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Ribamar Oliveira: A impressão é de um governo perdido

Bolsonaro não aceita sugestões apresentadas por seu ministro da Economia, e há um bate cabeça da área técnica com os líderes políticos que apoiam o governo

Na segunda-feira passada, na presença do presidente Jair Bolsonaro, do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta orçamentária para 2021, anunciou a criação do novo programa social do governo, que chamou de Renda Cidadã. Ele informou que o governo iria limitar o pagamento de precatórios judiciais e, com os recursos que sobrariam, financiar o programa. Ontem, o ministro Paulo Guedes surpreendeu o país ao afirmar que nada daquilo valeu. Chegou a sugerir que nunca se pensou em tal coisa.

O anúncio de Bittar, no Palácio do Planalto, está gravado e pode ser facilmente acessado na internet. O mais impressionante é que, no dia seguinte, o próprio Bittar e o líder Ricardo Barros reafirmaram a decisão e negaram que o governo pudesse recuar de sua proposta, mesmo com a forte reação contrária dos mercados.

A avaliação unânime dos analistas foi de que o governo estava propondo uma “pedalada fiscal”, com a postergação do pagamento dos precatórios. Iria transferir uma dívida, que todo ano a Justiça manda pagar, para ser quitada pelas futuras gerações.

Guedes aproveitou ontem a entrevista de divulgação dos dados do Caged, que mostraram uma forte criação de empregos com carteira assinada em agosto, para alterar inteiramente o discurso oficial sobre os precatórios. “Sabemos que precatórios são dívidas líquidas e certas, transitadas em julgado. Ninguém vai botar em risco a liquidação de dívidas do governo. Vamos pagar tudo”, disse, demonstrando uma certa exaltação. “Estamos aqui para honrar compromissos. Compromisso fiscal, de dívida”, acrescentou.

O ministro afirmou que sua preocupação era com o “crescimento explosivo” da despesa com o pagamento de precatórios nos últimos anos. Segundo informou, esse gasto era de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões no governo Dilma Rousseff e a projeção para 2021 é de R$ 55,5 bilhões. “Estamos examinando [os precatórios] estritamente com foco em controle das despesas.”

Guedes reafirmou, no entanto, sua intenção de apresentar um novo programa social para amparar os “invisíveis”, que foram descobertos pelo governo com o auxílio emergencial. Segundo ele, são 40 milhões de pessoas que precisam de ajuda a partir de janeiro, quando o auxílio emergencial acabar. Guedes voltou a afirmar que é preciso promover uma aterrissagem suave, quando isso ocorrer.

Ele disse que nunca pensou em utilizar parte do dinheiro que seria usado para pagar os precatórios para financiar o Renda Brasil. Foi com esse nome que o ministro se referiu ao novo programa social do governo Bolsonaro, e não Renda Cidadã, empregado por Bittar. “Uma despesa permanente precisa ser financiada com uma receita permanente. Não pode ser financiada por um puxadinho, por um ajuste”, afirmou.

O problema, portanto, está do mesmo tamanho. Ou seja, como o novo programa do governo, qualquer que seja o seu nome, será financiado a partir de janeiro do próximo ano?

É importante relembrar que todas as sugestões apresentadas pela área econômica foram vetadas pelo presidente Bolsonaro. A ideia inicial, com a qual a equipe de Guedes trabalhou desde o início, era eliminar os programas sociais considerados ineficientes, ou seja, que não estão atingindo as pessoas mais necessitadas da sociedade, e direcionar os recursos para os mais carentes e para os trabalhadores informais.

A primeira proposta levada ao presidente foi a de acabar com o abono salarial, que concede até um salário mínimo por ano para o trabalhador que ganha até dois pisos por mês. Bolsonaro rejeitou a proposta publicamente, dizendo que não iria tirar dos pobres para dar para os paupérrimos. Aquele foi um banho de água fria na equipe de Guedes, pois o fim do abono abriria um espaço de R$ 20 bilhões para turbinar o Renda Brasil.

Depois, o presidente rejeitou também o fim do seguro-defeso, que é concedido aos pescadores artesanais no período da desova dos peixes. O secretário da Pesca, Jorge Seif Junior, ao lado de Bolsonaro em sua live semanal, chegou a dizer que o fim do seguro-defeso era “fake news”.

Em seguida foi a vez de o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, ser desautorizado pelo presidente da República. Em entrevista ao Valor, Waldery defendeu a desindexação de benefício previdenciários, ou seja, suspender pelo prazo de dois anos a correção monetária do valor das aposentadorias e pensões. O secretário estimou que a medida reduziria as despesas da União em R$ 17 bilhões em 2021 e em R$ 41,5 bilhões em 2022.

Com a repercussão das palavras de Waldery, o presidente usou as redes sociais para dizer que uma proposta como aquela só podia ser feita por alguém que não tem coração e anunciou que daria “cartão vermelho” para quem insistisse no assunto. Bolsonaro disse também que não queria ouvir falar em Renda Brasil até 2022. Ele mudou de ideia no dia seguinte, ao autorizar o relator das PEC Emergencial e do Pacto Federativo, senador Marcio Bittar, a incluir em seu substitutivo a criação de um novo programa social.

Depois da forte reação dos mercados e da própria sociedade à “pedalada fiscal” dos precatórios, o ministro Guedes informou ontem que o governo não vai financiar o Renda Brasil com parte dos recursos que seriam utilizado para pagar precatórios. O ministro disse, no entanto, que o programa será criado para fazer a “aterrissagem suave” do auxílio emergencial.

A impressão que está passando ao público é de um governo perdido. Com um presidente que não aceita as sugestões apresentadas por seu ministro da Economia e um bate cabeça da área técnica com os líderes políticos que apoiam o governo. Há também as intrigas entre ministros. Ontem, por exemplo, Guedes afirmou que tinha gente dentro do governo querendo “estourar o teto de gastos em R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões”. E que sua intenção é não deixar que isso aconteça.


Cristiano Romero: O que está por trás da “pedalada cidadã”

Estímulo oficial injetou o equivalente 9% do PIB na economia

A crise econômica provocada pela pandemia fez o Produto Interno Bruto (PIB) do país encolher 11,9% no primeiro semestre, desempenho equivalente ao dos países menos impactados pelo novo coronavírus. O mergulho poderia ter sido muito mais profundo se o governo e o Congresso Nacional não tivessem concordado em aprovar, rapidamente, o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, entre abril e agosto, a milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade e a concessão de estímulos fiscais a empresas.

Sabe-se que milhões de brasileiros e milhares de micro e pequenas empresas, principalmente no setor de serviços, não viram a cor do dinheiro oficial. Ainda assim, o desembolso feito pelo governo federal foi significativo. A economista Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional e atualmente chefe da equipe macroeconômica do banco Santander, calcula que os estímulos injetaram cerca de 9% do PIB na economia.

“A principal medida de apoio às famílias, o auxílio emergencial, chegou a 67 milhões de beneficiários, ou 64% da população economicamente ativa, com valor médio de R$ 845 por beneficiário entre abril e agosto”, diz Ana Paula em relatório enviado a clientes.

Nos dois primeiros meses da pandemia, as projeções de bancos e gestoras de recursos previam queda de até 9% do PIB neste ano. Agora, é difícil encontrar alguém ainda prevendo essa queda. No boletim Focus, do Banco Central, a mediana das expectativas do mercado para o PIB em 2020 está em 5,04%, sendo que, há quatro semanas, estava em 5,28%.

Ana Paula Vescovi e sua equipe no Santander revisaram sua projeção de PIB para este ano de -6,4% para -4,8%. Para uma economia que amargou recessão longa e profunda entre 2014 e 2016 e, na sequência, cresceu pouco mais de 1% entre 2017 e 2019, o cenário atual continua trágico, mas melhor do que se esperava há dois meses.

Além dos estímulos oficiais, outros fatores ajudaram a diminuir o tombo da economia brasileira. “O primeiro fator surpresa foi o setor externo. As exportações se sustentaram de certa forma, ajudadas pela safra recorde, e com demanda firme e preços elevados de produtos agropecuários. Os preços de internacionais do petróleo, inicialmente atingidos pela guerra de preços entre Rússia e Arábia Saudita, voltaram a se recuperar”, observa o relatório do Santander.

O índice CRB, que reflete os preços de commodities agrícolas, minerais e metálicas, teve desempenho acima do esperado entre agosto e setembro, tendo já retornado ao patamar anterior ao da pandemia. Foi crucial, nesse aspecto, o fato de a China, primeiro epicentro da crise sanitária, ter controlado o avanço do novo coronavírus mais cedo, permitindo a reabertura mais rápida de sua economia, a segunda maior do planeta.

“Com estágio anterior em termos de contágio, China, Europa e Estados Unidos vêm demonstrando recuperação mais acentuada que o inicialmente previsto. O Brasil segue na mesma direção”, compara o relatório da equipe chefiada por Ana Paula Vescovi.

“Em função de uma expectativa de queda um pouco menos acentuada na demanda doméstica este ano (-5,4%, contra -7,6% anteriormente), revisamos nossa projeção de superávit em transações correntes de 0,1% do PIB para um déficit de 0,6% do PIB em 2020, ainda próximo ao equilíbrio, e convergindo para um déficit de 1,6% do PIB em 2022, patamar menor relativamente ao do pré-crise”, prevê o relatório do Santander.

