Valor Econômico
César Felício: Mesmo sem golpe, Bolsonaro pode receber dividendos
Perplexa, a nação assiste o presidente Bolsonaro a ameaçar as instituições do país todos os dias
César Felício / Valor Econômico
Golpe no Brasil quem dá é o Exército. Assim mostra a história em todas as interrupções da institucionalidade: 1889, 1930, 1937, 1945, 1955, 1964, 1969. Ainda que no caso da guerra civil de 1930 e do movimento de 1964 a participação de governadores e das classes médias tenha sido marcante, quem deu o tiro de misericórdia nos governantes de turno tinha estrelas nos ombros. Do mesmo modo o civil Getúlio Vargas não conseguiria dar o autogolpe do Estado Novo sem os marechais Dutra e Góes Monteiro.
Portanto, não é provável, para dizer o mínimo, que por si só policiais militares organizados em redes sociais, junto com caminhoneiros, pastores evangélicos e alguns magnatas do varejo derrubem o que chamam de “sistema”, ainda que insuflados pelo presidente da República.
As ditaduras do século 21, ou semiditaduras, ou “democracias iliberais”, como queiram chamá-las dependem de legitimidade advindas da aprovação popular, algo que Bolsonaro com sua rejeição acachapante não tem por agora.
Deste modo, a prova dos nove está no Exército. Ali é a fronteira entre o golpe ou não, sendo que, nas circunstâncias atuais, a ruptura institucional seria uma aventura fadada ao fracasso. “Está todo mundo com medo. Não tem lastro para isso no mercado brasileiro, no internacional, no empresariado real, na mídia, no Congresso, no governo dos Estados Unidos, no Judiciário e na maioria do eleitorado. Quebra o país e o governo cai em 30 dias”, projetou um alto executivo de um grande banco nacional, preocupado com a hipótese.
A questão é que, afora o Judiciário, ninguém se propõe a uma ação preventiva. Perplexa, a nação assiste Bolsonaro a ameaçar as instituições todos os dias. Agora já não se acredita mais que o presidente faça apenas jogo para a sua arquibancada, mas o estarrecimento supera a capacidade de reação.
Da história dos nossos golpes militares, um chama a atenção. Em 1955, a oposição ganhou as eleições presidenciais. O governo Café Filho procurou impedir a posse do presidente eleito, Juscelino Kubitschek, lançando mão de argumentos jurídicos fantasiosos. O comandante do Exército afastou o presidente em exercício, Carlos Luz (Café Filho estava adoentado e seria declarado impedido alguns dias depois), confrontando setores da Marinha e da Aeronáutica. O grau de insucesso mundial de golpes de governos derrotados nas urnas beira os 100%, e isso talvez estimule Bolsonaro a agir antes.
Por isso o pronunciamento do Dia do Soldado do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante da força terrestre, era tão aguardado e está sendo tão estudado por todos os que acompanham a cena política. General apolítico, Paulo Sérgio é um homem sob pressão. Duas pessoas podem desestabilizá-lo: o ministro da Defesa, Braga Netto, e principalmente o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos. A frase chave da sua fala foi: “A atuação de Caxias foi marcada pela conciliação, pela superação de posições antagônicas, e, sobretudo, pela prevalência da legalidade e da Justiça, e do respeito a todos.”
“Não me parece que o Exército esteja interessado em golpe e a mensagem do Dia do Soldado autoriza esta convicção”, comentou o cientista político Jorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco, uma das maiores autoridades acadêmicas sobre Forças Armadas.
Zaverucha ressalta que é muito fácil para o Exército enquadrar qualquer insubordinação de policiais militares. O arcabouço legal forjado no regime militar para controlar as PMs não foi revogado. Está em desuso, mas existe uma Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM). “A bola está com o Exército. Se o Exército travar o golpe, trava as polícias. Ele pode intervir em qualquer unidade da PM, em qualquer lugar”.
