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Ricardo Noblat: O que o futuro reserva para o presidente Jair Bolsonaro

No meio do caminho tem uma pedra – a economia

E o pior para o presidente Jair Bolsonaro ainda está por chegar. Como, sem partido, ele poderia sair-se bem das eleições que terminaram ontem? Nunca antes na história dos últimos 50 anos um presidente da República, mal começou a governar, abandonou o partido pelo qual se elegeu e ficou sem nenhum.

Bolsonaro perdeu feio no primeiro turno, e mesmo tendo apostado em poucos nomes no segundo turno, perdeu feio do mesmo modo. Conseguiu ser amplamente derrotado no seu berço político, o Rio de Janeiro. Só tem a comemorar a eleição do prefeito de Vitória, que é mais conservador do que propriamente bolsonarista.

Os discursos de vitória de Bruno Covas (PSDB), prefeito reeleito de São Paulo, e de Eduardo Paes (DEM) que volta a governar a cidade do Rio, apontaram na direção de uma frente de partidos do centro para tentar derrotar Bolsonaro daqui a dois anos. O PT conseguiu a proeza de eleger menos prefeitos e vereadores do que em 2016.

A próxima batalha a ser perdida por Bolsonaro é da eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados. Ele já trabalha a favor do deputado Arthur Lira (PP-AL), do Centrão, que diz contar ali com 200 dos 513 votos possíveis. DEM, PSDB, MDB e os demais partidos de esquerda deverão juntar-se em apoio a outro nome.

No fim de dezembro, expira o pagamento do auxílio emergencial para os brasileiros mais pobres atingidos pelos efeitos do Covid-19. Falta dinheiro ao governo para prorrogá-lo. O auxílio impediu que a popularidade de Bolsonaro medida pelos institutos de pesquisa sofresse uma queda abrupta. Sem ele, como será?

Em palestra virtual na semana passada para um grupo de empresários reunidos pela Associação Comercial de São Paulo, Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, traçou um quadro assustador da economia brasileira a partir de 2021. Segundo ele, o desemprego poderá bater na casa dos 21%.

Pastore afirmou que a crise que só tende a se agravar alimenta-se da combinação perversa de vários fatores – e citou dois deles. O primeiro: a fragilidade técnica da equipe liderada pelo ministro Paulo Guedes, da Economia. O segundo: o comportamento político errático de Bolsonaro que gera insegurança.

As eleições de 2022 girarão em torno da economia, da situação em que ela se encontre, do que Bolsonaro prometeu entregar e não entregou, e, naturalmente, do seu desempenho no combate à pandemia. Se for candidato à reeleição, é previsível que dispute o segundo turno. Mas tudo conspira para que perca.


Ricardo Noblat: Onde o coronavírus pode decidir quem será eleito hoje

Em algumas cidades, já decidiu

O recrudescimento da pandemia que no Brasil já matou quase 173 mil pessoas de março último para cá, infectando mais de 6.290.160, e o medo que isso provoca em pessoas dos grupos de risco e também nos jovens podem definir quem se elegerá prefeito em muitas das 57 cidades que irão hoje às urnas.

Em algumas delas, o vírus já votou e decidiu. É o caso de Manaus onde Amazonino Mendes (PODEMOS), três vezes prefeito da cidade, três vezes governador do Estado, deverá ser derrotado por David Almeida (Avante). Amazonino tem 81 anos de idade e uma saúde frágil que quase o impediu de fazer campanha.

O vírus já votou e decidiu que Manguito Vilela (MDB) será o próximo prefeito de Goiânia. Ex-governador de Goiás, em agosto passado ele perdeu duas irmãs para a Covid-19. Contraiu a doença e está internado em São Paulo desde o final de outubro. Entubado, não sabe que venceu o primeiro turno e que vencerá o segundo.

Pesquisas de intenção de voto divulgadas ontem apontaram Bruno Covas (PSDB) como o favorito para governar a capital de São Paulo. Guilherme Boulos (PSOL) sequer votará porque testou positivo para o vírus. Mas Covas teme a abstenção de eleitores idosos que em grande número declaram sua preferência por ele.

De fato, o vírus jogará um papel importante nos lugares onde as disputas serão as mais renhidas. Porto Alegre, Vitória e Recife estão entre elas. Ali, os números registram empate técnico. E mesmo pesquisas de boca de urna que ouvem os eleitores depois de votarem podem não conseguir antecipar os resultados.

Manuela d’ Ávila (PC do B) ficou em segundo lugar no primeiro turno. Virou o jogo e ultrapassou Sebastião Melo (MDB) por uma diferença de dois pontos – 51% a 49%. Melo é mais forte entre os eleitores idosos, ela entre os mais jovens. A abstenção promete ser grande em Porto Alegre. Quem mais se absterá?

O Ibope dá como empatada a eleição para prefeito de Vitória travada por Delegado Pazolini (Republicanos) e João Coser (PT). Mas dois respeitáveis institutos de pesquisa do Espírito Santo dão Pazolini na frente. O Ibope não mediu os efeitos do debate entre os dois da sexta-feira passada quando Pazolini saiu-se melhor.

Recife é palco da batalha mais original e talvez a mais eletrizante de sua história desde que, há 20 anos, bateram-se Roberto Magalhães (PFL, hoje DEM) e João Paulo (PT). Magalhães só não venceu no primeiro turno porque lhe faltaram pouco mais de 0,5% dos votos. Por essa mesma margem, acabou derrotado no segundo.

