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Ricardo Noblat: O dilema de Paulo Guedes e o que interessa a Bolsonaro

A debandada de Paulo Guedes do governo pode ser só uma questão de tempo. Bolsonaro não teve peito para demitir Sergio Moro do Ministério da Justiça, mas criou todas as condições para que ele saísse. Deverá proceder da mesma forma com o seu ex-todo-poderoso ministro da Economia.

Guedes entende de economia, mas de política é Bolsonaro que entende. Alguma coisa aprendeu em 30 anos como deputado. Após perder sete auxiliares, Guedes alertou Bolsonaro para o risco de impeachment se não bancar as reformas. Bolsonaro respondeu entregando ao Centrão o cargo de líder do governo na Câmara.

Agrava-se a situação do clã Bolsonaro a cada nova descoberta ou revelação feita pelo Ministério Público do Rio que o investiga por corrupção. O sonho de Bolsonaro de se reeleger depende, no primeiro momento, de afastar o risco de impeachment, e no momento seguinte, de conseguir o apoio de partidos.

Bem que ele tentou atrair partidos para seu lado nas eleições passadas, mas fracassou. Ninguém acreditou que ele pudesse vencer. Nem ele mesmo acreditava. Foi a eleição mais atípica da história do país. O líder das pesquisas estava preso e impedido de concorrer. A facada dispensou Bolsonaro de fazer campanha.

Ou Guedes abre o cofre para ajudar a reeleger Bolsonaro, e deixa as reformas para o segundo mandato dele, se segundo mandato houver, ou pede as contas e passa o cargo a quem se dispuser a jogar o jogo que o desagrada. No regime de governo do Brasil, não existe ministro insubstituível. Quem manda é o presidente.

Foi só para ganhar tempo que Bolsonaro, ontem à noite, encenou às portas do Palácio da Alvorada o ato de renovar seu compromisso com as reformas do Estado, a privatização de empresas e a responsabilidade fiscal – temas, por sinal, que jamais contaram com o seu voto para avançar no Congresso.

Bolsonaro, o liberal, é uma invenção de Guedes para justificar sua adesão à candidatura dele em 2018. Durante a campanha, Guedes chocou-se com a indiferença de Bolsonaro ao que ele tentava lhe ensinar sobre economia. Foi em frente mesmo assim. Achou que, uma vez eleito, Bolsonaro se tornaria dependente dele.

Palavras o vento leva. O vento levou a promessa de Bolsonaro de não se candidatar à reeleição. Levou a promessa de combater a corrupção sem vacilo. Levou a promessa de não trocar cargos no governo por votos no Congresso. E levou a promessa de comportar-se como o presidente de todos os brasileiros.

Os militares que o cercam disseram-lhe para não se livrar de Moro porque seu governo poderia acabar. Moro saiu, forçado que foi. Nem o governo acabou, nem Bolsonaro perdeu popularidade. Os militares dizem agora a ele que a receita de Guedes pode torná-lo impopular, e aí adeus à reeleição. Bolsonaro medita.

Dossiê dos antifascistas: ministro recua para evitar crise com STF

Mendonça ainda tem muito o que aprender

Meia volta, volver! Perdeu-se a conta do número de vezes que o ministro André Mendonça, da Justiça, avançou, recuou, tornou a avançar, recuou outra vez, para no fim confirmar a existência de um dossiê sobre quase 600 servidores federais que se declararam antifascistas, e que ele prefere chamar de relatório.

O comportamento do tipo ioiô de Mendonça chegou a prenunciar uma possível nova colisão entre os poderes Executivo e Judiciário quando ele se negou a atender a um pedido da ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, para que lhe remetesse uma cópia do dossiê. Ou do relatório, como preferisse.

O dossiê foi produzido pela Secretaria de Operações Integradas do ministério, subordinada a Mendonça. Depois que parte dele veio a público, o ministro mandou abrir uma sindicância para apurar o caso. Mas mesmo antes de a sindicância ser aberta, ele demitiu o coronel que chefiava o setor de inteligência da secretaria.

Ora, por que a demissão se o conteúdo do tal dossiê, ou relatório, como dizia Mendonça, não configurava nenhum crime contra a livre manifestação de pensamento que a Constituição garante a todo mundo, inclusive a servidores federais fascistas ou antifascistas? O Congresso quis conhecer o dossiê, e já o recebeu.

No último dia 6, Mendonça havia dito que seria “catastrófico” compartilhar o dossiê com o Judiciário. Pediu “parcimônia e sensibilidade” ao Supremo para que deixasse a Comissão de Controle Externo da Atividade de Inteligência do Congresso fazer a análise sobre o tema. Por que só o Congresso?

Ao saber, porém, que o tribunal tomará posição a respeito em sessão marcada para a próxima semana, concluiu que o melhor seria se dispor a atender ao pedido da ministra Carmen Lúcia. Enfim, tanta trapalhada para nada, e logo de um ministro que aspira a uma vaga no Supremo. Ainda tem muito que aprender.


Ricardo Noblat: No país do presidente capitão a Amazônia está intacta

Apologia da mentira

As edições desta quarta-feira dos principais jornais do país ofereceram espaço tão generoso ao discurso de Bolsonaro durante a 2ª Cúpula Presidencial do Pacto de Letícia pela Amazônia que só pude imaginar uma coisa: ficaram tão chocados quanto eu fiquei, e e irão refutá-lo ponto por ponto. Isso não aconteceu.

Sem tirar nem pôr, o discurso foi uma defesa apaixonada da mentira. Bolsonaro disse que “não há nenhum foco de incêndio, nem um quarto de hectare desmatado” na floresta. “É uma mentira essa história de que a Amazônia arde em fogo”. Segundo ele, a floresta amazônica permanece “intacta”.

Afirmou que em julho último, o Brasil apresentou redução de 28% no desmatamento em relação a 2019, mas não mencionou que os números totais indicam avanço de 34% no desmate. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), alvo de críticas do presidente no passado.

Repetiu a conversa de que convidou embaixadores e representantes de outros países que defendem a proteção da Amazônia a sobrevoarem região entre Manaus e Boa Vista para confirmar que está tudo bem. E reforçou que, por ser uma floresta úmida, a Amazônia “não pega fogo”. Sim, “não pega fogo”.

Como se não bastasse, referiu-se ao seu como um governo que não tolera e muito menos incentiva a prática de crimes ambientais. Assegurou: “Nossa política é de tolerância zero, não somente para o crime comum, mas também para a questão ambiental. Combater os ilícitos é essencial para a preservação da nossa Amazônia”.