As policias militares, ainda que subordinadas aos governadores, são forças auxiliares do Exército. Só não são controladas mais de perto pela força terrestre porque o próprio Exército foi soltando as amarras. Por muitos anos a IGPM foi comandada por um general de divisão. Hoje é tocada por um coronel. Mas as normas baixadas nos governos de Castello Branco e Costa e Silva estão lá. Recepcionadas pela Constituição de 1988.
Apenas por hipótese, digamos que em algum momento uma turba enlouquecida ocupe o Congresso e a Suprema Corte, realizando o devaneio do cantor Sérgio Reis. O Artigo 142 da Constituição Federal fala que as Forças Armadas podem ser acionadas por iniciativa de qualquer um dos Poderes para a garantia da lei e da ordem.
Se o comandante supremo das Forças Armadas, o presidente da República, não as acionar, estaria configurado o crime de responsabilidade de acordo com o Artigo 85 da Constituição e teria que ser feito um impeachment pelo Senado, se Senado ainda existir.
Na leitura de um influente ex-ministro da Defesa, o comandante do Exército, caso fique inerte, estará obedecendo ao comandante supremo. Se não ficar inerte, afastando o presidente, estará restabelecendo “os Poderes constitucionais vigentes”, como disse o marechal Lott em 1955. Estará em zona de conforto, portanto, para exercer o famoso “poder moderador”. “O Exército não quer ser âncora do presidente, quer ser âncora dele mesmo”, sintetiza Zaverucha. Nessas horas, é bom lembrar que o vice é um general.
O mais provável, contudo, é que nada disso aconteça. Porque Bolsonaro pode ter algo a lucrar mesmo que siga cada vez mais isolado e que o poder escorra de suas mãos em uma derrota eleitoral em 2022.
Neste caso, manifestações como a do 7 de setembro terão seu valor. O presidente sedimenta sua base em uma relação dialética, em que ele a estimula e é estimulado por ela. Constrói uma não aceitação da derrota que o vitaliza. “O bolsonarismo talvez tenda a se constituir em um movimento que sobreviva ao governo Bolsonaro”, comenta o historiador Odilon Caldeira Neto, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), coordenador do Observatório de Extrema Direita, uma rede formada por pesquisadores.
E até eleitoralmente o escarcéu pode ajudá-lo. A radicalização tende a ser recebida com antipatia pelo grosso dos eleitores, mas dá a Bolsonaro a vantagem estratégia de pautar o debate, algo fundamental no processo eleitoral.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/assombracoes.ghtml
Pacto de governadores causa revés a Bolsonaro
Encontro em defesa da democracia contou com representantes de 25 dos 27 Estados e sugeriu reunião com presidente e chefes dos demais Poderes para abaixar temperatura da crise institucional
Cristian Klein / Valor Econômico
Diante do acirramento da crise entre Jair Bolsonaro (sem partido) e o Supremo Tribunal Federal (STF), e com as ameaças de golpe e politização da Polícias Militares feitas pelo presidente, 25 chefes de Executivos estaduais reuniram-se ontem, ou enviaram representantes, ao Fórum Nacional de Governadores, no qual foi sugerida a criação de um pacto pela democracia e de onde saiu um pedido de três reuniões, entre os governadores e os presidentes de Poderes.
A resolução do encontro refletiu uma estratégia cautelosa, diante da necessidade de conciliar diferentes interesses, mas representou simbolicamente um revés para Bolsonaro, uma vez que a iniciativa conseguiu a adesão de governadores alinhados ao Planalto, como Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, e Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás. Dos 27 chefes estaduais, apenas dois não compareceram nem se fizeram representar. Em 2018, Bolsonaro foi eleito com o apoio de 15 governadores.