Marília Arraes (PT) é prima de João Campos (PSB) – ela, neta do ex-governador Miguel Arraes, ele, bisneto e filho do ex-governador Eduardo Campos. João teve mais votos do que Marília no primeiro turno, mas no segundo ela abriu mais de 6 pontos de vantagem. Ibope e Datafolha, agora, dão 50% dos votos para cada um.

A ação do vírus favorecerá um ou outro. O antipetismo pode ajudar a derrotar Marília, e a fadiga com o PSB, que governa Pernambuco há 14 anos, pode ajudar a derrotar João.


Ricardo Noblat: Tal pai, tal filho. Ou a arte dos Bolsonaros de negar o inegável

Quem puxa a quem

Como Jair Bolsonaro veio primeiro ao mundo e também à política, é de supor que seus três filhos zero tenham aprendido com ele a negar o inegável. Dito de outra maneira: a mentir.

Mas seria injusto não reconhecer que o pai também aprendeu com os filhos, principalmente com o mais ardiloso deles que o guia nas redes sociais – o vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois.

Ontem pela manhã, Carlos valeu-se de sua conta no Twitter para culpar a “mídia” por mentir ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro anunciara o fim da Lava Jato. Ele escreveu:

“Mas segundo as antas e outros bichos a lava-jato não ia acabar? Toda semana o mesmo papo furado e grande parte da imprensa mentindo sem qualquer pudor!”

Referia-se a uma nova operação da Lava Jato. esqueceu, ou fingiu esquecer, que seu pai, no dia 7 de outubro último, em cerimônia no Palácio do Planalto, afirmou:

“É um orgulho, uma satisfação que tenho ao dizer a essa imprensa maravilhosa que não quero acabar com a Lava Jato. Acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo”.

Se apenas foi irônico, pouco importa. Ele disse. Está gravado. Como gravado está para a posteridade que Bolsonaro também afirmou o que ontem à noite teve a cara de pau de negar.

Na live semanal das quintas-feiras no Facebook, ele negou que alguma vez tenha comparado a pandemia do Covid-19 com “uma gripezinha”. Falou em “gripezinha” em mais de uma ocasião.

Ao contrário do pai, Carlos consegue muitas vezes ser engraçado, irônico e ferino quando ataca seus desafetos, ou desafetos do presidente. Ultimamente, quando bate em João Doria.

“O cara feia com gravata borrada, aquele que não engana ninguém, continua sujando babadores com seus alinhados. Prudência, sofisticação, calça encravada, socialismo e liberdade!”

Ou então quando atira a esmo.

“Qualquer matéria dos blogueiros gargantas profundas começam com um tema Y e terminam com Bolsonaro. A internet revolucionou a informação e o gasto com papel higiênico!”

Mas vai e volta e revela sua obsessão por teorias conspiratórias.

“Ao que tudo indica, os atos preparatórios para uma nova tentativa de assassinato contra o Presidente continuam… até hoje também não sabemos quem mandou matar @jairbolsonaro”.

Vazamento de dados sigilosos prova que o Brasil é uma peneira

Na internet, o histórico médico de Bolsonaro e de 16 milhões de vítimas do coronavírus

Quer ironia mais perversa? O maior vazamento de dados sigilosos na história do Brasil ocorreu durante o governo de um ex-capitão aterrorizado com a hipótese de o país vir a ser espionado pela China caso ela vença a concorrência para fornecer a tecnologia 5G que aumentará a velocidade de acesso à internet.

Ao menos 16 milhões de brasileiros, o equivalente à soma das populações de São Paulo, Brasília e Maceió, com diagnóstico suspeito ou confirmado de Covid-19, tiveram seus dados pessoais e médicos expostos na internet durante quase um mês devido a um vazamento de senhas de sistemas do Ministério da Saúde.

O ex-capitão é fissurado por informações – dos outros, naturalmente. Seu governo é povoado por militares que padecem da mesma fissura. Pois bem: a ficha médica do ex-capitão, a da mulher dele e a do ministro da Saúde, esse um general especialista em logística, estão entre as 16 milhões que se tornaram públicas.

Fora as fichas de outros seis ministros de Estado, as de 16 governadores e as dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, segundo o jornal O Estado de São Paulo. Não ceda à tentação de pensar que a exposição de dados foi causada por ataque de hackers ou por falhas de segurança do sistema.

Os dados foram abertos para consulta após um funcionário do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, divulgar uma lista com usuários e senhas que davam acesso aos bancos de dados de pessoas testadas, diagnosticadas e internadas por covid nos 27 Estados. O hospital tem acesso aos dados do Ministério da Saúde.

Com as senhas, era possível acessar os registros de Covid-19 lançados em dois sistemas: o E-SUS-VE, no qual são notificados casos suspeitos e confirmados da doença com sintomas leves ou moderados, e o Sivep-Gripe, em que são registradas todas as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave.

Os bancos de dados do ministério trazem, “além das informações pessoais dos pacientes, detalhes considerados confidenciais sobre o histórico clínico, como a existência de doenças ou condições pré-existentes, entre elas diabete, problemas cardíacos, câncer e HIV”. E também a lista de remédios usados durante a hospitalização.

