessáveis. Sempre foi assim e sempre será.
Bancada de Bolsonaro no STF aumenta com adesão de Toffoli
A partir de julho serão três ministros
Era certo que a bancada de ministros bolsonaristas no Supremo Tribunal Federal se resumiria a dois ministros até o fim de 2022 – Nunes Marques, que já está por lá ocupando a vaga aberta com a saída de Celso de Mello, e outro a ser indicado pelo presidente a partir de julho próximo e que sucederá a Marco Aurélio Mello.
Mas, não. Descobriu-se, ontem, que Bolsonaro contará com três – um deles, José Antônio Dias Toffoli, que surpreendeu seus colegas ao votar junto com Nunes Marques pela abertura de templos e igrejas durante a pandemia da Covid. Toffoli não justificou seu voto. Limitou-se a dizer que acompanharia Nunes Marques.
Toffoli sabia que seria derrotado. O placar final foi de 9 a 2. Não se incomodou com isso. Está com Bolsonaro para o que der e vier. Encantou-se por ele antes mesmo de Bolsonaro ser candidato a presidente. À época em que foi assessor parlamentar do PT na Câmara, entre 1995 e 2000, os dois conversavam muito.
Foi Lula que fez de Toffoli ministro do Supremo em 2009. Toffoli havia passado no teste de fidelidade ao PT como consultor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT), advogado de três campanhas presidenciais de Lula, subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil e Advogado-Geral da União.
Sua recente passagem pela presidência do Supremo coincidiu com os dois primeiros anos de Bolsonaro presidente. Renasceu e se fortaleceu a amizade entre os dois. Toffoli virou uma espécie de assessor informal de Bolsonaro dando-lhe conselhos e, sempre que pôde, facilitou a vida dele dentro do tribunal.
Orgulha-se Toffoli de ter evitado em 2020 uma crise institucional que quase deflagrou um golpe militar. Ele ajudou a salvar o Brasil e a evitar a queda de Bolsonaro. A indicação de Nunes Marques para ministro passou por seu crivo. Foi quando Bolsonaro o visitou em casa, sendo recebido com um caloroso abraço.
Murillo de Aragão: O preço das decisões erradas
O governo federal foi lento e confuso nas respostas à pandemia
A essa altura dos acontecimentos, devemos ponderar sobre os erros que nos levaram a mais de 340 000 mortos pela Covid-19. Sem alarde nem radicalismos. A coleção de erros é enorme. Começa com erros estratégicos, por parte de todos os atores públicos e privados, e chega a erros táticos. Nesse rol se inclui a sociedade, que teima em não se conscientizar dos riscos. O ponto inicial reside no fato de que o mundo inteligente já sabia da gravidade do problema em janeiro de 2020. O mundo político brasileiro, porém, só reconheceu a gravidade do tema em março.
O segundo erro estratégico foi cometido pelo governo federal, ao não coordenar uma ação conjunta com governadores, prefeitos, Judiciário e Legislativo. Prevaleceram o conflito, as egotrips e, sobretudo, a descrença de que o problema era muito sério.
O terceiro erro estratégico foi não optar pela compra das várias vacinas que estavam em desenvolvimento. O governo federal apostou apenas na AstraZeneca, cujo processo de produção é insuficiente para nossos desafios. Fica a questão: por que a Fiocruz, berço do partido sanitarista, não propôs uma compra abrangente de vacinas de várias procedências até que o Brasil dominasse a produção?
“A compra maciça de vacinas é a melhor política para a retomada da economia”
Obviamente, terminamos dependendo da rejeitada CoronaVac, do Instituto Butantan, e da escassa, até agora, vacina da AstraZeneca. Se hoje, em pleno abril de 2021, ainda estamos decidindo se compramos ou não a vacina russa, imaginem se o governo de São Paulo não tivesse tomado a decisão de negociar e produzir vacina no ano passado? E as mortes prosseguem.
No campo da narrativa, o governo federal se mostrou confuso. Lento nas respostas e descrente das consequências da “gripezinha”. Não houve palavras de liderança. Os sucessivos comandos do Ministério da Saúde foram, cada um a seu tempo, espetaculosos, erráticos e com um processo deliberativo lento. Deveriam ter imposto uma ação abrangente de pré-compra de vacinas e, em coordenação com a Anvisa, uma liberação expedita das doses. Em janeiro, a Anvisa fez um espetáculo midiático para autorizar o uso emergencial de vacinas. Àquela altura, o Brasil já deveria estar vacinando, e não fazendo midiatismo em torno da obrigação de fazer de forma correta o que estava fazendo errado.
Governadores e prefeitos demoraram a reagir quanto à imposição do distanciamento social. O exemplo trágico do Amazonas resultou no caos da saúde pública no estado. Também desmontaram hospitais de campanha país afora sem um horizonte claro do fim da pandemia e não se preparam para o pior, quando o pior já se apresentava, no fim do ano passado. Politicamente, Bolsonaro cometeu um grave erro ao não assumir a liderança no combate à pandemia. O Brasil deseja um líder que Bolsonaro ainda não quer ser.
Se tivesse comprado milhões de vacinas, o Brasil poderia ter vacinado o dobro ou o triplo do que vacinou até o início deste mês. Gastos com a compra em massa de vacinas seriam uma pequena parcela do que será despendido com o auxílio emergencial. A aquisição maciça de vacinas é a melhor política para a retomada da economia. Estamos chegando tarde e a conta em vidas está aumentando.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733