O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro próximo será muito maior que o de 2019. As projeções indicam que a taxa deverá ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2, uma escalada de aumento de destruição da maior floresta tropical do planeta só comparável aos piores momentos de sua história.

Dados dos satélites do Inpe mostram que, até 9 de agosto, 23.749 focos de calor foram detectados na Amazônia. Um aumento de 1% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve 23.420 focos. E a temporada de queimadas está só começando: historicamente, o pico de registros acontece no mês de setembro.

Um levantamento do Fakebook.eco, iniciativa do Observatório do Clima e uma rede de organizações da sociedade civil para combater a desinformação ambiental, revelou que, até 31 de julho, o Ibama gastou apenas 20,6% dos R$ 66 milhões autorizados para ações de fiscalização. É a execução mais baixa dos últimos anos.

A aplicação de multas também caiu: foram 3.421 autos de infração de janeiro a julho, uma queda de 52,1% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em 2019, primeiro ano em do governo Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, observou-se uma redução de 17% das multas ambientais.

Guedes tenta assustar Bolsonaro com o fantasma do impeachment

O apagão do ex-Posto Ipiranga

De público, pelo menos, ninguém da equipe do presidente Bolsonaro jamais ousara admitir que ele pudesse correr o perigo de ser deposto por meio de um processo de impeachment. Paulo Guedes, ministro da Economia, admitiu. Logo ele, tido como uma das colunas de sustentação do governo. A outra coluna ruiu desde que Sérgio Moro demitiu-se do Ministério da Justiça.

Foi Bolsonaro que chamou Guedes de seu Posto Ipiranga, onde nada falta e tudo se resolve. Poderia tê-lo chamado de ministro número 1, tamanha a importância que lhe conferiu antes e depois de se eleger presidente. Pois bem: o posto vem sofrendo sucessivos apagões. E se alguma vez foi o número 1, já não é mais. O título está sendo disputado por outros ministros em ascendência.

O plano de Guedes para arrumar o governo e fazer a economia crescer deu em pouca coisa por culpa do próprio ministro, das hesitações de Bolsonaro em bancá-lo, e dos efeitos da pandemia do coronavírus. Resultado natural: os principais auxiliares de Guedes começaram a debandar. Foram embora frustrados e à procura de novos desafios. Guedes poderá segui-los em breve.

Nas últimas semanas, Mansueto Almeida deixou a Secretaria do Tesouro, Caio Megale a diretoria de programas da Secretaria Especial da Fazenda e Rubem Novaes a presidência do Banco do Brasil. Por fim, Salim Matar largou a Secretaria da Desestatização, e Paulo Uebel a da Desburocratização. A perda de tanta gente em tão pouco tempo foi batizada por Guedes de debandada.

Embora tenha dito que a reação do governo à debandada será “avançar com as reformas”, Guedes passou todos os sinais de quem nem ele acredita mais no que diz. Na mesma ocasião, ao lado de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e empenhado tanto quanto ele em aprovar as reformas, Guedes comentou como se tirasse o seu da reta e apontasse para o alto:

– Se o presidente da República quiser mandar alguma reforma, ela é mandada. Se ele não quiser, não é mandada. Quem manda não é o ministro. Quem manda não são os secretários, e o secretário quando o negócio não tiver andando, ele pode desistir ou ele pode insistir. Então, é simplesmente isso que aconteceu.

Contou o que ouviu dos dois mais recentes demissionários: “Em nome da transparência, o Salim hoje me disse o seguinte: ‘A privatização não está andando. Eu prefiro sair’. E o Uebel me disse o seguinte: ‘A reforma administrativa não está sendo enviada. Eu prefiro sair’. Esse é o fato. Essa é a verdade”. A estocada final de Guedes teve endereço certo:

– Se tentarmos [em 2021] seguir com o [atual] padrão de gastos iremos para o caos. Os conselheiros do presidente que o [instigam] a pular cerca e a furar teto o levarão para uma zona de incerteza, uma zona sombria. Uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal e o presidente sabe disso. Então, o presidente tem nos apoiado.

Não, Bolsonaro não tem apoiado Guedes como ele esperava. Como seu único objetivo é se reeleger, deixou-se seduzir pela ala militar e civil do governo que quer gastar mais com obras de infraestrutura e programas assistencialistas. Tudo por mais votos no curto prazo. Teto de gastos? Dá-se um jeito de driblá-lo. Reforma administrativa? Fica para depois.

E não adianta o choro do mercado financeiro, nem as críticas dos que acreditaram no discurso das reformas. Nos cálculos de Bolsonaro e dos que roubaram seu coração, em 2022 os chorões e os críticos estarão condenados a votar nele para barrar a volta da esquerda ao poder. É prego batido e ponta virada. Se quiser sobreviver, Guedes terá de abrir o cofre. Vida que segue.


Ricardo Noblat: Os Bolsonaro, uma família do barulho e do dinheiro em espécie

Aversão ao sistema bancário

Em outubro de 2016, como foi que o senador Flávio Bolsonaro pagou a prestação no valor de R$ 16.564,81 da compra de um imóvel no bairro das Laranjeiras, na zona sul do Rio? Na verdade, quem pagou por ele foi Diego Sodré de Castro, cabo da Polícia Militar, então investigado por oferecer serviços ilegais de segurança. Flávio o reembolsou com dinheiro em espécie.

E em 2018, como foi que Flávio pagou R$ 86.000 pela compra de 12 salas comerciais no Barra Prime Officer, no Rio? Em dinheiro vivo. Dinheiro tomado emprestado do pai e de um dos seus irmãos que ele não diz qual – se Carlos, vereador, ou Eduardo, deputado federal. Foi também em dinheiro vivo que Fabrício Queiroz pagou despesas pessoais de Flávio e da mulher dele.

O uso de dinheiro vivo é uma das marcas da família que prefere ignorar o sistema bancário brasileiro. Rogéria, a primeira mulher de Jair Bolsonaro, mãe de Flávio, Carlos e Eduardo, comprou em 1999 um apartamento no zona norte do Rio por R$ 95 mil, o equivalente, hoje, a R$ 621,5 mil. Pagou com dinheiro vivo. O casal separou-se entre 1997 e 1998. Rogéria saiu muito machucada.