Tais informações, segundo o advogado Juliano Madalena, professor de Direito Digital, ouvido pelo jornal, são ouro puro para “empresas do ramo que queiram criar produtos específicos voltados para determinado público, para empresas de seguro de vida e planos de saúde que poderão usá-las de forma até indevida”.

O Hospital Albert Einstein demitiu seu funcionário responsável pelo vazamento. O Ministério da Saúde disse que vai apurar o caso com rigor. Diplomatas chineses nada comentaram a respeito, mas é razoável supor que tenham achado muita graça. O ex-capitão presidente quer se alinhar aos Estados Unidos contra o 5G chinês.

Em 7 de julho de 2013, o jornal O GLOBO publicou extensa reportagem com a denúncia de que a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) espionara “nas últimas décadas cidadãos e empresas brasileiras”. Telefonemas e e-mails “foram rastreados por meio de programas utilizados pela agência”.

O Brasil aparecia com destaque em mapas da NSA “como alvo importante no tráfego de telefonia e dados ao lado de países como a China, Rússia, Irã e Paquistão”. Em Brasília, pelo menos até 2002, funcionou uma das 16 bases de espionagem “nas quais agentes da NSA trabalhavam em conjunto com agentes da CIA”.

Para escutar conversas por aqui e bisbilhotar o que se escreve em computadores, o governo americano não depende da incúria de um funcionário de hospital, nem de sistemas de dados desprotegidos. Dispõe de satélites que capturam tudo o que lhe interessa. O 5G, para ele, é apenas um negócio que quer ganhar.


Ricardo Noblat: [Des] governo de Bolsonaro ignora o vírus, Biden e a China

À caça de novos conflitos

Uma vez que desistiu, não se sabe por quanto tempo, de bater de frente com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro, que só vive à base de conflitos, saiu à procura de novos alvos. E, no momento, elegeu pelo menos três de grande porte: a pandemia, o futuro governo Joe Biden e a China.

Uma segunda onda, ou o recrudescimento da primeira, bate às portas do país segundo todos os indicadores conhecidos até agora. E o que faz o [des] governo? Por ora, nada. Estoca quase 7 milhões de kits de testes do Covid-19 por ser incapaz de distribuí-los com os Estados. Ou simplesmente porque não quer distribuir.

Arrasta-se no processo de compra de vacinas suficientes para imunizar toda a população do país. Persiste em discriminar a vacina chinesa que será produzida pelo Instituto Butantã, em São Paulo, Estado governado por seu arqui-inimigo João Doria (PSDB). E sequer tem um plano para a vacinação em massa.

Joe Biden, candidato do Partido Democrata, foi eleito presidente dos Estados Unidos há duas semanas. Estados onde ele venceu recontaram os votos e confirmaram sua vitória. Donald Trump, o tutor de Bolsonaro, ordenou o início da transição de governo. Nem assim, Bolsonaro cumprimentou Biden até hoje.

Difícil imaginar que os filhos Zero de Bolsonaro ajam à revelia do pai. Jamais ousariam desafiar um patriarca tão mão de ferro, e que os educou para que obedecessem às suas ordens. Carlos, o Zero Dois, quando foi para cima do general Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo, tinha sinal verde do pai.

Eduardo, o Zero Três, teve o aval para escrever no Twitter que a adesão do Brasil ao programa Clean Netwok, dos Estados Unidos, sobre a tecnologia 5G, reforça a “aliança global por um 5G seguro, sem espionagem da China”. Verdade que Eduardo apagou o que havia escrito 24 horas depois, mas aí já era tarde.

Em uma longa e dura nota oficial, a embaixada da China no Brasil acusou Eduardo e “algumas personalidades” de produzirem “uma série de declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil”.

E disse também: “Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da direita americana e cessar as desinformações e calúnias sobre a China. […] Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil.”

A China é o maior parceiro comercial do Brasil no mundo. O tal programa americano citado por Eduardo quer convencer governos estrangeiros a somente permitir em suas redes 5G equipamentos de fornecedores não chineses. As principais empresas brasileiras já usam tecnologia chinesa em suas redes 4G.

O que Bolsonaro pensa ganhar com o avanço da Covid-19, a falta de cortesia com Biden e a hostilidade à China? Votos o bastante para se reeleger em 2022? É apostar que um raio é capaz de cair duas vezes num mesmo lugar. As chances disso acontecer são desprezíveis.


Ricardo Noblat: Ganha emoção a disputa entre Covas e Boulos em São Paulo

Diminui a diferença entre os dois

Bruno Covas (PSDB) ficou onde estava sem perder um único ponto percentual no total das intenções de voto na nova pesquisa Datafolha para prefeito de São Paulo no segundo turno cujos resultados foram divulgados na madrugada de hoje.

Foi Guilherme Boulos (PSOL) que cresceu, reduzindo a vantagem de Covas medida na pesquisa da semana passada. Cresceu em cima de parte dos eleitores que pretendiam votar em branco, anular o voto ou que se diziam indecisos quanto a apoiá-lo.

Se antes 18 pontos separavam os dois ao se computar apenas os votos válidos, excluídos os brancos, nulos e indecisos, agora são 10. Significa que Boulos precisará tomar de Covas 5 pontos de votos válidos para chegar empatado com ele no domingo.

