valor

Cristiano Romero: Receita para lidar com crise de 2008 se esgotou

Os sinais de desaceleração da economia mundial, com risco de uma recessão global, estão por toda parte

Maior economia da zona do euro, a Alemanha já pode estar em recessão, uma vez que seu Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,1% no segundo trimestre e, de julho a agosto, segundo estimativas de consultorias europeias, pode ter recuado novamente. Crescimento negativo por dois trimestres consecutivos caracteriza uma recessão. Os sinais de desaceleração da economia mundial, aparentemente “coordenada”, com risco de advento de uma recessão global, estão por toda parte.

A poucos dias de concluir seu mandato, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, fez apelo dramático para que os países da União Europeia (UE) e os países ricos em geral promovam políticas de expansão fiscal. O pano de fundo da exortação de Draghi, que entrega o cargo em 1º de novembro a Christine Lagarde, ex-diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), é preocupante por mais de uma razão.

Como a taxa de juros fixada pelo BCE já está negativa em 0,5% e isso, pelo jeito, não está sendo suficiente para reanimar as economias da UE, esgotou-se o uso da política monetária como instrumento para prevenir recessões ou enfrentar crises como a de 2008. A quebra de grandes bancos e empresas na ocasião, além da destruição das economias de milhões de investidores e aposentados, levou os bancos centrais dos Estados Unidos, da Inglaterra, da União Europeia e do Japão a lançar mão de uma medida heterodoxa: a compra de títulos emitidos pelos respectivos governos para forçar a queda das taxas de juros de longo prazo, de forma a estimular as empresas a investir.

Nos EUA, além de reduzir fortemente os juros, o Federal Reserve (Fed) comprou à mancheia títulos do Tesouro americano e hipotecas. Em abril de 2017, seu balanço acumulava US$ 4,5 trilhões em ativos, algo jamais visto. Levou tempo, mas a estratégia deu certo e a economia americana engrenou no momento seguinte num longo período de crescimento. Na Europa, o BCE adquiriu também papéis privados. A zona do euro, enfim, se levantou, mas num prazo maior e com menos intensidade que os EUA.

Os manuais dizem que bancos centrais não devem financiar nem governos nem empresas, logo, durante a Grande Recessão fecharam-se os olhos para os pecadilhos cometidos, afinal, a confusão se mostrava mais grave e desafiadora, na opinião de muitos economistas, do que a Crise de 1929. Como “as consequências vêm depois” (Marco Maciel, depois do Barão de Itararé), muitos países saíram da crise altamente endividados do ponto de vista das contas públicas. Por causa disso, começaram a adotar medidas de austeridade fiscal.

Os bancos centrais, por sua vez, iniciaram a caminhada de volta para casa. Em meados de 2013, o Fed anunciou que chegou o momento de interromper a compra mensal de papéis. Deixou claro também que, em algum momento, os juros voltariam a subir, depois de demorado recesso. A economia crescia e o dragão da inflação, advertia o BC americano, poderia acordar depois de longa inatividade.

A necessidade de normalização da política monetária tirava - e ainda tira - o sono de muita gente. Temia-se o óbvio e o não tão óbvio assim, afinal, estava-se diante de algo inédito, que ninguém teve coragem de afirmar, na largada, que daria certo. A preocupação óbvia, mais na Europa que nas demais economias avançadas: elevar juros naquele momento poderia abortar a recuperação pós-crise. A menos óbvia era uma indagação: o que ocorrerá com os preços dos ativos nos mercados quando os bancos centrais começarem a se desfazer dos papéis públicos e privados para equilibrar seus balanços.

O Fed teve dificuldade de iniciar o desmonte de sua política de afrouxamento monetário porque uma das justificativas não se materializava: mesmo com a economia crescendo em ritmo acelerado, a inflação ficou comportada. Ciclos econômicos têm fim porque, num dado momento, não há mais trabalhadores disponíveis no mercado e os que estão nas fábricas começam a receber convites para mudar de emprego. Ato contínuo, os salários sobem, pressionam o custo unitário do trabalho e, portanto, a inflação.

Zelador do poder de compra da moeda, o banco central reage à saliência inflacionária elevando os juros e contendo a quantidade de moeda em circulação da economia - é perverso, mas é a realidade: diante de um cenário como o citado, os bancos centrais estimam a quantidade de trabalhadores que precisam perder o emprego para conter determinada fatia da demanda e, assim, reduzir a inflação à meta definida pelas autoridades, no caso dos países onde o BC não possui autonomia assegurada em lei.

Em 2015, o Fed começou a aumentar os juros e, desde 2018, a se desfazer dos títulos de sua carteira. O PIB americano continuou crescendo, a inflação não se manifestou de maneira perigosa e a taxa de desemprego caiu aos menores níveis em cinco décadas - em setembro, 3,5% ou pleno emprego, o que significa dizer que só não está trabalhando quem não pode (pessoas desabilitadas física ou mentalmente e por causa da estatística, que captura “desempregados” quando, na verdade, são trabalhadores mudando de emprego).

Nos últimos meses, porém, surgiram sinais de desaceleração inquestionáveis, especialmente, na Alemanha, carro-chefe da Europa.

O ativismo monetário foi imediatamente acionado. Desde maio, nada menos que 18 países (contando a zona do euro como um só), inclusive, a Ilha de Vera Cruz, vêm cortando os juros. O Fed voltou a cortar juros e o BCE a comprar títulos, a mesma receita da crise de 2008. Vai funcionar desta vez?

“O ‘zero lower bound’ [o limite zero, numa tradução livre] da política monetária não só foi rompido - já há taxas de política monetária abaixo de zero, como a do BCE -, como já se acumula uma montanha de US$ 17 trilhões de títulos de rentabilidade negativa nos mercados mundiais. E, no entanto, a reação da demanda na economia real continua a decepcionar, ao mesmo tempo em que se teme que haja uma bolha de renda fixa no mundo, com os BCs a alimentar as compras de papéis por preços cada vez maiores (o que resulta em rentabilidades crescentemente negativas)”, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre, da FGV.


Andrea Jubé: Supremo testa blindagem

Lula solto “desfulanizaria’ julgamento no STF

No começo de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, comparou o colegiado à equipe do Capitão Nascimento: “quem está aqui, está todo dia numa Tropa de Elite, com todo mundo falando: pede pra sair". Ele afiançou que os ministros têm “couro” para resistir à pressão. Essa blindagem será testada no julgamento sobre a prisão após a condenação em segunda instância na sexta vez em que a Corte volta a debater o tema, a contar de 2009.

Se o clima não fosse de apreensão nos bastidores, com o STF sob bombardeio das redes sociais, o seguinte cenário não estaria sendo debatido: uma ala do tribunal acredita que se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitasse a progressão para o regime semiaberto aumentariam as chances de se formar a maioria contra a execução antecipada da pena.

Essa corrente argumenta que um cenário de Lula literalmente “livre” poderia “desfulanizar” o julgamento. Segundo esse grupo de ministros, com Lula solto, eventual declaração de inconstitucionalidade da prisão em segunda instância não seria recebida pela opinião pública como uma decisão “pró-Lula”.

De fato, os efeitos desse entendimento podem beneficiar cerca de 190 mil presos que segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cumprem a pena antecipada.

Essa avaliação interna do Supremo foi levada a Lula, mas o presidente resiste a aceitar a progressão da pena. Ele espera que o STF julgue o habeas corpus onde requereu a anulação do processo relativo ao triplex de Guarujá invocando a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça.

Lula está convicto de que a migração para o semiaberto fragiliza o discurso de “preso político”. Ele se veria submetido às mesmas condições que os ex-tesoureiros do PT João Vaccari Neto e Delúbio Soares: usaria tornozeleira, teria de morar em Curitiba e cumprir restrições de horários e de vida social. “Não quero uma pena mais leve, quero minha inocência”, disse à agência France 24.

Já o PT aguarda com ceticismo o julgamento porque dos três desfechos possíveis, apenas um deles beneficia Lula. 1) O STF pode manter o atual entendimento; 2) entender que a prisão após a condenação em segunda instância é ilegal; 3) modular o entendimento para que a execução provisória da pena comece logo após o julgamento do recurso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a terceira instância do sistema brasileiro.

Apenas a segunda hipótese favorece Lula, porque o petista teve o apelo na ação sobre o triplex rejeitado pelo STJ. Se não for compelido a migrar para o semiaberto, ele permaneceria detido na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba porque já foi julgado pelo STJ.

Em julho, esta coluna informou que o ministro Alexandre de Moraes sinalizou a interlocutores o voto contrário à prisão em segunda instância. A se confirmar este aceno, o placar desta quinta-feira seria de 7 votos a 4 contra a execução da pena antes do esgotamento dos recursos.

Em abril do ano passado, no julgamento do habeas corpus que evitaria a prisão de Lula, Moraes posicionou-se a favor da prisão em segunda instância, e o placar favorável ficou em 6 votos a 5.

O placar esperado para quinta-feira é o seguinte: Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes julgariam inconstitucional a prisão em segunda instância. Parte deste grupo acompanha a modulação de Toffoli para que a detenção do condenado ocorra após a análise do apelo no STJ.
Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia votariam pela legalidade da prisão na segunda instância.

Como no julgamento anterior, Rosa Weber tende a acompanhar a maioria. E embora tenha julgado inconstitucional a prisão antecipada, o voto do decano Celso de Mello agora seria incerto, segundo uma fonte credenciada da Corte. São os votos de Moraes, Rosa Weber e do decano que podem formar o placar de 7 a 4.

