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Bruno Carazza: A Carta

A agenda sustentável precisa ir além das boas intenções

As bem traçadas linhas do manifesto dos ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central por uma economia de baixo carbono são uma bem-vinda convocação feita por economistas de diferentes orientações teóricas e vinculações políticas por uma política econômica ciosa dos impactos ecológicos e comprometida com a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Desde sua posse, o governo Bolsonaro tem provocado a união de lideranças políticas e personalidades contra seus desatinos e retrocessos, numa sequência de cartas abertas e notas de repúdio.

Em vez de simplesmente criticar os erros da atual gestão, a “Convergência pelo Brasil”, assinada por aqueles que conduziram a economia brasileira entre os mandatos de José Sarney e Michel Temer, inova por ter um caráter prospectivo, voltando-se para os desafios e as oportunidades que se abrem num mundo cada vez mais consciente dos riscos associados à mudança do clima.

Os signatários da carta colocam-se à disposição para contribuir para a construção de uma agenda concreta para tornar o “futuro mais sustentável, inclusivo e próspero para a atual e as futuras gerações”. Porém, como diria Álvaro de Campos, uma das várias personas do poeta Fernando Pessoa, “todas as cartas de amor são ridículas”.

Apesar de ser extremamente louvável ver figuras ainda centrais no debate público assumindo uma firme posição em prol da transição para uma “economia verde”, faltou aos dezessete subscritores do manifesto admitir que eles próprios contribuíram, por ação ou omissão, para a atual crise ambiental do país.

“Quanta verdade tristonha ou mentira risonha uma carta nos traz”, é a “Mensagem” do samba-canção composto por Cícero Nunes e Aldo Cabral. Ao assumirem seus postos no 5º andar do bloco P da Esplanada dos Ministérios ou no gabinete do 20º andar do edifício-sede Banco Central, os comandantes da equipe econômica dos governos anteriores foram protagonistas, coniventes ou omissos, em muitos dos retrocessos da política ambiental brasileira nas últimas décadas.

Se alguém fizer um trabalho de arqueologia legislativa, vai encontrar as rubricas desses ex-ministros da Fazenda nos normativos que concederam recorrentes estímulos fiscais à indústria automobilística e também nas propostas que instituíram subsídios bilionários à produção e comercialização de combustíveis fósseis pela Petrobras.

Alguns não titubearam em recorrer à queima de carvão e óleo para evitar apagões, enquanto outros se curvaram à pressão dos caminhoneiros e reduziram a tributação sobre a gasolina e o diesel.

Também houve falhas de ex-presidentes do Banco Central e ex-ministros da Fazenda e do Planejamento ao não incorporar condicionantes ambientais nos empréstimos subsidiados concedidos pelo Conselho Monetário Nacional ao agronegócio.

Há quase trinta anos, não importa a coloração do governo, o conservadorismo fiscal é um grande obstáculo a uma política ambiental mais abrangente, assim como o pragmatismo político justifica o aval da equipe econômica a obras faraônicas no coração da Amazônia. E embora tivessem assento em todos os conselhos de política ambiental criados pelos sucessivos governantes, essa área sempre foi um “patinho feio” no Ministério da Fazenda e no Banco Central.

Ainda que seja admirável ver, numa mesma carta de princípios, figuras ligadas a diferentes matizes do espectro ideológico, as ausências não passaram despercebidas. Entre os ex-ministros da Fazenda, aqueles mais ligados aos partidos de esquerda não estão presentes na carta: Ciro Gomes (PDT, à frente do ministério entre setembro de dezembro de 1994) e Antonio Palocci e Guido Mantega (chefes da área econômica em boa parte da administração petista).

Ora, que “Convergência pelo Brasil” é essa em que a esquerda se recusa a participar?

A elogiável intenção de fomentar a geração no país de uma economia de baixo carbono mira o futuro, mas para ser bem-sucedida essa estratégia passa necessariamente pela desconstrução de um passado e um presente avessos à proteção ambiental. Além das belas palavras, precisamos saber o quanto nossos ex-ministros e ex-presidentes do Bacen estão dispostos a arregaçar as mangas e comandar uma revisão dos incentivos com sinais trocados e de uma visão pseudo-desenvolvimentista criada por eles próprios quando estavam no poder.

Oportunidades não faltam para essas importantes lideranças colocarem em prática seus bons propósitos. Não é difícil identificar no Congresso uma extensa pauta de projetos com potencial altamente lesivo ao desenvolvimento sustentável, como o “PL da Grilagem” (Projeto de Lei nº 2.633/2020) e a proposta de flexibilização das normas de licenciamento ambiental (PLS nº 168/2018). No campo da agenda positiva, os debates em torno da reforma tributária são um espaço propício para desarmar os subsídios ao uso de combustíveis fósseis e incentivar a adoção de energias sustentáveis.

Para que o Congresso aprove medidas que contribuam para a consecução dos objetivos da carta dos ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central, é preciso que eles próprios se envolvam na árdua tarefa de convencer deputados e senadores a apoiarem as boas propostas e a derrotarem as ruins.

Resta saber se, mesmo longe do poder, essas lideranças econômicas vão devotar à causa da transição rumo a uma economia de baixo carbono o mesmo empenho com que lutaram para a aprovação das leis que aprovaram seus planos econômicos, suas propostas orçamentárias e suas sugestões de aumento de tributos. Só assim teremos a certeza de que a “convergência pelo Brasil” não passa de palavras ao vento.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Valor: O que pensam os bolsonaristas

Grande parte dos eleitores do presidente apoia intervenção do Estado na economia e descarta golpe militar, mostra pesquisa

Por Carlos Rydlewski | Valor Econômico

SÃO PAULO - O que pensam os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), um grupo estável de seguidores, que corresponde a cerca de 25% a 30% do eleitorado? Boa parte da resposta a essa questão está presente em uma pesquisa realizada pelo Instituto Travessia, de São Paulo, com exclusividade para o Valor. Inédito, o levantamento promove um mergulho na mente do chamado “bolsonarista raiz”.

Esse grupo é bem menos liberal e antidemocrático do que se supunha até aqui. Consultados se são a favor da intervenção do Estado na economia, por exemplo, 45% deles responderam “sim” e 42%, “não”. A turma que apoia um maior peso estatal na vida econômica do país é formada, majoritariamente, por mulheres, moradores do Nordeste, jovens entre 16 e 24 anos e pessoas com renda média na base da pirâmide social (até dois salários mínimos mensais). Em termos de poder aquisitivo, eles compõem os estratos mais pobres da sociedade.

Com um placar apertado, a maioria endossa políticas de transferência de renda dos cofres públicos para os bolsos da população. Do total entrevistado, 42% são a favor e 38% contra esse tipo de benefício estatal. Os maiores entusiastas dessas medidas residem no Nordeste, o grande reduto do Bolsa Família, e aufere renda de dois mínimos por mês. “O bolsonarista que encontramos não é o estereótipo, o agitador radical de redes sociais”, diz o analista Renato Dorgan Filho, sócio do Instituto Travessia. “Ele é um eleitor fiel, conservador, mas que vive os problemas do dia a dia. Em muitos sentidos, principalmente entre os mais pobres, é mais prático do que ideológico.”

De acordo com a pesquisa, o retrato do bolsonarista padrão é o seguinte (veja quadros nesta edição): homem, morador do Sudeste, com idade a partir de 45 anos, renda acima de dez salários mínimos (a maior faixa definida pelo IBGE) e evangélico. Mas as diferenças entre alguns desses segmentos é pequena. No caso do gênero, por exemplo, 55% são homens e 45%, mulheres. Na divisão por idades, à exceção dos jovens entre 16 e 24 anos (10% do total), todas as outras faixas apresentam percentuais muito próximos. Para Dorgan Filho, o aspecto religioso é o que mais se destaca. “São 54% de evangélicos”, aponta. “É uma concentração muito alta. Em segundo lugar, bem atrás, vêm os católicos, com 24% do total.”

Para identificar os bolsonaristas, foram feitos contatos por telefone, entre os dias 9 e 10 de julho, em todo o país. Os entrevistados responderam em qual candidato votariam, caso a eleição presidencial ocorresse hoje. Para obter as respostas, não foi apresentado nenhum estímulo, como o nome de possíveis concorrentes à disputa. “A escolha foi espontânea, o que representa um voto muito mais fidelizada”, observa o analista do Travessia. “Depois disso, o questionário foi aplicado somente àqueles que optaram pelo nome de Jair Bolsonaro. Com isso, selecionamos quem de fato o apoia e já tem o nome do presidente na cabeça para as eleições de 2022.”

A enquete mostrou ainda que o ideário político da média dos bolsonaristas está longe de ser tão pontiagudo como se poderia crer. A maioria (62%), por exemplo, disse ser contrária às manifestações de apoio a golpes militares no Brasil. Isso ainda que uma parcela de 33% tenha afiançado a grita pró-autoritarismo. Nessa mesma linha, 83% defenderam a realização de protestos a favor da democracia no país.

Existe um espaço de diálogo com os eleitores de Bolsonaro, que pode aproximá-los de um campo mais progressista, segundo José Álvaro Moisés
Em contrapartida, a sondagem traz dados que soam contra instituições cruciais para o funcionamento da democracia. E eles expressam uma quase unanimidade entre os eleitores do presidente. Por exemplo: 95% não aprovam a atuação do Congresso Nacional. Em outra questão, 90% criticam o Supremo Tribunal Federal (STF).

Essa aparente contradição da maioria bolsonarista, entre uma visão com tintas mais democráticas e outra que tende ao autoritarismo, representa um dos aspectos mais interessantes da pesquisa, para José Álvaro Moisés, professor de ciência política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). “Ela mostra que existe uma brecha, um espaço de diálogo com os eleitores do presidente Bolsonaro, que eventualmente pode aproximá-los de um campo mais progressista”, diz Moisés. “Na prática, ela revela que há diversidade entre os eleitores do presidente, e isso não estava tão claro.”

Quantitativa, a sondagem do Instituto Travessia não explica o porquê dessas posições, mas existem estudos qualitativos (com entrevistas com pequenos grupos de eleitores) que trazem algumas pistas a esse respeito. Uma análise desse tipo foi concluída em junho pelas pesquisadoras Camila Rocha, cientista política ligada ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), e Esther Solano, socióloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Elas ouviram 27 pessoas, das faixas C e D, residentes na Região Metropolitana de São Paulo. Nas conversas, identificaram três grupos de bolsonaristas: os “fiéis”, os “apoiadores críticos” e os “arrependidos” por terem votado no presidente. “Percebemos que muitas dessas pessoas, mesmo as que defendem medidas radicais como o fechamento do Congresso ou do STF, não se consideram antidemocráticas”, diz Camila Rocha. “Elas não querem necessariamente o fim dessas instituições. Desejam que elas passem por uma renovação profunda, uma espécie de ‘reset’ institucional.”

No levantamento do Instituto Travessia, a abordagem do tema da corrupção também traz à luz elementos até aqui pouco nítidos. A quase totalidade dos entrevistados (91% deles), por exemplo, diz acreditar que o governo Bolsonaro de fato combate a roubalheira. No entanto, quando a pergunta inclui os parentes do chefe do Executivo (“Você acha que o presidente Bolsonaro ou integrantes de sua família se envolveram em casos de corrupção?”), a assertividade diminui. Nesse caso, 57% dizem que “não”, que os Bolsonaro não estão envolvidos em falcatruas, o que representa a maioria, mas 24% afirmam que “sim” e 19% não sabem o que responder.