É possível? Sim, fácil não é. Aumentou a certeza dos eleitores: agora são 86% os que dizem que igualmente votarão em Covas ou em Boulos. Entre os 14% que admitem mudar de idéia, 52% afirmam que migrariam para o voto nulo ou em branco.

O avanço de Boulos se deu principalmente entre os eleitores mais jovens e que revelam maior disposição para votar no domingo. A grande maioria dos eleitores mais velhos está com Covas, embora os efeitos da pandemia possam reter uma parte em casa.

Se houver um voto de protesto por conta do assassinato de João Alberto no Carrefour de Porto Alegre, Boulos se beneficiará disso. Entre os que se apresentam como pretos ouvidos pelo Datafolha, ele cresceu oito pontos percentuais no total das intenções de voto.

Em resumo: tudo pode acontecer nessa reta final de campanha, inclusive nada.


Ricardo Noblat: Em cena, o jogo sujo dos candidatos ameaçados de perder a eleição

Propaganda negativa para destruir os adversários

É assim por toda parte, aqui e no exterior, quando o fantasma da derrota bate à porta dos candidatos na reta final da campanha. Eles apelam para qualquer coisa, de preferência a mentira, como derradeira arma para impedir a vitória dos adversários.

A seis dias do segundo turno, a disputa em São Paulo parece uma guerra travada por monges piedosos desprovidos de armas letais se comparada com o que ocorre de maneira particularmente dura em pelo menos duas capitais: Rio e Recife.

Campeão nacional de rejeição entre os candidatos a prefeito das maiores cidades do país, Marcelo Crivella (Republicanos) mandou distribuir no fim de semana 1,5 milhão de panfletos impressos em uma gráfica do Rio com pesadas acusações a Eduardo Paes (DEM).

Acusações que, de fato, não passam de fake news. Crivella diz que Paes é a favor da legalização do aborto, da liberação do consumo de drogas e do uso do “kit gay” para educar alunos da rede municipal. “Kit gay” foi invenção de Bolsonaro na eleição de 2018.

A mais recente pesquisa Datafolha conferiu a Paes 71% das intenções de voto contra 29% de Crivella. Só entre os evangélicos, Crivella, bispo da Igreja Universal, ainda vence Paes. O apoio de Bolsonaro será incapaz de salvá-lo de uma derrota humilhante.

Nada indica que uma derrota por diferença gigantesca esteja no radar de qualquer dos candidatos a prefeito do Recife que restaram no páreo – João Campos (PSB), bisneto de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes, e Marília (PT), neta.

Mas Campos, herdeiro do pai Eduardo, que governou o Estado e morreu em um acidente aéreo em 2014 quando concorria à presidência da República, foi ultrapassado pela prima nas pesquisas e 10 pontos percentuais separam os dois.

A luz vermelha acendeu para Campos. E a saída encontrada por estrategistas de sua campanha foi desqualificar Marília. Na propaganda de televisão, ela foi acusada de ser contra a Bíblia. Em panfletos apócrifos, de ser pau mandado do PT.

A justiça proibiu Campos de questionar a religiosidade de Marília, católica, e que ontem ganhou o apoio de 13 igrejas evangélicas. Quanto à suposta subserviência de Marília ao PT, nada fez nem poderia fazer. É uma acusação política. Ela que se defenda.

O antipetismo no Recife é forte, e nisso Campos joga sua última cartada. Acontece que ele e o PSB sempre foram aliados do PT. Estiveram juntos na campanha por Lula livre e Fernando Haddad presidente. Juntos, ainda governam Pernambuco.

Do primeiro para o segundo turno, Campos não conquistou novos apoios e viu Marília crescer no eleitorado que votou nos candidatos da direita – Mendonça Filho (DEM) e a Delegada Patrícia Amorim (PODEMOS), avalizada por Bolsonaro em live no Facebook.

Esta semana, 3 pesquisas de intenção de voto darão uma ideia de como vai o humor dos recifenses. Ou Marília ampliará a vantagem sobre Campos ou assistiremos, domingo, a uma apuração dramática de votos. A primeira hipótese parece mais provável.

No combate à Covid-19, um novo desastre se anuncia

Imunização parcial

Enquanto o Ministério da Saúde se cala, e os especialistas no assunto discutem se esta ainda é a primeira ou o começo da segunda onda, só no Estado do Rio de Janeiro, em comparação com duas semanas atrás, houve um aumento de 112% na média móvel de casos e de 153% na de mortos pelo coronavírus.

Pelo sexto dia consecutivo, a doença avança no Rio. Desde março passado, ali foram infectadas 338.263 pessoas, e mortas 21.974. No país, segundo números de ontem, o vírus já infectou 6.070.419 de pessoas, matando 169.197. Ele ganhou fôlego um pouco em toda parte com o relaxamento das medidas de isolamento.

A levar-se em conta o desempenho desastroso do governo federal no combate à pandemia, o próximo desastre ganha contornos nítidos. Um total de 6,86 milhões de testes para o diagnóstico do vírus comprados pelo Ministério da Saúde perde a validade até janeiro. Estão estocados num armazém em Guarulhos, São Paulo.

O ministério informou que assinará em breve “cartas de intenção não-vinculantes” para a compra de vacinas produzidas pela Pfizer, Janssen, Bharat Biotech, Fundo Russo de Investimento Direto (responsável pela Sputinik V) e Moderna. Não citou a Coronavac, a vacina chinesa aqui produzida pelo Instituto Butantã.