O precedente favorável à prisão em segunda instância remonta a 2016, numa conjuntura de Operação Lava-Jato nas ruas e forte indignação popular. Por 6 votos a 5, o STF decidiu que um condenado deveria recorrer atrás das grades.

Dias Toffoli garante que a pressão social não influenciará os ministros. “Quem vem para cá tem que ter couro e tem que aguentar qualquer tipo de crítica”, afirmou no dia 1 de julho. Tomando a ferro e fogo a declaração, um cenário com “Lula preso” ou “Lula livre” não influenciaria a convicção dos julgadores.

**********
Em meio à vitória da aliança da esquerda na eleição para a Prefeitura de Budapeste, a ex-ministra e ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy começou a articular, sem alarde, a formação de uma frente única, encabeçada por ela, para concorrer à Prefeitura de São Paulo no ano que vem.

No último domingo, Gergely Karacsony derrotou o prefeito Istvan Tarlos, presidente do partido no poder - e aliado do primeiro-ministro Viktor Orbán - que tentava se reeleger. Karacsony atribuiu a vitória à unidade da oposição.

Marta, que está sem partido, se filiaria ao PDT, e concorreria com apoio de uma frente ampla formada por PSB, PCdoB e PT. O presidente do PDT, Carlos Lupi, diz que não há nada definido, mas um partido que mantém um candidato a presidente da República (Ciro Gomes) tem que ter candidato próprio na maior metrópole do país.

Lupi ressalva que a conversa com Marta ainda não ocorreu, e deve ser nesta ou na próxima semana. Ela está sem partido desde 2018, quando deixou o MDB sem tentar a reeleição ao Senado.

Mas a frente ampla sonhada por Marta não contaria com o PT. Petistas lembram que ela queimou todas as pontes quando deixou a sigla em 2015 atirando. Marta disse na época que o PT protagonizou "um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou".

Ela também enfrentará resistência no PSB, que pretende lançar a candidatura do ex-governador Márcio França. No embate com João Doria em 2016, Marta ficou em quarto lugar, com 10% dos votos, atrás de Fernando Haddad (PT) e Celso Russomano (PRB).


Valor: Huck amplia elos com DEM e busca ponte com esquerda

Apresentador aumenta rede de aliados, mas é visto com cautela no meio político

Por Malu Delgado, do Valor Econômico

SÃO PAULO - A candidatura de Luciano Huck à Presidência da República é um caminho possível para 2022, mas são muitas as baldeações no trajeto. A viabilidade da candidatura é escrutinada em constantes pesquisas de intenção de votos encomendadas por seus apoiadores, que são categóricos: nenhum passo objetivo será dado antes de 2021 e, até lá, todas as variáveis estão no radar: o protagonismo eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso, é uma incógnita; o ministro Sergio Moro pode ser candidato; o próprio Huck pode declinar, como fez em 2018; a economia pode propiciar um gás inesperado à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Nessas sondagens feitas para consumo interno, Huck já aparece com intenção de votos superior a Ciro Gomes (PDT), que terminou em terceiro na eleição de 2018. Há amostragens qualitativas que deixam os entusiastas da candidatura animados: entre cada cinco eleitores de Lula, três admitem votar em Huck, ou seja, é flagrante a entrada do apresentador nas classes C e D simpatizantes do lulismo. A viabilidade eleitoral de Huck funciona como ímã para várias forças políticas. O apresentador não admite a candidatura e, diante de sua alta exposição nos últimos meses, está mais recolhido. Ao Valor, Huck alegou que, com uma agenda atribulada, preferia não conceder entrevista no momento.

Enquanto concilia sua atividade profissional com o que seus apoiadores chamam de espírito cívico, Huck intensifica contatos políticos com lideranças de centro-direita, tendo aliados no DEM, mas está impelido a buscar também pontes com figuras da esquerda abertas ao diálogo.

O que é inegável, no momento, é que Huck amplia a sua influência para esboçar políticas públicas que poderão constar num programa de governo. O estímulo mais imediato para uma candidatura partiu de fundadores do Agora, movimento político suprapartidário ao qual Huck aderiu em 2017, mas há simpatizantes e apoiadores em outros movimentos sociais recém criados, como o RenovaBR e parte do Livres e Acredito.

Está em curso a reorganização de um campo que vai da centro-esquerda até uma visão liberal reformista”
— Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo

Interlocutor frequente de Huck, o cientista político e cofundador do Agora Leandro Machado diz que o apresentador encontra no grupo um canal de debate sobre questões relevantes do país, como educação e segurança, mas isso não significa que ali esteja se gestando o plano de governo de uma eventual candidatura ao Planalto. Machado questiona os interesses de partidos que, vendo em Huck um nome competitivo, se aproximam dele. “É ele se aproximando ou é o DEM e o PSDB que se aproximam dele?”, pergunta.

O empresário Eduardo Mufarej, criador do RenovaBR, é um dos maiores entusiastas da candidatura. Procurado pelo Valor, também preferiu não falar sobre o assunto. Se, por um lado, o apoio de movimentos é um gás para a candidatura, por outro, a antecipação da disputa deixa integrantes dos mesmos movimentos, que não querem se associar a partidos, mas a ideias, reticentes e ressabiados.

Fontes confirmaram ao Valor que Huck já pediu ajuda para conhecer mais profundamente alguns políticos da esquerda. Se o diálogo com o PT parece impossível, outras pontes vem sendo construídas. Um nome que está no radar do apresentador, por exemplo, é o do governador do Maranhão, Flávio Dino. Hoje no PC do B, Dino dá sinais de que se prepara para uma disputa presidencial, possivelmente no PSB.

“Antes de olhar para 2022 precisamos olhar o que dá para fazer numa caminhada positiva que diminua o sofrimento da população brasileira”, disse ao Valor o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, hoje o principal conselheiro político de Huck. Em 2018, apresentado ao possível candidato pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, Hartung chegou a ser sondado para vice, caso a empreitada fosse levada adiante. A primeira conversa por e-mail mais longa entre Armínio e Huck data de fevereiro de 2018.

“O que precisa ser reorganizado no país, e para a minha alegria isso está em curso, com muitas conversas e boa interlocução, é um campo político que vai do pensamento de centro-esquerda, que tem muita sensibilidade para os gravíssimos problemas sociais do país, até uma visão liberal reformista, que trabalha a ideia de modernização da economia, melhorar o ambiente de negócios, de dar segurança jurídica para quem quer trabalhar, gerar empregos, gerar oportunidades”, define Hartung. "Esse campo começa a dar passos de diálogo e a olhar para ajudar o país a sair dessa encrenca que entrou”, diz.

Não sou político, mas acho que o Luciano não tem que ficar na linha de frente da política. É muito cedo”
— Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central

Neste esforço contínuo de diálogo, o ex-governador trabalha para levar Dino ainda neste ano a uma conversa na Casa das Garças, no Rio, um espaço de debates sócio-econômicos identificado como reduto do pensamento tucano. Hartung também teve conversas recentes com o governador da Bahia, Rui Costa (PT). Os governadores de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), e do Ceará, Camilo Santana (PT), são outros interlocutores frequentes da esquerda com esse centro “liberal progressista”, como Hartung tem definido.

A aproximação com a centro-esquerda é pragmática e interessa aos dois lados: caso se desenhe, no futuro, um segundo turno que tenha em um dos polos a direita, como o presidente Jair Bolsonaro, essas outras forças pretendem traçar, desde agora, condições de diálogo para evitar o que ocorreu em 2018, quando o petista Fernando Haddad não conseguiu construir pontes ao centro e foi derrotado.

O apresentador tem, entre seus conselheiros políticos, também a ala mais jovem do DEM. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia é figura frequente em jantares promovidos por Huck ou por seus aliados. Há também grande proximidade do apresentador com o ex-ministro da Educação José Mendonça Filho, que Huck conheceu numa das viagens profissionais a Pernambuco no início dos anos 2000, quando Mendoncinha, como é chamado pelos amigos e correligionários, era vice-governador. Mendoncinha, hoje, frequenta a casa de Huck e o considera um amigo. Símbolo da renovação geracional do DEM, o presidente da sigla, ACM Neto, prefeito de Salvador, é outro político que Huck respeita e escuta.

Nenhum político experiente que endossa a candidatura de Huck fala abertamente sobre o assunto. Um integrante do DEM admite, reservadamente, que o partido está com o pé em três canoas e que a fase atual é delicadíssima. “É uma missão possível construir uma candidatura ao centro, liberal democrática, menos ortodoxa, distante dos polos. Mas de um lado tem a hegemonia petista e, do outro, a bolsonarista. Penetrar nesse meio todo não é fácil.” Parte do DEM, segundo esse político, tem simpatia por Huck, mas também por João Doria, e há ainda os três ministros do partido no governo Bolsonaro. “O diálogo com esses três vai existir no DEM. Bolsonaro é detentor de capital político bastante elevado. Tirar isso dele não é simples”, diz essa fonte.

Recentemente, Huck foi aconselhado a não citar o nome de Bolsonaro em suas palestras. Quando afirmou, num evento em Vila Velha, em agosto, que Bolsonaro era o último capítulo de uma história que não deu certo, Huck e seus apoiadores perceberam o tamanho do estrago que o fã-clube bolsonarista pode provocar em reputações. O próprio Huck confidenciou a um interlocutor que Bolsonaro lhe dará dor de cabeça. A estratégia, agora, é defender as iniciativas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e estimular ações no Congresso, com o aval e a articulação direta de Rodrigo Maia, para que o máximo de reformas possam avançar neste governo.