Sobre a pauta de costumes, a enquete do Travessia traz outras surpresas: 60% disseram que a religião não deve orientar as ações do governo. As manifestações contra o racismo, que pipocaram mundo afora desde o assassinato do afro-americano George Floyd, em maio, contam com apoio de 63% dos entrevistados.

Por outro lado, a maioria dos bolsonaristas repudia os protestos que partem de movimentos que defendem direitos de outras minorias. Nesse caso, 53% desaprovam as manifestações em prol de grupos LGBTQIA+. A maioria dos críticos dessas iniciativas é formada por homens, por pessoas que residem na região Sul do país, pelo segmento com mais de 60 anos e, maciçamente, por evangélicos.

Como observa José Álvaro Moisés, da USP, a pesquisa capta ainda mais um ruído entre a imagem radical que paira sobre a massa dos bolsonaristas e as opiniões expressas na enquete. É o que acontece em torno da visão sobre a Amazônia. Isso porque 55% dizem que são favoráveis a uma maior flexibilização da política de preservação da floresta, sendo que 45% são contrários. “Ou seja, temos aqui quase um empate”, aponta Moisés.

O ministro Paulo Guedes não parece ter grande importância para a base dos eleitores do presidente, afirma Carlos Melo
Entretanto, 55% não aprovam a redução das reservas indígenas. “Isso mostra a existência de um núcleo que manifesta uma posição menos conservadora na defesa do meio ambiente”, comenta Moisés. “E o tema das reservas indígenas representa algo importante para a política de Bolsonaro.” Para os bolsonaristas, acrescente-se, as ONGs (25%) e os países estrangeiros (21%), “que querem dominar a região”, estão entre as grandes ameaças à sobrevivência da floresta. Outros 41%, porém, indicam que a maior inimiga da mata é a atividade ilegal de madeireiros, agricultores e pecuaristas.

O levantamento mostra ainda que a maioria dos que reelegeriam o presidente Jair Bolsonaro hoje considera que a vida era mais fácil em períodos pregressos. Isso vale para a vigência do Plano Real (26%), na década de 1990, ou durante o governo militar (22%), entre os anos 1960 e 1970, ou ainda, antes do Plano Real (14%). Somente 12% cravam que a situação econômica de suas famílias era mais favorável no governo Lula, eleito pela primeira vez em 2002. “Esses dados mostram um certo saudosismo e reforçam uma demonstração de repúdio ao PT, no caso, ao período Lula”, diz Dorgan Filho. “E esse é um sentimento típico entre os bolsonaristas, principalmente entre os de classe A e B.”

Embora muitos pontos expostos até aqui indiquem a existência de um “bolsonarismo paz e amor”, o radicalismo também marca território em uma série de temas, como as questões que envolvem segurança e armas.

Corroborando teses típicas da direita, 98%, ou seja, a quase totalidade dos eleitores do presidente, acreditam que a polícia deve atuar com maior rigor contra os criminosos. Além disso, 75% apoiam a liberação do uso de armas. Desse grupo, 90% são homens, a maior parte tem entre 45 e 49 anos e renda acima de dez salários mínimos. “Os mais radicais representam cerca de um terço desse eleitor. E segurança também é um tema muito forte para toda a sociedade”, frisa Dorgan Filho. “Aqui, é ainda mais realçado.”

No geral, as opiniões em torno da pandemia seguem a linha adotada pelo presidente. A pesquisa mostra, por exemplo, que 90% dos entrevistados são favoráveis à redução das medidas de isolamento social no combate à covid-19. Outra enquete do mesmo instituto, publicada com exclusividade pelo Valor em 26 de junho, já indicara uma queda na adesão do distanciamento por parte dos eleitores em geral. Mesmo assim, ele contava com o apoio de 45% dos brasileiros com mais de 16 anos. Outros 43% defendiam um isolamento parcial. Ou seja, para a sociedade como um todo, havia um empate técnico em relação ao assunto.

Entre os eleitores do presidente, 79% aprovam a maneira como ele conduz a crise do novo coronavírus. No levantamento de 26 de junho, mais abrangente e para além dos apoiadores de Bolsonaro, somente 35% tinham a mesma opinião. Além do mais, na atual enquete, 52% não acham que o chefe de Estado se expôs demais à doença, apesar de sua recorrente participação em manifestações políticas e das andanças frequentes por áreas comerciais de Brasília. A maior parte (58%), entretanto, não aprova o recente decreto presidencial que desobriga o uso de máscaras em igrejas, no comércio e em escolas.

José Álvaro Moisés observa que a pesquisa sugere a existência de um desafio para a cúpula do bolsonarismo. Ele está contido na relação do presidente com os políticos do Centrão, o bloco informal da Câmara dos Deputados, que reúne cerca de 200 parlamentares do chamado “baixo clero”. No levantamento, 58% dos entrevistados posicionaram-se contra a aproximação do presidente com esse núcleo de parlamentares. “Esse é um resultado importante, que pode trazer desgaste para o presidente”, diz o acadêmico. “Afinal, a construção desse relacionamento faz parte estratégia de consolidar uma base no Congresso, até evitar o avanço de um eventual pedido de impeachment.”

Se essas relações podem ser perigosas, a enquete também mostra um dado que, sob o ponto de vista do eleitorado do presidente, observam analistas, pode ser considerado favorável. Trata-se do pequeno impacto na base bolsonarista da demissão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, no fim de abril. No total, 62% dos consultados aprovaram a saída do ex-juiz do governo, ante 28% que consideraram a queda negativa. “Na verdade, a pesquisa mostra que o apoio ao presidente reside na crítica à política, ao Congresso, ao STF e à imprensa, e no endurecimento do aparato repressivo, além do combate à corrupção”, diz o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, em São Paulo.

Por outro lado, acrescenta o acadêmico, o bolsonarista típico parece discordar - ou não concordar totalmente - em relação a temas como costumes e a volta do regime militar, assim como em relação à política ambiental. “Moro também não é relevante”, diz Melo. Para ele, a baixa adesão a uma agenda liberal também aponta que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não está em situação diferente do ex-titular da Justiça. Diz o professor do Insper: “Nesse contexto, o Guedes também não parece ter grande importância para a base dos eleitores do presidente”.

Aproximação com o “baixo clero” é reprovada por 58% dos entrevistados, indicando uma possibilidade de desgaste de Bolsonaro
Desta vez, como somente ouviu adeptos de Bolsonaro, a enquete do Travessia não definiu quanto eles representam em relação ao todo dos eleitores.

Entretanto, no levantamento anterior do mesmo instituto, de 26 de junho, 25% das pessoas consultadas afirmaram que votariam no atual presidente da República. “Em geral, todas as pesquisas que avaliam o apoio, o prestígio ou a intenção de voto em Bolsonaro indicam que ele conta com uma parcela de 25% a 30% do eleitorado”, diz Moisés, da USP. “Já as análises que verificam a dimensão do grupo de bolsonaristas pesados, chamados de ‘raiz’, apontam para percentuais entre 12% e 15%, chegando às vezes a 20%.”

Para o acadêmico, tal cota não representa uma novidade. Moisés coordena pesquisas sobre cultura política, baseadas em levantamentos de opinião pública, desde meados dos anos 1980. Nesses trabalhos, ele observa, o grupo que se identifica com uma posição radical de direita sempre girou em torno de 15%.

“O fato é que existe na sociedade brasileira um núcleo de extrema-direita que tem esse tamanho, sendo que muitos dos seus integrantes nem sequer consideram que houve um período de ditadura no Brasil”, diz o professor. “Esse é um resíduo autoritário que perdura ao longo do tempo e não muda.” A singularidade, contudo, é que esse discurso, antes “residual”, tornou-se oficial por meio de eleições diretas no país. Em períodos recentes, ele sobreviveu, mas com menor poder de difusão nacional, sob bandeiras como a do malufismo.

Moisés pontua que a resiliência desse núcleo é um fato relevante para a política nacional. “Ela mostra que, apesar de 35 anos de democracia, o período mais longevo de liberdades democráticas que já tivemos, esse grupo de extrema-direita não foi demovido”, diz o acadêmico. “Isso revela que as políticas de construção do desenvolvimento econômico e as ações pela defesa dos direitos humanos não foram suficientes para convencer essas pessoas de que a democracia é melhor do que outros regimes. Esse é um tema sobre o qual os democratas devem refletir, tanto os partidos como suas lideranças.”

Em suma, isso quer dizer que os 30% de fidelíssimos bolsonaristas, na verdade, podem não ser 30% (ou 25%). Além do mais, esse grupo parece não ser estanque como muitos acreditam. Há quase uma década, a antropóloga Isabela Kalil, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), analisa os movimentos conservadores no Brasil. Em geral, faz isso por meio de estudos etnográficos, com trabalhos realizados em campo, durante manifestações de rua. Os dados que recolhe são qualitativos, ou seja, obtidos por meio de entrevistas com pequenos grupos de pessoas.

Isabela diz acreditar que existem alterações recorrentes nos chamados 30% de bolsonaristas. Essas mudanças não afetam o número absoluto, mas a sua composição interna. Pesquisas recentes sugerem, por exemplo, que a base do presidente se transformou. Por um lado, teriam ingressado eleitores de baixa renda, atraídos por benefícios como o auxílio emergencial de R$ 600,00 dado durante a pandemia.

Por outra porta, no entanto, teriam saído integrantes da classe média, entre eles os “lava-jatistas”, decepcionados com a debandada de ministros como Sergio Moro. “Existem, sim, alterações significativas dentro do bloco de eleitores do presidente Bolsonaro, há uma dinâmica nesse grupo”, diz Isabela. “Mas as conclusões sobre o que realmente está acontecendo ainda soam precipitadas.”

A pesquisadora observa que as dúvidas pairam nas duas portas do bloco bolsonarista - tanto a de entrada como a de saída. “Não sabemos, por exemplo, se a classe média deixou esse grupo ou se sua renda diminuiu nos últimos meses a ponto de permanecer na base, ainda que empobrecida”, afirma a antropóloga. “Da mesma maneira, não temos certeza se o ingresso se limitou a pessoas de baixa renda. Medidas do governo, como a ajuda de R$ 600,00, podem favorecer outros grupos, e não só aqueles que se beneficiam diretamente com os recursos.”

Por fim, alguns dados da pesquisa do Instituto Travessia mostram o impacto potencial que alguns temas constantemente abordados pelo presidente têm em sua base de eleitores, como as críticas ao Congresso e à imprensa (cujos ataques de Bolsonaro são aprovados por 84% dos seus eleitores). Isso, porém, não é novidade para Manoel Fernandes, diretor da Bites. A empresa acompanha, em tempo real, o que os políticos postam nas quatro grandes redes sociais - Twitter, Facebook, Instagram e YouTube.

Daí, nascem análises usando variáveis que incluem o número de seguidores adicionados por meio de posts e a capacidade dessas ações de gerar engajamento nos espaços virtuais. “Toda vez que Bolsonaro energiza sua base, em atos ou declarações contra seus ‘inimigos’, aumenta o número de seguidores e a dispersão do discurso nas redes”, diz Fernandes. “E isso inclui a participação em eventos antidemocráticos ou declarações muito fortes em relação ao senso comum.”

E Bolsonaro tem grande repercussão no mundo de bytes e bits, ainda que mantenha uma distância considerável do político que está no topo de todos os pódios do mundo digital. Desde março, no auge da pandemia na Europa, até 9 de julho, o presidente americano Donald Trump fez 5.328 posts nas redes. Eles conseguiram 528 milhões de interações (“curtir”, compartilhar, comentar e retuitar, por exemplo). Bolsonaro não atingiu metade desse volume. Postou 2.325, com 282 milhões de interações. Isso não é pouco. Considere o presidente francês, Emmanuel Macron. Ele registrou 585 posts, com 10 milhões de interações. “O presidente do Brasil chamou mais atenção em uma proporção quase 30 vezes maior do que o francês”, nota Fernandes. Lula, só para dar um exemplo local, postou 1.099 vezes, com 21 milhões de interações.