Com a reação surpreendente dos setores “tradable” (de bens comercializáveis) e com a extensão do auxílio emergencial com valor reduzido à metade (R$ 300) até dezembro, Ana Paula projeta recuperação mais gradual a partir de 2021, com o nível de atividade voltando ao período anterior ao início dos casos de covid-19 não antes do segundo trimestre de 2022.

“O consumo vem impulsionando a recuperação da atividade, com o avanço dos canais de vendas digitais e com o aumento de renda (as transferências) nos grupos com maior propensão ao consumo de bens. As vendas do varejo (no conceito ampliado, que inclui automóveis) praticamente já voltaram ao patamar pré-crise”, informa o relatório do Santander. “A recuperação do setor de serviços tende a ocorrer mais gradualmente, na esteira da reabertura da economia e da volta dos serviços prestados às famílias, especialmente de educação, saúde, turismo, lazer, entre outras.”

E o que acontece de agora em diante? O corte à metade do valor do auxílio emergencial a ser pago entre este mês e dezembro reduzirá substancialmente o dinheiro que a classe menos favorecida de brasileiros vinha jogando na economia. As transferências implicam expansão da massa ampliada de salários, calcula a equipe de economistas do Santander, em 3,9% neste ano, face a 6,0% de queda se o auxílio não tivesse sido concedido.

Ainda assim, o desemprego alcançará 17 milhões de pessoas no seu pico, em maio de 2021, devendo cair gradualmente para 16 milhões no fim de 2022. Taxa de desemprego registra o número de pessoas à procura de ocupação. Durante a pandemia, por motivos óbvios, trabalhadores desempregados não tinham como buscar vagas.

“A taxa de desemprego sustentar-se-á no patamar acima de 15% até o fim de 2022, por causa da volta gradual de um contingente de trabalhadores procurando emprego após a pandemia”, explica o relatório do Santander. É evidente que vem daí a preocupação do presidente Jair Bolsonaro, da área política de seu governo e de seus aliados no Congresso. A turma já está preocupada com 2022 e, por isso, cometeu o desatino de propor financiar o Renda Cidadã com dinheiro (precatório) que não pertence à Viúva, mas a contribuintes - uma pedalada de fazer corar de inveja o ex-secretário Arno Augustin…

Bolsonaro assumiu o poder em com planos para desidratar o Bolsa Família, programa de transferência de renda bem-sucedido, dotado de aspectos incomuns a esse tipo de iniciativa e desenvolvido genuinamente no Brasil, resultado da colaboração inédita dos entes da Federação - União, Estados e municípios - e de diversos órgãos públicos e copiado em mais de 60 países. Um programa barato - R$ 32 bilhões (menos de 0,5% do PIB) por ano - que vai além da renda básica.


Fernando Exman: A reeleição acima de tudo e de todos

Base aguarda início das nomeações para o primeiro escalão

É perceptível, inclusive para quem vê de fora, quando começa a haver intimidade em um relacionamento. E isso se dá mesmo que a aproximação inicial entre as partes tenha sido conturbada, induzida por costumes ou necessidades momentâneas, e não como um meio de construir uma parceria de longo prazo fundamentada em princípios.

A convivência dá a oportunidade de um lado melhor conhecer as ideias do outro, a forma de agir, os planos. Em público, nem sempre as formalidades são deixadas para trás. Mas, no privado, pretensões individuais abrem espaço para a discussão de projetos comuns, que podem ou não se confirmar no transcorrer do tempo. Eventuais sinais de que o relacionamento se tornará abusivo não tardam a aparecer, para os mais atentos.

O governo Jair Bolsonaro e os partidos aliados vivem um momento assim. Depois de muito desprezar a política, o chefe do Poder Executivo sucumbiu. Percebeu que não teria mais como caminhar sozinho. Ao mesmo tempo, parece querer alguém ao seu lado que aceite se desgastar perante a sociedade em nome de algo maior, o seu governo, assumindo em público responsabilidades naturais do arrimo da família.

O problema do presidente é que a base está acostumada a flertar, lidar com crises e, com frequência, impor sua vontade. Sabe jogar e o vê como mais um político tradicional igual aos seus antecessores. Alguém que também só pensa em sua própria reeleição.

Líderes das siglas aliadas saem das reuniões com o presidente da República e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, convencidos de que o governo trabalha neste momento primordialmente para permanecer no poder. Age em função do próximo pleito.

Não da eleição municipal. Em relação a esta, os presidentes e dirigentes das siglas aliadas não nutrem mais expectativas de que poderão contar com uma ampla ajuda de Bolsonaro. Concluíram que ele não irá se arriscar e vincular sua imagem a candidatos que, depois de eleitos, fatalmente enfrentarão severas dificuldades financeiras e operacionais.

Diante da tragédia provocada pela pandemia, as atuais administrações municipais tiveram uma série de dificuldades para combater o novo coronavírus e prover o atendimento aos infectados. A covid-19 se disseminou pelo Brasil e em muitas cidades os serviços de saúde foram testados ao limite.

Por outro lado, os municípios receberam um volume considerável de recursos do governo central. O auxílio emergencial garantiu a manutenção de diversos negócios locais e ampliou a arrecadação dos entes federados.

Isso não deve se repetir, ao menos nos patamares vistos atualmente, a partir de janeiro de 2021. O futuro dos próximos prefeitos é incerto. Bolsonaro não quer, a princípio, colar sua sorte à deles e depois ser cobrado.

Mesmo assim, tem seus candidatos e analisa a possibilidade de entrar para valer pelo menos nas campanhas de São Paulo, Santos e Manaus. Acha que terá capacidade de influenciar a vitória de aliados e minar o poder de adversários. Isso sem falar na publicação nas redes sociais de um santinho virtual do seu filho Carlos, embora neste caso seja difícil saber se a postagem é obra do presidente ou do próprio vereador que tenta a reeleição e possui franco acesso às senhas do pai.

Essa opção dúbia em relação à eleição municipal não deve criar maiores problemas com a base. O que chama a atenção dos aliados é a mensagem passada, pelo presidente e por seus principais auxiliares, de que a política definitivamente passou à frente da economia na fila de prioridades.

As discussões sobre a reforma administrativa ficaram em segundo plano. O Executivo enviou-a ao Congresso depois de grande relutância do próprio presidente, em razão justamente da impopularidade da iniciativa, e agora tenta se desincumbir da missão de aglutinar esforços para aprová-la. Sua promulgação seria um compromisso da classe política com a redução do tamanho e a modernização do Estado, mas é algo sequer cogitado para este ano.

O mesmo ocorre com as conversas sobre a reforma tributária. Com os líderes, os representantes do governo preferem concentrar o diálogo na necessidade de instituição de uma nova CPMF e, claro, na criação do Renda Cidadã.

A meta do governo é se aproximar de uma parcela da população que jamais esteve com Bolsonaro, transformando cidadãos até então invisíveis aos olhos de Brasília em eleitores de carne e osso na campanha de 2022. “Com o pobre, é dinheiro na veia”, acostumaram-se a ouvir os congressistas aliados em reuniões na Esplanada dos Ministérios e nos palácios presidenciais.

A princípio, o plano não desagrada quem está no barco. Em relação ao teto de gastos, o discurso oficial continuará a ser que não haverá flexibilização da âncora fiscal, mesmo que o uso de recursos do Fundeb para financiar o Renda Cidadã seja apontado como um subterfúgio.

O governo acabou dando uma bandeira à oposição, acanhada e desarticulada desde o início do mandato, na defesa da educação. Em contrapartida, pode deixar para a oposição a inglória missão de defender sozinha o pleno respeito às regras fiscais, tanto no Congresso quanto no Judiciário. No passado, PT e outros partidos de esquerda apelidaram a proposta de emenda constitucional do teto de gastos de “PEC da Morte”, mas agora dependem dela para evitar a expansão do bolsonarismo.

Já a base aceita discutir a criação de um novo imposto sobre transações financeiras depois do pleito municipal. Quer ser municiada pelo governo com informações que possam ajudar a atenuar as resistências da sociedade, mas também espera receber alguns regalos. É grande a expectativa com o início da abertura de negociações para as indicações políticas ao primeiro escalão do governo. Líderes esperam que isso ocorra depois da disputa municipal ou, no máximo, após as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado.


José Roberto Campos: Não está bom, mas pode piorar

61,5% dos municípios gastaram mais que o piso obrigatório para educação, e 97,4% mais que o piso para saúde

Apesar de pisos constitucionais definidos e obrigatoriedade de gastos, o desempenho da saúde e da educação estão ainda muito longe do aceitável. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu a unificação dos dois limites, ficando a cargo de Estados e municípios decidirem em qual área aplicar mais ou menos. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC do Pacto Federativo e do orçamento de 2021, sugeriu ir além: acabar com a vinculação de ambas, o que também não desagradaria Guedes, que coleciona discursos sobres os três Ds (desvincular, desindexar, descentralizar).

Dois setores vitais para a população e o futuro, saúde e educação não deveriam ficar à mercê de ideias improvisadas em um ambiente nefasto de corte de gastos e penúria de recursos. Os pisos constitucionais foram uma forma encontrada para tentar resolver duas carências históricas do país. É preciso colocar algo melhor no lugar, e com calma.