A linha do discurso de Huck numa eventual campanha já está delineada e há até definição dos cinco eixos centrais que ele deve explorar: desigualdade social, sustentabilidade, educação, saúde e segurança pública. Para cada um desses eixos, conversas têm sido articuladas com especialistas em cada um desses setores.

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga apresentou Huck aos economistas Marcos Lisboa, presidente do Insper, e Ricardo Paes de Barros, que também é do Instituto Ayrton Senna e conselheiro do Livres. PB, como é conhecido, foi o principal formulador do Bolsa Família e é hoje a maior referência no país para elaboração de políticas públicas com base em dados e evidências. Esses profissionais estão incumbidos de subsidiar debates sobre desigualdade e macroeconomia.

As conversas sobre desigualdade começaram no Agora, em 2017, quando o advogado Beto Vasconcelos, alinhado a governos do PT, e o cientista social Humberto Laudares, simpático a governos tucanos, fizeram a cabeça de Huck sobre aspectos estruturais do problema. Foi ali que Huck ouviu sobre a dificuldade de endereçar publicamente o problema já que ele faz parte da elite super rica do Brasil.

Definindo-se como liberal progressista, Armínio Fraga diz que o debate sobre desigualdade é imprescindível num país como o Brasil. “Eu não sou político, mas realmente acho que o Luciano não tem que ficar na linha de frente da política. É muito cedo, não faz sentido. Ele pode aprender, influenciar onde puder, e mais para a frente ele pensa nisso”, diz Armínio Fraga. O ex-presidente do BC admite que “Luciano está mordido pelos assuntos públicos há muito tempo, e ele deve continuar fazendo isso”, sem ter 2022 como foco. “Ele tem uma cabeça muito prática: esse é o problema, quero entender, como fazer para melhorar.”

Na área de segurança pública, por exemplo, Huck conta com Ilona Szabó e Melina Risso, ambas cofundadoras do Agora e com atuação nessa área e interfaces no terceiro setor.

Se lá na frente o cavalo continuar arreado, uma saída é Huck se filiar ao partido Cidadania, o antigo PPS, comandado por Roberto Freire. A hipótese, admite Freire, foi discutida em 2018 e ainda está no radar. “O Cidadania ficaria muito gratificado se ele decidir ser candidato e se integrar ao partido. Só que isso não vai acontecer nem tão cedo, nada agora vai ser decidido. Se isso vier a se concretizar, não tenho dúvida: vamos ser protagonistas em 2022”, afirma o ex-deputado da Constituinte. (Colaborou Cristian Klein, do Rio)

 


Claudia Safatle: Autonomia do BC será votada em breve

Na quarta-feira relator vai definir data com Campos e Maia

Nunca o Congresso esteve tão perto de aprovar o projeto de autonomia do Banco Central. O momento não poderia ser mais favorável. Os juros básicos (Selic) estão no patamar mais baixo da história e a inflação em setembro foi negativa. Houve uma ligeira deflação, de 0,04%, e o risco, agora, é de o IPCA, índice oficial do regime de metas, ficar bem abaixo da meta de 4,25% neste ano. O nível de atividade continua em banho-maria e amplia-se o espaço para uma redução adicional da taxa de juros, para a casa dos 4,5% ao ano.

O ex-presidente do BC Ilan Goldfajn deixou bem pavimentado o caminho para a votação do projeto de lei complementar (PLP) que confere autonomia ao BC junto às lideranças dos partidos. Foram inúmeras as conversas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em um processo de negociação que continuou com o novo presidente, Roberto Campos Neto. Na semana passada, por pouco a proposta de autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central não foi colocada em votação na Câmara.

O deputado Celso Maldaner (MDB-SC), relator do PLP, informou que entre terça e quarta-feira da próxima semana terá uma reunião com Maia e Campos para definir a data que o assunto será levado ao plenário da Câmara.

Quando votado e aprovado, encerra-se um longo período de três décadas para esse assunto amadurecer. As primeiras iniciativas de atribuir autonomia legal para o BC datam de 1989 e precederam a própria estabilização da economia, a partir do Plano Real, de 1994. O objetivo dos projetos era, então, de garantir à autoridade monetária autonomia para controlar a quantidade de moeda na economia.

Agora, o objetivo fundamental do BC será o de assegurar a estabilidade de preços e zelar pela estabilidade financeira. O projeto de lei complementar que o Executivo enviou ao Congresso em abril deste ano foi apensado ao projeto 200/1989.

Ao estabelecer mandato fixo e alternado para o presidente e para os oito diretores do Banco Central, a lei estará retirando-os do alcance de eventuais pressões políticas. A possibilidade de exoneração da diretoria do Banco Central, pelo presidente da República e com a chancela do Senado, ficará restrita a casos de doença que impeça o exercício do mandato, à condenação mediante decisão transitada em julgado ou por insuficiência de desempenho para o alcance dos objetivos citados acima.

A autonomia e o mandato fixo dificultam, mas não eliminam totalmente a possibilidade de demissão da diretoria do BC. Foi o que aconteceu na Argentina quando a então presidente Cristina Kirchner exonerou o então presidente do BC independente, Martín Redrado, em 2010, por divergências políticas. Em geral, as pressões são por mais crescimento no curto prazo, em detrimento do controle da inflação.

A inflação e o desemprego observados no mundo nas décadas de 1970 e 1980 levaram os bancos centrais a ajustar o foco na proteção do valor da moeda e, para isso, tiveram que ser isolados de pressões políticas contrárias ao cumprimento desse mandato.

Delegar o controle da política monetária a bancos centrais independentes foi um processo bem-sucedido pois a inflação, no mundo ocidental, saiu de pouco mais de 20% nos anos de 1980 para quase nada hoje.

No Brasil, após 1994, a estabilidade da moeda tornou-se um patrimônio nacional. Mas faltou o marco legal da autonomia do BC para dar, inclusive, segurança jurídica à instituição no desempenho dessa função.

Desde então, o BC obteve autonomia delegada pelo presidente da República, mas não está escrito em nenhum lugar que o objetivo institucional do Banco Central é manter a estabilidade de preços e que o seu objetivo complementar é zelar pela estabilidade financeira.

Também não há lei que atribua ao BC a condição de autarquia de natureza especial, caracterizada pela ausência de vínculos de subordinação à ministérios.

Associados aos mandatos fixos e escalonados da diretoria do BC, esses são elementos necessários para dissociar a administração da taxa básica de juros dos ciclos políticos eleitorais.

Haverá um mecanismo de coordenação com o ministério da Economia para o caso de alguma operação da autoridade monetária gerar custo fiscal. O BC terá que informar o Conselho Monetário Nacional (CMN) quando for fazer, por exemplo, empréstimos com instituições financeiras públicas ou privadas que representem algum impacto fiscal.

Guedes e o BC
O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que a deflação registrada em setembro abre espaço para queda da taxa de juros.

Como o Comitê de Política Monetária (Copom) já indicou que deverá cortar a Selic em mais 0,5 ponto percentual na próxima reunião, marcada para os dias 29 e 30 de outubro, é de se supor que Guedes esteja sinalizando cortes adicionais, que levem a taxa básica para o terreno dos 4,5% ao ano. O ministro já demonstrou que não se importa de tratar de assuntos relativos ao BC. Em junho ele anunciou que o Banco Central iria liberar R$ 100 bilhões de depósitos compulsórios. E referiu-se, também, à redução das reservas cambiais, ao dizer que, se o dólar chegar a R$ 4,50 ou R$ 5,00, poderá vender US$ 100 bilhões das reservas e usar esse dinheiro para abater a dívida pública.

Sem reforma
Um ministro do círculo mais próximo do presidente da República garantiu que não se cogita, no governo, fazer uma reforma ministerial. Esse mesmo ministro disse, ainda, que nunca ouviu qualquer menção a uma eventual saída de Paulo Guedes do governo, seja por vontade própria, seja por desejo de Jair Bolsonaro.


Ribamar Oliveira: LDO proíbe cortar verbas da Educação

Orçamento da União está cada vez mais engessado

Caminhando em direção contrária à política dos “três Ds” formulada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os deputados e senadores acabam de tornar ainda mais difícil a execução do Orçamento da União pelo governo. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2020, aprovado ontem pelo Congresso Nacional, ampliou de 63 para 88 o número de ações e programas que não podem sofrer contingenciamento em suas dotações.

Os parlamentares fizeram dois movimentos nesta área. Eles excluíram do contingenciamento as despesas com todas as ações vinculadas à função Educação. Ou seja, não serão apenas as dotações do Ministério da Educação que estarão preservadas em 2020, mas todas as numerosas ações na área educacional realizadas por vários ministérios.

A proibição da LDO ocorre depois das fortes reações populares contra o contingenciamento realizado neste ano no Ministério da Educação, que teve suas dotações reduzidas, inicialmente, em R$ 5,8 bilhões. Posteriormente, as verbas foram parcialmente repostas. No fim do mês passado, o governo anunciou o desbloqueio de R$ 1,99 bilhão para o ministério.