A questão é o quanto disso tudo é obra de robôs? “Com essa tecnologia, tudo é possível”, pondera Manoel Fernandes. “Mas, se não houvesse adesão orgânica à mensagem, não haveria tanta interação. Tem robô, sim, mas isso não explica tudo.” Seja como for, como observaram analistas, a pesquisa do Instituto Travessia indica que não só de estridências e polarizações se forma a mente bolsonarista. Ela é bem mais diversa do que se imaginava até aqui.


Fernando Abrucio: A encruzilhada ideológica de Bolsonaro

O presidente quer ser um “mito” para seus seguidores ou continuar a governar o país? Depois da pandemia, será cada vez mais difícil assumir os dois papéis

As batalhas políticas do primeiro semestre deixaram marcas no governo Bolsonaro. Para que ele sobreviva e possa continuar com prestígio até o fim do mandato, mantendo alguma esperança de reeleição, precisará escolher com quem governar e de que modo. Caberá à Presidência escolher um caminho de governabilidade que reduza os efeitos danosos das contradições existentes entre seus apoiadores. Em poucas palavras, trata-se de uma encruzilhada entre dois conservadorismos, um de cunho revolucionário e outro, de viés tradicional. Juntar os dois por muito tempo será uma tarefa quase impossível.

A expressão conservadorismo revolucionário parece uma contradição em termos. Afinal, quando ser quer conservar, não se pretende fazer mudanças amplas e bruscas. Porém, o novo populismo de extrema-direita, presente em vários países e no bolsonarismo-raiz, tem como projeto enfraquecer ou destruir todas as instituições políticas de caráter liberal-democrático. Seus motes são a antipolítica, a luta contra o establishment globalista e a redução ao máximo da pluralidade ideológica, em especial com o aniquilamento da esquerda - os comunistas, classificação na qual cabe até George Soros.

Todas essas ideias visam à concentração do poder num líder carismático capaz de liderar uma revolução cultural baseada em valores mais conservadores (família patriarcal, religião e nacionalismo) que se somam ao culto à violência e a um individualismo darwinista, isto é, uma liberdade para os que mais fortes vençam. Esse é o ideário produzido pelos inspiradores intelectuais do bolsonarismo. É possível levar adiante esse conservadorismo revolucionário destruindo mais ou menos a democracia. De todo modo, a forma revolucionária de agir dos bolsonaristas-raiz exige que se cause turbulências contínuas no sistema político e nas principais instituições sociais, como a escola e os meios de comunicação de massa.

Os últimos seis meses foram repletos de acontecimentos políticos e sociais que colocaram a maior parte da população e as principais instituições contra Bolsonaro, limitando seus arroubos autoritários. O resultado dessa derrota bolsonarista colocou em jogo até a sobrevivência do presidente no cargo, além da forte pressão judicial contra seus filhos e apoiadores. Para manter seu mandato e continuar sendo peça-chave no tabuleiro político, Bolsonaro teve que se ancorar mais num outro grupo conservador, que é tradicional no Brasil há muito tempo.

Uma parte desse conservadorismo já estava próxima do bolsonarismo: os evangélicos, que tendem a ganhar mais prestígio daqui para diante. Mas havia uma outra parcela que estava fora do circulo mais íntimo do poder: o chamado Centrão, composto por políticos de vários partidos de direita e centro-direita. Trata-se de um bloco que varia de tamanho dependendo dos recursos que são distribuídos e do contexto político. O que os une é a combinação de fisiologismo com o realismo. Os parlamentares desse centrismo invertebrado apoiaram FHC e Lula, de modo que, embora professem valores geralmente conservadores, optam pelo apoio a quem lhes dá vantagens eleitorais. Dito de outro modo, não basta que Bolsonaro comungue das mesmas ideias morais. Será necessário entregar poder aos novos aliados e bem-estar a seus eleitores.

A convivência entre os dois conservadorismos ficará cada vez mais difícil dentro do governo Bolsonaro. É óbvio que o presidente vai tentar agradar aos dois lados, mas essa estratégia tem limites porque o grupo revolucionário é ideológico por excelência e terá dificuldades de aceitar o pragmatismo político dos conservadores tradicionais, e vice-versa. A batalha se tornará ainda mais forte porque houve um enfraquecimento do bolsonarismo-raiz e ele dificilmente responderá aos desafios do período pós-Covid-19.

Entre os fatores que enfraqueceram os conservadores revolucionários, quatro se destacam. O primeiro foi a derrota do discurso negacionista e anti-humanista frente à pandemia. A maioria da população ficou do lado da ciência, o sistema de Justiça amarrou as mãos de Bolsonaro no comando da política de Saúde e o número de mortes, que ainda se multiplicará nos próximos meses, deixará marcas em parcela importante da sociedade.

Derivado desse primeiro fator, um segundo elemento tende dificultar o uso da bússola do conservadorismo revolucionário: os eleitores, os políticos do Congresso, a comunidade internacional e mesmo os agentes do mercado local vão cobrar cada vez mais resultados das políticas públicas. Dois exemplos ilustram bem essa situação. No caso da política ambiental, o fracasso de suas ações vai ter terríveis consequências econômicas. Deixariam de vir investimentos internacionais para o país. A área de infraestrutura, que precisará da alavanca de capital estrangeiro, ficará a ver navios. E há ainda o grande risco do negacionismo ambiental impactar as exportações do país, especialmente do agronegócio.

O governo Bolsonaro terá que obter credibilidade internacional e mostrar resultados nas políticas de proteção ao meio ambiente. Para isso, terá de fortalecer decisões técnicas e se livrar dos conservadores revolucionários - que se mostraram, ademais, incompetentes. Vale frisar que além de melhorar os indicadores do país, será preciso reconquistar a confiança, algo que exigirá a criação de canais de diálogo com, pelo menos, uma parcela dos ambientalistas. Sem isso, o mundo não acreditará no Brasil. Uma mudança como essa exige pragmatismo e rechaço a ideologias.

A Educação é outro setor no qual o conservadorismo revolucionário só produziu destruição até agora, com efeitos na piora da qualidade e equidade do ensino que provavelmente apenas serão percebidos no médio prazo (talvez depois desse mandato), mas com efeitos políticos já de curto prazo. A lista de descontentes no atual momento é extensa. Famílias cujos filhos voltarão a escolas públicas em condições precárias; jovens que estão fazendo ou saindo do ensino médio e que ficaram descontentes com todo o processo de escolha das novas datas do Enem; integrantes das universidades públicas, que hoje combinam eleitores de classe média (professores e alunos) com uma parcela crescente advinda das cotas sociais e raciais, e das instituições privadas, onde os alunos estão abandonando cada vez mais os estudos por falta de recursos; e, finalmente, prefeitos, governadores e políticos locais de vários partidos, pois eles serão mais cobrados pela sociedade e não têm tido o apoio federal necessário.

Daqui pra frente, as falhas em políticas públicas vão ficar mais evidentes. Com um ano e meio de governo, o bolsonarismo, tomado principalmente pelo conservadorismo revolucionário, não foi capaz de melhorar ou produzir alternativas ao modelo vigente, de modo que chegará a hora e a vez dos cidadãos cobrarem mais pelos serviços públicos e pelos resultados das políticas. O Centrão sabe disso e, por isso, logo, logo, além de cargos, demandará mais pragmatismo ao presidente para continuar no seu barco.

Um terceiro fator que colocará o bolosonarismo-raiz em frágil situação serão as pressões internacionais. Elas tendem a aumentar porque o Brasil se tornou um pária para parte da comunidade internacional, por conta de seus fracassos nas áreas de saúde, meio ambiente e direitos humanos, bem como em razão de sua postura contrária às ações multilaterais. O impacto internacional sobre o conservadorismo revolucionário virá, ainda, do enfraquecimento recente da extrema-direita em vários lugares do mundo. E se Trump perder a eleição presidencial, Bolsonaro terá de dizer que nem conhece seus amigos radicais.

Mas a maior derrota do extremistas que deram base ao bolsonarismo está no campo das instituições democráticas. O projeto mais autoritário advindo daí ganhou limites fortes, embora não se possa negar que Bolsonaro ainda tentará controlar instituições importantes, como no caso do Ministério Público Federal. Só que os conflitos institucionais vão permanecer, sobretudo porque há muitos esqueletos no armário da família Bolsonaro. Desse modo, não será mais possível permanecer no poder e, principalmente, governar, sem ser pragmático em relação às principais instituições políticas.

Nesta encruzilhada ideológica, a sobrevivência do bolsonarismo parece depender de sua migração mais explicita para o conservadorismo tradicional. O discurso em relação aos valores pode ser mantido, embora deva ser expresso de uma forma mais amena, mas será necessário negociar mais e evitar o extremismo nas políticas públicas. O Centrão quer o voto do povão, e não revoluções culturais.

Abandonar o conservadorismo revolucionário não é tão simples, todavia. Essa mudança traz basicamente dois custos: a possível perda de apoiadores mais fiéis e, especialmente, o fato de que o discurso antipolítica se tornará cada vez mais “fake” junto ao eleitorado em geral. Fica a pergunta: Bolsonaro quer ser um mito para seus seguidores ou continuar governando o Brasil? Depois da pandemia, talvez seja cada vez mais difícil assumir os dois papéis, mas, conhecendo a personalidade do presidente (e de seus filhos), ainda não é possível dizer qual caminho ele irá adotar.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas


Ribamar Oliveira: Só reforma reduz benefícios tributários

IVA prevê crédito presumido para benefício tributário

Não é possível fazer uma redução ampla e linear dos atuais benefícios tributários com medidas isoladas, que possam ser adotadas ao longo dos próximos anos. A redução dos benefícios deve ser tratada no contexto da reforma tributária. Esta é uma das conclusões de nota técnica feita pela Receita Federal do Brasil (RFB), encaminhada ao Congresso Nacional em novembro do ano passado, mantida em sigilo desde então e revelada na edição de terça-feira pelo repórter Murillo Camarotto, deste jornal.

Na terça-feira, o Ministério da Economia informou que os subsídios tributários registraram “queda sutil” de 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 para 4,2% do PIB em 2019. A diminuição do gasto tributário é considerada essencial para elevar a receita disponível e melhorar a situação das contas públicas.

A nota técnica da RFB foi uma resposta à lei de diretrizes orçamentárias (LDO) válida para 2019, que determinou ao presidente da República encaminhar ao Congresso um plano de revisão de despesas e receitas para o período de 2019 a 2022, inclusive de benefícios de natureza tributária, financeira ou creditícia, acompanhado das correspondentes proposições legislativas e das estimativas dos respectivos impactos financeiros anuais.

A LDO determinou ainda que o governo apresentasse “cronograma de redução de cada benefício, de modo que a renúncia total da receita, no prazo de 10 (dez) anos, não ultrapasse 2% (dois por cento) do produto interno bruto”.

A RFB elaborou um elenco de medidas para a redução dos benefícios tributários, que ganhou a tarja de “confidencial”, mas foi publicado na edição do Valor de terça-feira. Se as medidas fossem adotadas, reduziria o gasto tributário em R$ 50 bilhões. Assim, ficou claro para a sociedade quais são os benefícios tributários que são passíveis, na avaliação da Receita Federal, de redução ou eliminação.

Em sua nota, o órgão afirmou que seria temerário o encaminhamento de um cronograma com medidas isoladas destinadas a eliminar os benefícios fiscais ao longo dos próximos anos, pois tal iniciativa “poderá eliminar as chances de êxito da reforma tributária”.