Com o apoio do então marido, ela se elegeu e se reelegeu vereadora no Rio. Candidata ao terceiro mandato, foi derrotada por Carlos, então com apenas 17 anos, lançado pelo pai. Flávio recusou-se a disputar contra a própria mãe. Junto com a segunda mulher, Ana Cristina Valle, Bolsonaro comprou 14 imóveis no Rio avaliados, hoje, em R$ 5,3 milhões. Como pagou? Parte em dinheiro vivo.

O caso mais recente de operação financeira dos Bolsonaro que se tornou público não envolveu dinheiro em espécie, mas cheques. Entre 2011 e 2016, Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle, a primeira-dama, no valor total de R$ 72 mil. Na mesma época, Marcia Aguiar, mulher de Queiroz, depositou mais seis cheques no valor total de R$ 17 mil.

Quando algo errado é feito errado, não importa se em cheque ou em dinheiro vivo, acaba dando errado – pelo menos às vezes.

Um presidente fora da lei

Bolsonaro, outra vez sem máscara

Não basta ao presidente Jair Bolsonaro desrespeitar leis. De tanto fazê-lo, as pessoas parecem que deixaram de ligar para isso. E muitas até o imitam. Afinal, se ele procede assim impunemente, por que elas não? E daí? Vida que segue.

Agora, é o próprio Bolsonaro que posta vídeos em suas contas nas redes sociais onde se exibe violando leis mais uma vez. A última dele foi mostrar-se, ontem à noite, em uma via pública de Brasília comendo churrasquinho comprado a um vendedor ambulante.

Sem máscara, novamente. E cercado por apoiadores que se aglomeraram para tirar fotos. Tal comportamento contraria decreto em vigor no Distrito Federal que obriga o uso de máscaras em todos os espaços públicos, sob pena de multa de R$ 2 mil.

Em junho último, Bolsonaro já fora advertido a respeito pelo juiz federal Renato Borelli, da 9ª Vara Cível do Distrito Federal: “O presidente possui obrigação constitucional de observar as leis, bem como de promover o bem geral da população”.

Bolsonaro ignorou a advertência. E, além do vídeo, escreveu que no Brasil são 38 milhões de trabalhadores informais. “Volta ao trabalho, o melhor remédio”, aconselhou no dia em que o país registrou mais 721 mortes e 20.730 novos casos do Covid-19.


Ricardo Noblat: O plano para reeleger Bolsonaro passa por Lula candidato

De volta ao passado

Cresce o número de vozes nas cercanias do presidente Jair Bolsonaro que não achariam nada mal que seu principal adversário nas eleições de 2022 fosse Lula. Para isso, o Supremo Tribunal Federal teria de concluir que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial ao condenar Lula no processo do tríplex do Guarujá.

Talvez ainda este ano, a Segunda Turma do tribunal julgue um pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente que levanta a suspeição de Moro. Se concedê-lo, a segunda condenação de Lula, no caso do sítio de Atibaia, poderá cair, uma vez que Moro participou de algumas fases do processo.

Com o eventual desmanche das duas condenações, Lula recuperaria seus direitos políticos e estaria livre para ser outra vez candidato a presidente. O medo de Lula se eleger e a falta de outros nomes capazes de derrotá-lo fortaleceria Bolsonaro e inflaria suas chances de conseguir o segundo mandato.

Recentemente, Lula obteve duas importantes vitórias na Segundo Turma do Supremo. A primeira: finalmente, sua defesa vai poder acessar todos os documentos usados no acordo de leniência fechado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal, inclusive os que se encontram nos Estados Unidos e na Suíça.

A segunda vitória: a delação do ex-ministro Antonio Palocci não pode ser utilizada nesta ação em que Lula é acusado de ter supostamente recebido R$ 12 milhões da Odebrecht. Moro passou recibo dos dois sérios reveses que colheu. Em silêncio, o governo celebrou as decisões da Segunda Turma do Supremo.

No momento, são convergentes os interesses do governo Bolsonaro e do PT de Lula. Com vantagem para Bolsonaro que terá dois anos pela frente para penetrar mais fundo na principal base eleitoral de Lula, o Nordeste. O que ele tinha a perder com o fracasso do combate ao coronavírus, já perdeu. Jogo jogado.

O que pode vir a ganhar com o pagamento do auxílio emergencial e com a substituição do programa Bolsa Família pelo mais generoso programa Renda Brasil ainda está por ser calculado, mas não será pouca coisa. Cuide-se Paulo Guedes, ministro da Economia, que será obrigado a arranjar dinheiro para obras de infraestrutura.

Ministro nega dossiê, mas confirma relatório sobre servidores antifascista

Que diferença faz? Nenhuma

Está em qualquer dicionário da língua portuguesa que “dossiê é uma coleção de documentos relativos a um processo, a um indivíduo ou a qualquer assunto”. E que relatório “é uma exposição escrita, minuciosa e circunstanciada relativa a um assunto ou fato ocorrido. O objetivo de um relatório é comunicar uma atividade desenvolvida ou ainda em desenvolvimento durante uma missão.”

Como o jornalista Rubens Valente, no seu blog do portal UOL, chamou de dossiê a coleção de documentos produzidos por uma secretaria do Ministério da Justiça sobre quase 600 servidores federais que se declararam antifascistas nas redes sociais, o ministro André Mendonça negou a existência do tal dossiê. Negou até em comunicado enviado ao Supremo Tribunal Federal.

Mas apertado por deputados federais e senadores em sessão secreta na última sexta-feira, ele confirmou que a secretaria produziu, sim, um relatório sobre os servidores monitorados. Por monitorados, entenda-se: espionados. Porque é disso que se trata. Não faz diferença se foi dossiê ou relatório. O que se discute é se a secretaria poderia fazer o que de fato fez, e por que.

A bola – ou melhor: o comunicado despachado por Mendonça ao Supremo – está nas mãos da ministra Carmen Lúcia, autora de um pedido de explicações. Dossiê ou relatório, à ministra caberá dizer se o Ministério da Justiça pode espionar um grupo de pessoas por pensaram de um jeito ou de outro. Ou porque o governo simplesmente não gosta do jeito que elas pensam.


Ricardo Noblat: Sem pé nem cabeça o que disse Flávio Bolsonaro ao defender-se

Tal pai, tal filho

Se o presidente Jair Bolsonaro, como demonstrado tantas vezes, é capaz de atravessar a rua só para pisar numa casca de banana, seu filho Flávio, o Zero UM, também é. E foi o que fez ao dizer tudo o que disse em entrevista ao jornal O Globo, a primeira que concedeu fora de sua zona habitual de conforto.