O general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, quer evitar colidir outra vez com o presidente Jair Bolsonaro que deu as costas à vacina chinesa porque ela será adotada pelo governo de São Paulo. Bolsonaro elegeu o governador João Dória (PSDB) como seu principal adversário nas eleições de 2022.

O governo federal diz haver previsão de acesso a 142,9 milhões de doses pelos contratos já firmados, o que garantiria a imunização de cerca de 30% da população brasileira. A imunização de toda a população dos Estados Unidos e dos principais países da Europa já foi garantida por seus respectivos governos.


Ricardo Noblat: Exortação à brava gente brasileira

Longe vá temor servil

Racismo não existe. Tampouco desmatamento da Amazônia e, nesse caso, embaixadores de países europeus puderam conferir ao vivo. Pantanal em chamas? Que é isso? Começou a chover por lá. Quanto à pandemia, não passou de exagero da Organização Mundial de Saúde. Foi uma gripezinha. Só os mais fracos, que mais dia, menos dia, morreriam, de fato morreram.

E antes de dar por findo o rol de fake news criadas pelos verdadeiros inimigos do Brasil – sim, os extremistas de esquerda -, acrescente-se que ditadura militar, por aqui, nunca houve. Nem assassinatos de inimigos de um regime que, no limite, pode ser chamado de autoritário. Necessariamente forte na época em que o comunismo ameaçava a civilização ocidental e cristã.

Resta desmentir o apagão que deixou às escuras 13 dos 16 municípios do Amapá esquecido durante 14 anos pelos governos do PT e de Michel Temer. Exagero chamar de apagão o que ocorreu por lá. Um raio queimou duas subestações de energia. Quem pode prever um raio e o local onde ele vai cair? De imediato, o governo federal tomou as providências cabíveis.

Diga-se que o governo federal nada teria a ver com isso. A responsabilidade é do governo local. Mas o presidente da República não ficaria de braços cruzados enquanto uma fatia dos brasileiros enfrentasse dificuldades mesmo que temporárias. Em breve, a luz voltará a iluminar o Amapá. E as vozes isoladas que, ontem, hostilizaram o presidente se calarão arrependidas.

O país está em ordem. Reina a paz. E dará em nada a tentativa em curso de importar o vírus da segregação social para se jogar irmãos contra irmãos só porque dois policiais mal treinados mataram sem querer uma pessoa de cor. Somos todos daltônicos, e assim deveremos ser. As cores que enxergamos são o verde e o amarelo. Nossa bandeira jamais será vermelha. Deus acima de tudo!


Cristovam Buarque: Dúzia de Trumps

Partidos sem estratégia para o Brasil

Na mesma semana em que Donald Trump afirmou sua vitória contra Biden, dirigentes do PT comemoraram vitória nacional do partido nas eleições municipais. Sofrem da mesma doença: o negacionismo. Mas não são os únicos. Nos mesmos dias, outros comemoraram o fim do PT, negando duplamente a realidade: primeiro, porque este partido tem uma base sólida, está longe de acabar; segundo, porque estes que comemoram a derrota do PT, não têm vitória a comemorar, ao negar a verdadeira dimensão de nossa crise de falta de coesão e rumo, e não terem alternativa para o futuro do país.

O PSOL que se apresenta como vencedor sobre o PT e os partidos conservadores, é uma simpática novidade no nome e na sigla, mas não traz novo rumo para um Brasil sintonizado com o futuro: eficiente na economia, justo na sociedade e sustentável na natureza. Tem a mesma matriz ideológica do PT, sem o ônus de ter passado pelo poder. É a mesma concepção negando as mudanças que ocorrem na civilização industrial: os limites ecológicos ao crescimento, o esgotamento fiscal do Estado, o reacionarismo do corporativismo, a globalização, a instantaneidade nas comunicações, a elitização das classes trabalhadoras do setor formal, a mudança no perfil da pirâmide etária, a robotização e a inteligência artificial. A vitória fez bem ao cenário nacional do presente, mas não aponta uma esperança para o futuro.

Na direita, os que comemoram a vitória são responsáveis, juntos com os democratas-progressistas, pelo Brasil com dramáticos e vergonhosos indicadores sociais, com uma economia ineficiente, sem competitividade, nem inovação, salvo no mesmo setor de 500 anos atrás, agricultura e mineração.

Nenhum dos vitoriosos, na direita ou na esquerda, tem projeto estratégico para o país. Negam responsabilidade nas décadas de atraso e de injustiça, sem vigor transformador, sem olhar para o futuro; imaginando que basta arrumar a sociedade atendendo aos interesses corporativos e identitários, graças a recursos ilimitados do Estado. Negam a realidade e acreditam em mágica. Os centros comemoram vitória sem perceber que são muitos e sem propostas, divididos entre uma parte que quer aderir e outra que quer derrotar o governo.

Não estão vendo a realidade: o estancamento econômico, o tamanho da tragédia social, nem o vazio de propostas para o futuro. Uma dúzia de Trumps.