Em sua análise dos gastos tributários, a RFB identificou sistemáticas diferenciadas de apuração dos tributos. Segundo a Receita, estas diferenciações representam fragmentos do sistema tributário brasileiro e, por representarem um tratamento diferenciado conferido a setores específicos, categorias de contribuintes, determinadas atividades ou certas regiões geográficas, se configuram em microrregimes tributários.

Ela constatou também o caráter permanente desses regimes na legislação (vigência indeterminada), ou seja, não obstante a sua classificação como gasto indireto, possuem características de tratamentos incorporados ao sistema tributário, de tal modo que os ajustes na forma de apuração dos tributos refletem mais uma adaptação estrutural no modelo de tributação do que uma política temporária de incentivos fiscais. Dito de uma forma direta, alguns benefícios trazem adequações estruturais do sistema tributário, implementadas sob a forma de benefícios fiscais.

Como exemplo, a RFB cita os microrregimes da Zona Franca de Manaus, os regimes especiais destinados às empresas localizadas na área da Sudam e da Sudene, a isenção adicional do Imposto de Renda conferida aos contribuintes com mais de 65 anos, a isenção constitucional da contribuição previdenciária patronal concedida às entidades filantrópicas, e também o próprio regime especial das microempresas e empresas de pequeno porte (Simples Nacional), que hoje abriga mais três milhões de empresas.

“É facilmente verificável que a ampliação das desonerações tributárias concedidas após a crise de 2008/2009 alcançou a totalidade do sistema tributário, de modo que todo tributo possui alguma forma de tratamento diferenciado”, diz a nota técnica. Para a RFB, os microrregimes fragmentaram o modelo de tributação brasileiro, de modo que em um determinado setor podem coexistir diversos programas de incentivos financiados por meio de renúncia tributária, dada a amplitude que estas medidas alcançaram ao longo dos anos.

Assim, a redução linear da totalidade dos benefícios tributários implica modificações estruturais no modelo de tributação brasileiro, “cuja implementação efetiva só será alcançada no âmbito de uma Reforma Tributária, com abrangência mais ampla, capaz de redistribuir a incidência dos tributos, sem prejuízos aos investimentos em andamento e ao ambiente de negócios”.

Como já foi anunciado, a proposta de reforma tributária do governo contempla quatro movimentos: a unificação do PIS/Cofins, nos moldes de um tributo sobre valor agregado (IVA); a eliminação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e criação do Imposto Seletivo; a reformulação da tributação sobre a renda das pessoas físicas e jurídicas; e a desoneração da folha de pagamentos.

A proposta para a fusão do PIS/Cofins, nos moldes de um IVA, indica como será a revisão e alteração dos benefícios tributários. Tanto as empresas optantes pelo lucro presumido como as empresas do lucro real, que hoje estão sujeitas à alíquota de 3,65%, passarão a ser tributadas com a alíquota da nova Contribuição sobre Bens e Serviços, que deve ser de 11% ou 12%.

A adoção da sistemática de apuração do IVA exige, segundo a RFB, uniformidade na forma de apuração para se evitar a geração de créditos indevidos e assegurar isonomia da carga tributária ao longo das cadeias produtivas. As empresas optantes pelo Simples seguirão tributadas na forma cumulativa e transferirão crédito na proporção de 30% da alíquota modal da nova contribuição.

A empresa estabelecida na Zona Franca de Manaus sujeita-se à alíquota modal e, como medida redutora da carga tributária, no sentido de equalizá-la àquela hoje decorrente da incidência do PIS/Cofins, é concedido crédito presumido de 25% do valor da nova contribuição calculada em relação à venda. A concessão de crédito presumido será a regra para os benefícios tributários.


Maria Cristina Fernandes: A armadilha do capitão

No enfrentamento com a toga, generais fazem o jogo de Bolsonaro e arriscam reacender temas como a revisão da Lei da Anistia

Ao mandar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ligar para Gilmar Mendes para explicar sobre a presença de militares e as ações da Pasta, o presidente Jair Bolsonaro realoca para o colo das Forças Armadas aquilo que o ministro do Supremo Tribunal Federal pôs no seu. Era Bolsonaro que o ministro alvejava ao dizer que os militares estavam se associando a um genocídio. Com as instruções a Pazuello, o presidente deixa claro que é no mesmo balaio de responsáveis pelo pandemônio, ao lado de Supremo e governadores, que pretende colocar as Forças Armadas.

Não é de hoje que as Forças Armadas caem nas armadilhas do capitão. Arma-se um vespeiro. A ameaça a Gilmar Mendes com a Lei de Segurança Nacional, tese urdida pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, pode fazer ressurgir dois processos, o julgamento dos embargos de declaração na revisão da Lei de Anistia e a incompetência da justiça militar para crimes cometidos por civis em operações de Garantia da Lei e da Ordem e por militares contra civis em situações não relacionadas com o desempenho de suas atividades.

Ainda que a composição do tribunal tenha mudado desde que a revisão da Lei de Anistia foi negada, é improvável que uma nova leitura se forme sobre o tema. A rediscussão do tema, porém, desagrada sucessivas gerações de militares que buscaram, até aqui, virar a página da ditadura.

Ainda mais porque se daria numa conjuntura em que um ministro do Supremo, ao saber da cobrança do vice-presidente, Hamilton Mourão, de que Gilmar Mendes tem que pedir desculpas aos militares, reagiu: “Antes ele tem que fazer a mesma coisa pelas homenagens a Brilhante Ustra”. O clima de radicalização só serve, como se sabe, às milícias digitais bolsonaristas.

Já a incompetência da justiça militar para o julgamento de civis incriminados em GLOs e de militares que atentem contra civis em situações não relacionadas com a farda, é um tema que acende convicções no tribunal, como a do ministro Celso de Mello, e tem Gilmar Mendes como um dos relatores.

Ao se deixar capturar pela armadilha bolsonarista, os militares dificultaram a interlocução em ambos os temas que dormitavam na “diplomacia judicial”. Isso acontece num momento em que a opinião pública, com a anuência do presidente e a provocação do ministro, já começa a associar a farda às tragédias da pandemia.

Se foi Bolsonaro quem atraiu os militares para a armadilha, é Gilmar Mendes quem ameaça virar o trinco. Primeiro o ministro reconheceu o terreno. Pediu audiência com o comandante do Exército, Edson Pujol. Explicou-lhe as decisões do Supremo na pandemia e tentou desfazer impressões de que haveria uma conspiração em curso. Saiu de lá com a convicção de que daquele quartel não partiriam cabo ou soldado rumo à Praça dos Três Poderes, ainda que Bolsonaro continuasse a bafejar o dispositivo militar.

A prisão de Fabrício Queiroz e o cerco sobre o senador Flávio Bolsonaro forçaram o capitão a um recuo tático. Ao mesmo tempo, Bolsonaro colocou o Ministério da Saúde de Eduardo Pazuello para operar na lógica de sua blindagem política. Vai precisar dela na medida em que enfatiza, cada vez mais, a responsabilização dos governadores e do Supremo pelo pandemônio.

Essa lógica se operou, inicialmente, pelo congelamento dos recursos do SUS. Em seis meses desde a publicação do plano de contingência para a pandemia, foram executados R$ 12,1 bilhões de créditos extraordinários para o Sistema Único de Saúde, o equivalente a menos de um terço da dotação disponível.

Este valor corresponde a pouco mais de 5% do total pago pela União para o enfrentamento da covid-19. Neste período, de planos de saúde a seguro de bancos, várias rubricas superaram os recursos do SUS. Os dados foram levantados pela procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto.

Foi com este Ministério da Saúde em ação que o Brasil assumiu a vice-liderança na disputa macabra do recorde mundial de vítimas. Quando, ao final do campeonato, Bolsonaro mandar o troféu para a Federação e para o Supremo, terá rearranjado os gastos da Pasta para eleger os prefeitos com os quais pretende reconstruir sua base e se safar do prejuízo.

Depois que a Instituição Fiscal Independente, do Senado, mostrou os primeiros números da sub-execução dos gastos do SUS, em junho, o Ministério Público Federal abriu inquérito para investigar as razões pelas quais a Pasta da Saúde não consegue gastar.

Um mês depois, Pazuello baixou portaria para distribuir a municípios um valor (R$ 13,8 bilhões) acima do que havia sido executado até então. Quando esse dinheiro chegar na ponta, não apenas os deputados e prefeitos aliados já terão faturado a distribuição, pelo apadrinhamento de cotas dos valores nas redes sociais, como o Brasil já estará no limiar das 100 mil mortes, com gestores públicos capturados pelos atravessadores de testes, medicamentos, respiradores e equipamentos.

Publicada no dia 1º, a portaria ainda não havia surtido efeito na execução orçamentária. Ontem, já sob o fogo cruzado com Gilmar Mendes e ameaçado de omissão no enfrentamento da pandemia, o ministério registrou uma repentina e extraordinária execução de R$ 5 bilhões desses novos recursos.

A captura desses valores por gestões sem coordenação nacional, é um troféu que ninguém tira do Ministério da Saúde. Nada é mais ilustrativo da responsabilidade da Pasta do que a determinação do secretário de Atenção Especializada, Luiz Otávio Duarte, para que os gestores públicos comprem equipamento superfaturado e registrem a queixa no MP.

Ao fazê-lo, Duarte, um dos três coronéis do Exército no secretariado da Saúde, demonstrou não apenas a soberba de quem se considera inimputável em suas ordens, como também o preço de se ter a Pasta nas mãos da itinerância balística dos militares. Além das 60 mil vidas acumuladas durante a gestão militar, alvejou o erário.

Houvesse centralizado as compras para posterior distribuição aos Estados, diz Élida, o ministério teria mais condições de exigir o cumprimento de prazos de entrega e de enfrentar as máfias de atravessadores. Isso vale para equipamentos, testes, medicamentos e para a futura vacina. A logística militar faz com que sua distribuição seja, de fato, a operação de uma guerra que só admite o presidente Jair Bolsonaro como vencedor.

Houvesse centralizado as compras para posterior distribuição aos Estados, diz Élida, o ministério teria mais condições de exigir o cumprimento de prazos de entrega e de enfrentar as máfias de atravessadores. Isso vale para equipamentos, testes, medicamentos e para a futura vacina. A logística militar faz com que sua distribuição seja, de fato, a operação de uma guerra que só admite o presidente Jair Bolsonaro como vencedor.

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/a-armadilha-do-capitao.ghtml


Fernando Exman: Defesa armada, mas falta plano de ataque

Relação com o Centrão deve ter momentos de crise

Foi bem-sucedida a operação do governo Jair Bolsonaro de construir um cordão sanitário na Câmara dos Deputados. A defesa política foi estruturada, mas ainda falta a amarração, entre o Executivo e o Legislativo, de um plano concreto que concilie a aprovação de medidas para atacar os problemas do país no pós-pandemia a garantias de sustentabilidade fiscal de longo prazo.

É com essa preocupação que hoje trabalham a equipe econômica e os articuladores políticos do Palácio do Planalto, quando tratam da pauta legislativa com representantes da nova base governista. As reuniões têm sido frequentes. No governo, espera-se que a desconfiança, uma sensação de que a parceria com o Centrão não será perene e pode acabar a qualquer momento, vá se dissipando com a aprovação de projetos considerados estratégicos.

Essa aproximação recolocou o Centrão no lugar que ele sempre ocupou no Congresso, o posto de fiador da governabilidade. Desde que decidiu abrir de vez o processo seletivo para indicações políticas, o governo conseguiu arregimentar mais de 200 votos entre os 513 deputados federais. Um excelente ponto de partida para quem andava acompanhado de pouquíssimos parlamentares.