A fusão dos pisos de gastos colocaria mais em risco a educação, do que a saúde, conclui estudo recém-publicado do Ipea1. O trabalho, porém, surpreende ao mostrar que municípios e Estados gastam bem mais nas duas áreas do que o mínimo obrigatório constitucional (15% com saúde, 25% com educação).
E não se trata de uma meia dúzia de exceções, mas da grande maioria. “Dos 5.480 municípios do país, 3.368 (61,5%) tiveram aplicação em educação no período 2015-2018 superior a 26,25% (5% a mais do que o piso), sendo 5.334 os que aplicaram acima de 15,75% (também 5% acima do piso) em saúde (97,4%)”, registra o estudo. De maneira geral, as despesas acima do mínimo obrigatório foram maiores em saúde do que em educação nos municípios, e maiores para a educação no caso de Estados e União.

Os economistas do Ipea foram examinar de perto a argumentação para unificar os dois pisos, que se resume ao fato dela permitir maior eficiência no gasto. Os 25% de despesas obrigatórias com educação seriam uma camisa de força e um desperdício nos locais com menos crianças e jovens. “Se tal hipótese fosse verdadeira, uma análise das aplicações dos municípios em MDE deveria revelar aplicação muito próxima à aplicação mínima (25%). Mas não é isso o que se verifica”, concluem.

Os números mostraram que a fatia dedicada à educação no orçamento dos municípios se situou até 3 pontos percentuais acima do mínimo e os de saúde, de 5 a 7 pontos percentuais acima. Mesmo no Norte e Nordeste houve diferenças de 3 pontos percentuais acima do piso obrigatório para ambas as áreas.

O trabalho constatou que houve fatia “não desprezível” de municípios que aplicaram 30% em saúde e 30% em educação, caso dos que têm até 500 mil habitantes e dos localizados do Nordeste, Sudeste e Sul. “Em síntese, a grande maioria dos municípios analisados (4.480 em 5.480, 81,8%) tem percentual de aplicação superior a 26,25% em educação (piso + 5%). Assim, não parece razoável que tenham aplicado mais do que o mínimo obrigatório em educação se não precisassem realizar despesas adicionais ao piso constitucional”.

Aonde estaria então o maior risco de perdas para os orçamentos de educação e para os da saúde, na fusão dos pisos? Os gastos com saúde são mais inelásticos que os da educação, logo mais resistentes à diminuição de seu papel em políticas públicas e mais visíveis do ponto de vista político-eleitoral. Mesmo assim, embora em menor escala, reduções nesta área podem acontecer.

Para avaliar o grau de risco, os autores separaram os municípios em que haveria maior possibilidade de queda nos gastos com educação - aqueles em que a diferença entre o gasto feito e o mínimo obrigatório é de até 0,7 ponto percentual e as despesas com saúde ultrapassam folgadamente o piso. Usaram critério idêntico para a saúde, com outros percentuais (0,4 e 4,3 pontos percentuais, respectivamente).

Possíveis perdas para a educação com a fusão de pisos ameaçariam 951 de 5.480 municípios, com população de 51,9 milhões de pessoas - 25% da população do país em 2018. Sul e Sudeste somam quase metade dos municípios em questão (455), seguidos pelo Nordeste (342). 41% das cidades nesse caso tem mais de 500 mil habitantes e 32% entre 100 mil e 500 mil habitantes.

Os riscos de diminuição dos gastos com saúde afetariam 97 municípios, mais concentrados no Norte e Nordeste e uma população de 2,24 milhões. Seriam mais atingidas áreas municipais com 20 mil a 50 mil habitantes, que já têm pouca infraestrutura para o atendimento.

As maiores despesas com saúde e educação não significam que seu montante seja suficiente para atender as necessidades. Argentina e Chile gastam quase o dobro per capita do que o Brasil, cujas despesas com educação estão abaixo dos da maioria dos membros da OCDE. Mas é inegável que uma melhoria da gestão nesse quadro de recursos produziria muito mais resultados, como advogam os especialistas.

  1. Gastos em saúde e educação no Brasil: impacto da unificação dos pisos constitucionais. Fabiola Sulpino Vieira, Luciana Mendes Santos Servo, Rodrigo Pucci de Sá e Benevides, Sérgio Francisco Piola e Rodrigo Octávio Orair. Texto para discussão 2596.

*José Roberto Campos é editor executivo do Valor.


Andrea Jubé: Trio de nomeações turbina passe de Davi

Presidente do Senado concentra nas mãos diversos trunfos para forçar sua reeleição

Os ventos da política sopram a favor do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que tenta reeditar a dobradinha velada de 2019 com o Palácio do Planalto para ser reconduzido a novo mandato à frente da instituição, apesar da encruzilhada constitucional.

Um dispositivo da Constituição Federal veda a reeleição para o mesmo cargo da Mesa Diretora, mas Alcolumbre articula com seus pares uma revisão da norma constitucional mediante a singela alteração do regimento interno.

Enquanto essa articulação ganha corpo, como mostrou o Valor na semana passada, as mudanças no tabuleiro político valorizam o passe do presidente do Senado. A atuação de Davi será essencial ao Palácio nos próximos três meses, quando ele presidirá duas votações estratégicas para o governo na Casa: as indicações do presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal e para o Tribunal de Contas da União.
O número sobe para três, se o indicado para o Supremo for um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Na atual conjuntura, após a denúncia do Ministério Público do Rio que transforma em réu o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), junto com Fabrício Queiroz, uma vaga no STJ - colegiado que julgará os recursos dessa ação - torna-se ainda mais estratégica, ou oportuna, do que uma cadeira no Supremo.

Pela proximidade das datas, as atenções voltam-se para o preenchimento da vaga no STF, porque o decano Celso de Mello antecipou a aposentadoria para o próximo dia 13. Dois meses depois, será a vez do presidente do TCU, José Múcio Monteiro, sair de cena.

Um senador influente do Centrão disse à coluna que a indicação do ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, para a vaga do TCU em dezembro é pule de dez. Egresso da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), com mestrado em combate à corrupção na Espanha, Rosário é próximo de Bolsonaro e dos ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Por sua vez, cotado para o STF, Jorge Oliveira é o coringa de Bolsonaro, a carta que o presidente usará para não errar a jogada. Se Jorge quiser, vai para o STF. Mas se o “timing” político favorecer outra indicação, aguardará a vaga do ministro Marco Aurélio. Em qualquer situação, será o homem da confiança de Bolsonaro no Supremo.

Mas o “timing” agora favorece a abertura de uma vaga no STJ. Além de ser o foro competente para os recursos da ação contra Flávio Bolsonaro, é a instância responsável por julgar os governadores - e a maioria dos mandatários estaduais é considerada adversária pelo presidente.

É nessa conjuntura tão sensível para o jogo político que Davi Alcolumbre, ganha mais protagonismo. Caberá a ele liderar a articulação para viabilizar, junto à senadora Simone Tebet (MDB-MS), a pauta na Comissão de Constituição e Justiça, e depois no plenário, para que haja quórum e os 41 votos necessários para aprovar o indicado de Bolsonaro para o STF. O mesmo ocorrerá, se depois houver nomeação para o STJ.

Em dezembro, a pouco mais de um mês para a eleição da Mesa, igualmente caberá a Alcolumbre liderar a articulação para viabilizar a pauta na Comissão de Assuntos Econômicos, junto ao senador Omar Aziz (PSD-AM), e depois no plenário, para que haja quórum e os 41 votos necessários para aprovar o indicado para o TCU.

Garantir quórum será um desafio, porque a pandemia continuará intimidando os senadores do grupo de risco, que ainda evitam Brasília. A votação no “drive thru” deverá ser reeditada nesses casos.

Na semana passada, ganhou corpo a articulação pela reeleição de Alcolumbre. O Valor mostrou que ele se reuniu pessoalmente com quase 50 senadores, articulando acordos, divisões de espaços na Mesa e presidência de comissões. Ele tem os apoios de grandes bancadas, como PSD e PP, mas ainda não tem o aval do MDB, maior força da Casa.


Mesmo que reedite o apoio do Planalto e conte com o respaldo de grupos que estavam com Renan Calheiros (MDB-AL) em 2019, Davi terá de resolver o imbróglio constitucional.

O parágrafo 4.º do artigo 57 da Constituição diz que os mandatos dos membros da Mesa Diretora serão de dois anos, “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

Para viabilizar pelo menos uma reeleição, Câmara e Senado fizeram interpretações inconstitucionais afirmando que o dirigente poderia ser reconduzido uma vez na eleição entre uma legislatura e outra. Isso consta do Regimento Interno da Câmara e de um parecer da CCJ do Senado de 1998.

O professor José Afonso da Silva, um dos maiores juristas brasileiros, afirma que essa interpretação sobre a reeleição é inconstitucional. “A Constituição quis impedir o exercício continuo do cargo [da Mesa Diretora] por quatro anos”, registrou o constitucionalista.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), delegado de carreira, esclarece que a vedação à reeleição é constitucional. Ele afirma que se Alcolumbre reeleger-se baseado em simples alteração do Regimento Interno, o grupo “Muda, Senado” vai propor mandado de segurança contra o ato junto ao STF. “Não dá pra fugir disso”, afirmou. Se o presidente da Corte, Luiz Fux, não pautar a ação do PTB que questiona o fato, a eventual reeleição será questionada adiante.