Até então, ele só se dispunha a falar sobre a parceria com o ex-PM Fabrício Queiroz com veículos amigos de sua família, de preferência canais bolsonaristas no Youtuber, e redes de televisão que não lhe criassem problemas. E ainda assim a jornalistas confiáveis. Resultado: pisou na casca de banana e escorregou feio.

Admitiu que Queiroz pagava suas contas pessoais com dinheiro vivo. Mas não dinheiro extorquido de servidores do seu gabinete à época de deputado estadual no Rio. Dinheiro limpo dele, Flávio. Ocorre que o Ministério Público tem provas de que o atual senador poucas vezes meteu a mão no bolso para pagar suas dívidas.

Entre 2013 e 2018, Queiroz, então chefe do gabinete de Flávio, pagou pouco mais de 286 mil reais de contas pessoais de Flávio e da sua mulher, entre elas, parcelas do plano de saúde dos dois e mensalidades escolares dos filhos. E sempre em dinheiro vivo, sabe-se lá por que, se pagamento eletrônico é mais seguro.

Nos 15 meses anteriores a um pagamento de quase 7 mil reais, outra vez em dinheiro vivo, o casal não fez nenhum saque nas suas contas. Uma parcela de 16,5 mil da compra de um imóvel pelo casal foi paga pelo PM Diego Sodré, amigo e correligionário político de Flávio. E o que ele disse a respeito disso? Simples.

Um dia, Flávio e Sodré estavam num churrasco. Então Flávio lembrou que justamente naquele dia vencia mais uma parcela do pagamento do imóvel. Teria de abandonar o churrasco porque não tinha no celular o aplicativo que lhe permitiria pagar. Sodré pagou. E, depois, foi reembolsado por Flávio – em dinheiro vivo. Quer mais ou basta?


Ricardo Noblat: Ministro da Justiça topa depor em segredo sobre servidores monitorados

Mendonça nada aprendeu com Tancredo Neves

André Mendonça, ministro da Justiça, não precisaria ter nascido em Minas Gerais para aprender com o ex-presidente Tancredo Neves o que ele dizia sobre segredos e conversas sigilosas. Uma vez, ao ouvir de um interlocutor que tinha um segredo, mas que só lhe contaria se ele prometesse guardar, Tancredo respondeu:

– Então não me conte. Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo, imagine eu.

Outra vez, já candidato a presidente da República em 1984, cercado por jornalistas interessados em conversar com ele mesmo que fosse de maneira reservada e sob o compromisso de nada publicarem, Tancredo concordou, mas fez antes uma ressalva:

– E então, vamos conversar? Mas não em sigilo. Esta é a maneira mais rápida, eficiente e segura de se propagar por todo o país quem disse, o quê e onde.

É verdade que pelo menos uma vez, Tancredo convocou jornalistas em Brasília e advertiu-os de antemão: “Se o que lhes direi for publicado, nunca mais direi nada”. E contou que o então presidente João Figueiredo faria uma reforma ministerial para fortalecer a candidatura de Paulo Maluf à sua sucessão.

Em seguida, Tancredo disse quais ministros seriam demitidos, e deu o nome dos seus substitutos. Não havia redes sociais à época. No dia seguinte, sem citarem Tancredo, os jornais publicaram o que ouviram dele. Furioso com o vazamento da informação, Figueiredo desistiu da reforma. Era o que Tancredo queria.

Convidado a depor à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso sobre o monitoramento de servidores públicos federais da área de segurança que se declararam antifascistas, o ministro Mendonça, primeiro, recusou. O assunto, segundo ele, era extremamente sigiloso.

Pressionado, concordou em depor, e é o que fará na próxima sexta-feira à tarde em sessão virtual promovida por seu ministério. De suas casas, deputados e senadores poderão interrogá-lo à vontade. É claro, sob a condição de nada falarem depois sobre o que o Mendonça disse ou preferiu ocultar.

Façam suas apostas. Quantas horas depois começarão a circular nas redes sociais as confidências de Mendonça?

O bloco Unidos Contra a Lava Jato saúda o povo e pede passagem

Mais fortes são os interesses que cada um representa
O que une o senador Flávio Bolsonaro (Republicano), Lula (PT), o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), o deputado Rodrigo Maia (DEM) e o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal? Resposta: seu desapreço pela Operação Lava Jato.

No caso de alguns deles, desapreço é pouco – oposição visceral. Por múltiplas razões, algumas as mesmas, outras só parecidas. Cada um deles não é apenas cada um. Flávio, por exemplo, é ele, seu pai e os irmãos. Lula, o PT e parte da esquerda.

Maia é o Congresso quase todo. Pelo menos a maioria dos deputados e uma grande fatia dos senadores. Alckmin é o PSDB, cujas estrelas mais reluzentes se apagaram. Toffoli representa uma parcela expressiva dos tribunais superiores, mas não somente eles.

Flávio, o pai e os irmãos se elegeram pegando carona na Lava Jato e exaltando seu principal líder, o juiz Sergio Moro. Agora diz que integrantes da Lava Jato têm “interesse político ou financeiro”, como revela em entrevista publicada, hoje, pelo jornal O GLOBO.

Finalmente, o senador admite que Fabrício Queiroz, seu parceiro em negócios sujos, pagou várias de suas contas pessoais. E cobra do ministro Paulo Guedes, da Economia, mais dinheiro para financiar programas sociais e construir obras de infraestrutura.

Tudo, naturalmente, em benefício do pai, em campanha escancarada e permanente para obter um novo mandato em 2022 – mas essa é outra história. Flávio jura que a produtividade no Ministério da Justiça aumentou depois da saída de Moro.

Sua birra com a Lava Jato, que jamais havia manifestado, na verdade tem a ver com Moro, unicamente com Moro, ou preferencialmente com Moro. O ex-juiz e ex-ministro aspira suceder papai Bolsonaro, e isso é demais para o Zero UM.

Pulemos Lula e o PT. São conhecidos seus motivos para querer demolir a Lava Jato. Os de Alckmin e do PSDB, idem. A Lava Jato passou como uma motoniveladora sobre Alckmin, o senador José Serra, o deputado Aécio Neves, e quem mais do PSDB?

Sobrou João Doria, governador de São Paulo, que se dependesse de Bolsonaro teria sido igualmente triturado para não lhe fazer sombra à direita. Com que roupa, mas com que roupa Doria irá pedir votos para presidente? A imagem do PSDB foi para o esgoto.

É fato que os procuradores da Lava Jato de Curitiba tentaram investigar o presidente da Câmara dos Deputados sem dizer que o faziam. Mas não é por isso que Maia quer assistir ao enterro da Lava Jato. É porque a maioria dos seus liderados também quer.