Por outro lado, a base não garante a aprovação de propostas de emendas constitucionais. Tampouco dá a segurança desejada por todo governante de que projetos de alto impacto fiscal não prosperarão com facilidade no Congresso. O histórico do Centrão permite que as autoridades do Executivo se perguntem até quando irá durar o discurso de compromisso com a responsabilidade no manejo do Orçamento apresentado por lideranças do grupo.

Além disso, o Centrão não é um bloco monolítico. Esses partidos sempre atuaram em conjunto para garantir apoio a todos os governos dentro do Congresso. No entanto, disputam espaços na máquina pública federal e muitas vezes são adversários nos Estados. Têm também projetos políticos conflitantes para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados.

Esses planos, inclusive, já começam a ganhar corpo e a gerar desentendimentos durante as votações no plenário da Câmara.

A condução dos trabalhos legislativos tende a ficar mais tensionada, à medida que se aproxima a eleição para a Mesa Diretora da Casa. A disputa está marcada para fevereiro, mas os pré-candidatos já se movimentam. Muitos querem imprimir suas digitais em pautas de interesse do setor privado, de corporações ou em propostas com amplo apoio popular. Justamente o tipo de matéria que outros governos passaram a chamar de “pautas-bomba”.

Caberá ao presidente e a seus articuladores a mediação das diferentes aspirações políticas de cada um desses grupos, enquanto fazem as contas sobre os impactos das propostas apresentadas por parlamentares dessas siglas. Desentendimentos também poderão surgir em relação ao processo de desestatização que o governo pretende destravar neste segundo semestre. O ministro da Economia fala em realizar até quatro grandes privatizações, mas este não é um assunto muito popular entre os novos amigos do Planalto.

Há outros temas em discussão. Governo e base terão que chegar a um acordo em relação à reforma tributária e ao fim de benefícios fiscais, num momento em que governadores, prefeitos e setores da economia não estão dispostos a ceder. Líderes do Centrão sempre tiveram boa interlocução com o setor produtivo e o mercado financeiro.

Ainda gera dúvidas, também, como se dará a atuação da nova base nas discussões sobre o destino do auxílio emergencial e da instituição do novo programa social do governo. O certo é que os parlamentares também irão querer usar essas votações para terem uma nova bandeira política para erguer e se contrapor à esquerda. Não está claro, para o Executivo, quanto isso pode custar.

Há outros riscos e outras oportunidades em jogo para ambas as partes. Os parlamentares do Centrão mantiveram um relacionamento proveitoso com os governos do PT, e desde o início do ano passado ouvem de auxiliares do presidente que apenas o sucesso da gestão Jair Bolsonaro pode impedir o retorno da esquerda ao poder em 2022.

Muitos deles não concordam com a tese nem a encaram com preocupação, mas sabem que tendo o apoio do governo podem ganhar mais tanto nas disputas internas da Câmara quanto em suas bases eleitorais.

Eles esperam, por exemplo, receber crédito pelas realizações da administração Bolsonaro em seus Estados. O Ministério das Comunicações deve desempenhar papel fundamental no esforço de impedir que os adversários do governo tentem se apropriar de inaugurações de obras que estiveram paralisadas e forem concluídas. Isso valerá para parlamentares, mas também governadores e prefeitos. Um dado importante para os deputados e senadores que precisam de argumentos para fortalecer suas bases políticas antes das próximas eleições.

Passada a pandemia, os parceiros do Planalto também esperam poder acompanhar o presidente em visitas a seus Estados - uma demanda tradicional no meio político mas que até agora era um privilégio de poucos. Isso já havia mudado nas recentes viagens do presidente ao Nordeste e a Santa Catarina, antes de ele ser diagnosticado com covid-19.

Tudo isso terá que ser feito sem que Bolsonaro crie conflitos com a base que o elegeu. O desafio do governo é construir um novo caminho e, ao mesmo tempo, convencer os bolsonaristas mais fiéis de que o destino final da jornada será aquele prometido na campanha presidencial. Um desafio e tanto depois da substituição dos vice-líderes mais identificados com o bolsonarismo raiz.

Um outro teste de fogo para a coesão da nova bancada se dará quando o presidente voltar a trabalhar com afinco na criação de seu próprio partido. Dificilmente essa tarefa será realizada sem atingir os interesses locais dos seus aliados.


Andrea Jubé: O papo reto de Jorge e Eduardo Bolsonaro

Alexandre Ramagem deve ser nomeado de novo para a PF, diz Jorge Oliveira

O ministro em quem Jair Bolsonaro mais confia é um dos que mais desperta a desconfiança de seus apoiadores. Para aplacar essa resistência, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) conversou no sábado com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, em seu canal no YouTube, com mais de 602 mil inscritos.

Em meio a uma relação tensa com o Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro não quer sofrer mais baixas entre seus seguidores depois que indicar Jorge Oliveira para a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposentará em novembro.

De perfil discreto e afável no trato, Oliveira construiu pontes com ministros do STF, como o presidente Dias Toffoli e o ministro Gilmar Mendes. Mas se esse perfil moderado favorece o diálogo com outros poderes, em contrapartida, desagrada os bolsonaristas, que preferem estilos mais radicais, como o ex-ministro Abraham Weintraub.

Durante a conversa, Jorge afirmou que o delegado Alexandre Ramagem pode ser nomeado de novo para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal (PF). “Há possibilidade”, admitiu.

Segundo o ministro, assim que o inquérito que apura o suposto desvio de finalidade na indicação de Ramagem, baseado na denúncia do ex-ministro Sergio Moro, for concluído, “não haverá óbice” para um novo ato de nomeação de Ramagem. Ele disse acreditar que o desfecho do inquérito, que é relatado pelo decano Celso de Mello, “ocorrerá em breve”. A nova prorrogação da investigação acaba no fim do mês.

Jorge destacou que a decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre Ramagem não contestou a qualificação do delegado para comandar a PF, porque apenas suspendeu, e não impediu a sua nomeação. “Foi apenas uma prudência para suspender a posse” até o esclarecimento das acusações do “ministro da Justiça anterior”.

Fica nítido o cuidado em omitir o nome de Sergio Moro, que por ironia, foi o primeiro convidado de Eduardo em seu canal no YouTube. “É uma honra receber aqui o ministro que se tornou mais do que referência em combate à corrupção, e também uma referência de caráter”, disse o filho de Bolsonaro na estreia do programa há cinco meses.

Num espaço voltado principalmente à base bolsonarista, Jorge afirmou que o relacionamento do governo com o STF “é o melhor possível”.

O ministro ressaltou que Bolsonaro sempre respeitou as instituições. Argumentou que embora o presidente seja acusado de gestos arbitrários, disputou nove eleições em sua trajetória, e antes de tomar posse na Presidência, visitou todos os tribunais superiores e se colocou à disposição dos ministros.

“Há uma inconformidade com as atitudes dele [Bolsonaro], mas temos no regime democrático as formas de nos inconformarmos, e hoje o diálogo é muito bom”, acrescentou. “Aos poucos a gente vai conseguindo governar”.

No intuito de afinar a relação de Jorge com os apoiadores do presidente, Eduardo pediu que ele falasse sobre a longa relação de amizade de sua família com os Bolsonaros. O ministro lembrou que seu pai, o capitão Jorge Francisco, foi assessor do então deputado Jair Bolsonaro por 20 anos, até falecer em 2018. E ele trabalhou durante anos nos gabinetes de Bolsonaro e de Eduardo, até a eleição presidencial.

Ao fim, Eduardo disse para os internautas que ali estava “certamente um dos principais ministros, a pessoa que está diariamente com o presidente”. Reforçou: “Se vocês virem o presidente com a cara abatida, de farol baixo porque teve um dia cansativo, saibam que ele vai estar ao lado aqui do Jorge Oliveira”.

Até o fechamento desta coluna, o programa tinha mais de 49 mil visualizações e mais de 1,2 mil comentários. Reproduzo alguns deles, que demonstram as restrições de bolsonaristas a Jorge Oliveira:

“Tem muito duas caras no governo infelizmente” (LR)

“Sinto muito, Eduardo, mas não consigo acreditar nesse ministro” (IS)
“Esse Jorginho não me parece que está do lado do JB! Ele tá mais pra progressista e oba-oba. Não serve pra ser conselheiro do presidente” (ACA)

“Jorge, Ramos, Braga Neto e o Mendonça, nós conservadores não apoiamos, estão apagando a luz do Bolsonaro” (MA)

“Eduardo, me perdoa, mas nesse Jorge não dá pra acreditar” (VD)
“Gosto desse sr Jorginho aí não, deputado. I’m sorry.” (MM)

Veto
Geólogo de formação, o empresário Marco Stefanini, fundador e CEO Global do Grupo Stefanini, que atua em 41 países, adverte que antes de destruir a pinguela, o governo precisa construir a ponte.

Apontada como a 5ª empresa brasileira mais internacionalizada, segundo o ranking da Fundação Dom Cabral, a Stefanini insere-se no setor de Tecnologia da Informação (TI), um dos 17 atingidos pelo veto de Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de pagamento até 2022.

Marco Stefanini diz que o veto contradiz o discurso do presidente que, no início da pandemia, afirmou que era preciso se preocupar com a saúde, mas também com a economia e o aumento do desemprego.

Se o Congresso não derrubar o veto, o setor de TI deixará de contratar 400 mil profissionais de alta qualificação em três anos, e pode perder até 150 mil dos atuais empregos formais. “Estamos falando de meio milhão de empregos altamente qualificados”, ressaltou.

A Stefanini tem 14 mil empregados no Brasil. O empresário lembra que a desoneração da folha de pagamento começou pelo setor de tecnologia, que era dominado pela “pejotização”. O subsídio reverteu esse quadro e viabilizou um aumento de 20% nas contratações com carteira assinada no setor.

O CEO da Stefanini contesta a alegação do governo de que a desoneração da folha de alguns setores compromete a isonomia no mercado. “Eu entendo que eles querem medidas mais transversais do que setoriais, só que na prática antes de destruir, você tem que construir”.

Ele compreende que o governo busque um modelo mais amplo, mas pondera que numa situação de pandemia, com empresas fechando, não dá para aguardar a reforma tributária. “O bom é inimigo do ótimo, o mundo não é perfeito, e a manutenção da desoneração neste momento é o que faz menos mal”.


Valor: 'Forças Armadas são instituições de Estado, não de governo', diz ministra Maria Elizabeth Rocha

Única mulher no Superior Tribunal Militar é a voz divergente na maioria dos julgamentos da Corte

Por Luísa Martins, Valor Econômico

BRASÍLIA - O Superior Tribunal Militar (STM) estava a poucos dias de completar 199 anos quando rompeu a tradição de ter apenas homens em sua composição. A ministra Maria Elizabeth Rocha tomou posse em 2007 e, desde então, tem se notabilizado não só por ser a primeira (e, até hoje, única) mulher a integrar e a ter presidido a mais antiga Corte do país, mas também pelo teor de seus votos. Quase sempre, ela é a voz que diverge do entendimento adotado pela maioria dos colegas nas sessões de julgamento.

Foi assim no ano passado, por exemplo, quando foi a única a votar pela manutenção da prisão preventiva dos nove militares envolvidos na morte de um músico e de um catador em Guadalupe, no Rio de Janeiro. A conclusão do caso trouxe revolta aos familiares das vítimas e colocou o STM em evidência, especialmente pelas falas do presidente Jair Bolsonaro, que minimizou a tragédia.