A ironia de todo esse processo é que a PEC da reeleição (PEC 101/2003), aprovada em comissão especial da Câmara em maio de 2004, que autorizaria expressamente a recondução dos presidentes das Casas para novo mandato, era de autoria do então deputado Benedito de Lira (PP-AL), pai do líder do PP, Arthur Lira (AL), forte candidato à sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Se tivesse sido aprovada, a PEC de Benedito de Lira iria sabotar o projeto político de seu filho, Arthur, que 16 anos depois, teria de disputar a sucessão com Maia.


Alex Ribeiro: BC teme que risco fiscal segure consumo

Receio é que uma parcela da população siga poupando por temor de vir a ser chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública

O Banco Central começa a mapear um novo risco à retomada da economia: a política fiscal. O receio é que uma parcela da população siga poupando, abrindo mão de consumir, porque será chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública.

A preocupação é o que os economistas chamam de “equivalência ricardiana”. Essa é uma teoria do economista David Ricardo, desenvolvida mais tarde por um outro economista, Robert Barro, que afirma que tentativas do governo de expandir a economia por meio de déficits públicos são ineficazes. Os contribuintes sabem que, mais tarde, a despesa terá que ser coberta com o aumento de impostos. Preventivamente, eles poupam mais.

A tese foi levantada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelo diretor de política econômica da instituição, Fabio Kanczuk, na entrevista do relatório de inflação, na semana passada. “É a poupança de alguém que está vendo uma situação fiscal mais grave e está entendendo que vai ter que pagar uma parte do custo mais para frente”, disse Campos Neto.
Para o Banco Central, esse comportamento “ricardiano” dos indivíduos é, por ora, uma hipótese, a ser comprovada ou não. O diagnóstico é que o auxílio emergencial e outras liberações de dinheiro pelo governo, que o BC sempre entendeu como necessárias, recompuseram a renda da população perdida durante a pandemia. Mas o consumo não se sustentou da mesma forma e caiu abaixo do que era antes. Essa diferença entre renda e consumo representa um aumento da poupança.

A grande questão é o que vai acontecer com essa poupança mais adiante. O cenário ideal, disse Campos Neto, é que o auxílio emergencial termine no fim do ano e, provavelmente, seja substituído por um programa permanente de transferência de renda que caiba no teto de gastos. Desse ponto em diante, afirmou, a população começaria a gastar a poupança acumulada durante a pandemia, o que operaria como mais um motor de sustentação da demanda.

Obviamente, para que a poupança vire consumo, será preciso que os indivíduos que acumularam essas reservas passem a gastar. É por isso que o BC está procurando entender a natureza da poupança acumulada pela população.

Kanczuk falou um pouco sobre o que acontece nos EUA, que para ele é um indicativo do que poderá vir a ocorrer no Brasil. Lá, a renda da população subiu bem, sustentada pelo pagamento de auxílios pelo governo. Ainda assim, o consumo caiu. Mais recentemente, a renda recuou, depois que acabaram as transferências, e o consumo passou a subir.

Apesar de, no fluxo, renda e consumo terem se aproximado, o resultado de todo esse processo foi um aumento do estoque de poupança. Os economistas estão olhando os dados no detalhe para entender melhor os desdobramentos. Uma conclusão é que os mais pobres mantiveram o consumo durante a pandemia - na verdade, aumentaram 1,6% em relação a janeiro passado. Provavelmente, substituíram o consumo de alguns serviços - cujo acesso ficou mais restrito por causa da pandemia - por outros bens, como os duráveis. “Vemos alguns mercados, como construção civil e carros usados, que estão bem exuberantes”, afirma Kanczuk.

Já entre os mais ricos, o consumo está quase 10% abaixo dos níveis de janeiro. Uma possível explicação é que, com as medidas de distanciamento social, essas pessoas não estão tendo acesso aos serviços que gostariam de consumir. Outra hipótese é que esses indivíduos aumentaram a poupança precaucional porque têm medo do futuro. Mas medo do quê?

Uma possibilidade é as pessoas terem poupado mais porque estão receosas de perder o emprego. Kanczuk, porém, apresentou um gráfico que mostra que o nível de emprego dessa faixa da população quase se recuperou - está apenas 1,6% abaixo de janeiro. Ou seja, pode ser um pouco de medo de desemprego, mas parece ser mais do que isso. É aí que entra a tese do medo do desequilíbrio fiscal.

“Não é a incerteza em relação ao emprego, mas talvez uma questão sobre o que vai acontecer lá na frente, já que de algum modo a economia não produziu, o governo aumentou a sua dívida, e isso vai ter que ser pago”, disse Kanczuk. “Uma possibilidade é que os ricos estão incorporando isso - sendo ricardianos - sabendo que talvez eles que vão arcar com o aumento do consumo que houve sem ter produção.”

Uma implicação dessa conjectura, se ela se mostrar verdadeira, é que um pedaço da poupança acumulada durante a pandemia não vai voltar para a economia. Esse motor de sustentação da retomada seria um pouco mais fraco do que se imaginava inicialmente.

O argumento, certamente, não é unânime. A teoria da equivalência ricardiana é uma contraponto à tese keynesiana de que, nos momentos em que o setor privado fica com medo e se retrai, o governo deve se endividar para sustentar a demanda agregada. As críticas à teoria Ricardo-Barro são conhecidas: ela pressupõe indivíduos extremamente racionais que poupam em resposta a uma situação meio etérea das contas fiscais. A evidência empírica sobre o tema é um tanto ambígua, o que ajuda a alimentar o esporte favorito dos economistas de discordarem entre si.

Juros suficientes?

Em 2% ao ano, os juros básicos são baixos o suficiente para estimular a economia? O ex-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica (Depep) do BC, Marcelo Kfoury Muinhos, foi conferir num estudo que acaba de publicar com seu colega no Centro de Estudos Macroeconômicos da FGV-EESP, Marcelo Fonseca, e com Evandro Schulz, da B3. Alerta de spoiler: sim, estão baixos o suficiente.

Eles estimam entre 2% e 3% reais ao ano a taxa neutra de longo prazo, usando três metodologias diferentes batizadas com sobrenomes de seus criadores, como a de Laubach-Williams. E calculam quanto os juros deveriam estar seguindo a regra de Taylor: 0,8% reais negativos. Hoje, os juros reais de mercado estão mais ou menos nesse patamar. E, além de juro baixo, há o reforço do “forward guidance” do BC de não o subir em algumas situações em que a regra de Taylor exigiria aperto.


Bruno Carazza: Vai dar liga?

Surpreendentemente o número de candidatos a prefeito este ano caiu em relação a 2016

O homem começou a desenvolver a habilidade de lidar com metais para produzir ferramentas e objetos na fase final da pré-História, por volta do ano 5.000 a.C. Depois das idades da pedra lascada (paleolítico) e da pedra polida (neolítico), nossa escalada evolutiva passou a ser designada pelos materiais metálicos com os quais aprendemos a trabalhar para facilitar nossa vida: do cobre para o bronze, chegando finalmente ao ferro, fomos nos tornando cada vez mais capazes de extraí-los, fundi-los e manuseá-los.

Na tabela periódica, de um total de 118 elementos, 94 são metais. Graças à sua estrutura atômica, marcada por uma fraca atração dos elétrons mais externos da camada de valência, os metais apresentam uma tendência de se associarem por meio de ligações iônicas com outros átomos, inclusive não-metais. Essa propriedade também colabora para a sua alta condutividade elétrica e do calor.

Ao longo do tempo, a siderurgia e a indústria em geral foram percebendo que poderiam ampliar enormemente seu potencial caso explorassem essa característica química dos metais. Dependendo do uso, poderia ser melhor associar um metal a outro, formando uma liga que teria dureza, ponto de fusão, maleabilidade e resistência completamente diferentes. Ao se alterar o percentual de carbono adicionado ao ferro, podemos obter um aço que terá uma aplicação completamente diferente caso o demandante seja a indústria automobilística, naval ou aeroespacial – tudo vai depender da composição da liga metálica.
Fim das coligações não altera natureza química dos partidos

Desde o final da ditadura, a política brasileira se caracteriza por uma infinidade de ligações formadas por dezenas de partidos com características diferentes. Assim como os metais, as legendas brasileiras em geral possuem um núcleo programático que exerce pouco poder de atração sobre seus integrantes, que ficam orbitando ao seu redor, mas com grande liberdade para formar moléculas com elementos de natureza química às vezes bastante distinta.

As coligações partidárias servem muito bem aos interesses dos políticos, reduzindo os custos de campanha, isolando rivais, tornando mais maleáveis propostas de governo e forjando alianças oportunistas entre antigos adversários a depender do contexto local ou nacional e a situação econômica do país.

É verdade que algumas poucas legendas têm o perfil de gases nobres, mantendo-se fiéis à sua composição ideológica original e rejeitando qualquer aproximação com elementos distintos. Os radicais de esquerda PCO, PCB e PSTU tradicionalmente são pouco afeitos a associações, e mais recentemente o Novo surgiu à direita com a mesma vocação de isolamento e baixa reatividade química.