*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador


Ricardo Noblat: A segregação, no Brasil, é social, racial e dissimulada

O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, casado, pai de quatro filhos e negro

Subiu o preço das ações do Carrefour no fechamento da Bolsa de Valores de São Paulo. O motivo, segundo analistas do mercado financeiro: os maiores fornecedores de produtos da rede de supermercados não reagiram ao assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, negro, espancado até morrer por dois seguranças do Carrefour na Zona Norte de Porto Alegre.

Em pronunciamento de cinco minutos, Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, só chamou o morto pelo nome uma vez. Falou em “excesso de violência” como causa da morte, o que permite concluir que se não tivesse havido excesso seria um episódio menor. Disse que “os excessos serão apurados”. E por duas vezes referiu-se ao ato como “crime” e “fato lamentável”.

No início da tarde, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, lamentou a morte de João, mas negou que exista racismo no Brasil: “Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo”. O presidente Jair Bolsonaro escreveu no Twitter perto da meia-noite:

“O Brasil tem uma cultura única entre as nações. Somos um povo miscigenado. Brancos, negros, pardos e índios compõem o corpo e o espírito de um povo maravilhoso. […] Aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra nossa própria história. Quem prega isso está no lugar errado. Seu lugar é no lixo!”

Qual será o lugar de quem tratou a pandemia como gripezinha, prescreveu remédio que não curava a doença, e nega tudo o que o contraria? Em aparições públicas passadas, Mourão referiu-se a negros como “pessoas de cor”, associou indígenas a “certa herança de indolência” e revelou ter um neto bonito devido ao “branqueamento da raça”. Presidente e vice se merecem.

Fazem parte do currículo de Bolsonaro as seguintes declarações:

– Ele [o deputado Hélio Lopes, negro] demorou pra nascer e deu uma queimadinha.

– Eu não aceitaria ser operado por um médico cotista.

– Não sou racista. Tenho até um cunhado negro.

– O afrodescendente mais leve pesava sete arrobas [sobre os quilombolas].

Informa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: a quantidade de mortes entre pessoas de pele preta ou parda cresceu 33% entre 2007 e 2017. Entre não negros, subiu apenas 3,3%. Ou seja: dez vezes menos. Em 2019, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 75 eram negras. A chance de um jovem negro ser assassinado é 2,7 vezes maior do que a de um jovem branco.

Nos Estados Unidos, os negros representam 13% da população, mas são 25% dos mortos pela polícia. No Brasil, a soma de pretos e pardos representam 55%, mas são 75% dos mortos pela polícia. Ainda que a população norte-americana seja maior que a brasileira, a polícia de lá matou no ano passado 1.099 pessoas. A de cá, em igual período, 5.804, quase seis vezes mais.

No país que foi o último das Américas a abolir a escravidão, a soma dos deputados federais eleitos há dois anos que se autodeclaram pretos (21) e pardos (104) cresceu 5%. Os brancos são 75% da Câmara. Há uma indígena. Somente daqui um quarto de século o quadro de juízes no país será composto por, pelo menos, 22,2% de pessoas negras e pardas, segundo o Conselho Nacional de Justiça.

A primeira transmissão da televisão no Brasil ocorreu há 70 anos. Desde então, e por curto período de tempo, o país teve um negro como dono de uma concessão de TV, de acordo com uma pesquisa da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O jornalista Roberto Marinho foi até hoje o mais poderoso empresário da área de comunicação. Sabem como a ele se referiam seus desafetos?

Africano (alcunha criada por Assis Chateaubriand, fundador do Grupo Diários Associados); Neguinho (Leonel Brizola, uma vez governador do Rio Grande do Sul, duas do Rio); Crioulo (Manoel Francisco do Nascimento Brito, dono do Jornal do Brasil); e Marinho Quase Negro (Carlos Lacerda, o político que derrubou dois presidentes da República, Getúlio Vargas e Jânio Quadros).

Em 2018, pretos e pardos eram apenas 13,5% dos jornalistas em postos formais no estado de São Paulo, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Ganhavam, em média, salários 30,4% menores do que os pagos aos colegas brancos. Em 2019, homens negros não passavam de 2% dos colunistas da Folha, O Estado de São Paulo e O Globo.

“Não há como concorrer de igual para igual quando não se tem oportunidades de vida iguais”, observou a primeira colocada no vestibular para medicina da Universidade de São Paulo em 2017. E acrescentou: “A casa-grande surta quando a senzala vira médica”. Se a senzala não se rebela, a casa-grande jamais reconhecerá seus direitos – entre eles, o da igualdade.

A segregação, no Brasil, é social, racial e, como tudo aqui, dissimulada.


Ricardo Noblat: Arraes é o novo!

Na guerra dos primos, Marília, candidata do PT, sai na frente com apoio da direita

O novo virou velho e o velho o novo na guerra pela prefeitura do Recife travada por João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) – ele, filho do ex-governador Eduardo Campos que morreu em um acidente aéreo em agosto de 2014; ela, filha de um dos 10 filhos de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes. Portanto, João, bisneto de Arraes, e Marília, neta.

Se a idade pesasse na definição de quem seria o novo, João venceria Marília. Ele tem 26 anos, ela 36. Mas na política, o novo e o velho se alternam a depender do que cada candidato representa. Coube a João representar um conjunto de forças que ocupa há 14 anos o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco, desde que ali chegou seu pai, neto de Arraes.