"Quando a política entra nos quartéis, a hierarquia e a disciplina sofrem abalos e a credibilidade é comprometida”

Em entrevista exclusiva ao Valor, a ministra falou sobre o uso da imagem das Forças Armadas pelo governo e a presença de militares no Executivo, movimentos acentuados a partir da campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018. Disse que “não é saudável para a democracia” o fato de haver militares da ativa no alto escalão político - casos do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello. “Quando a política entra nos quartéis, a hierarquia e a disciplina sofrem abalos. O governo compromete a credibilidade dos militares”.

Apesar de ela compor a cota do STM destinada a civis, a convivência com militares no trabalho e em casa - é casada com um general -, a faz ter certeza de que entre eles não se desenha a hipótese de golpe. A ministra defendeu as investigações sobre atos antidemocráticos no Supremo Tribunal Federal (STF) e disse ser descabida a tese sobre o “poder moderador” das Forças Armadas em caso de crise entre os Poderes.

Maria Elizabeth também criticou a condução do governo frente à pandemia, a qual classificou como “um horror existencial imenso”, com “desfecho fúnebre”. Ela própria sentiu os efeitos da crise sanitária no início do mês, quando sua mãe, aos 97 anos, esteve sob suspeita de estar com covid-19. O diagnóstico, felizmente, acabou por não se confirmar.

"Sou a única do meu gênero no STM, portanto não faria sentido render-me à homogeneidade. Faço questão de firmar posições”

Natural de Belo Horizonte (MG) e doutora em direito constitucional, a ministra faz parte da terceira geração de juristas da família. Na década de 1980, passou em primeiro lugar em concurso da antiga Fundação Nacional de Serviços de Saúde Pública (hoje Funasa) e se tornou procuradora federal. Até ser nomeada para o STM, atuou como assessora jurídica de órgãos vinculados a cada um dos três Poderes, como a Câmara dos Deputados (Legislativo), a Casa Civil (Executivo) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual a sua opinião sobre a presença de militares no governo?

Maria Elizabeth Rocha: Vejo com certa preocupação o fato de militares da ativa ocuparem postos-chave no governo. É cômodo para o presidente escolher militares para compor o alto escalão, preenchendo lacunas que, politicamente, talvez ele não conseguisse manejar. São pessoas que nunca vão confrontá-lo, pois ele é o chefe supremo das Forças Armadas. Nunca vai existir um embate como o que houve com o ex-ministro [da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta, porque ao fim e ao cabo eles estão subordinados, como militares, ao presidente da República. Quando a política entra nos quartéis, a hierarquia e a disciplina sofrem abalos. De toda a sorte, apesar das bravatas sobre golpes políticos, os militares não vão se prestar a esse papel. O silêncio dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foram um sinal de que essa aventura política jamais será repetida.

Valor: O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, disse que povoar o governo com militares pode ser um desastre, pois eles passam a se identificar com vantagens e privilégios que abrem portas para uma “chavização” da política.

Maria Elizabeth: Concordo plenamente. As Forças Armadas são instituições nacionais de Estado, não de governo. É muito significativo que a Constituição brasileira, uma das mais extensas do mundo, com mais de 5 mil disposições, só utilize a palavra “pátria” uma vez, quando fala das Forças Armadas. Então, quando militares da ativa servem a um governo, é comprometedor. Fossem da reserva, eu ficaria menos incomodada.

Valor: Por quê?

Maria Elizabeth: Um oficial da reserva continua sendo militar, mas não tem mais contato direto com os comandos ou com a tropa, nem poder de mando, nem acesso às armas da nação. Ele preserva uma influência, mas está fora das Forças Armadas. Então, no caso de virar ministro, não haveria a relação de submissão ao chefe das Forças Armadas, mas tão somente uma subordinação política ao presidente da República.

Valor: Há uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o assunto. Que caminhos a senhora vê para essa apuração?

Maria Elizabeth: O que o TCU analisa é se, ao retirar o militar de um posto de comando nas Forças Armadas para exercer cargo político em ministério, pode ser caracterizado o desvio de função e, consequentemente, das contas públicas. Isso porque ele poderia ter continuado a prestar serviços relevantes de atribuição das Forças Armadas, enquanto outro nome técnico comporia os escalões do governo. É complicado um general vir a público defender o presidente ou determinadas políticas, quando na verdade ele é um agente do Estado, que pela Constituição não pode se atrelar a quaisquer visões políticas. Isso não é saudável para a democracia. Tanto que somente militares da reserva é que estão aptos a disputar eleições.

Valor: Se para evitar esse conflito político somente os da reserva podem se candidatar, por analogia não se deveria exigir o mesmo para cargos políticos nos governos?

Maria Elizabeth: É uma linha de pensamento jurídico correta. Porque os militares da ativa não são filiados a partidos políticos, mas estão servindo a um governo que, embora não tenha partido atualmente, tinha quando foi eleito.

Valor: O presidente prestigiou diversas manifestações em que seus apoiadores pediam intervenção militar. Alguns deles têm atacado as instituições e chegaram a ser presos no âmbito dos inquéritos do STF que apuram atos antidemocráticos. Qual o limite da liberdade de expressão?

Maria Elizabeth: A preservação do contrato social e de uma sociedade política bem ordenada. O discurso de ódio não está inserido na liberdade de expressão. Sou extremamente favorável a esses processos no Supremo. É importantíssimo que isso seja averiguado, porque os Poderes não podem ser reféns de uma ordem ou discurso autoritários. Há apenações legais para esse tipo de comportamento, tanto para o presidente quanto para seus apoiadores, inclusive se forem militares.

Valor: A identificação do presidente com as Forças Armadas passa, recorrentemente, pela exaltação a militares que tiveram papéis centrais em torturas, mortes e desaparecimentos na ditadura. Essa é uma tendência dentro da estrutura militar ou é um comportamento singular?

Maria Elizabeth: Sinto que o entendimento entre os militares é de que, no contexto da Guerra Fria, o mundo estava dividido em blocos e era preciso intervir para que o país não adentrasse o comunismo. Mas as pessoas que hoje estão no generalato quatro estrelas tinham 12 anos naquela época, ou seja, é uma geração que não tem nada a ver com o que se passou em 1964. Possivelmente nos colégios militares, àquela época, tenham sido doutrinados no sentido de que aquele foi um gesto importante. Mas ninguém aprecia torturador. Os meus colegas no STM são todos absolutamente democráticos. Ninguém ali defende golpe militar, muito pelo contrário.

Valor: A tese sobre o papel de “poder moderador” das Forças Armadas faz sentido?

Maria Elizabeth: Não. O que a Constituição fala é que as Forças Armadas são garantidoras da lei e da ordem. Em outras palavras, são garantidoras do estado democrático de direito. Uma das maiores preocupações da Constituinte de 1988 foi justamente não abrir espaço para que elas pudessem voltar a atuar como fiadoras da ordem legítima. Os garantes do Estado são os Poderes constitucionais legitimamente investidos. O presidente Bolsonaro, goste-se ou não dele, é legítimo. Igualmente o Legislativo. E o Judiciário, onde apesar de nossas decisões serem em geral contramajoritárias, sobretudo as do Supremo, há respaldo constitucional para que isso aconteça. Fico pasma que em pleno 2020, diante de uma pandemia que se mostrou um horror existencial imenso, a gente ainda discuta se militares podem ou não intervir, quando é tão óbvia a interpretação da Constituição.

Valor: Como avalia a gestão do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, que é um militar, durante esta crise?

Maria Elizabeth: Eu louvo os esforços do ministro interino para conter a pandemia, uma tarefa quase impossível, sobretudo porque ele não tem formação na área médica ou conhecimentos de saúde pública. Ele faz o que pode dentro das circunstâncias. Mas não posso negar o quanto lamentei a saída do ministro Mandetta, um profissional que conhecia bem o seu ofício, que estava afinado com a equipe técnica do ministério, primava pela transparência e sabia sobre o complexo funcionamento do SUS [Sistema Único de Saúde]. Estou segura de que, se ele tivesse permanecido, o desfecho fúnebre que vivenciamos a cada dia seria diferente.

Valor: O protagonismo que o presidente confere aos militares desde a campanha fortaleceu ou enfraqueceu a instituição militar?

Maria Elizabeth: O governo compromete os militares. As Forças Armadas desempenham papéis fundamentais: participam de projetos com refugiados venezuelanos, prestam serviços de apoio às populações ribeirinhas e indígenas, atuam na proteção da biodiversidade… É muito grande a sua credibilidade junto à sociedade. Quando um governo utiliza os militares como discurso político, essa credibilidade está em risco. E isso não é justo. Mas, por uma questão de justiça, essa politização não vem de agora. Foi usada sobretudo pelo ex-presidente [Michel] Temer na intervenção federal no Rio de Janeiro.

Valor: Aproveitando o gancho do Rio de Janeiro, uma polícia militarizada é o melhor modelo para a segurança pública do país?

Maria Elizabeth: O general [Eduardo] Villas Bôas, uma das pessoas mais lúcidas do Exército, disse certa vez que o incomodava profundamente ver um soldado apontar um fuzil para um civil. E o resultado nós vimos: foi aquela tragédia de Guadalupe, fruto do despreparo dos soldadinhos de 18 anos que prestam um ano de serviço militar obrigatório e depois vão para casa com seu certificado de reservista na mão, mas sem preparo psicológico para enfrentar o crime organizado, nem instrução da Polícia Militar, que já erra muito. Sou mais simpática à ideia de a polícia ser civil nas sociedades bem ordenadas. Mas, no Brasil, sou a favor de que seja militarizada e submetida a julgamentos nos tribunais militares estaduais, que são muito mais rigorosos do que os tribunais de Justiça civis. Infelizmente, a nossa sociedade está doente. Quando um policial mata voluntária ou involuntariamente um infrator, a sociedade o absolve porque, para ela, bandido bom é bandido morto.

Ninguém pensa no papel da pena para reeducar aquele que infringiu a lei. As pessoas querem eliminar o foco de marginalidade, até por já terem sofrido muito com isso, mas não é esse o tipo de resposta que o Estado deve dar nem é isso que vai resolver. É preciso que haja políticas públicas que passam pela educação, pelo respeito à dignidade e aos direitos humanos, para que esse quadro terrível acabe por se findar ou minorar.

Valor: As Forças Armadas são historicamente um ambiente masculino, caso do próprio STM. Como é ser a única mulher a integrar e a ter presidido o tribunal?

Maria Elizabeth: É um desafio. Fui muito bem recebida quanto tomei posse e sou tratada sempre com cordialidade, mas, por ser um ambiente predominantemente masculino, o patriarcalismo prevalece. Isso é uma realidade em todos os tribunais, a exemplo das interrupções em votos femininos. De minha parte, busco permanentemente uma postura singular. Afinal, sou a única do meu gênero no STM, portanto não faria sentido render-me à homogeneidade. Meu objetivo é trazer sempre um posicionamento diverso, fundamentado juridicamente, que colabore com a construção da consciência, sobretudo em processos penais em que as mulheres figuram. Sou uma juíza garantista e quase sempre voto vencido, na medida em que o punitivismo na Justiça castrense é alto. Porém, faço questão de firmar minhas posições, sem me intimidar com eventual misoginia de alguns colegas. Sou feminista, ativista e luto por paridade de gênero em todas as esferas de Poder. Tenho consciência de que o meu papel é, antes de tudo, abrir caminhos para as novas gerações.


Sergio Lamucci: O difícil equilíbrio da política fiscal

Dívida elevada e economia anêmica complicam cenário

A condução da política fiscal terá grandes desafios já neste semestre, mas especialmente no ano que vem. O país deve terminar 2020 com uma dívida bruta na casa de 95% do PIB, o que aponta para a necessidade de retomada do ajuste das contas públicas. Ao mesmo tempo, uma contração fiscal muito forte pode ter consequências negativas para a economia, num cenário em que ainda não se sabe como famílias e empresas reagirão no pós-pandemia.