Para os demais elementos da tabela periódica da política brasileira, porém, a tendência é de formação de aglomerados de partidos, com baixa densidade ideológica, forte resistência à tração exercida pelas cobranças sociais e elevada elasticidade de comportamento moral. Em 2002, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tentou impor limites às coligações partidárias, determinando que elas só poderiam ser fabricadas nacionalmente. Em 2006, contudo, o Congresso Nacional aprovou uma Emenda à Constituição liberando as ligações em qualquer âmbito federativo.

Na esteira da Lava Jato e da corrosão da imagem das coalizões partidárias, em 2017 os parlamentares consentiram em barrar as associações entre partidos, mas só para as eleições legislativas representativas. Neste ano teremos, portanto, a primeira eleição neste novo ambiente químico em que as associações estão liberadas para as disputas para prefeito, mas não para vereador.

Os dados preliminares divulgados no final da tarde de ontem (27/09) pelo TSE indicam que o número de candidatos a prefeito no país subiu apenas 10,9% –o que indica que as coligações se mantêm muito resistentes, apesar da nova regra.

Com relação à composição dessas chapas, a diluição ideológica continua altíssima. Só para se ter uma ideia, PT e PSL, os grandes rivais da última eleição nacional, serão aliados em 462 municípios neste pleito, enquanto tucanos farão parceria com petistas em 830 cidades brasileiras.

33 legendas disputam pelo menos uma prefeitura nas eleições deste ano.

Partidos políticos no Brasil não costumam ter muita identidade ideológica; para a maioria deles, portanto, pouca diferença faz se os tratamos pelas siglas ou pelos nomes. De toda forma, pelo menos como curiosidade, seguem as principais alterações em relação ao último pleito municipal.

De um lado há a moda de tentar modernizar imagem dos partidos por meio da troca de suas antigas siglas por nomes mais simpáticos. Nesse movimento, de 2016 para 2020 o PPS virou Cidadania, PRB é Republicanos, o PTN passou a se apresentar como Podemos, o PEN tornou-se Patriota, o PT do B responde como Avante, o PP chama-se agora Progressistas e o PSDC aparecerá na urna como Democracia Cristã. Houve também duas mudanças de siglas: o PMDB perdeu o “P” de partido e o PR virou PL (não, o Cebolinha não se filiou a essa legenda).

Por fim, como desde 2018 a Constituição exige que as legendas tenham um desempenho mínimo nas urnas para fazer jus às benesses da legislação eleitoral, houve uma tímida redução de concorrentes neste ano. Com a imposição da cláusula de barreira o Patriota deglutiu o PRP, o PHS foi incorporado ao Podemos e o PPL fundiu-se com o PC do B.

Esse resultado, porém, teria sido muito mais forte se a legislação também tivesse condicionado a distribuição do bilionário fundão eleitoral à cláusula de desempenho. Como não o fez, muitos partidos nanicos consideram que vale a pena financeiramente continuar existindo em carreira solo. Neste ano haverá, inclusive, a estreia de mais um: o Unidade Popular (UP) disputa sua primeira eleição com candidatos a prefeito em 29 municípios brasileiros.

Erramos: na versão impressa desta coluna, a variação do número de prefeitos saiu incorreta em função de inconsistências devido a uma leitura incorreta das planilhas de coligações e candidatos fornecidas ao longo do dia no site do Tribunal Superior Eleitoral. O colunista pede desculpas pelos inconvenientes.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Fernando Abrucio: Se pudesse, Bolsonaro mandaria embora funcionários do Ibama e da Funai

A estabilidade serve para garantir a profissionalização do serviço público e não para tornar inimputáveis os ocupantes dos cargos

O Executivo federal apresentou um conjunto de propostas de reforma administrativa, algumas já presentes numa PEC enviada ao Congresso, outras que ficarão para legislação posterior. Em linhas gerais, um diagnóstico sintético desse conjunto de medidas revela uma mistura de várias coisas: ações norteadas pela experiência internacional de reformas, proteções a corporações fortes do funcionalismo, medidas concentradoras de poder nas mãos da Presidência da República e várias lacunas ou confusões de diagnóstico, em particular uma enorme incompreensão em relação ao funcionamento dos serviços públicos num país como o Brasil. Mais do que isso, falta visão sobre o que deve ser o Estado brasileiro.

Há avanços no projeto vinculados, primeiramente, aos benefícios pagos aos funcionários públicos, que se expandiram ao longo do tempo e se tornaram, no mais das vezes, desvinculados do desempenho efetivo da burocracia. O ministro Bresser Pereira já tinha começado a limpar esse terreno, mas ainda há grandes problemas neste quesito. Também deve se atacar o uso completamente equivocado da ideia de isonomia que se alastrou pela gestão de pessoas do setor público. Um exemplo nesta linha foi a multiplicação de carreiras e o crescimento do salário inicial no plano federal.

O Executivo federal pretende mudar esse padrão, embora suas propostas, na forma em que foram apresentadas, ainda precisem ser mais bem lapidadas. A ideia de vínculo de experiência é um exemplo de proposição mal formulada. Óbvio que é preciso modificar o estágio probatório, que no mundo todo serve para formar e avaliar o funcionário público e sua continuidade no Estado, enquanto no Brasil nenhuma dessas duas coisas é feita. Porém, o que foi apresentado não deixa claro nem a formação nem a avaliação que seriam feitas.

A leitura do projeto global de reformas dá a impressão de uma proposta “pela metade”, de um reformismo incompleto. Por exemplo, o Executivo federal evitou tocar nos direitos dos atuais servidores públicos, bem como deixou em aberto os efeitos da reforma para os outros Poderes e para os demais entes federativos. Alguns podem dizer que é uma estratégia política para poder aprovar outras medidas importantes, embora mais do que uma forma de garantir o apoio dos parlamentares, a razão desse cálculo seja principalmente evitar danos eleitorais ao presidente Bolsonaro ou o aumento de seus problemas com a Justiça.

A opção reformista precisa alcançar todos os entes federativos e Poderes, e evitar que a limitação das mudanças aos futuros burocratas não crie dois mundos dentro do funcionalismo, gerando um sentimento de privilégio que poderá atrapalhar o bom desempenho governamental, além de gerar uma visão negativa junto à opinião pública. Aqui, a lição da reforma da Previdência não foi aprendida: nem todos os Estados mudaram suas regras e se os que se omitiram quebrarem, a União terá de salvá-los para manter os serviços públicos aos cidadãos que mais necessitam deles. Efeitos semelhantes poderão acontecer na reforma administrativa se não for criada uma maior simetria entre instituições e entre membros do funcionalismo.

A proposta de dar maior liberdade ao Executivo federal em montar sua estrutura administrativa é uma forma perigosa de concentração de poderes. Trata-se do retorno ao modelo de administração pública que vigorava no regime militar. A lógica democrática exige um jogo de “checks and balances” entre os Poderes e o presidente Bolsonaro tem dificuldades com esse modelo. Claro que é necessário flexibilizar muitas das estruturas enrijecidas do Estado brasileiro, no entanto, isso deve ser feito sem acabar com os controles institucionais adequados, tanto do Legislativo como do Judiciário. Se isso não existisse hoje, parte dos órgãos ambientais, de defesa dos índios, da área cultural e até mesmo no campo educacional já teriam sido extintos pelo governo atual. Qualquer flexibilização tem de cumprir os objetivos inscritos na legislação maior do país, que define algumas políticas que são essenciais, e seu desmonte deve ser impedido pelas instituições e pela sociedade.

A definição dos papéis do Estado e de como ele deve ser organizado passa não só pelo modelo de administração pública, mas também pela forma como ela lida com a política. É fundamental garantir um espaço autônomo aos políticos eleitos, mas também se deve preservar funções estatais que não se confundam completamente com o governo de ocasião. Mais do que isso: os eleitos devem nomear pessoas para postos-chave seguindo regras prévias que garantam transparência, competição entre postulantes e conhecimento/experiência adequados para a função. Por isso, a proposta enviada é bastante tímida no que se refere à seleção dos altos quadros governamentais. Neste ponto, o Brasil ainda é muito pouco republicano e sabemos que a aliança com o Centrão não é um indício de que isso mudará.

Há um tema espinhoso no projeto, que deve ser enfrentado, mas que confunde conceitos e supõe uma solução simples para algo mais complexo: a questão da estabilidade do funcionalismo. Em primeiro lugar, nenhum país razoavelmente democrático e desenvolvido do mundo garantiu estabilidade à quase totalidade dos seus funcionários, como fez o Brasil. Há diferenças entre as nações sobre quais carreiras devem ter, e com certeza as funções-meio foram retiradas dessa regra. Se o Estado brasileiro tivesse adotado só essa máxima, a maior parte do funcionalismo teria contratos ao estilo CLT, que devem estabelecer condições dignas de trabalho como deveriam sempre existir do mesmo modo no mercado privado.

Uma segunda coisa é que se desenhou um modelo que separa estabilidade de avaliação de desempenho. Na verdade, o que a proposta governamental está dizendo, de forma sutil e envergonhada, é que as chamadas carreiras típicas de Estado não poderão ser efetivamente avaliadas para fins de demissão ou correção por insuficiência de desempenho. Isso é uma falácia, pois juízes e militares deveriam ser avaliados tanto quanto professores e médicos. Todos eles são essenciais para o Estado brasileiro, de maneira que precisam ser bem selecionados, ter bons programas de capacitação e motivação, bem como têm de ser avaliados e responsabilizados - e se necessário, demitidos. O país não consegue enxergar o que é óbvio em muitas democracias: a estabilidade serve para proteger e garantir a profissionalização do serviço público nas suas funções mais importantes, mas não para tornar inimputáveis os ocupantes dos cargos.