Também não serão atingidas pela tesoura do corte, de acordo com a LDO, as verbas destinadas às ações para desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. O Ministério da Ciência e Tecnologia foi um dos mais atingidos pelo contingenciamento neste ano, quando teve suas dotações reduzidas em 42%. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC) teve mais de 80% de seus recursos reduzidos. A LDO proíbe que o mesmo ocorra em 2020.

As pesquisas têm mostrado que a segurança é uma das principais preocupações da população. Talvez em decorrência disso, os parlamentares excluíram dos cortes as dotações destinadas à segurança pública, entendidas as verbas para as polícias federal, rodoviária federal e ferroviária federal e aos órgãos pertencentes ao Plano Nacional de Segurança Pública.

O presidente Jair Bolsonaro poderá vetar a proibição da LDO de contingenciar as dotações das áreas de educação, ciência e tecnologia e segurança pública, mas abrirá, certamente, um debate político em ano eleitoral que os seus aliados provavelmente não estarão dispostos a enfrentar. Por isso, o risco que o presidente corre é ter o seu eventual veto a esta proposta da LDO derrubado pelo plenário do Congresso Nacional.

Em outro movimento, os parlamentares incluíram, pela primeira vez, quase todos os investimentos a serem realizados pelas Forças Armadas na relação de despesas ressalvadas do contingenciamento. Com a LDO em vigor, o governo não poderá cortar, por exemplo, as dotações destinadas à aquisição de aeronaves de caça e sistemas afins, o programa de desenvolvimento de submarinos (Prosub) e o programa nuclear da Marinha (PNM). Até as dotações para a aquisição do blindado Guarani pelo Exército e as verbas para o desenvolvimento do cargueiro tático militar KC-X não poderão sofrer contingenciamento.

Em 2020, a União está proibida de cortar as dotações incluídas no Orçamento para aumento de capital de empresas estatais não dependentes, como a Eletrobras.

Com as mudanças feitas pela LDO, a execução orçamentária ficou mais difícil porque, se houver frustração da receita prevista no Orçamento de 2020 e o governo for obrigado a contingenciar as despesas para cumprir a meta fiscal do ano, não poderá cortar as dotações de mais 15 ações e programas, que passaram a ser classificados como “despesas ressalvadas do contingenciamento”. O universo das despesas passível de corte foi bastante reduzido, dificultando a vida do ministro Guedes e de sua equipe.

O ministro da Economia tem defendido a política dos “3Ds”, ou seja, uma diretriz que prevê desvincular as dotações orçamentárias, desindexar da inflação os benefícios concedidos pelo Estado e desobrigar o governo a realizar gastos. As últimas decisões do Congresso vão em sentido contrário.

Em junho, os parlamentares aprovaram a emenda constitucional 100, que torna um dever da administração executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade.
Como o texto ficou confuso, dando margem à interpretação de que o governo teria que executar o Orçamento aprovado mesmo sacrificando a meta fiscal do ano ou o limite fixado para a despesa, os senadores e deputados aprovaram, no fim de setembro, a emenda constitucional 102, que estabelece que o dever da administração é de executar apenas as despesas primárias discricionárias (investimentos e custeio da máquina pública).

Ora, se as despesas discricionárias passaram a ser de execução obrigatória, todo o Orçamento será obrigatório. Pois além dos gastos discricionários, existem os obrigatórios, determinados por dispositivos constitucionais ou por legislações específicas. A emenda 102 determinou, no entanto, que as despesas discricionárias poderão ser contingenciadas para o cumprimento da meta fiscal do ano ou para o cumprimento do teto de gastos.

O país passará a viver, portanto, com nova realidade orçamentária. O Orçamento aprovado pelo Congresso terá, a partir do próximo ano, de ser executado como foi aprovado por deputados e senadores. A margem do Executivo para mudar as programações será muito menor do que no passado. A diferença em relação aos países mais desenvolvidos, no entanto, será que, no Brasil, o Orçamento é por demais engessado, com as despesas anuais sendo definidas não pelo Parlamento, mas por dispositivos constitucionais, por legislações específicas e por outros atos normativos.

O engessamento aumentará ainda mais em 2020, com a decisão dos parlamentares de elevar as despesas ressalvadas do contingenciamento.


Cristiano Romero: Anatocismo

A União tem participação, direta ou indireta, em mais de 600 empresas e precisa vender, e se livrar, de tudo isso logo

Brasílio é um sujeito que possui um patrimônio razoável, mas tem, também, uma dívida enorme, sobre a qual incidem juros altos (principalmente, porque a dívida é grande). E foi quase sempre assim: patrimônio e dívida elevados. O problema do Brasílio é que ele não consegue cortar despesas nem gerar mais receitas e, assim, economizar uma quantia para pagar os juros e, assim, impedir que a dívida cresça. Resultado: o cidadão segue aumentando os compromissos financeiros para bancar as despesas correntes, que não param de crescer.

O gerente do banco onde o Brasílio tem conta, conhecedor de suas finanças, o aconselha a se desfazer do vasto patrimônio. Diz-lhe para vender imóveis, carros de luxo, barcos, coisas que, na idade do Brasílio, não fazem mais nenhum sentido na vida dele. O sujeito tem na garagem, entre outros carros, um Alfa Romeo 76 e uma Kombi 77 amarela, “vintage”. Uma coisa o Brasílio é: honesto. Tudo o que possui está registrado direitinho em sua declaração do Imposto de Renda.

Mas, pense num sujeito apegado a coisas sem utilidade... Por isso, pediu ao gerente uma avaliação do seu patrimônio. Feito isso, descobriu que, dos 146 ativos listados em seu patrimônio, poucos realmente valem um bom dinheiro. O gerente, visto pelo Brasílio como algoz, cidadão portador de más notícias, pessoa insensível, explicou-lhe que seria bom correr para vender logo os mimos porque alguns estão “apodrecendo”.

“No mundo real, Brasílio, as mudanças estão ocorrendo de maneira muito rápida. Alguns dos seus bens podem não valer coisa alguma se não forem passados adiante com a maior brevidade possível”, advertiu o gerente, pobre homem, acusado injustamente por mostrar a seu cliente a calamidade financeira em que ele vivia. “Sou bancário e não banqueiro, Brasílio.”

O “cão babão” - como ele chamava o gerente nos momentos mais difíceis - ainda teve a pachorra de recomendar ao endividado Brasílio que, na relação do sem-número de ativos que ele possui, alguns deveriam ser simplesmente doados ou fechados. São coisas que, se mantidas, só vão lhe dar despesas. Não rendem nada, a maioria dá prejuízo, logo, o ideal, sugeriu o “coisa ruim”, é livrar-se disso o quanto antes.

Brasílio decide, então, consultar dois amigos do peito. O primeiro diz que o gerente está certo, que não faz sentido manter todo aquele patrimônio e ver a dívida crescer nos bancos. “Brasílio, você sabe o que é anatocismo? Se não sabe, corra ao dicionário. Venda tudo e pague o que puder da sua dívida. E veja: o que você levantar na venda do que possui não será suficiente para pagar a dívida, mas melhorará muito a situação. Ademais, livre dessa ‘coisalhada’ que só lhe dá despesa e com uma dívida menor, você retomará a capacidade de pagar o restante da dívida. Feito isso, terá crédito na praça novamente”, aconselhou o amigo, um indivíduo de vida organizada, pouca dívida, independência financeira, um investidor. “E tenha juízo quando puder investir novamente.”

Consultado, o outro amigo o surpreendeu no primeiro momento. Disse-lhe, um tanto consternado, que ele realmente precisava se desfazer daquele patrimônio. A surpresa se deu porque esse sujeito foi sempre contrário à venda da cobertura na Delfim Moreira, do iate estacionado na Marina da Glória e mesmo do Alpha Romeo 76 e da Kombi 77 amarela (“vintage”). “Tem que vender, Brasilinho, sua situação não é boa.”

Na verdade, esse vivente, mesmo vendo a dívida do Brasílio explodir ao longo dos anos e a despesa com juros escalar alturas impensáveis, fez sempre oposição cerrada à venda de qualquer item do vasto patrimônio, do qual ele tirava proveito como se fosse seu. Pense numa pessoa apegada a coisas alheias... Mas, aí, a boa surpresa do início da conversa se desfez num átimo porque o bom conselho veio seguido de outro, que, aplicado, anulava os bons efeitos do primeiro.

“Brasílio, meu filho, não venda tudo. Não toque, pelo amor de Deus, na cobertura do Leblon. E, olha, com metade do dinheiro da venda da Quinta em Portugal e do avião [comprado com empréstimo subsidiado do BNDES], você terá condições de investir novamente! Olha, já te falei que a nossa velha Petrobras vai montar uma fábrica de tecido no complexo petroquímico de Suape, em Pernambuco?”, disse, todo animado, o “amigo do alheio”, como o chamava um cínico que frequentava a casa do Brasílio.

“A Petrobras, Brasílio, voltará a ser a empresa com que sonhamos quando fomos às ruas exigir em alto e bom som: ‘O Petróleo é nosso!’, Que campanha aquela, não foi, Brasílio? Os americanos não queriam que o Brasil produzisse petróleo. Temiam o crescimento do nosso país, queriam que ficássemos eternamente dependentes deles. Mas, o Getúlio Vargas, espertíssimo, peitou os gringos, promoveu a maior campanha popular da história do país e, por isso, temos hoje petróleo e a Petrobras”, bradou o amigo, entorpecido pelas notícias de que a estatal, por causa da camada pré-sal de petróleo, anunciaria [no início desta década] o maior programa de investimento de uma empresa no planetinha.