Ao Valor, Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, comemorou: “Conseguimos uma unidade de todos em torno da defesa da democracia. Isso foi importante. Não conseguiríamos em outros temas, mas neste conseguimos. Foi uma vitória”. O governador classificou a reunião como “equilibrada” e “ponderada”. “Porque nós não avançamos num processo de enfrentamento e, sim, reafirmamos um pacto em defesa da democracia, da necessidade do respeito à Constituição e às normas legais, da harmonia e da independência dos Poderes, mas também nos colocamos como instrumento do diálogo e da pacificação entre as instituições brasileiras”, disse.
O saldo do encontro foi a preferência por uma posição de consenso, que mantivesse a coesão do grupo, sem querer jogar mais combustível na crise, como tem demonstrado o Executivo federal. Em vez de uma única reunião com o ocupante do Planalto, os governadores decidiram pelo envio de pedidos de encontro com os chefes do Legislativo - os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - e com o presidente do STF, Luiz Fux, diluindo a responsabilização de Bolsonaro pela crise.
A defesa da democracia, principal tema do Fórum de Governadores, foi pautada a partir de uma iniciativa dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Piauí, Wellington Dias (PT), depois que Bolsonaro entrou, na sexta-feira, com um pedido de impeachment no Senado contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e anunciou que fará o mesmo contra o ministro Luís Roberto Barroso, nos “próximos dias”.
Na mobilização para os atos marcados para o feriado de 7 de setembro, apoiadores do presidente têm imprimido um tom de confronto com as instituições acima do já praticado por bolsonaristas. Há promessas de baderna e vandalismo, inclusive com a participação de integrantes da Polícia Militar.
Durante a reunião, Doria alertou seus pares para o risco de manipulação das PMs por Bolsonaro (ver acima). O governador de São Paulo destacou, em seu discurso, o afastamento do comandante de batalhão que usou redes sociais para atacá-lo - assim como ao STF e a congressistas - e publicou postagens convidando seguidores para as manifestações do Dia da Independência, um posicionamento político proibido por lei para os militares. No fórum, segundo Wellington Dias, os governadores firmaram compromisso de atuarem contra a politização das polícias, as quais Bolsonaro busca cooptar.
No encontro híbrido, do qual a maioria participou virtualmente, Doria propôs a assinatura de uma carta em defesa da democracia e das instituições, com crítica mais assertiva a Bolsonaro, o que encontrou resistência entre os governadores próximos do presidente, como Carlos Moisés (ex-PSL, sem partido), de Santa Catarina. O tucano disse respeitar a opinião, mas insistiu e argumentou que combater os arroubos autoritários seria um “dever” de todos.
“Temos o dever de defender a democracia, Moisés, e não silenciar diante das ameaças que estamos sofrendo constantemente. O país sofre uma ameaça constante em relação à democracia. Basta ver as manifestações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, que flerta com o autoritarismo permanentemente e muitos dos seus ministros endossam isso”, disse Doria.
Dois dos 27 governadores não compareceram nem enviaram representante: o do Amazonas, Wilson Lima (PSC); e o de Tocantins, Mauro Carlesse (PSL). O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), entrou virtualmente no início da reunião e depois saiu para participar de evento da Fecomercio. Deixou em seu lugar o secretário de Fazenda, Nelson Rocha.
Em fevereiro de 2020, sete governadores deixaram de assinar uma carta aberta com críticas a Bolsonaro, documento que também terminava fazendo um convite ao presidente para que participasse da reunião seguinte do fórum, que ocorreria em abril. Menos de um mês antes, em março, Bolsonaro participou de um encontro mais restrito, com governadores do Sudeste, no qual bateu boca com Doria, que é pré-candidato à sua sucessão.