Claro que há a desconfiança em relação aos mecanismos de avaliação, dada a enorme tradição de politização do Estado brasileiro. Isso deve ser levado em conta, como também o fato que a avaliação deve ser múltipla, gerar formas de capacitação ou correção de atos e, ademais, ser feita da maneira mais independente possível. Alguns países criaram instituições específicas para realizar essa e outras tarefas mais estruturais da gestão de pessoas no setor público, buscando evitar a perseguição administrativa ou política. O Brasil pode aprender com esses modelos, contanto que queira efetivamente instalar um processo avaliativo que, de um modo ou de outro, vai diferenciar os funcionários e/ou equipes, dando-lhes benefícios ou responsabilizações diferentes ao longo do tempo. Isso deve valer ao professor e ao juiz, ao médico e ao militar. Só assim criaremos uma burocracia que serve ao público, e não a si mesma.

Excetuadas as funções-meio, a pergunta de quem deve ganhar a estabilidade é mais complexa. A resposta deveria começar pela listagem de quais são as funções-finalísticas que constituem as tarefas mais relevantes para o país no século 21. É inegável que militares, juízes e auditores fiscais são centrais para o funcionamento do Estado. Todavia, se o Brasil quiser se desenvolver segundo o que foi colocado na Constituição de 1988 e, principalmente, pensando no que garantirá um futuro melhor aos nossos filhos e netos, médicos, professores, forças de segurança, assistentes sociais, profissionais da área ambiental e da garantia dos direitos humanos básicos são imprescindíveis.

Alguém tem dúvida de que, se pudesse, Bolsonaro mandaria embora amanhã mesmo a grande maioria dos funcionários de ponta do Ibama e da Funai, que colocam suas vidas em risco diariamente? Olhando para os integrantes do Centrão e tomando-os como espelho dos governantes de grande parte dos municípios brasileiros, é bem provável que eles barganhassem politicamente a contratação de professores, médicos e assistentes sociais, como já fazem com o enorme contingente de cargos comissionados sob sua guarida. No fundo, a pergunta é a seguinte: como evitar que o Estado social brasileiro, com funções mais próximas do século XXI e não do XIX, não seja desmanchado pelo patrimonialismo que ainda corre nas veias de nossas elites?

A resposta para perguntas como essa vai exigir uma maior sofisticação legislativa, que vai além da lógica dicotômica. A solução aqui passa pela construção de uma visão sistêmica do Estado brasileiro, que combine os componentes republicano-democrático e o do desempenho governamental. Tal combinação, infelizmente, não está na base das propostas de reforma administrativa atuais.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas


Claudia Safatle: Sem saída

Se Bolsonaro não aceitar os “remédios amargos”, não haverá um novo programa de renda mínima mais amplo

Face às restrições impostas pelo presidente Jair Bolsonaro, o Orçamento da União para 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo e a criação do programa de renda mínima, o Renda Brasil, entraram em um beco sem saída. Uma situação que alimenta soluções extravagantes como a de estender o decreto de calamidade pública, cuja vigência é até dezembro, por mais um ano.

Essa é uma ideia que está na cabeça de algumas autoridades, fomentada pela segunda onda da pandemia da covid-19 na Europa e pela dificuldade de a doença entrar em uma curva descendente aqui. Mas ela não consta do radar do ministro da Economia, Paulo Guedes.

A equipe técnica da área econômica e lideranças políticas, particularmente o relator do Orçamento e da PEC 188, senador Marcio Bittar (MDB-AC), estão enredados em meio aos vetos de Bolsonaro. O presidente afirmou que não vai “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, quando foi apresentado à proposta de fusão de vários programas sociais para financiar o Renda Brasil; e que pretende dar “cartão vermelho” a quem sugerir desindexar parte do Orçamento - o que significa não garantir reajustes automáticos às despesas hoje corrigidas por índices de preços ou pela variação do salário mínimo.
A proposta dos economistas oficiais era de desindexar os benefícios previdenciários, deixando-os sem reajustes, congelados, por dois anos.

Uma semana depois da histriônica reação do presidente, não há soluções alternativas muito diferentes das que foram apresentadas. Todas são remédios “amargos” de difícil digestão política, mas necessários dado o quadro de deterioração das contas públicas neste ano, com a pandemia.

Ou Bolsonaro recua do veto imposto aos três D da PEC 188 - desindexação, desvinculação e desobrigação - ou não haverá um novo programa de renda mínima, mais amplo e de maior valor do que o Bolsa Família, para contemplar, também, parte dos “invisíveis” que surgiram na busca pelo auxílio emergencial, salientam técnicos. Dados da Caixa Econômica Federal indicam que 66,2 milhões de brasileiros estão recebendo o auxílio emergencial, que se encerra em dezembro.

Aliás, o recuo deveria ir mais longe e pegar a proposta original do Renda Brasil, que seria financiado pela fusão dos vários programas sociais dispersos, claramente mal focados e pela desindexação de despesas orçamentárias. Aí se incluiriam o abono salarial, seguro-desemprego, salário-família, tal como sugeriu o economista Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do bem-sucedido Bolsa Família e que está ajudando o governo na montagem do programa de renda mínima.

Tal fusão envolveria também o Bolsa Família - que já foi resultado da junção de outros programas sociais - e renderia uma soma considerável de recursos, em torno de R$ 100 bilhões, segundo estimou. Somente o Bolsa Família tem orçamento para o ano que vem de R$ 34,9 bilhões.

O governo tem focado muito no corte de gastos e falado pouco de medidas destinadas a aumentar a receita tributária diante de uma taxação mais justa da renda dos verdadeiramente ricos. Nesse aspecto, há desde a instituição de uma alíquota de 35% para tributar rendas mais elevadas - inclusive as originárias de lucros e dividendos - até cortes de deduções do Imposto de Renda que beneficiam a classe média, tais como despesas médicas e gastos com educação.

Renda Brasil e Carteira Verde Amarela se complementam.

A ideia é garantir a renda do trabalhador em até um salário mínimo. Assim, se no mercado de trabalho com a Carteira Verde Amarela o empregado consegue receber no máximo R$ 800 por mês, o Renda Brasil entraria complementando o salário até o valor de um mínimo, atualmente de R$ 1.045.

O projeto de criação dessa nova carteira de trabalho, livre de impostos e contribuições, terá que ser reenviado ao Congresso Nacional, já que a proposta anterior caducou sem ser votada.

Tomando como um dilema já resolvido que o governo respeitará a lei do teto de gastos e que a PEC 188 estabelecerá os gatilhos para o corte de despesas quando o gasto chegar a um determinado patamar, falta agora Bolsonaro decidir quem vai pagar o programa de renda mínima. Ele pretende criar o Renda Brasil mais amplo, em substituição ao Bolsa Família para, com ele, embalar seu projeto de reeleição.

Cabe ao chefe de governo arbitrar esse conflito distributivo e o tempo para isto está ficando curto. A indecisão revela uma falta de apetite para dirimir conflitos e isso chega aos mercados como uma insegurança total a respeito dos rumos da política fiscal do governo.

Os sinais ruins estão à vista: as taxas de juros longas estão subindo dia a dia e o prazo da dívida pública mobiliária se encurta, em um claro temor de que não haverá rigor fiscal. Daí para queimar o ministro da Economia é um pulo. Os sinais são um alerta de que o governo tem que mostrar o que vai fazer para trazer as contas públicas de volta a patamares aceitáveis de financiamento.

Tática presidencial

Começa a se firmar entre os principais assessores da área econômica a percepção de que há uma tática na reação do presidente a medidas politicamente sensíveis. Ele as descarta sem dó, deixando os seus proponentes perdidos, soltos no ar. Mas, tal como está acontecendo com a criação da nova CPMF -o imposto sobre transações digitais, que Bolsonaro condenou totalmente e agora, diante dos fatos, começa a aceitar -, avalia-se que o processo de aceitação será construído também com as medidas de financiamento do Renda Brasil.

No caso do imposto sobre transações, o governo quer vendê-lo como uma “substituição tributária”, no lugar da desoneração parcial da folha de salários das empresas. Com uma alíquota de 0,2% nos débitos e crédito, o novo tributo financiaria a desoneração horizontal da folha. Esta seria integral até um salário mínimo e, a partir daí, deverá haver um corte na alíquota de contribuição previdenciária de 20% para 15% ou 10%.


César Felício: Os padrões eleitorais de São Paulo e Rio

Covas tem vantagem e Paes precisa de Crivella

A eleição municipal nas capitais, sobretudo em São Paulo, é um sinalizador para a sucessão presidencial e seus resultados influenciam a equação política para o pleito nacional, ainda que de forma tênue. Sua dinâmica, entretanto, é local. Para traçar prognósticos e poder errar um pouco menos, é importante perceber que o eleitor paulistano e carioca tem um padrão de voto, pouco influenciável pelo cenário nacional, ainda que o afete.