“Compre correndo ações da 'nossa' Petrobras, que construirá, também em Suape, a maior refinaria de combustíveis do Brasil, um investimento que nos custará menos de R$ 3 bilhões, uma pechincha. Eu te disse que a Petrobras tem hoje a maior carteira de investimento do planeta? Acorda, Brasílio.”

Dividido, Brasílio foi ao dicionário e aprendeu que “anatocismo” significa “capitalização de juros, juros compostos ou juros sobre juros”. Descobriu, assustado, que anatocismo diz respeito a “diferentes variações linguísticas para designar um mesmo fenômeno jurídico-normativo, que tem como pano de fundo um contrato de mútuo vencido e não pago, fazendo incidir as rubricas atinentes ao inadimplemento relativo aos juros de mora”.

Nosso personagem teve o equivalente a uma epifania: se ele precisa se desfazer do que tem para pagar dívidas, não faz sentido investir em coisa alguma. Isso vale também, pensou, para a União, que possui 637 participações em empresas controladas diretamente, suas subsidiárias, e coligadas, mas hoje não tem dinheiro para pagar os juros de uma dívida que beira os 80% do PIB.

“Por que o Estado brasileiro tem mais de 140 estatais se não consegue educar as crianças decentemente nem oferecer serviços de saúde aceitáveis?”, questionou-se Brasílio, determinado a partir dali a estudar artimética novamente.


Andrea Jubé: O jogador

Bolsonaro erra no time e enfrenta Congresso dividido

Mequinho que se cuide porque o presidente Jair Bolsonaro aventurou-se na arte do tabuleiro. Mais de uma vez, ele comparou o governo a uma partida de xadrez, o jogo milenar de estratégia que surgiu na Índia e dialoga com o que lhe é caro. Em sânscrito, o nome do jogo significa “os quatro elementos de um exército”: a infantaria (peões), a cavalaria, as carroças (torres) e os elefantes (bispos).

Autoproclamado Rei, Bolsonaro convocou autoridades para o seu time e distribuiu-as no tabuleiro. O que está em xeque na política brasileira é a relação do governo com o Congresso.

O Planalto aguarda o desfecho da reforma da Previdência que o Senado calculadamente tarda em concluir. Monitora o desdobramento da reforma tributária, que fatiada em três - a dos deputados, a dos senadores e a promessa do ministro Paulo Guedes - avançará aos solavancos.

E observa Câmara e Senado, convulsionados pela partilha dos recursos da cessão onerosa e pela disputa de protagonismo entre Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. “Há vários dias acontecem fatos que põem em xeque a relação harmônica entre os poderes que fazem o Legislativo”, reconheceu o líder do PP, Arthur Lira (AL), após o entrevero com o senador Cid Gomes (PDT-CE).

É como se o Rei encarnado por Bolsonaro vivesse em xeque permanente. A metáfora do jogo de xadrez surgiu dois dias antes do anúncio do nome de Augusto Aras para o comando da Procuradoria Geral da República. Um mês depois ele retomou a comparação, na posse de Aras. “Se fosse um jogo de xadrez, o Aras seria a Rainha, eu o Rei”, definiu, entre risos e aplausos dos presentes.

“O Rodrigo Maia seria uma Torre, e a outra Torre o Alcolumbre. O Cavalo, no bom sentido, o Dias Toffoli. Meus ministros os peões”, prosseguiu.

Bolsonaro parece entender a dinâmica do jogo, mas erra na escalação do time. A Rainha, por controlar o maior número de casas, é a principal atacante do Rei. Mas Bolsonaro não poderia escalar o titular da PGR para o ataque sob pena de sofrer gol contra.

Recorde-se que o então procurador-geral Rodrigo Janot - agora protagonista de um dos maiores escândalos da República - ofereceu não uma, mas duas denúncias contra o então presidente Michel Temer.

E ao menos em teoria, o procurador-geral da República goza de autonomia e independência institucionais. Uma prerrogativa que não intimidou o presidente a cobrar publicamente de Aras que seja alertado previamente das investigações: “por muitas vezes, se nós estivermos num caminho não muito certo, que muitas vezes estamos fazendo aquilo bem intencionados, nos procurem para que possamos corrigir”.

Escalar o presidente do STF como Cavalo é manobra arriscada ou ingênua. O Cavalo é peça que pode ser decisiva nos jogos fechados no centro do tabuleiro. Num erro tático, o Cavalo pela sua posição pode cercear a rota de fuga do Rei. A caneta de Toffoli e de seus pares do STF tem tinta para limitar ou ampliar os passos de todas autoridades com foro: inclusive do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), beneficiado com recurso àquela Corte.

Apesar de todo o esforço de aproximação institucional, é quiçá perigoso ter Maia e Alcolumbre no papel das Torres. Essas peças são atacantes velozes porque se deslocam pelo maior número de casas na horizontal e na vertical. Maia e Alcolumbre comportam-se, todavia, ora como aliados ora adversários.

Os gestos de aproximação se acentuaram depois que o Planalto ampliou os espaços do DEM no governo, sigla de Maia e Alcolumbre. O partido que já controla três ministérios (Casa Civil, Saúde e Agricultura), ganhou postos estratégicos no segundo escalão: a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), tática na interface com prefeitos, em indicação atribuída a Maia; a Secretaria Nacional da Receita Federal, em indicação atribuída a Alcolumbre; a presidência da Companhia de Desenvolvimento do São Francisco (Codevasf), em indicação atribuída ao líder da bancada, deputado Elmar Nascimento (BA).

É em meio ao latifúndio do DEM no governo que Rodrigo Maia declarou há três que Bolsonaro, que no início optara pelo confronto, agora estaria “conciliador”.

Mas o Congresso não se resume ao DEM ou ao PSD - partido que tenta ampliar as pontes com o governo - e os parlamentares estão indóceis. “O governo quer casamento com vida de solteiro. Não pode cobrar fidelidade distribuindo cargos de segundo escalão”, observa um líder de bancada.

Segundo esta liderança, o acordo de procedimentos dos partidos de Centro com o governo restringiu-se à reforma da Previdência.

Na última semana, a indefinição da partilha dos recursos da cessão onerosa foi o estopim para a explosão de nervos. As duas Casas concordam com o modelo de divisão dos recursos por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). Mas um grupo de deputados quer vincular a destinação dos recursos a obras de saneamento e infraestrutura. O receio é encher os cofres dos adversários regionais nas eleições municipais.

Ante o impasse que impediu a votação de seu relatório na Câmara, o relator da matéria no Senado, Cid Gomes, xingou Arthur Lira de “achacador”. Lira devolveu: “não sei o que ele tem na cabeça, mas não são neurônios, nem qualquer eletrodo que faça com que o cérebro dele funcione. Ele é irresponsável, é leviano, é vil, é pequeno, e não merece estar naquela cadeira [de senador], que é muito maior do que as nádegas dele”, vociferou.

O embate desses dois expoentes do parlamento reflete a tensão entre as duas Casas. Um deputado da oposição diz que o Senado quer posar de “bonzinho” com a população. Manteve o valor atual do abono salarial, que os deputados haviam reduzido a pedido do governo. E retarda a votação do segundo turno beneficiando aqueles que podem apressar os processos de aposentadoria. Com o tabuleiro em desordem, melhor Bolsonaro escalar outro time para defender o Rei. Senão o jogo pode acabar em xeque-mate.


Ribamar Oliveira: Diminuiu o tamanho do ajuste fiscal necessário

Simulações do Ibre indicam que “é possível e provável” que a dívida pública se estabilize nos próximos anos até mesmo com déficits primários

Um fenômeno brasileiro recente ainda não foi devidamente explicado pelos economistas. Hoje, existe quase um consenso de que houve uma mudança estrutural da taxa de juros no Brasil. Três anos atrás, a taxa básica (Selic) estava em 14,25% ao ano. Hoje, está em 5,5% ao ano, com perspectiva de cair ainda mais.

No mesmo período, o setor público brasileiro continuou registrando elevados déficits primários em suas contas, com crescimento da dívida bruta, que chegou perto de 80% do Produto Interno Bruto (PIB). A perspectiva é de que a dívida continuará em elevação e o setor público com déficit primário nos próximos anos. Como foi possível os juros caírem tanto com este dramático quadro fiscal?

A mudança dos juros no Brasil está sendo considerada estrutural porque ninguém acredita que a Selic voltará ao patamar de dois dígitos em horizonte previsível. Pelo menos até agora não houve manifestação contrária, embora alguns desconfiem que taxa de juros tão baixa no Brasil não deve perdurar por muito tempo.

O fenômeno ainda não explicado e impressionante, pelo curto prazo em que ocorreu e pelas condições fiscais, terá consequências notáveis. Ele tem levado a uma taxa muito baixa de financiamento da dívida pública. O Tesouro Nacional está vendendo títulos com taxa de juro real de 2,6% ao ano (NTNB), com prazo de cinco anos, o que era inimaginável há pouco tempo.

Como resultado do atual fenômeno de queda dos juros, o setor público brasileiro pagará, neste ano, possivelmente, uma conta de juros semelhante ao que pagava quando a dívida pública era de 51% a 53% do PIB, estimou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, na semana passada, quando comentou o resultado fiscal de agosto. No fim daquele mês, a dívida bruta do setor público estava em 79,8% do PIB, de acordo com o Banco Central.