Se o governo não indicar um caminho crível de consolidação das contas públicas, as expectativas sobre a trajetória fiscal podem se deteriorar, elevando o risco país e os juros futuros. Com isso, a manutenção da Selic em níveis baixos por um longo período pode entrar em xeque. No entanto, um ajuste fiscal muito abrupto pode minar a recuperação da economia, o que seria péssimo para o mercado de trabalho e para a própria dinâmica da dívida pública.

Em post publicado na semana passada no blog do Fundo Monetário Internacional (FMI), o diretor do departamento de Assuntos Fiscais, Vitor Gaspar, e a economista-chefe da instituição, Gita Gopinath, afirmam que a política fiscal terá que continuar a ser flexível e a apoiar a economia até que uma saída segura e duradoura da crise esteja assegurada. “Embora a trajetória da dívida pública possa subir adicionalmente num cenário adverso, uma retração fiscal prematura representa um risco ainda maior de tirar a recuperação dos trilhos, com maiores custos fiscais futuros”, escrevem os economistas do FMI.

A necessidade de manter o apoio fiscal é clara, mas a questão é como os países podem financiá-lo sem que a dívida se torne insustentável, apontam Gaspar e Gita. Eles observam que a expectativa de que o custo de empréstimo dos governos permaneça baixo por um longo tempo ajuda nessa tarefa, mas dizem cautela é aconselhável. Há uma grande diversidade de níveis de endividamento e de capacidade de financiamento entre os países, lembram eles.

A dívida bruta brasileira vai subir quase 20 pontos percentuais neste ano, para cerca de 95% do PIB, em função das medidas de combate à doença e da perda de receita. Já o endividamento médio dos emergentes em 2020 deve ficar em 63% do PIB, estima o FMI. Esses números sugerem que o Brasil tem pouquíssimo espaço de manobra fiscal. Ao mesmo tempo, um tranco exagerado na política fiscal pode prejudicar a recuperação pós-pandemia. Como vai se comportar o consumidor depois do fim do auxílio emergencial e com uma situação difícil no mercado de trabalho? Ainda que o governo implemente neste ano um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família, ele deve ter uma dimensão menor que o atual benefício. O valor tende a ser mais baixo que os atuais R$ 600, e concentrado numa fatia menor da população.

Também é difícil acreditar numa recuperação rápida do investimento privado. As empresas têm enorme capacidade ociosa e o nível de incerteza deve seguir elevado. Há o risco de uma reaceleração dos casos e mortes pela covid-19 e o governo de Jair Bolsonaro é uma grande fonte de instabilidade.

Em relatório do J.P. Morgan da semana passada, intitulado “Desta vez é diferente”, os economistas Nora Szentivanyi e Jahangir Aziz dizem que, nesta crise, é mais provável os emergentes melhorarem a dinâmica de médio prazo da dívida dando apoio ao crescimento do que por meio de uma rápida consolidação fiscal. Diferentemente de outras crises que costumam atingir esses países, a turbulência atual não foi causada por estímulo à demanda e superaquecimento, segundo eles.

Com isso, restaurar a confiança dos investidores com medidas como um forte ajuste fiscal e corrigir excessos passados pela reestruturação de balanços não seriam “precondições para a retomada”. Apertar as contas públicas para lidar com temores de instabilidade pode ser um tiro pela culatra se prejudicar o crescimento de médio prazo, dizem os economistas. No relatório, os dois fazem cinco simulações para a trajetória da dívida de 22 países emergentes, entre eles o Brasil.

Segundo o exercício, o baixo crescimento leva a dívida a subir muito mais do que déficits fiscais elevados. Na simulação em que o rombo primário (exclui gastos com juros) é maior do que o previamente estimado em 3 pontos percentuais do PIB em 2020, 2 pontos em 2021 e 1 ponto em 2022, a dívida brasileira fica 2,9 pontos do PIB maior do que no cenário-base para o indicador, em que atinge 99% do PIB em 2029. Na hipótese de um crescimento nominal do PIB 2 pontos percentuais abaixo do projetado de 2022 em diante, o endividamento bruto do Brasil ficaria 17,4 pontos maior.

O exercício tem limitações, obviamente, considerando as mesmas hipóteses para todos os países. Além disso, um quadro fiscal pior pode implicar em menor crescimento, se isso levar a um aumento dos juros e a uma forte desvalorização do câmbio.

A novidade do relatório é menos apontar para os riscos de uma consolidação fiscal muito rápida, uma vez que diversos economistas advertem para esse risco. O incomum é um estudo de um grande banco alertar para os potenciais problemas de um ajuste muito severo em países emergentes. Esse tipo de percepção pode indicar que uma consolidação fiscal mais gradual tem chance de ser recebida sem grande desconforto pelos investidores.

O difícil é como chegar a esse equilíbrio. Os economistas do J.P. Morgan afirmam que, como boa parte da deterioração fiscal ainda está por vir, manter a calma dos mercados requer das autoridades dos países emergentes o compromisso com uma âncora fiscal crível de médio prazo e com a volta aos arranjos de política fiscal e monetária anteriores à crise.

Em 2021, há uma possibilidade considerável de rompimento do teto de gastos. As despesas da União poderão subir apenas R$ 31 bilhões, pelo critério de correção que segue a inflação em 12 meses até junho do ano anterior. Para que o limite seja respeitado, será preciso cortar muito as despesas discricionárias, como investimentos e as de custeio da máquina pública, que já estão no talo. Isso tende aumentar a pressão para alguma flexibilização do teto.

O momento é delicado para a mudança, porque o mecanismo ancora as expectativas fiscais de longo prazo, ainda que tenha problemas. Mas um aumento tão modesto das despesas em 2021 pode levar a mudanças. Se elas ocorrerem, é fundamental que haja regras rigorosas para conter gastos como salários dos servidores, já previstos nos gatilhos caso o teto seja rompido. Isso indicaria o compromisso fiscal, ao mesmo tempo em que se permitiria um ajuste mais gradual, o que pode ser desejável em resposta a uma crise tão complexa.


Bruno Carazza: Lições do Mobral

MEC precisa de mais gestão e menos ideologia

No auge do governo Médici, o ministro da Educação, Jarbas Passarinho, exigiu a demissão da gerente pedagógica da fundação Mobral, Andrea Mandim. A acusação era que sua filha estava envolvida com os movimentos de oposição ao regime militar, além de seu marido ter sido cassado num dos Atos Institucionais por ter sido homem de confiança de Carlos Lacerda.

Mario Henrique Simonsen vinha dando contribuições informais ao governo desde que escreveu, em parceria com Roberto Campos e o jurista José Luiz Bulhões Pedreira, o programa econômico do primeiro-ministro Tancredo Neves, em 1961. Durante o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), Simonsen ajudou a conceber a nova regulação do sistema financeiro nacional e criou uma fórmula de reajuste salarial para conter a inflação, além de ser figura central na construção dos primeiros modelos macroeconômicos do recém-criado Ipea (então chamado de Epea, com “E” de “Escritório”).

Após recusar diversos convites para integrar a equipe econômica, Mario Henrique Simonsen decidiu entrar no governo num cargo pouco usual para quem, aos 35 anos, já era considerado o maior economista brasileiro: em 1970, assumiu a presidência do Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral. Antenado ao que de mais avançado se discutia em teoria macroeconômica no mundo, Simonsen havia lançado no ano anterior o livro Brasil 2001, em que apontava a educação como um dos grandes gargalos para o crescimento brasileiro. Aceitar a nomeação, portanto, seria a oportunidade de aplicar, na prática, as recomendações de seus modelos teóricos.

O Censo Demográfico de 1970 mostra que, àquela época, havia no Brasil 18.146.977 homens e mulheres com mais de 15 anos que não sabiam ler nem escrever um simples bilhete - o que representava 33,6% da população em idade de trabalhar. A ideia de um programa de alfabetização em larga escala de adultos havia surgido em 1967, mas não saía do papel por falta de orçamento. A solução encontrada por Simonsen foi buscar fontes extraorçamentárias de recursos: articulou para ficar com 30% das apostas da recém-criada Loteria Esportiva e aprovou um incentivo fiscal que abatia do imposto de renda as doações de pessoas físicas e jurídicas feitas em nome do Mobral.

Embora existam críticas em relação ao seu real alcance (aliás, o programa merece ser reavaliado com base nas técnicas mais recentes de análise de impacto), é inegável que os métodos introduzidos por Simonsen e Arlindo Lopes Corrêa, seu braço-direito e sucessor na presidência do Mobral, foram revolucionários para a época - e ainda têm muito a nos ensinar, principalmente nestes dias em que o Congresso volta a discutir a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, o famoso Fundeb.

O Mobral foi uma das primeiras experiências no Brasil em que a educação deixou de ser um feudo de pedagogos e educadores para ser encarada sob um olhar econômico, medida com dados, diante de seus custos, escala e resultados. Resolvido o problema dos recursos, Simonsen e Lopes Corrêa adotaram a padronização do material didático, implementaram um cursos de capacitação em massa de professores por rádio e TV e valeram-se de um moderno (naquele tempo, claro) sistema de cartões perfurados para coletar informações sobre o tamanho das classes e o nível dos alunos.

A grande inovação do Mobral, porém, estava na opção pela municipalização. Em cada cidade do país foi criada uma comissão encarregada de gerenciar a execução do programa. Ao governo federal cabia fornecer os insumos - inclusive os recursos financeiros para pagamento dos professores, que eram distribuídos em proporção ao número de alunos atendidos -, mas a gestão cabia aos representantes locais, que exerciam esses encargos voluntariamente.

Em poucos anos o Mobral se tornou um dos poucos pontos de contato direto entre o governo federal e a população dos rincões do Brasil. Na esteira do programa, foram criadas bibliotecas, centros culturais e balcões de emprego.

Na última sexta-feira, o presidente Bolsonaro anunciou Milton Ribeiro como novo ministro da Educação. Contando a passagem relâmpago de Carlos Alberto Decotelli, que sequer chegou a tomar posse, trata-se do quarto ocupante do mais alto cargo da gestão educacional do país em apenas dezoito meses de governo. Seus antecessores Ricardo Vélez e Abraham Weintraub foram protagonistas de tantas polêmicas ideológicas que é difícil avaliar se houve qualquer avanço na condução da política do setor.

Um dos maiores exemplos dessa paralisia está nas discussões sobre o novo Fundeb, que precisa ser aprovado pelo Congresso antes do final do ano, sob pena de privar os estudantes da maior fonte de financiamento da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio. Por falta de liderança do MEC, desperdiçamos meses de debates e agora precisamos aprovar a toque de caixa uma regulação que ainda está longe de ser unanimidade em termos de fontes de financiamento e critérios mais justos de distribuição de recursos - como mostrou Claudia Safatle em sua coluna no Valor de sexta-feira (10/07).

Voltando ao Mobral, apesar de toda a pressão exercida pelos generais pela demissão de Andrea Mandim, Simonsen não se curvou e manteve a coordenadora pedagógica no cargo, deixando claro que não admitiria que pressões ideológicas comprometessem a condução de seu programa.

Aos 83 anos, Arlindo Lopes Corrêa não vê a hora de passar a pandemia para voltar a jogar seu vôlei de praia nas areias da Barra da Tijuca. Conversando sobre os tempos do Mobral, contou que recentemente uma amiga o questionou sobre como Simonsen e ele haviam construído um programa “tão de esquerda” justamente no período mais duro da ditadura militar.