João foi o candidato mais votado no primeiro turno com 29,13% do total de votos válidos. Marília, o segundo com 27,90%. Pesquisa do Ibope aplicada entre a última segunda-feira e ontem conferiu a Marília 53% das intenções de voto e a João, 47%. Para Marília migrou parte dos votos de Mendonça Filho (DEM) e da Delegada Patrícia (PODEMOS), terceiro e quarto colocados.

Se a direita não tivesse se dividido no primeiro turno, ela estaria no segundo. Somados, Mendonça Filho e a Delegada Patrícia obtiveram 40% do total dos votos válidos. O PT só disputa o segundo turno em duas capitais – Vitória e Recife. Deve perder em Vitória e ganhar no Recife onde o PT e a direita se uniram para derrotar o PSB de Eduardo Campos e de João, seu herdeiro.

Marília foi três vezes vereadora do Recife– uma pelo PSB e duas pelo PT. Sua votação cresceu a cada eleição. Lançou-se candidata pelo PT a governadora há dois anos, mas na última hora, o partido passou-lhe a perna e apoiou o atual governador do PSB Paulo Câmara. Ela então disputou uma vaga de deputada federal. Elegeu-se como o segundo nome mais votado – o primeiro foi João.

Criada pelos pais livre e solta, Marília meteu-se na política desde cedo e à sombra do avô. João começou a despontar para a política quando apareceu no alto de um carro do Corpo de Bombeiros que conduzia o caixão com o corpo do seu pai. Foi uma das cenas mais comoventes que o Recife testemunhou. Menos de 2 anos depois, foi nomeado chefe de gabinete de Câmara.

Sob o comando do senador Humberto Costa, o PT de Pernambuco tentou barrar a candidatura de Marília a prefeita. Desta vez, a direção nacional do PT bancou a candidatura. O PT de Costa tem cargos no governo estadual e torce sem discrição para que Marília perca. Lula gravou mensagem pedindo votos para ela e prometeu comparecer à sua eventual posse como prefeita.

O PODEMOS da Delegada Patrícia e o PTB do senador Armando Monteiro Neto que apoiou Mendonça Filho anunciaram o apoio a Marília. O Cidadania, que votou em Patrícia, mas faz dura oposição ao PSB, deverá ir pelo mesmo caminho. O bolsonarista Anderson Ferreira (PL), prefeito reeleito de Jaboatão, município vizinho ao Recife, aderiu a Marília. O PL votou em Mendonça Filho.

João conseguiu no primeiro turno esconder o apoio dos dois maiores caciques locais do PSB – Câmara, o governador, e Geraldo Júlio, prefeito do Recife. É grande a reprovação aos dois. Esse será um dos trunfos de Marília no horário de propaganda eleitoral e nos debates de televisão com João. O PSB foi amplamente derrotado nas eleições para prefeito nas maiores cidades do Estado.

Se ocorrer de fato, a vitória de Marília poderá marcar o início do declínio do PSB como partido nacional de médio porte. Em 2012, liderado por Eduardo, pai de João, o PSB conquistou 433 prefeituras. Em 2016, sem Eduardo que morrera, 405. Agora, 250.


Ricardo Noblat: Bolsonaro requenta notícia velha para livrar-se de culpa

Madeira extraída ilegalmente no Brasil fica por aqui mesmo

Junto com a madeira do Brasil contrabandeada, o presidente Jair Bolsonaro quer exportar para países europeus a culpa pelo desmatamento da Amazônia.

Países não compram madeira – são pessoas que compram. Como compram também pedras preciosas, ouro, cocaína e tudo o mais que possa ser revendido com bom lucro.

O crime organizado, aqui, alimenta-se de armas compradas no mercado internacional. Aos governos, transações ilegais não interessam porque são isentas de impostos, e eles a combatem.

Ex-garimpeiro malsucedido, terrorista frustrado que acabou afastado do Exército ao descobrir-se que planejara detonar bombas em quartéis, Bolsonaro sempre teve um pé na ilegalidade.

Empregou funcionários fantasmas em seu gabinete de deputado federal. Destacou um amigo parceiro de milicianos (Queiroz) para cuidar do seu filho mais velho na Assembleia Legislativa do Rio.

Incentivou-o, e também ao filho vereador, a prestigiar notórios milicianos, vários deles acusados de assassinato, com discursos e honrarias concedidas pelo poder público.

Isso não o impediu de conquistar o apoio dos generais para barrar a eventual volta do PT ao Palácio do Planalto. E ali permanece a exercer o poder para muito além do limite da irresponsabilidade.

Quando seus atos ou a sua omissão o tornam alvo de críticas, culpa os outros. A degradação da Amazônia cresceu nos seus primeiros dois anos de governo, mas ele nada tem a ver com isso, diz.

Como não tem? A máquina de fiscalização do Ibama foi desmantelada. Em fevereiro último, o instituto dispensou-se de ter que autorizar a exportação de madeira nativa brasileira.

Bolsonaro se opôs à destruição de equipamentos usados para pôr florestas abaixo. Tomou partido, portanto, dos que desmatam ao arrepio das leis. No mínimo, é cúmplice de crime.

Menos de 15% da madeira contrabandeada tem como destino outros países. O resto é para consumo interno. O transporte é feito a céu aberto. Se a fiscalização falha, se o governo faz vista grossa…

Uma operação da Polícia Federal, em dezembro de 2017, à época do governo Michel Temer, apreendeu 120 contêineres com 2.400 m³ de madeira extraída ilegalmente.