Na visão de Mansueto, se o governo conseguir acelerar as privatizações de empresas estatais e garantir que o BNDES pague antecipadamente os empréstimos que recebeu do Tesouro, o cenário para a trajetória da dívida será ainda mais benigno.

O secretário observou que, no atual cenário, os economistas de vários bancos estimam que para estabilizar a dívida como proporção do PIB é necessário um superávit primário de apenas 1% do PIB. Em passado não muito distante, o entendimento que predominava no mercado era que o setor público teria que fazer um superávit primário de 2,5% do PIB ou, até mesmo, de 3% do PIB.

Em artigo publicado nesta semana no Valor, o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, concorda que a redução da Selic, com a consequente diminuição das taxas de juros da dívida, “resulta na redução do resultado primário de equilíbrio necessário para estabilizar a dívida”. As simulações que ele fez indicam que “é possível e provável” que a dívida pública se estabilize nos próximos anos até mesmo com déficits primários.

Pires, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, no início de 2016, destaca, no artigo, que a melhor métrica para avaliar o quadro fiscal é a do resultado estrutural, pois o resultado primário é contaminado por uma série de efeitos de curto prazo, como eventos não recorrentes e pelo ciclo econômico que está desfavorável. O resultado estrutural, observa, expurga esses efeitos e permite uma visão da condição de longo prazo da política fiscal.

O resultado primário estrutural de 2018, apurado pelo governo, indicou um déficit primário de 0,7% do PIB. Considerando a evolução da política fiscal em 2019 e o Orçamento da União para 2020, as estimativas de Pires apontam que o resultado estrutural ficará em um déficit de 0,29% do PIB. Na metodologia divulgada pelo Observatório de Política Fiscal, calculada pelo economista Bráulio Borges, a estimativa é que, em 2020, o resultado primário estrutural seja positivo em 0,15% do PIB.

Diante deste cenário, Pires considera que uma das prioridades do governo “deveria ser recuperar a economia e fechar o hiato do produto para o resultado fiscal melhorar de forma mais evidente”. Para ele, o debate se volta para a margem de segurança que o governo deseja obter e a velocidade que deve impor para a queda da dívida nos próximos anos.

“É recomendável trabalhar com uma margem de segurança para absorver choques no futuro, mas não há nenhuma necessidade de manter um ajuste criando uma situação de paralisia das atividades governamentais e baixo investimento”, diz no artigo.

Embora acredite que a situação mudou para melhor, o secretário do Tesouro tem outra visão do que deve ser feito. Ele lembrou, na semana passada, que a despesa primária da União era equivalente a 19,9% do PIB em 2016 e que deve fechar este ano em 19,7% do PIB, ou seja, só 0,2 ponto percentual abaixo. “Dado que eu quero, até 2026, cortar despesas equivalentes a 4% do PIB, 90% do ajuste fiscal ainda precisa ser feito”, afirmou.

Mansueto disse que a dívida pública está em quase 80% do PIB, patamar muito elevado em comparação com os demais países emergentes e que a projeção do governo é que ela continuará crescendo até 2022. “Em um cenário como esse, o nosso desafio não é ficar com uma dívida tão alta, mas fazer com que ela caia”, afirmou. “Se ficarmos com dívida elevada e, daqui a dois ou três anos tivermos algum problema, não teremos capacidade de fazer política fiscal anticíclica.”

Para o secretário, se a dívida bruta estivesse em torno de 55% do PIB, o governo teria espaço para aumentar o endividamento e fazer política anticíclica. “Mas esse espaço no Brasil desapareceu, justamente porque está com um nível de endividamento muito alto.” Além de alta, a dívida tem um prazo médio muito curto.

Ele lembrou que os Estados ainda estão com um ajuste fiscal a fazer. “Quando tivermos um cenário mais claro da dívida em queda, aí sim poderemos discutir a questão de investimentos e cenários fiscais diferentes”, afirmou.

São duas visões distintas sobre o que fazer na área fiscal daqui para frente, em um cenário muito benigno de inflação e juros baixos, pela primeira vez em muitos anos.


Cristiano Romero: Não existe economia forte com Estado falido

Governos populistas, que usam dinheiro público para fazer “bondades”, são deletérios, porque a conta sempre chega

Em maio de 2008, um pouco antes do ápice da última crise global, a economia brasileira navegava em águas aparentemente calmas, o país ganhou o selo de bom pagador de dívidas. No jargão do mercado, foi promovido pelas agências de classificação de risco ao grau de investimento, uma vez que a categorização é feita para orientar investidores estrangeiros. A obtenção do selo teve um simbolismo forte - a superação da “crise da dívida”, que quebrou o país em 1982, iniciando longo período de baixo investimento público em infraestrutura, desequilíbrio fiscal, baixo acesso a crédito externo e precariedade nos serviços oferecidos pelo Estado.

O grau de investimento permitiu que o Brasil - governo e empresas - passasse a tomar recursos no exterior a custos mais baixos. Uma companhia pode ser muito bem administrada, lucrativa e pouco endividada e, mesmo assim, não alcançar o grau de investimento, o que encarece seu financiamento. Isso ocorre quando o país onde a empresa está inserida tem governos irresponsáveis, que não prezam pelo equilíbrio das finanças públicas. A relação é direta.

Todo cidadão deveria ter consciência do seguinte: maus governos, especialmente, os populistas, que usam dinheiro público para promover “bondades”, em tese formuladas para melhorar a vida dos mais pobres, são deletérios porque a conta sempre chega. E quando chega, é proporcional ao tamanho do rombo promovido nas contas públicas. Todos perdemos e os que mais sofrem são justamente os pobres, a quem os demagogos prometem ajuda quando adotam políticas inconsistentes. Toda iniciativa do Estado, mesmo aquelas que a maioria julga corretas, como o Bolsa Família, deveria ser avaliada constantemente para evitar desperdícios. Seria uma forma também de impedir que os populistas aparecessem com fórmulas mágicas.

Quando o Comitê de Política Monetária (Copom) eleva a taxa básica de juros (Selic) a alturas só alcançadas por espaçonaves americanas, o cidadão que se revoltar com a decisão deve realizar seu protesto na Praça dos Três Poderes, onde fica o Palácio do Planalto, em vez de no Setor de Autarquias, área de Brasília que abriga a imponente sede do Banco Central (BC). E não nos enganemos: a Selic está agora no menor patamar da história - 5,5% ao ano -, cairá mais até o fim do ano, provavelmente, abaixo de 5%, com o juro real (a taxa descontada a inflação) podendo chegar a 1%, mas, se as finanças públicas continuarem no vermelho e nada for feito além da reforma da Previdência, o juro voltará a níveis desconfortáveis no futuro próximo.

A história é conhecida e dispensa repetição de tão maçante, mas a ementa é necessária: em 2015, apenas sete anos depois de obter o grau de investimento, o Brasil perdeu o selo de bom pagador devido à expansão acelerada e insustentável dos gastos públicos nas três esferas de poder (União, Estados e municípios). Será que alguém considera coincidência a correlação entre esse fato e a longa crise que nos assola há longos seis anos, com recessão entre 2014 e 2016 e baixíssimo crescimento entre 2017 e 2019?

Se as finanças do governo não estão equilibradas, se o setor público gasta mais do que arrecada, isso, acredite, afeta negativamente inúmeros aspectos da sua vida, leitor. Endividado, o governo, inclusive o de políticos bem-intencionados, administra permanente escassez de recursos, fato que o obriga a fazer escolhas difíceis. A escassez piora a vida de quase todos. Alguns exemplos:

1) ruas e estradas onde se trafega ficam imprestáveis. Quando o serviço para cuidar dessa infraestrutura passa a ser fornecido por concessionários privados, custa os olhos da cara para o usuário que paga pedágio ou tarifa. Isso ocorre porque, ao fazer a concessão, os governantes, em geral, cobram valores de outorga e que tais altíssimos, com o objetivo de arrecadar e minorar o rombo fiscal. A fatura vai para o valor do pedágio e das tarifas;

2) sem dinheiro, os governos, com raras exceções, não se mexem ou não conseguem melhorar a qualidade de serviços públicos. Isso faz com que o cidadão não queira que seus filhos estudem em escolas públicas e não tenha coragem de internar seus filhos em hospitais públicos; quem não pode, não tem o que fazer; já quem tem dinheiro, põe os filhos em escolas particulares; bem preparados, os filhos de quem pode conseguem acesso às universidades públicas; os filhos dos pobres que chegam a algum lugar vão estudar em faculdades particulares, a maioria, de qualidade duvidosa;

3) a vida numa sociedade onde o Estado não equilibra as contas é mais cara. A carga de impostos é sempre mais alta, inclusive, que a de países ricos, para bancar as despesas do setor público, com destaque para o gasto com juros da dívida que não para de crescer. Se alguém lhe disser, leitor, que o governo brasileiro gasta muito com juros - 5% do PIB nos 12 meses encerrados em agosto, algo como R$ 350 bilhões - e que, portanto, é só baixar essa despesa que as coisas se resolvem, pergunte-lhe como fazer isso. Se ele disser que basta o governante dar uma canetada para reduzir essa conta, saiba que isso é mistificação. A conta de juros não é discricionária. Na verdade, é o resultado da boa ou má gestão fiscal;

4) o custo do crédito, nas economias regidas por Estados gastadores, é sempre impeditivo, especialmente para quem mais necessitam dele, ou seja, as famílias (que precisam de prazo para comprar bens duráveis, como automóveis, e adquirir a casa própria) e os pequenos empresários, que, sem financiamento, têm enorme dificuldade para empreender. Os juros na ponta, isto é, no crédito ao consumidor e às empresas, são elevados porque o governo se endivida muito e, assim, consome a maior parte da poupança disponível - no Brasil, além dessa, outras razões, como a concentração bancária, concorrem para o problema;

5) num país assim, os preços dos bens e serviços são mais altos do que na maioria das economias maduras, mesmo estas tendo moeda forte. É por essa razão que brasileiros de classe média alta fazem o enxoval de bebê e do casamento em Miami. A diferença de preços é tão grande que as famílias que viajam ao exterior voltam abarrotadas de produtos e se tornam alvos de fiscais da Receita Federal, que veem no excesso de bagagem dos turistas a tentativa dos mesmos de fazer comércio, prejudicando o fabricante nacional. Esta situação, originada pelo Estado ao qual estamos todos vinculados, mostra que “somos todos vítimas”.