Esbanjando seu bom-humor carioca, Arlindo conta que as políticas públicas não deveriam ser julgadas por serem de direita ou de esquerda, mas sim se dão resultados bons ou ruins. Que sirva de lição para o novo ministro da Educação.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Cristiano Romero: A difícil arte de romper com passado

O problema da pobreza não atendida por programas sociais está nos grandes centros e capitais

Na Ilha de Vera Cruz, impera a tradição de nunca se romper com o passado que nos condena ao atraso, inclusive, na transição de regimes, governos e crises. Não se muda totalmente o rumo das coisas nem quando a situação exige. E, por essa razão, torna-se sempre mais difícil avançar. Períodos de continuidade do que está dando certo são raros.

A crise da dívida, em 1982, mostrou que o regime de substituição de importações foi à breca. O modelo se esgotou porque, devido à escalada dos juros no mercado internacional, tornou-se impossível honrar o pagamento da dívida externa, que na década de 1970 saltou de US$ 6 bilhões para aproximadamente US$ 100 bilhões.

O governo federal perdeu a capacidade de bancar, desde a crise da dívida, os investimentos que vinha fazendo de maneira massiva.

Quem viveu naqueles anos pôde perceber a degradação gradual e irretratável da infraestrutura (estradas, ferrovias, aeroportos, portos) e dos serviços públicos desde então. No fundo, aindas vivemos em função daquele legado.

Equilibrar o balanço de pagamentos, isto é, gerar divisas internacionais para fazer frente ao pagamento da dívida externa, tornou-se mais importante do que combater a inflação naquele momento. É que, para dar rapidamente competitividade às exportações e, assim, gerar saldos positivos na balança comercial, a saída era promover maxidesvalorizações da moeda nacional frente ao dólar.

Como dizia o ministro da Fazenda do governo Geisel (1974-1979), a inflação aleija, mas o câmbio mata. Na prática, a desvalorização da taxa de câmbio reduz o salário real de quem trabalha, o poder de compra diminui, uma vez que ficamos todos mais pobres em relação ao mundo. Por conseguinte, diminui os custos de produção das empresas. O efeito colateral danoso é o aumento da inflação.

Os militares não tiveram muito tempo para fazer algo e, por isso, passaram o bastão aos civis, em março de 1985, com inflação alta e disparando e debilidade no balanço de pagamentos. A Nova República, cujo primeiro presidente fora um prócer da ditadura _ José Sarney, ex-governador do Maranhão _, foi inaugurada sem operar mudanças no modelo que vinha dando errado. Um importante protagonista daquele momento na equipe econômica contou a esta coluna o que aconteceu.

"O acordo com o FMI, de 1983, e os empréstimos setoriais do Banco Mundial, negociados e nunca concluídos, apontaram sérias distorções institucionais no campo econômico do Estado brasileiro. Das intensas discussões de então, das quais participei, surgiu a percepção de mudanças necessárias", relata Maílson da Nóbrega, que comandou o Ministério da Fazenda nos últimos dois anos do governo Sarney.

Antes, entre 1983 e 1984, Maílson coordenou a realização de amplo estudo para examinar a situação das finanças públicas federais. Em decorrência daqueles estudos, adotaram-se medidas relevantes como a extinção da “conta-movimento” do Banco do Brasil, o fim das atividades de fomento do Banco Central e a eliminação do Orçamento Monetário. Também em consequência daquele trabalho, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional, entre outras ações modernizantes.

Foi um avanço, sem dúvida. Imagine-se o seguinte: a conta-movimento permitia que o governo dispusesse de recursos financeiros, a qualquer momento e fora do orçamento, do caixa de um banco estatal. O BB, portanto, financiava o Tesouro. Dilma Rousseff sofreu impeachment por muito menos… Outra jabuticaba era a atuação do BC como agência de fomento para a agricultura. Em ambos os casos, os instrumentos fomentavam, na verdade, a explosão da inflação.

No setor externo, ficaram evidentes as distorções criadas pelo acirramento dos controles de importações e o efeito negativo da política de substituição de importações (levada então ao extremo) sobre a concorrência, a inovação e a produtividade. Daí, os estudos, revela Maílson, para rever a estrutura tarifária, à época plena de redundâncias e outras distorções.

"Esse trabalho insano, realizado de forma competente pela então Comissão de Política Aduaneira, forneceu a convicção de que chegara a hora de iniciar um processo cuidadoso e unilateral de redução dos escandalosos níveis de direitos de importação (alguns acima de 100%). Desse trabalho, adveio a primeira ação de abertura da economia em 1988, seguida da segunda em 1989. A tarifa média caiu para pouco mais de 30%, ainda elevadíssimas, mas muito inferiores às praticadas."

Um passo adicional foi a eliminação da lista de importações suspensas (sim, havia isso), que abrangia cerca de 3.500 produtos. Mesmo que o importador se dispusesse a pagar as altas tarifas, era proibido emitir a guia de importação. Como parte do acordo não concluído com o Banco Mundial, o Ministério da Fazenda se comprometeu a eliminar a lista em um prazo.

"Em janeiro de 1989, a lista estava em 500 produtos, todos muito sensíveis. Naquele mês, recebi o então diretor da Cacex, Namir Salek, que me propôs suspender a medida. Os argumentos eram fortes: fim de governo, baixa confiança, nível reduzido de reservas internacionais. A eliminação dessas 500 posições poderia, na visão dele, disparar um processo de importações que consumiriam as modestas reservas internacionais e piorariam a crise, que abrangia dificuldades no balanço de pagamentos. Concordei com Salek e até hoje me arrependo. Estou convencido de que o seu cenário pessimista não se materializaria. Não havia demanda para tanto."

Em 1986, uma equipe de jovens economistas lançou um engenhoso plano para estabilizar a inflação. Mas, como vivíamos ainda o pleno funcionamento do modelo de substituição de importações, que fechava as fronteiras comerciais do país às importações, o plano não tinha como dar certo. Sem expor os preços domésticos à competição internacional, a inflação ficaria em níveis comportados por muito tempo.

Fernando Collor de Mello venceu a eleilção de 1989, com o discurso de uma agenda liberalizante. Por muito tempo, atribuiu-se a ele a novidade. “As ideias liberais que Collor abraçou já estavam em discussão desde os anos iniciais da crise da dívida externa”, observa Mailson da Nobrega.


Fernando Exman: A desconstrução da ala ideológica no 5G

Ministros preparam pareceres para enviar ao presidente sobre oportunidades e os riscos na condução do leilão

Em breve, o presidente Jair Bolsonaro começará a ser municiado, como se diz no Palácio do Planalto e no meio militar, com relatórios internos sobre as oportunidades e os riscos na condução do leilão do 5G. A decisão não é urgentíssima. O certame deve ocorrer apenas no ano que vem. Mas, sem dúvidas, a posição tomada será um marco no governo, com desdobramentos políticos e econômicos.

O tratamento dado à papelagem dirá se o presidente vai ouvir os mais pragmáticos do Executivo ou se seguirá a ala ideológica, que, mesmo isolada nas discussões internas, mantém-se obstinada no intento de banir a China do processo de implementação da quinta geração da telefonia móvel no país.

Sim, a China, maior parceiro comercial do Brasil. Por isso as discussões provocam calafrios no Ministério da Agricultura e na bancada ruralista.

A pasta nem é chamada a opinar formalmente, mas torce à distância para que os representantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos ministérios da Defesa, das Relações Exteriores, das Comunicações e da Economia zelem pelos interesses do agronegócio. A exclusão da China no leilão, como quer a ala ideológica, não ocorreria sem o Brasil enfrentar retaliações. O país não conseguiria, por exemplo, escoar a produção agrícola da China para os EUA com facilidade, conforme argumenta o Itamaraty nas reuniões.

Isso já ficou claro aos participantes do grupo de trabalho coordenado pela Casa Civil. Suas discussões servirão de base para um relatório a ser elaborado pelo ministro Walter Braga Netto.

Até a semana passada, contudo, outro colegiado trabalhava em sigilo e sob a coordenação do GSI. Em sua última reunião, o grupo aprovou um relatório que elenca os riscos de permitir ou vetar a participação da China no leilão do 5G. O documento será entregue ao ministro Augusto Heleno e deve servir de subsídio para o assessoramento do presidente da República.

Quem teve acesso às discussões garante: o parecer deixa claro que as consequências negativas de liberar a participação chinesa não seriam o fim do mundo, como alertam os representantes do Ministério das Relações Exteriores. De concreto, aponta-se no governo, os EUA poderiam retirar o apoio formal para o Brasil ingressar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Atualmente, no entanto, o Brasil já enfrenta resistências de países europeus à sua entrada na instituição.

Outro ponto negativo seria o cancelamento de uma promessa americana de capacitar o Brasil em defesa cibernética. De qualquer forma, autoridades da área de Defesa já não estavam dispostas a depender dos americanos nessa seara. Militares já defenderam em público, inclusive, a necessidade de adoção de regras mais rígidas de segurança no edital do leilão para que se evite o banimento de qualquer empresa na concorrência.

Outro ponto levantado por diplomatas é a aproximação do Brasil em relação à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Em tese, esse movimento pode gerar oportunidades de negócios à indústria de defesa nacional. Mesmo assim, não é um tema que gera muita comoção entre oficiais das Forças Armadas.

Por outro lado, ruiu um argumento relevante na narrativa do Itamaraty sobre a importância do alinhamento automático aos EUA, com a frustração do apoio americano a um possível candidato brasileiro para presidir o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Rompendo uma tradição, os EUA lançaram um nome próprio para o cargo.

É natural que as discussões ultrapassem os limites técnicos, a partir do momento em que o 5G se tornou um ponto central nas disputas comerciais entre a China e os Estados Unidos. O governo brasileiro já recebeu a mensagem de que, para os EUA, a questão é inegociável e se espera do Brasil a exclusão da China do leilão.

O próprio presidente afirmou em uma de suas tradicionais transmissões ao vivo nas redes sociais que o Brasil fará o melhor negócio, “levando em conta vários aspectos e não apenas o econômico”. Nesse sentido, acrescentou, o governo atenderá “os requisitos da soberania nacional, da segurança de informações, da segurança de dados e também da nossa política externa".

Será a partir dessa ótica que o presidente analisará o caso. Com os pareceres em mãos, a primeira opção de Bolsonaro será destinar os relatórios a uma de suas gavetas, desprezar os alertas que lhe forem feitos e, eventualmente, depois até reclamar de novo da assessoria prestada por auxiliares diretos e pelos serviços de inteligência do Estado.

A alternativa é ler com atenção cada linha que os ministros da Casa Civil e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, escreverem e endereçarem a seu gabinete. Os documentos devem desenhar uma matriz complexa, contendo diversos aspectos estratégicos a serem considerados em seu processo decisório.

Oficialmente, as pastas envolvidas não comentam os trabalhos realizados até agora. A exceção foi o recém-criado Ministério das Comunicações, que herdou a gestão dessa agenda após a cisão do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e reiterou que a eventual decisão sobre a participação dos chineses como fornecedores será tomada pelo presidente da República.

O ministro Fábio Faria, contudo, já vem sendo procurado por integrantes da ala ideológica do governo para falar sobre o assunto. O mesmo vem fazendo o presidente da frente parlamentar Brasil-China, deputado Fausto Pinato (PP-SP). Vocalizando uma preocupação dos congressistas que integram a frente, ele disse que também quer a criação de uma comissão externa da Câmara para acompanhar essas discussões, cobrar transparência e o atendimento aos interesses nacionais.

A decisão é uma prerrogativa do presidente da República e Bolsonaro será instado a justificá-la com solidez. Seja ela qual for.