Maia sonha em seguir presidindo a Câmara. O regimento interno não permite. Como não permite David Alcolumbre (DEM-AP) reeleger-se presidente do Senado. Flávio defende a reeleição de Alcolumbre porque ele tem colaborado com o governo.

Não defende a de Maia porque “ele tem embarricado” muitos projetos do governo. Mas, como ensinava o deputado Ulysses Guimarães, se há maioria no Congresso faz-se qualquer coisa, “menos homem virar mulher ou mulher virar homem”.

Ou até isso, hoje, poderia ser feito. O que importa é que ainda não se deve descartar a hipótese de Maia e Alcolumbre ser reeleitos. E, para tal, eles precisam agradar os eleitores, muitos alvos da Lava Jato e que culpam Moro pelo seu infortúnio.

Quem imaginou que uma frente tão ampla acabaria formada para desmontar a que já foi considerada a maior e mais bem-sucedida operação de combate à roubalheira no mundo? É o que se vê. Flávio, Lula, Alckmin, Maia, Toffoli, unidos jamais serão vencidos.


Ricardo Noblat: Ações policiais do governo remetem à época do regime militar

Bolsonaro cria mais um órgão de segurança

E assim se passaram os últimos 10 dias. No primeiro, quando Rubens Valente, colunista do UOL, informou que o Ministério da Justiça pusera em prática desde junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do “movimento antifascismo” e três professores universitários, o que fez André Mendonça?

O ministro da Justiça limitou-se a responder com uma nota onde disse ao que se presta a Secretaria de Operações Integradas, uma das cinco subordinadas diretamente a ele. Sobre a ação sigilosa posta em prática pela Secretaria e que dera origem a um relatório, nem uma palavra. Na semana passada, com o assunto ainda quente, Mendonça afirmou que desconhecia qualquer relatório.

Anteontem, ao ser perguntado sobre o assunto em entrevista, o ministro disse que nem confirmava, nem desmentia a existência de um relatório sobre servidores que em suas redes sociais tivessem se manifestados como antifascistas. Mas, que mandara abrir uma sindicância para apurar tudo, uma vez que numa democracia a livre manifestação de pensamento é assegurada.

Ontem, antes do início dos trabalhos da comissão de sindicância formada só por representantes do governo, Mendonça anunciou que decidira substituir o chefe da Diretoria de Inteligência da tal secretaria, Gilson Libório Mendes, coronel reformado, designado por ele para o cargo há dois meses, e autor do relatório. Dá para acreditar que Mendonça não soubesse de nada?

Do relatório constam nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas. Investida das atribuições de serviço de “inteligência” por um decreto de Jair Bolsonaro assinado no seu primeiro dia como presidente da República, a Secretaria de Operações Integradas não submete todas as suas ações a acompanhamento judicial.

Ela opera nos mesmos moldes dos outros órgãos que realizam normalmente há anos o trabalho de inteligência no governo, como o Centro de Inteligência do Exército e o Gabinete de Segurança Institucional. Para Bolsonaro, antifascistas são “marginais, terroristas” que “querem quebrar o Brasil”. Quanto a fascistas propriamente ditos, o presidente nunca disse o que são.

O relatório do Ministério da Justiça foi produzido menos de uma semana depois da declaração de Bolsonaro sobre os antifascistas. A certa altura, ele registra: “Verificamos alguns policiais formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes sociais, os quais disseminam símbolos e ideologia antifascistas”. Não há lei que criminalize o antifascismo.

Fazem parte do relatório dois manifestos – um de 2016, assinado por policiais “em defesa da legalidade” que estaria ameaçada pelo impeachment aberto contra a então presidente Dilma Rousseff, e o outro deste ano, que condena o fascismo sem mencionar Bolsonaro nem o seu governo. E cópias em PDF do livro “Antifa – o manual antifascista”, e de um “manual de terrorismo BR”.

Disponível na internet e escrito em linguagem de adolescente, o “manual” diz ter receitas para fabricação de bombas caseiras e atos de “anarquia”. O relatório não oferece qualquer explicação que permita ligar esse “manual” aos antifascistas – sejam os antifascistas monitorados pela Secretaria, sejam outros. A juntada do livro e do “manual” funciona como uma simples sugestão.

Bolsonaro, e muitos que o cercam são fissurados em teorias conspiratórias. Na reunião ministerial de 22 de abril passado, Bolsonaro queixou-se do aparelho de inteligência do governo que não o informava direito. Na última sexta-feira, ele criou o Centro de Inteligência Nacional, um novo órgão da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) comandada por um delegado da sua confiança.

Dentre outras atribuições, o Centro deverá planejar e executar atividades de inteligência destinadas “ao enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade” e implementar a “produção de inteligência corrente e a coleta estruturada de dados”. A ABIN começa a lembrar o Serviço Nacional de Inteligência (SNI) da época da ditadura militar de 64.

Rodrigo Maia garante uma boa noite de sono a Bolsonaro

Sem impeachment
Era tarde quando as mensagens de ministros e de amigos começaram a aparecer no celular de Jair Bolsonaro, e todas com a mesma informação: em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, acabara de dizer que arquivará os mais de 50 pedidos de abertura de processo de impeachment contra ele.

Razão do arquivamento: “Destes [pedidos] que estão colocados, eu não vejo nenhum tipo de crime atribuído ao presidente, de forma nenhuma”, explicou Maia. Cada um dos pedidos lista uma série de supostos crimes cometidos por Bolsonaro. O que Maia quis dizer é que nenhum deles lhe pareceu convincente e bem fundamentado. Irá arquivá-los antes do final deste ano.

Nem por isso Maia poupou Bolsonaro de críticas. Sobre o Covid-19, afirmou que Bolsonaro “errou na questão ao minimizar o impacto da pandemia, a questão da perda de vidas. Vamos chegar a 100 mil vidas perdidas. Ele minimizou, criou um falso conflito.” E baixou o pau na Lava Jato, que chamou de uma “operação política”. Elogiou Augusto Aras, Procurador-Geral da República.

“Os fatos mostraram que excessos ocorreram [na Lava Jato] e cabe ao procurador-geral, junto com a corregedoria e com o Conselho Nacional do Ministério Público, tomar decisões a respeito”, disse. “Acho que Aras está indo no caminho correto, organizar o processo para que esses excessos não se repitam mais no nosso país.” Bolsonaro e Aras tiveram uma boa noite de sono.