Em São Paulo há um cenário de polarização ideológica estabelecido e consistente. Tanto esquerda quanto direita são fortes. No Rio isso é menos nítido, com a esquerda sempre encapsulada na intelectualidade das áreas mais ricas e em alguns nichos de movimentos sociais nas periferias. Os cariocas não elegem um prefeito esquerdista desde 1992. Pode parecer estranho hoje, mas em 1988, quando eleito, Marcello Alencar, futuro governador tucano, ainda era do PDT e alinhado ao brizolismo. Depois, nunca mais: Cesar Maia e seus pupilos que dele dissentiram, Luiz Paulo Conde e Eduardo Paes, ganharam todas até 2016, quando veio Crivella.

Em São Paulo a direita ganhou as eleições de 1985, com Jânio, 1992 e 1996, com Maluf e Pitta. O colapso do malufismo deslocou paulatinamente seu eleitor para o PSDB ou para o DEM, no episódio Kassab em 2008 e com os tucanos em 2004 e 2016. Uma franja, expressiva na baixa renda em bairros que fazem a transição entre as regiões ricas e a periferia resistiu na maioria das eleições aos tucanos.
Já a esquerda triunfou em 1988, 2000 e 2012 e sempre esteve concentrada geograficamente nos bairros periféricos e politicamente no PT. Este traço está esmaecido e o petismo vive um processo de decadência na cidade, análogo ao que o malufismo sofreu. A eleição de 2020 pode arbitrar quem herda o espólio petista.

A corrida de 2012 foi ganha por Fernando Haddad, mas o germe do enfraquecimento já circulava no organismo petista. Haddad foi escolhido de forma traumática, alijando a ex-prefeita Marta Suplicy, principal referência eleitoral do PT à época. Ele teve 29% dos votos no primeiro turno e ficou em segundo lugar, atrás de José Serra, com 31%.

O petista virou no segundo turno, ajudado pela tremenda rejeição a Serra, cuja origem se encontrava na sua polêmica decisão de renunciar ao cargo de prefeito para disputar o governo paulista, em 2006. O repúdio a Serra era algo tão forte que a franja conservadora que não engolia os tucanos poderia ter surpreendido. Celso Russomanno, pelo PRB, e Gabriel Chalita, do MDB, calavam fundo entre os eleitores terrivelmente evangélicos, no primeiro caso, e católicos no segundo, e nas regiões de transição entre pobreza e riqueza. Juntos, tiveram 36% dos votos (dois terços deste total para Russomanno e um terço para Chalita).

Na eleição de 2016, o candidato do MDB não foi Chalita, foi Marta Suplicy. E Marta tirou votos do PT, não do PSDB. Houve uma dispersão na esquerda e uma concentração na direita, o inverso de quatro anos antes.

Além de Marta, outra ex-prefeita petista, Luiza Erundina, se candidatou. Somadas, representaram 14%. Entre as eleições de 2012 e a 2016, Haddad perdeu exatos doze pontos percentuais: de 29% baixou para 17%.

Já Russomanno se apresentou de novo, mas desta vez não enfrentou um cacique tucano desgastado por erros políticos. Ele se confrontou com uma figura nova na política, João Doria. Russomanno teve 14% dos votos, oito pontos percentuais a menos do que em 2012. Não havia no cardápio de 2016 nenhuma opção a Chalita para os 14% que optaram por ele na eleição anterior.

Doria recebeu 53% dos votos, exatamente o correspondente à soma dos 31% de Serra com os oito pontos percentuais perdidos por Russomanno e os 14% que em 2012 quiseram Chalita. Ou seja, não houve diferença significativa em São Paulo de padrão de voto entre 2012 e 2016.

As primeiras pesquisas desta eleição mostram Guilherme Boulos empatado em terceiro lugar com Márcio França, em torno de 10% ou um pouco menos, e o petista Jilmar Tatto misturado com nanicos no piso de 1%. Não é razoável supor que a esquerda em São Paulo tenha se tornado tão pequena. Há espaço para Boulos e Tatto crescerem, mas não tanto para ganharem a eleição. A esquerda pode chegar ao segundo turno, mas terá extrema dificuldade para ultrapassar a barreira de 30%, porque seus possíveis adversários são menos rejeitados. Se Boulos ficar à frente de Tatto significará um terremoto na hegemonia petista em termos nacionais, com impacto em 2020.

Do outro lado, o PSDB deixou de nuclear a direita. Foi empurrado para o centro, com Bruno Covas, e disputa esta faixa com Márcio França. Covas tem o dobro nas pesquisas que o candidato do PSB, aproximadamente, e essa não é a única vantagem que desfruta. “Ele prepondera nos bairros de renda alta. Enquanto mantiver este nicho, o espaço para Russomanno está limitado”, opina o economista Mauricio Moura, do Ideia, um dos institutos que fizeram pesquisa recentemente. Já França padece de um problema fatal nos dias de hoje: não é forte ou fraco em nenhum segmento específico. Seu voto se distribui por igual em todas as faixas. “É típico de quem tem só recall. É uma candidatura por ora sem rosto”, afirmou.

Para ser plenamente competitivo, Russomanno precisaria emitir acordes dissonantes: sua mensagem teria que entrar tanto no antibolsonarismo conservador quanto no bolsonarismo. Do contrário, só resta a ele torcer para chegar ao segundo turno contra um radical, como é o caso de Boulos. A rejeição a Bolsonaro cresceu muito na cidade. Segundo o Datafolha, a avaliação ruim da administração federal é de 47%. Só a simpatia dele não é suficiente. “Para enfrentar Covas, ele precisaria entrar na renda alta. Por enquanto está fora. Só com o conservadorismo de baixa renda ele não supera”, disse Moura. Qualquer resultado em São Paulo que não seja a vitória de Covas enfraquecerá Doria em 2022.

No Rio, por ora, o principal cabo eleitoral de Eduardo Paes chama-se Marcelo Crivella. Dado o tremendo desgaste eleitoral da classe política, o ex-prefeito corre risco contra um candidato com uma roupagem de limpeza política, como pode ser o caso da deputada estadual Marta Rocha (PDT) ou o deputado federal Luiz Lima (PSL). “Ele depende da rejeição de Crivella para ser favorito”, diz o economista.

Trata-se de uma ironia: o atual prefeito do Rio também venceu em 2016 dada a extrema fragilidade de seus oponentes.


Maria Cristina Fernandes: Bolsonaro e Trump em busca do inimigo externo

EUA e Brasil têm os maiores cemitérios da covid, não é por acaso que coincidem no discurso

Primeiro e maior fórum mundial desde o início da pandemia, a 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas revelou como a covid-19 não apenas moldou a visão de mundo de chefes de Estado como também a maneira como cada um pretende que a reação à doença seja vista, principalmente, em seu próprio país.

As falas, porém, não se limitaram à projeção de um caldo multinacional de quimeras. Confrontados, os discursos de Xi Jinping (China), Vladimir Putin (Rússia), Emmanuel Macron (França), Donald Trump (EUA) e Jair Bolsonaro deixam claro que apenas os dois últimos fizeram da pandemia a deixa para a fantasia do inimigo externo. Talvez não seja coincidência que Estados Unidos e Brasil sejam aqueles que, neste grupo, registram tanto o maior número absoluto quanto proporcional de mortos pela doença.

Dos cinco chefes de Estado, Xi Jinping foi quem mais falou da pandemia. Anteviu o que seria o discurso de Trump, que o antecedeu com 20 menções à China, mais do que o dobro de todas as referências à doença, às suas consequências e às providências tomadas.

Ante um Trump que resume o drama mais devastador da humanidade desde a criação da ONU ao “vírus chinês”, Xi citou 13 vezes a covid-19, doença que teve uma única menção no discurso do presidente americano, e nove, o vírus, a despeito da nacionalidade imputada. E propagandeou a “diplomacia da vacina” para substituir a das máscaras e expurgar o espectro da culpa chinesa.

Sem enfrentar as mesmas imputações de Xi, Putin foi pelo mesmo rumo. As menções do presidente russo à doença superaram, com folga, todas as suas demais obsessões sobre segurança cibernética, armas químicas e nucleares e fronteiras. Se deixou explícita uma disputa ali foi aquela com a China pela diplomacia da vacina. Um (Xi) tratou dela como bem público e se comprometeu a dar prioridade de acesso a países em desenvolvimento e o outro (Putin), ofereceu-a de graça aos funcionários das Nações Unidas.

É bem verdade que são dois chefes de Estado que não enfrentam esse problema chamado eleição. Podem se dar ao luxo de exibir altruísmo ao mundo e a seus nacionais num contraponto a um presidente, como Trump, que não baixa as armas nem sob uma pandemia. Tem alguma outra doença em curso, além da covid-19, a assolar a humanidade quando o candidato à reeleição na mais rica democracia do mundo precisa contornar uma doença que já tirou a vida de 200 mil cidadãos para ganhar a disputa.

Uma patologia da mesma família atinge o Brasil. O chefe de Estado, mesmo não estando em campanha eleitoral, precisa fazer igual contorcionismo para falar sobre a doença que levou seu país, com 138 mil mortos, a ultrapassar, em proporção de vítimas, os EUA de sua inspiração.

Não faltam menções apenas à doença no discurso de Trump e Bolsonaro. Inexistem referências à pobreza ou à desigualdade. Talvez não precisassem imitar Macron que, em seu discurso quilométrico (sete vezes maior do que o de Trump e quatro vezes maior que o de Bolsonaro), fez 30 referências à doença, e nove aos seus efeitos sobre pobreza e desigualdade.