Ela seria vendida com base em certificados falsos expedidos pelo Ibama para empresas importadoras na Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Portugal e Reino Unido.

A notícia é velha. Mas foi requentada, ontem, por Bolsonaro ao participar da cúpula virtual dos Brics (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Bolsonaro prometeu revelar o nome das empresas importadoras. Fará isso com as americanas? Os governos desses países ficarão gratos pela informação que já lhes deveria ter sido repassada.

É mais uma bravata de um presidente acuado. Se for dada publicidade ao nome das empresas, elas poderão processar o governo brasileiro sob a alegação de que foram enganadas. E aí?


Ricardo Noblat: A orfandade dos que ainda acreditavam na força de Bolsonaro

Por mais que ele negue, como negou a pandemia, perdeu

São Paulo, em 2022, estará para Jair Bolsonaro como a Filadélfia esteve há pouco para Trump? Há dois anos Bolsonaro venceu em São Paulo, como há quatro Trump havia vencido na Filadélfia. São Paulo, na eleição de ontem, deu as costas a Bolsonaro e deixou os bolsonaristas órfãos de um candidato a prefeito.

Farão o quê quando tiverem de comparecer outra vez às urnas no próximo dia 29? Votar em Guilherme Boulos (PSOL), um candidato de esquerda que mimetiza Lula, nem pensar. Até hoje ainda fazem questão de lembrar que o desequilibrado mental que esfaqueou Bolsonaro em Juiz de Fora era filiado ao PSOL.

Votar em Bruno Covas (PSDB), mas como? O partido de Covas faz oposição a Bolsonaro. O governador João Doria foi escolhido por Bolsonaro como seu inimigo número um. Doria fez questão de dizer que Bolsonaro foi o grande derrotado no primeiro turno da eleição na capital paulista. Covas já avisou que quer distância dele.

Na eleição da pandemia, cresceu por toda parte a parcela do eleitorado que preferiu abster-se. Com 99,89% das urnas apuradas, o país registrou 23,14% de abstenções, o maior índice para eleições municipais dos últimos 20 anos. No Brasil, o voto é obrigatório. Talvez no futuro próximo se torne facultativo.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) revelou a perplexidade dos bolsonaristas de raiz ao escrever no Twitter: “O que houve com os conservadores? Erramos, nos pulverizamos ou sofremos uma fraude monumental?”. A hipótese de fraude é para relativizar a derrota. Os erros e o racha da direita aconteceram.

Era uma vez um presidente que quis mandar sozinho no partido pelo qual foi eleito. Como não conseguiu abandonou-o, como antes abandonara outros nove partidos. Lançou-se à aventura de construir um para chamar de seu, mas fracassou. Então imaginou que mesmo assim os eleitores votariam em candidatos que ele indicasse.

Não podia dar certo, como não deu. Perdeu na Filadélfia – ou melhor: em São Paulo. Perdeu no berço onde se criou – o Rio, onde Eduardo Paes (DEM) dará um passeio em Marcelo Crivella no segundo turno. Dos 45 candidatos a vereador que apoiou em diversas cidades, pelo menos 33 não se elegeram.

Bolsonaro apoiou também 13 candidatos a prefeito – e apenas dois venceram – Mão Santa (DEM), em Parnaíba, no Piauí, e Gustavo Nunes (PSL), em Ipatinga (MG). Na eleição suplementar para o Senado em Mato Grosso, sua candidata, Coronel Fernanda (Patriota), perdeu. Como justificar tão pífio desempenho?

Bem, segundo Bolsonaro afirmou tarde da noite, a ajuda dele “a alguns candidatos a prefeito resumiu-se a 4 lives num total de 3 horas”. Se foi capaz de negar uma pandemia e tantas outras coisas, por que não negaria a derrota no seu primeiro grande teste político desde que assumiu a presidência da República?

O deputado Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, disse que estas eleições servirão para devolver Bolsonaro ao seu verdadeiro tamanho, muito menor do que aparenta ter. Pode ser que sim. Pode ser que não. Vai depender das lições que Bolsonaro extraia do episódio. O tempo ainda joga a seu favor.

Centrão espera tirar vantagem de um presidente enfraquecido

Reforma ministerial à vista

O presidente Jair Bolsonaro não deve temer que o Centrão afaste-se dele. Isso não acontecerá. Quanto mais fraco ele estiver, mais o Centrão ficará ao seu lado pelo menos até às vésperas das eleições presidenciais de 2020. O Centrão quer é entrar mais no governo, jamais sair. A não ser para aderir a um novo governo.

Mas para que fique e sustente Bolsonaro em votações no Congresso, o Centrão cobrará mais cargos, mais vantagens e mais favores, confessáveis ou não. Bolsonaro será pressionado a fazer a reforma ministerial que tem administrado a conta-gotas. E a entregar cabeças que gostaria de preservar.

Em fevereiro próximo serão escolhidos os presidentes da Câmara e do Senado. O DEM e o MDB saíram fortalecidos das eleições de ontem, e os dois, e mais o PSDB de João Doria deverão se aliar de olho em 2022. Bolsonaro não terá vida fácil no Congresso. O mais bobo dos parlamentares sabe tirar a meia sem descalçar o sapato.