Ricardo Noblat: O truque de Aras para livrar Bolsonaro de ser processado por Dilma

Se depender de Augusto Aras, Procurador-Geral da República, a maneira mais segura de o presidente Jair Bolsonaro atacar seus desafetos políticos sem receio de ser processado é limitar-se a reproduzir o que disse no passado sobre eles, por mais ofensivo que seja o que tenha dito.

Há quase um ano, a ex-presidente Dilma Rousseff entrou no Supremo Tribunal Federal com uma queixa-crime contra Bolsonaro. Em vídeo postado na sua rede social em agosto último, Bolsonaro reproduziu um discurso que fizera na Câmara dos Deputados em 2014 no qual comparou Dilma a uma “cafetina”.

Cafetina é mulher dona de prostíbulo. Ou que agencia prostitutas mediante pagamento. Mulher de baixos sentimentos. Também chamada de madame, proxeneta. À época, Bolsonaro estava indignado com Dilma por conta da Comissão Nacional da Verdade, que investigara crimes cometidos pela ditadura militar de 64.

“Comparo a Comissão da Verdade, essa que está aí, com aquela cafetina, que ao querer escrever a sua biografia, escolheu sete prostitutas. E o relatório final das prostitutas era de que a cafetina deveria ser canonizada. Essa é a Comissão da Verdade de Dilma Rousseff”, afirmou Bolsonaro.

Por que se depender de Aras o Supremo arquivará a queixa-crime? Porque para ele, o comentário de Bolsonaro não foi feito durante seu mandato como presidente. E presidente da República não pode ser processado por atos anteriores à sua posse. Aras até admite que a conduta de Bolsonaro foi criminosa, mas…

Mas, nada! Para não se indispor com quem lhe presenteou com o cargo de Procurador-Geral da República, Aras preferiu basear-se na data da fala citada e não na data em que Bolsonaro reprisou a fala ofensiva a Dilma, compartilhando-a nas redes sociais quando já era presidente há oito meses. Truque jurídico vagabundo.

Caberá ao Supremo aceitar ou recusar o truque de Aras.


Ricardo Noblat: Livre expressão de pensamento, desde que a favor do governo

Mordaça
O direito à livre expressão de pensamento é sempre invocado pelo presidente Jair Bolsonaro toda vez que seus seguidores nas redes sociais sentem-se ameaçados ou tolhidos. Mas é bom saber que o que ele defende para sua gente não vale para os que possam criticá-lo. Nos últimos dias, acumula-se uma série de fatos de que o negócio é diferente para uso interno do governo.

O Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, segundo o GLOBO, prepara norma que permitirá ao governo processar servidores públicos pelo que eles publicarem nas redes sociais em sua vida privada. Minuta da norma diz que servidores e prestadores de serviços devem compreender “que suas atividades nas redes podem impactar a imagem da organização”.

O servidor público federal poderá ser processado desde que os atos ou comportamentos praticados nas redes guardem “relação direta ou indireta com o cargo que ocupa, com suas atribuições ou com a instituição à qual esteja vinculado”. Na mesma linha, a Controladoria Geral da República baixou uma norma em que defende a punição do servidor que critique o governo nas redes.

Se o fizer, de acordo com a norma, ele terá descumprido o “dever de lealdade”, uma vez que o que disse atingiu a imagem e feriu a credibilidade da instituição que integra. Em meados do mês passado, servidores do Ministério da Saúde foram obrigados a assinar um documento em que se tornam sujeitos à Lei de Segurança Nacional caso vazem informações sensíveis.

O ministro André Mendonça jura que não sabia que a Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça monitora 579 funcionários públicos federais da área de segurança que se declararam antifascistas nas redes sociais. Não soube explicar, ou então não lhe perguntaram, por que a secretaria não faz a mesma coisa com funcionários públicos federais fascistas.

Mendonça, bom de bico, enrolou, enrolou, e tentou sair de fininho: “Tomei conhecimento desse possível dossiê pela imprensa. […] É de rotina que se produzam relatórios para se prevenir situações que gerem insegurança para as pessoas, com potenciais de conflito, depredação, atos de violência contra o patrimônio público, então não é uma atividade que surgiu agora”.

Dito de outra maneira: liberdade de expressão para servidor público só a favor do governo. Contra, a porta da rua é a serventia da casa.

Vozes

De Lula a Ricardo Vélez

  • “Eu queria ver o Moro candidato. Queria ver ele em um debate. Convidei ele pra debater comigo e ele fugiu. Não tinha coragem de me olhar nos olhos nem quando vestia a toga. Imagina agora. Fez parte de um jogo sujo que acabou sujando a história do judiciário brasileiro”. (Lula)
  • “Eu preciso ajudar o povo brasileiro a entender do que se trata. Então vamos lá. Luciano Huck, por exemplo, também é um belo de um garoto, um belo apresentador de TV. O Tiririca é um belo de um palhaço, meu queridíssimo. Agora, [eles] tão prontos para serem presidente do Brasil? Esse é o requisito?” (Ciro Gomes)
  • “Decreto para evitar queimadas tem o mesmo efeito da cloroquina pra curar covid-19. Zero. No caso da Amazônia, o ‘médico’ não está nem um pouco preocupado com o paciente, a floresta”. (Carlos Rittl, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Potsdam, Alemanha.)
  • “O Brasil hoje tem 210 milhões de juízes. Já teve 100 milhões de técnicos, 150. Agora tem 200 milhões de juízes. Todo mundo quer julgar. Os analfabetos jornalistas que mal sabem versar uma palavra de Direito criticam decisões cujos fundamentos não leram”. (João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça)
  • “Bolsonaro me perguntou: ‘Professor Vélez, você teria faca nos dentes para combater a esquerda radical no ministério?’. Respondi: ‘Claro que sim, é o que faço nas universidades há 30 anos. Agora, se tiver a caneta na mão, completo o serviço'”. (Ricardo Vélez, ex-ministro da Educação, em livro de memórias)

Ricardo Noblat: No governo Bolsonaro, servidor público antifascista inspira cuidados

Por que será?
A Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça admitiu que monitora 579 funcionários públicos federais que se declararam antifascistas nas redes sociais. A intenção da medida, segundo a Secretaria, é “prevenir práticas ilegais” e garantir a segurança. Não especificou que “práticas ilegais” os antifascistas costumam cometer. E por que elas ameaçam a segurança.