Trump, no entanto, limitou-se a dizer que produziu um número recorde de ventiladores, reduziu o índice de fatalidade e está empenhado na busca por uma vacina. No resto do discurso, a doença foi apenas um trampolim para culpar a China e a Organização Mundial de Saúde. Em plena pandemia, achou por bem informar ao distinto público que os EUA gastaram U$ 2,5 trilhões nos últimos quatro anos (mais do que as despesas feitas para o combate à doença e a seus efeitos) em defesa: “Temos as Forças Armadas mais poderosas do mundo”.

Bolsonaro seguiu a mesma trilha. Fez quatro menções aos militares e uma única - equivocada - sobre médicos e enfermeiras que estão no campo de batalha da pandemia (“[O governo] estimulou, ouvindo profissionais de saúde, o tratamento precoce da doença”).

Quem assistiu ao discurso de Bolsonaro não tomou conhecimento sobre iniciativas que poderiam ter contido a doença, como, por exemplo, uma testagem maciça, mas foi informado da presença militar em Roraima que, dias antes, servira de palanque para o secretário de Estado, Mike Pompeo, se dirigir aos eleitores anti-Maduro da Flórida.

Em 2019 os militares tinham ficado ausentes do tresloucado discurso com o qual Bolsonaro se apresentou ao mundo numa guerra santa contra o socialismo de Fidel Castro. Desta vez, o comando de caça aos comunistas ficou de fora - assim como do discurso de Trump - e os militares ocuparam o espaço.

Saem os socialistas e entram aqueles que ameaçam a soberania brasileira na Amazônia. O tema, que tinha ficado ausente do discurso de 2019, teve, desta vez, sete menções - todas contestadas por quem entende de floresta.

O peso que deu ao tema só foi comparável ao de Xi, sendo que o presidente chinês se comprometeu com metas ousadas de redução de gases-estufa enquanto Bolsonaro só mostrou compromisso com a desinformação. Nem polemizar conseguiu. Ao contrário de 2019, quando Macron fez do clima e da Amazônia seu cavalo de batalha, com mais de 20 menções ao tema, desta vez o presidente francês citou os embaraços climáticos de passagem e, com a arapuca já armada no acordo da União Europeia com o Mercosul, passou reto diante da Amazônia.

O discurso soberanista não devolve as onças-pintadas ou os milhares de hectares queimados nem contém a ameaça sobre centros de excelência na produção de dados sobre as florestas brasileiras. Sem defesa para a covid-19, no entanto, foi o que restou a Bolsonaro.

A aposta de Trump de que o “vírus chinês” o eximirá de suas responsabilidades será testada em pouco mais de um mês. A de Bolsonaro ainda tardará, mas esquenta os motores contra as “instituições internacionais” de preservação ambiental. Busca um inimigo externo para a dificuldade de o Brasil atrair capital e gerar emprego. Na tentativa de copiar Trump, mimetiza Nicolás Maduro.

Ainda que tenha maioria parlamentar, dois ministros a mais no Supremo e avance sobre instituições de controle, o presidente pode acabar, como Maduro, só com seus fardados na batalha. A palavra “democracia”, mencionada até por Xi e Putin, não apareceu na fala de Bolsonaro - nem na de Trump.


Andrea Jubé: Bolsonarismo à prova nas capitais

“2022 começou agora”, avisa Freixo em ato petista

No evento promovido ontem pelo PT, para o lançamento de seu projeto de reconstrução do país - documento que balizará as campanhas petistas -, com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, duas importantes lideranças da esquerda afirmaram que a eleição municipal dá largada para a corrida sucessória de 2022.

“Que a gente tenha a sabedoria de ver como vamos nos comportar no primeiro e no segundo turno, porque 2022 começa agora”, conclamou o deputado federal Marcelo Freixo, do Psol. “Temos que buscar não o que temos de idêntico, mas o que temos em comum”, completou. Ele teria o apoio do PT se mantivesse a candidatura a prefeito no Rio de Janeiro, mas renunciou à vaga, atribuindo o gesto à divisão da esquerda no pleito.

O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, manifestou-se na mesma linha, e acrescentou que a esquerda tem de se esforçar para abrir diálogo com os diferentes, e não falar apenas para os convertidos. Citou o verso de Caetano Veloso: “Narciso acha feio o que não é espelho”.

Se 2022 começou agora, o cenário da largada no palco principal, que são as capitais, é adverso para o presidente Jair Bolsonaro. É uma conjuntura que emerge na contramão dos resultados da eleição presidencial. Há dois anos, Bolsonaro venceu em 21 das 27 capitais. Três delas, no Nordeste: Natal, João Pessoa e Maceió.

“O antibolsonarismo é maior que o bolsonarismo nas capitais”, afirma o cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele avalia que a postura de Bolsonaro no enfrentamento da pandemia, e o envolvimento de sua família nas investigações do suposto esquema do ex-assessor Fabrício Queiroz, afastam o eleitor de classe média, mais escolarizado, e também os jovens, do bolsonarismo.

Nesse cenário, Abrucio acha que são remotas as chances de os candidatos apoiados por Bolsonaro, direta ou indiretamente, vencerem no segundo turno em São Paulo e no Rio de Janeiro, as principais capitais e colégios eleitorais estratégicos. Também em Belo Horizonte, esse cenário se repete.

Um dos fatores para o esvaziamento do bolsonarismo nos principais colégios é a ausência de candidatos competitivos do PT. A polarização com o PT é combustível essencial para os bolsonaristas.

Em São Paulo, na hipótese de um segundo turno entre o prefeito Bruno Covas (PSDB) e o deputado Celso Russomanno (Republicanos), que tem o apoio velado de Bolsonaro, Abrucio afirma que o tucano herdará os votos da esquerda.

O ex-governador Márcio França (PSB) pode surpreender e encostar nos dois adversários. Mas ele perdeu pontos com o eleitor de esquerda depois de cortejar publicamente Bolsonaro num evento no mês passado em São Vicente, litoral paulista. Ele admitiu ao Valor que busca o voto “Bolso-França”.

Abrucio também prevê a derrota do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio de Janeiro. Acredita que se ele chegar ao segundo turno, perderá para Eduardo Paes, candidato do DEM, que lidera as pesquisas com vantagem de mais de dez pontos. Bolsonaro estará no palanque de Crivella na figura dos filhos, o senador Flávio Bolsonaro, e o vereador Carlos Bolsonaro. Ambos recepcionados no Republicanos, partido de Crivella.

Na capital mineira, o deputado estadual Bruno Engler (PRTB), por quem Bolsonaro disse que se “inclina”, não aparece nem em segundo lugar. O prefeito Alexandre Kalil (PSD), com chance de reeleição no primeiro turno, lidera isolado as pesquisas. Bem atrás aparece o deputado estadual João Vítor Xavier, do Cidadania. No mês passado, Engler disse ao Valor que o apoio de Bolsonaro seria fundamental para ele se tornar competitivo.

Outro bolsonarista que ainda não decolou é o deputado estadual Delegado Francischini (PSL), que postula a Prefeitura de Curitiba. Francischini é um dos mais antigos aliados do presidente, mas de quem Bolsonaro se afastou após a vitória eleitoral. Ele concorre com o prefeito Rafael Greca (DEM), franco favorito à reeleição, cuja gestão tem 71% de aprovação popular. Bem atrás de Greca vem o ex-secretário estadual Ney Leprevost (PSD).

Em contrapartida, o bolsonarismo sai na frente em redutos da oposição no Nordeste, como Fortaleza (CE) e São Luís (MA).

O deputado federal Capitão Wagner (Pros), que se projetou ao apoiar o motim da Polícia Militar há seis meses, lidera as pesquisas em Fortaleza, base eleitoral de Ciro Gomes.

É preciso aguardar o desempenho do candidato de Cid e Ciro Gomes, o presidente da Assembleia Legislativa, José Sarto (PDT), que também terá como cabo eleitoral o prefeito, Roberto Cláudio, com alta aprovação. Também pode surpreender a deputada Luizianne Lins (PT), que já comandou a capital.

O bolsonarismo também lidera em São Luís, base do governador Flávio Dino, um dos principais adversários de Bolsonaro. Quem encabeça as pesquisas é o advogado Eduardo Braide (Podemos), com a vantagem do “recall” da última eleição, quando chegou até o segundo turno.

Brigam pelo segundo lugar três candidatos da base de Dino: Duarte Júnior (Republicanos), Rubens Pereira Jr. (PCdoB) e Neto Evangelista (DEM). O candidato da Família Sarney, Adriano Sarney (PV), vem atrás.

Por ora, a avaliação de políticos experientes é que muitos cantarão vitória no final, mas a eleição caminha para um resultado fragmentado, sem grandes vencedores. Cada um levará seu quinhão: o bolsonarismo, a esquerda e o Centrão. Contudo, eventuais derrotas acachapantes nos principais centros serão creditadas na conta de Bolsonaro, com reflexos em 2022.

Dias contados

Com o governador interino, Cláudio Castro, dando as cartas, o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), ainda tem, pelo menos, lugar cativo no grupo de WhatsApp dos governadores. Ninguém teve coragem de exclui-lo. Mas segundo integrantes do reservado grupo, os dias dele e do também encrencado governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), estão contados na privilegiada sala de bate-papo.