Rosângela Bittar: O pior ministro

Weintraub é mais grosso, errático e vazio que Vélez

Contingenciamento é corte de orçamento. Descontingenciamento é reposição, total ou parcial, do corte feito. Administrar as verbas na boca do caixa é uma arte, mas não é plano de governo, projeto de país, medida ou ação, muito menos em áreas sensíveis ao conhecimento, à ciência. O ministro da Educação acertou quando chamou o corte o que aplicou a algumas universidades mas errou, quando advertido, ao tentar vincular não mais o corte, mas o contingenciamento, às universidades de cujo corpo discente desaprova a forma de viver. Esta semana o ministro errou de novo, uma constante em sua gestão, ao fazer um auê, como se fosse mérito seu, para anunciar parte da parte da reposição das verbas orçamentárias para universidades, e parte, da parte, da parte, das verbas de bolsas de pós-graduação da Capes. É de constrangimento o sentimento que preside as relações do dirigente do MEC com o resto do governo e com seu público particular.

Não por acaso, este é o pior ministro do governo Bolsonaro (Abraham) e o pior ministro da Educação dos últimos 40 anos (Weintraub).

O ministro só aparece criando conflitos. Volta e meia, quando sua situação está muito ruim, sai um pouco da cena de guerra para reaparecer, grandiloquente, anunciando números, pesquisas e acompanhamentos que os órgãos do MEC produzem historicamente. Nada é mérito seu. Por sinal, se há o que anunciar, deve aos seus antecessores.

A última do Weintraub tem sempre uma boa plateia, é diversão certa, para quem gosta do gênero. Mais folclórico que Ricardo Vélez, o preposto de Olavo de Carvalho na área de Educação, que o antecedeu e sucumbiu aos primeiros acordes do controle ideológico que pretendeu fazer da vida inteligente daquele mundo por ele governado. O atual ministro discursa e atua de forma mais contundente que o primeiro preposto olavista na Educação.
Weintraub não tem a metade da vivência de Velez nessa área, mas é mais duro, mais grosso, mais errático, mais vazio que ele. Ambos sofreram a falta de substância do governo, não foram por ele supridos pois entendido está que deveriam suprir Jair Bolsonaro.

Se alguém souber o que pretende Abraham Weintraub, deve contar para o presidente de forma que use a informação a seu favor. Jair Bolsonaro passa ao largo da Educação. Área do debate e do diálogo, a Educação, hoje, dá pena. Só tem perdas.

Quais os governos que o atual mais admira, cita e copia? Os militares. Pois a Educação encontrou campo fértil nas administrações de Esther de Figueiredo Ferraz, uma educadora respeitada, de Eduardo Portella, acadêmico e escritor, intelectual reconhecido, e Rubem Ludwig, um general educado, acostumado com as relações civilizadas, que levou para a Secretaria Executiva e para ajudá-lo em alguns escalões militares também traquejados nas atividades civis, como o coronel Sérgio Pasqualli.

Até os conflitos, inerentes a esta área, tinham nível. Certa vez, depois de ter a UNE (união nacional dos estudantes) gritando na porta do prédio do MEC, em greve já há alguns dias, o ministro Ludwig reagiu: “É a Carolina, o tempo passou na janela e só a UNE não viu”, disse resgatando o verso da música de Chico Buarque. O presidente da UNE, Aldo Rebelo, que depois seria deputado, presidente da Câmara, ministro de Ciência e Tecnologia, Esportes, Coordenação Política, Defesa, devolveu no mesmo tom, com verso de Noel Rosa: “Quem é você, general, que não sabe o que diz? Meu Deus do céu, que palpite infeliz”!.

Da briga poética do regime militar este governo nada preservou. Hoje o ministro dos estudantes é tosco, agressivo, não diz a que veio e deixa sua personalidade se sobrepor, sem cabimento, a qualquer conteúdo da sua gestão.
**********
Todas as análises apontam para as mesmas cores no atual cenário político, a um ano das eleições municipais, que darão certamente um traçado sobre o quadro partidário e eleitoral do país. Jair Bolsonaro, apesar das pesquisas que ainda lhe são amplamente favoráveis, não tem situação futura confortável; Lula, apesar do apoio popular amplo, também não consegue se situar em patamares elevados. Na verdade, a adesão a um é constituida pelo refugo do outro, e vice-versa.

Há uma certa exaustão da polarização. O discurso bolsonarista ideológico cansou, como também vai impacientando o eleitorado o bolsonarismo econômico sem resultados, à espera do Congresso.

Do outro lado se descortina o PT e o seu eterno mote Lula Livre, sem um projeto político para o país, apenas um projeto de poder para o partido.

.Nenhum dos titulares da polarização atendem às expectativas.

Espontaneamente, então, verifica-se uma atenção redobrada a outras alternativas, uma terceira opinião, um quarto discurso, um quinto projeto. E essas alternativas estão em movimento. Sem qualquer formalidade, coordenação, definições objetivos.

O time desse jogo só aumenta: Davi Alcolumbre, Rodrigo Maia, Tião Viana, Aldo Rebelo, Paulo Hartung, Armínio Fraga, Luciano Huck, Ciro Gomes, Nelson Jobim, João Doria, Fernando Henrique, Tasso Jereissati,, políticos que se reunem, ora em Brasília, ora em torno de um seminário de Reforma Tributária em São Paulo, ou num encontro no Rio, para debater a situação. Eles conversam sobre o quadro político, a aversão crescente a Bolsonaro e Lula, nas questões que precisam estar em um projeto de Brasil a ser apresentado na campanha eleitoral de 2022.

Fora da discussão estão as funções a serem pleiteadas, as datas, as definições mais objetivas.

Às vezes são reuniões de três ou quatro com Alcolumbre, em outras um grupo maior encontra-se com Rodrigo Maia. O debate no grupo de Luciano Huck é um dos mais efetivos, Huck é visto como um movimento de maior fôlego. Reúne gente como Fernando Henrique, que não está diretamente engajado mas dá uma sinalização para os que o seguem sempre. Tem também Hartung, Armínio, Tasso, é conhecido, tem imagem boa tanto junto aos pobres como aos ricos. Existem outros bem arrumados nesse grupo.

O terceiro pensamento pode sair daí e estão trabalhando para que isso seja percebido pela sociedade. Sem partido no meio, por enquanto, e sem articulação formal que exija posições mais claras.
Postado por Gilvan Cavalcanti d


Fernando Exman: A nova diplomacia presidencial brasileira

Bandeiras pessoais e partidárias minam política externa

Demorou quase um ano, mas finalmente começa a ganhar forma a diplomacia presidencial do governo Jair Bolsonaro.

Além de uma participação tímida no Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, Bolsonaro fez uma aposta pessoal equivocada na mudança da embaixada brasileira em Israel. Apostou também em parcerias, em Israel e na Argentina, com líderes que enfrentam dificuldades para se manterem no poder. Isso sem falar no próprio presidente americano, Donald Trump.

O mais dramático ato de inauguração da nova persona internacional de Bolsonaro ocorreu na semana passada. O presidente debutou como orador na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em um discurso anacrônico, abrindo as apostas de quanto a nova diplomacia presidencial poderá agregar - ou criar obstáculos - à política externa brasileira.

O mais provável é que uma resposta mais objetiva surja apenas depois das próximas viagens internacionais de Bolsonaro. Até o fim do ano, ele desembarcará no Japão, na China, na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes e no Catar. Em território nacional, poderá demonstrar sua desenvoltura e capacidade de construção de entendimentos como o anfitrião da próxima cúpula do Brics. O encontro dos líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul está previsto para ocorrer em meados de novembro, em Brasília.

Na sua estreia como orador na ONU, Bolsonaro desvelou o “novo Brasil” que se apresenta como antiglobalista, mas ao mesmo tempo diz estar mais aberto a investidores e turistas estrangeiros. Um país que bate de frente com parceiros europeus, porém, pelo menos por enquanto, faz questão de parecer animadíssimo com o acordo fechado entre o Mercosul e a União Europeia. Um país que critica iniciativas da ONU e ressente-se da perda de espaço em suas instâncias e colegiados.

Mais uma prova de que, no Brasil, a diplomacia presidencial é errática.