Por sinal, segurança de quem? Das autoridades constituídas em geral? Do presidente da República em particular? Do Estado como um todo? Quem sabe do planeta, uma vez que as redes sociais aproximam as pessoas e é possível que existam antifascistas em toda parte? Por que ser antifascista é algo perigoso? Aos olhos de quem? Está escrito em que lei, norma ou portaria?

Providência similar não foi tomada pela mesma Secretaria contra funcionários públicos que se declararam fascistas nas redes sociais. É de supor-se, portanto, que esses não representam uma ameaça, quando nada ao governo do presidente Jair Bolsonaro. Ou vai ver que o serviço público está livre de fascistas. Ou que fascistas sejam mais prudentes e prefiram não se assumir como tal.

Resta outra hipótese: por razões ainda não suficientemente estudadas, os fascistas do serviço público e o governo Bolsonaro descobriram surpresos que compartilham os mesmos propósitos. Assim não haveria por que o Ministério da Justiça despender tempo e dinheiro vigiando-os. Para quê? Falam a mesma língua. Entendem-se bem. Os antifascistas é que devem se cuidar.

Nada de usarem as redes sociais para dizerem que são contra o fascismo, uma “ideologia política ultranacionalista e autoritária caracterizada por poder ditatorial, repressão da oposição por via da força e forte arregimentação da sociedade e da economia”. Nada de assinarem manifestos condenando outras ideologias que guardem alguma semelhança com o fascismo.

Os celulares já não inspiram confiança e a escuta se faz, hoje, a longas distâncias. Seu melhor amigo pode delatá-lo amanhã. Evitem estranhos. Evitem jogar conversa fora. Conversas cifradas podem facilmente ser decifradas. Vejam se não estão sendo seguidos. Aproveitem esses tempos de pandemia e usem máscara até que tudo isso passe. Com fé em Deus e no voto, vai passar.

Vozes

Pandemia em discussão

  • “Há consenso entre os especialistas de que poderíamos ter tido outro manejo da crise, de que pudéssemos ter reduzido significativamente os danos causados pela pandemia”. (Gilmar Mendes, ministro do STF, sobre a proximidade da marca dos 100 mil mortos pelo Covid-19 no Brasil)
  • “O Sistema Único de Saúde, SUS, foi silenciado com uma ocupação militar [no ministério]. Deixamos de ter uma gestão em saúde para ter uma ocupação por quem quer promoção na carreira militar”. (Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde)
  • “Se fala muito sobre a vacina da covid-19. Entramos no consórcio de Oxford, e tudo indica que ela vai dar certo e 100 milhões de unidades chegarão para nós. Não é daquele outro país, não. Tá ok, pessoal?” (Jair Bolsonaro, em critica indireta à vacina chinesa contra o vírus)
  • “A discussão não é se é CPMF ou micro-imposto digital. Daqui a pouco vão inventar um nome em inglês para ficar mais bonito, para que a sociedade aceite mais impostos”. (Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados)
  • “É incompreensível discutir essas coisas quando temnos próxima uma crise apocalíptica, envolvendo emprego, problemas fiscais, quebradeira de empresas. O mundo está lidando com o assunto e, nós, nos divertindo com projetos de reforma tributária”. (Everaldo Maciel, ex-Secretário da Receita Federal)

Ricardo Noblat: Autorizado por Bolsonaro, Augusto Aras tenta emparedar a Lava Jato

A tudo assistem os militares, impassíveis

Às escâncaras, não, porque seria arriscado e pegaria mal. Mas em conversas cifradas ao telefone, ou na privacidade dos gabinetes no Congresso ainda frequentados por alguns em plena pandemia, políticos de várias tendências comemoram com discrição a ofensiva da Procuradoria-Geral da República contra a Lava Jato.

Quem diria, hein? Quem diria que o candidato a presidente da República que mais se beneficiou do combate à corrupção, logo ele seria o responsável indireto pela saia mais justa aplicada à Lava Jato desde o seu nascimento em 2014, a poucos meses das eleições gerais daquele ano, as últimas a serem vencidas pelo PT?

Augusto Aras, na prática, tem se comportado menos como Procurador-Geral da República, e mais, muito mais como procurador de Bolsonaro. É a ele que deve o cargo que seus colegas jamais lhe dariam. Aras não procuraria motivos para pôr em xeque a Lava Jato sem a prévia autorização do presidente.

Procuraria se Sérgio Moro ainda fosse o ministro da Justiça indemissível como pareceu um dia? Da Operação Mãos Limpas, na Itália, emergiu o governo de extrema-direita de Berlusconi, um empresário riquíssimo e corrupto. Da Lava Jato, o governo de extrema-direita de Bolsonaro, parceiro de milicianos.

Berlusconi tentou cooptar para servi-lo como ministros os dois juízes que encabeçaram a Operação Mãos Limpas, mas eles se recusaram. Sem constrangimento, Moro deixou-se cooptar, inebriado pelo sucesso. Acreditou na promessa de Bolsonaro de que seria promovido a ministro do Supremo Tribunal Federal.

Acabou usado por Bolsonaro, como disse outro dia, e deixou-se usar, como nunca dirá, para fortalecer a impressão de que este seria um governo com gosto de sangue na boca e decidido a pôr um freio na corrupção. Aí os filhos Zero caíram nas malhas da Justiça. Aí Bolsonaro quis intervir na Polícia Federal. Ai Queiroz…

Quando Queiroz foi preso em uma das casas do advogado da família Bolsonaro, Moro havia tascado fora. Hoje, aposentado, resta-lhe sonhar em ser candidato a presidente em 2022. Ou a governador do seu Estado. Ou a Senador, deputado federal, sabe-se lá. Fez pior negócio de sua vida e corre atrás do prejuízo.

A operação de desmanche da Lava-Jato deixa satisfeitos os políticos ficha suja, os que já pecaram e os que se animam a pecar. Reforça, por tabela, a ainda capenga base de apoio ao governo no Congresso que se sente protegida. Mas, em contrapartida, deixa mal os militares dentro ou fora do governo.

Recorde-se que eles gozam da fama de serem ferozes inimigos da corrupção. Exaltaram a Lava Jato por todos os meios ao seu alcance e homenagearam Moro com todas as medalhas em estoque no almoxarifado das Forças Armadas. E, no entanto, assistem impassíveis à tentativa de destruição de sua obra.

A vida tem lá dessas coisas. Selva!

Representante do Ministério da Saúde em Pernambuco é do balacobaco

Amigos para sempre
Ela chama o hotel Copacabana Palace de sua casa no Rio de Janeiro, e ali já posou para fotos muito à vontade. Refere-se à Itália como o país dos seus sonhos que visita com frequência.