Depois de eleito, em 1985, Tancredo Neves realizou um périplo por Portugal, Espanha, Itália, Vaticano, França, Estados Unidos, México, Peru e Argentina. Apresentou ao mundo uma nova face democrática do Brasil, oferecendo também um aperitivo de uma política externa que não viria a se concretizar. Excluído desse planejamento e diante de inúmeros desafios após tomar posse, o ex-presidente José Sarney acabou privilegiando o Cone Sul, conquistando resultados concretos no processo de integração regional.

As diplomacias presidenciais de Fernando Collor e Itamar Franco também foram tolhidas por crises domésticas. Em suas viagens internacionais, Collor chegou a replicar os lances de marketing político que chegaram a marcar suas aparições públicas dentro do país. O ex-presidente levou ao exterior uma mensagem de abertura e modernização da economia, mas o processo de impeachment que enfrentou demonstrou ao mundo como o Brasil ainda não se tornara um local tão amigável quanto o descrito nos discursos.

Compelido a atuar para resolver essa nova crise, Itamar Franco foi contido em sua diplomacia presidencial. Concentrou esforços no continente e, segundo registros da chancelaria, chegou a causar constrangimento ao cancelar visitas a Portugal, China e Índia.

Com Fernando Henrique Cardoso, a diplomacia presidencial alcançou novo patamar. O ex-presidente assumiu diante de grande déficit na inserção do Brasil no mundo e de uma considerável ausência da figura do presidente brasileiro nos principais palcos das relações internacionais.

Com a estabilização resultante do Plano Real e o perfil cosmopolita do próprio presidente, o Brasil conseguiu vender seu novo momento político e econômico. Já no seu primeiro ano de governo Fernando Henrique visitou diversos países.

No entanto, coube ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva multiplicar para valer o número de viagens internacionais, a ponto de o nome do avião presidencial virar chacota. Com um estilo pessoal incomparável, Lula se aproveitou da curiosidade crescente pelo Brasil e do peso que o país ganhava na economia global para intensificar os esforços por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Além disso, inseriu pessoalmente o Brasil nas até então distantes discussões sobre o Oriente Médio e o acordo nuclear do Irã.

A diversificação de suas visitas para países africanos, caribenhos e árabes deram frutos também à sua sucessora, que não tinha a diplomacia presidencial entre seus assuntos preferidos. Mesmo assim, a ex-presidente Dilma Rousseff manteve uma agenda internacional capaz de eleger brasileiros para órgãos multilaterais estratégicos, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e intensificar as relações com os países do Brics.

A posse do ex-presidente Michel Temer coincidiu com um novo refluxo da diplomacia presidencial, provocado novamente tanto pela retração da economia quanto pela crise política interna que resultou no impeachment de Dilma.

Temer pouco saiu do país e também poucos visitantes recebeu no Palácio do Planalto. O mesmo se observa, pelo menos até agora, em relação ao escasso interesse de mandatários estrangeiros em obter as honras de Estado do atual presidente na capital federal.

A história contemporânea do Brasil revela o potencial e os limites da diplomacia presidencial, aquela conduzida direta e pessoalmente pelo chefe de Estado. Esse é um instrumento essencial para a projeção internacional do Brasil no exterior e a consolidação de sua liderança na região, mas que não depende apenas da personalidade do presidente da República. A situação interna do país e a conjuntura internacional são fatores determinantes para seu sucesso.

Em seu próximo giro internacional, Bolsonaro terá a chance de tentar construir relações sólidas e baseadas na confiança interpessoal com parceiros estratégicos. Será positivo, também, se decidir separar as bandeiras ideológicas de seu grupo político da agenda internacional da Presidência. Lula não o fez.

O presidente tem tempo suficiente para repetir os acertos de seus antecessores, mas sobretudo tentar evitar os mesmos erros.


Claudia Safatle: Os planos de Guedes e a resistência ao liberalismo

População quer pagar menos impostos, mas não aceita diminuição da oferta de serviços públicos

O programa econômico liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, pegou carona na campanha do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, mas não levou a chancela dos votos que o elegeram. Isso provavelmente explicaria, por exemplo, o porquê de o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ter descartado a privatização da Eletrobras por aquela casa, na semana passada. A razão, disse ele, é que 48 senadores do Norte e do Nordeste não apoiam o projeto.

No mesmo momento, Alcolumbre também rejeitou qualquer hipótese de ver aprovado um pedido de “fast track” para as privatizações, conforme anunciado pelo ministro. Por esse mecanismo, as vendas de estatais seriam autorizadas em bloco de forma a acelerar etapas das privatizações. “Será caso a caso”, sustentou o presidente do Senado.

Nos grandes valores, como liberdades individuais e direitos civis, pode -se dizer que há uma forte aderência da sociedade com a agenda liberal.

Há, porém, uma distância considerável entre o liberalismo econômico, que preconiza a redução do Estado, e as aspirações populares. A sociedade brasileira credita ao Estado papel fundamental na diminuição da alarmante desigualdade que vigora no país e almeja acesso universal à saúde e educação de boa qualidade. Esse acesso é que dará aos mais pobres condições de competir com os mais abastados por uma vida melhor.

Nos planos de Guedes, que serão colocados em uma proposta de emenda constitucional (PEC) a ser apresentada em duas semanas, constam os três D: desindexar, desvincular e desobrigar o Orçamento da União. Essa é a PEC do pacto federativo. Posteriormente o governo apresentará a PEC da reforma tributária.

Sabe-se que 94% do Orçamento é destinado ao pagamento de despesas obrigatórias (aposentadorias, pensões e folha de salários dos servidores, dentre outras). E sabe-se, também, que parte relevante dessas despesas é indexada ao salário mínimo e à variação do INPC (Índice de Preços ao Consumidor).

Além do crescimento vegetativo, as despesas obrigatórias crescem de forma autônoma pela indexação. A soma de ambos resulta em um gasto adicional de R$ 62,1 bilhões no Orçamento de 2020.

A PEC trará, ainda, a desindexação do salário mínimo de tudo o que, no Orçamento, não for gasto previdenciário. Ou seja, o salário mínimo - que passará a ter correção pelo INPC e não terá mais aumento pela variação do PIB de dois anos anteriores - continuará indexando os benefícios da Previdência Social, mas não servirá para corrigir os valores do abono salarial nem do seguro-desemprego, dentre outros. “É assim em quase todo o mundo”, disse uma fonte oficial.

Isso vai liberar uma massa de recursos (mais de R$ 50 bilhões) do Orçamento que, pela PEC do pacto federativo, passará a engordar o caixa de Estados e municípios. Esses recursos financiarão também as emendas impositivas.

Essa é, portanto, uma questão que vai esquentar o debate em torno de temas polêmicos, a exemplo da nova política de reajuste do salário mínimo que não mais comporta aumento real. Será interessante acompanhar a discussão no Congresso, onde não deverá faltar o populismo de alguns versus a ortodoxia de outros.

Pesquisa feita no primeiro semestre deste ano pela Oxfam/Datafolha, onde foram ouvidas 2.086 pessoas em 130 municípios de todas as regiões do país, confirma o quanto os brasileiros esperam do Estado: 84% consideram que é obrigação dos governos reduzir as desigualdades sociais no país; 77% acham que é preciso aumentar os impostos sobre os mais ricos para financiar políticas sociais; e mais de 70% consideram que é função do Estado prover educação do ensino fundamental e médio e acesso universal à saúde.

Há um fato inescapável em toda essa discussão: o Estado brasileiro passa por uma gigantesca crise financeira. Está quebrado. Ou seja, há limites físicos para atender às demandas da população.

Para liberar recursos, o governo quer privatizar empresas estatais, até porque em mãos privadas elas serão mais eficientes. A Eletrobras, junto com os Correios, encabeça a lista. Os parlamentares do Norte e Nordeste são contra a alienação da companhia porque ela abastece os políticos de lá com cargos aos seus eleitores.

Roberto Elery, economista liberal e professor da Universidade de Brasília, ajudou o núcleo de Paulo Guedes durante a campanha eleitoral. Segundo ele, o candidato Bolsonaro encarnou o antipetismo e passou ao largo das questões mais polêmicas como privatização, reforma da Previdência e as demais reformas necessárias para a retomada do crescimento.

“Na economia, preto no branco, ainda há muita resistência a uma agenda liberal,” diz. Ele avalia que as pessoas querem desregulamentação, querem tirar o peso do Estado do seu cangote.

Querem pagar menos impostos, mas não aceitam uma diminuição da oferta de serviços públicos. “Não se consegue, aqui, reduzir o gasto público. O máximo que se consegue é reduzir o ritmo do seu crescimento”, sublinha.

Enquanto essa resistência assola o próprio presidente da República, dança-se no último baile da ilha fiscal. Foi assim que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, há poucos dias, que juízes e servidores do Judiciário poderão ser ressarcidos de despesas médicas em até 10% do seu salário. Os militares também querem sua parte, com o projeto de lei da Previdência elevando em R$ 4,7 bilhões os gastos com salários no ano que vem. E a não privatização da Eletrobras representará um buraco de R$ 16, 2 bilhões no Orçamento de 2020.

Independentemente de ser uma economia liberal ou intervencionista, o fato é que o dinheiro acabou. Há um teto a ser cumprido para o gasto público e a classe política terá que decidir se aprofunda as regras do teto ou se abre mão delas e seja lá o que Deus quiser.

De pouco adianta tentar queimar o ministro da Economia nos gabinetes do Palácio do Planalto. Um novo ministro não inventará mais recursos para gastar a não ser que se aumentem os impostos.