Ama de paixão maquiar-se, ir a festas da alta sociedade do Recife e vestir-se com roupas de grifes, de preferência as mais caras. Seus críticos dizem que em certas ocasiões ela ostenta em demasia.

Uma amiga da praia de Boa Viagem, que a admira e inveja, cita em sua defesa um colunista social que já morreu: “Os cães ladram e a caravana passa”. E pergunta: “Como era mesmo o nome dele?”

Ibrahim Sued, o pai do moderno colunismo social brasileiro, que em sua coluna, publicada durante 41 anos no GLOBO, criou e absorveu termos que entraram para o vocabulário popular.

Paula Amorim, de idade incerta, não é uma pantera, nem mesmo uma locomotiva, mas costuma estar onde possa ser vista e reconhecida como uma mulher atraente e simpática.

Não é uma mulher evento. Recife já teve os “Irmãos Eventos”, eram dois, que não perdiam uma festa, um coquetel, uma exposição, enfim uma boca livre, fossem convidados ou não.

Curadora da própria imagem, Paula vai de leve. O que não a impede de, em certas ocasiões, roubar a cena. Tornou-se inesquecível sua aparição no velório do governador Eduardo Campos.

Em sociedade, tudo se sabe. Tanto mais em cidade de muro baixo. O velório foi no Palácio do Campo das Princesas. Então candidato a presidente da República, Campos morreu na queda de um avião.

De repente, entrou no palácio aquela mulher elegantemente trajada toda de preto. Pelo menos duas coisas a destacavam, além da expressão compungida: a altura dos saltos e o chapéu.

Não era qualquer chapéu – embora nenhuma das mulheres que por ali circulou tivesse sido vista usando um. Era “o chapéu”, enorme, desses que aparecem em filmes sobre enterros de gente rica.

Seria exagero dizer que, por um momento apenas, ela tenha eclipsado o morto. Mas eclipsou as demais mulheres presentes, sim. O alvoroço entre os políticos foi notado.

Cunhada do ex-deputado federal João Fernando Coutinho, presidente estadual do PROS, irmã de um militar que já foi segurança da primeira-dama Marcela Temer, Paula é solteira.

Aos que privam da sua intimidade, ela conta que sua renda decorre basicamente da compra de joias penhoradas pela Caixa Econômica que ela revende a uma clientela especial.

Há meses que se ouvia em Brasília que uma pernambucana era muito influente no Ministério da Saúde. Bingo! Paula foi nomeada representante do ministério em Pernambuco.

Sem experiência em Saúde ou gestão pública, ela é amiga há mais de 30 anos do general Eduardo Pazuello, o ministro interino. Substituirá uma enfermeira. Ganhará 10 mil reais por mês.

Segundo a assessoria de Pazuello, ele e Paula foram apresentados “por conhecidos em comum”, e a nomeação se baseou na “relação de confiança e amizade” entre ambos.

Está bem. É suficiente. Gigi chegou lá. Ademã. Vamos em frente.


Ricardo Noblat: O congestionamento de candidatos do centro poderá marcar a eleição

A esquerda agradece. Bolsonaro se preocupa

No primeiro momento, a saída do DEM e do MDB do conglomerado de partidos conhecido pela alcunha de Centrão tem a ver com a eleição do próximo presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro do próximo ano.

Indica que DEM e MDB pretendem formar um bloco junto com o PSDB e partidos de oposição ao governo para eleger o sucessor de Rodrigo Maia. Ou reeleger Maia, caso se aprove uma emenda à Constituição para tornar possível o que hoje não é.

O Centrão aliou-se ao governo atraído pela oferta de cargos, liberação de dinheiros e outras sinecuras que o presidente Jair Bolsonaro dizia antes abominar. Conversa para enganar eleitor. Bolsonaro já foi filiado a quase todos os partidos do Centrão.

Está interessado, agora, em valer-se dos votos do Centrão para barrar a abertura de um processo de impeachment contra ele, aprovar projetos do governo e pôr no lugar de Maia um presidente da Câmara mais confiável. Foi aí que o bicho pegou.

Num segundo momento, o racha do Centrão tem a ver com a sucessão do próprio Bolsonaro. É remota a possibilidade do DEM e do MDB apoiarem a reeleição do presidente. É mais do que provável que se unam ao PSDB para bancar outro nome.

O governador João Doria (PSDB), de São Paulo, quer ser esse nome. O combate à pandemia do coronavírus ofereceu-lhe a oportunidade de se apresentar como um candidato de centro-direita capaz de enfrentar Bolsonaro daqui a dois anos.

A eleição presidencial de 2022 poderá assistir a um congestionamento de candidatos do centro – Doria, Sergio Moro, Ciro Gomes que parece caminhar nessa direção, e quem mais aparecer. O PT agradece desde já. Bolsonaro se preocupa.

Quanto aos partidos do Centrão de raiz, para esses tanto faz como tanto fez. O imediato é o que importa. De resto, são sensíveis à direção dos ventos. Sabem tirar vantagem de tudo. E, ao fim e ao cabo, sempre estarão com o governo, qualquer um.

A boiada de Ricardo Salles passou sobre a política ambiental

Bolsonaro deu ouvidos ao ministro
Resta comprovado que o presidente Jair Bolsonaro seguiu o conselho de Ricardo Salles, seu ministro do Meio Ambiente, e aproveitou os meses iniciais da pandemia do coronavírus para reforçar os maus tratos à natureza, marca do seu governo até aqui.

Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o Instituto Talanoa mostra que, entre março e maio deste ano, o governo publicou 195 atos no Diário Oficial, todos ligados ao tema ambiental. Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16.

Na reunião ministerial de 22 de abril último, Salles sugeriu a Bolsonaro que aproveitasse o momento em que a imprensa estava ocupada com a pandemia para “passar a boiada”, mudando “todo o regramento e simplificando normas” na área do meio ambiente.

E foi isso o que Bolsonaro autorizou que se fizesse como aponta a análise inicial das principais portarias, instruções normativas, decretos e outras normas baixadas ou alteradas. O processo de desmonte das políticas ambientais ganhou celeridade.

A instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, criou uma brecha para facilitar a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.

A portaria 432/2020 permitiu ao ICMBio centralizar a gestão de duas unidades de conservação em Roraima, cancelando a criação de mais duas bases avançadas. Ali, há registros recentes de invasão de garimpeiros e de aumento da derrubada de árvores.

Os defensores do meio ambiente estão furiosos com o que aconteceu. E com razão.