Ao Valor, Casagrande disse que por mais que os governadores entendam que não há espaço para uma ruptura institucional, a instabilidade tem causado um prejuízo “sem fim” para a economia e para a sociedade brasileira, impedindo que investimentos sejam feitos no país. Questionado se haveria clima para encontro com Bolsonaro, o mandatário capixaba reconheceu que o presidente “tem essa característica” [do confronto]. “Não temos falsas expectativas. Não sei nem se ele vai querer se reunir. Mas os governadores estão dando um sinal de que não querem só guerra. Precisamos tentar. Porque a situação hoje é muito pior do que já tivemos. Quem sabe a equipe em torno dele considere uma pacificação nesse momento, para diminuir a temperatura. Nossa parte temos que fazer. Nós [governadores] não podemos alimentar esse tensionamento”, afirmou.
Para Casagrande, não há condescendência das instituições e dos partidos diante dos abusos de Bolsonaro, alvo de mais de uma centena de pedidos de impeachment. “Não tem ambiente para impeachment porque ele tem 30% de apoio da população, e com esse percentual ninguém consegue impedir um presidente. A Dilma tinha 9%. Ele ainda está num ambiente político que o protege”, lembra.
Casagrande diz que os “governadores poderiam partir para cima” e “teríamos entre 14 e 15” deles apoiando o impeachment. “Metade tem uma posição mais firme, a outra menos. Seria um movimento político de governadores dividido. A nossa unidade agora é nossa arma, para tentar ajudar o país”, disse.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/08/24/pacto-de-governadores-causa-reves-a-bolsonaro.ghtml
Decisão do presidente revela opção por briga com o Judiciário
Recuo do presidente nos vetos da LDO coincide com ofensiva redobrada do Judiciário
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
Como não dava para brigar com todos os Poderes ao mesmo tempo, o presidente Jair Bolsonaro escolheu um, o Judiciário. É isso que explica o recuo nos vetos às emendas de relator e de comissão. A notícia do veto, na sexta-feira, deixara o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), transtornado. Sem os meios de manter controle sobre a fatia orçamentária em que está baseada sua ação política, lhe sobrariam poucas razões para continuar barrando o impeachment.
O recuo não atingiu o fundo eleitoral, que continua vetado, mas o desfecho já estava combinado. Os parlamentares jogaram para R$ 5,7 bilhões o valor do fundo para que o veto presidencial, derrubado, lhes possibilitasse fixá-lo em R$ 4 bilhões. O valor, então, soaria como uma concessão do Congresso quando, na verdade, é o dobro do fundo vigente.
Com o flanco parlamentar contido e a divisão entre governadores, os torpedos de Bolsonaro se voltam não apenas para o Supremo mas para o Judiciário como um todo. A decisão do ministro Alexandre de Moraes de não aceitar a queixa-crime contra o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi percebida, em Brasília, como uma tentativa de preservar alguma interlocução com o PGR em seu segundo mandato de maneira a romper a blindagem que hoje protege o presidente. Esta aposta, de uma inflexão de Aras com o objetivo de salvar os rodapés do seu currículo, não tem a aderência de procuradores federais.
A percepção, entre ministros do Supremo, é a de que o presidente, de fato, estica a corda em busca de uma prisão sua ou dos seus. No dia 12 de agosto o senador Flávio Bolsonaro chegou a procurar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para sondar sobre sua atitude caso uma ordem de prisão contra um integrante da Casa se efetivasse. O alvo, porém, não era o filho de Bolsonaro, mas o presidente do PTB, Roberto Jefferson, detido no dia seguinte.
O recado, porém, estava dado. A Corte mostrava-se cada vez mais próxima do chamado “gabinete do ódio”, grupo liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro e financiado por empresários como Antonio Galvan, a Aprosoja. A reação não se restringe à Corte mas ao Judiciário como um todo. Flávio Bolsonaro tem sofrido sucessivos revezes no inquérito das “rachadinhas” no Rio.
Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça negou novo pedido do senador para o arquivamento do inquérito que, depois de ficar parado por seis meses, voltou a andar no Tribunal de Justiça do Rio. Também na semana passada o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou jurisprudência prejudicial a Flávio Bolsonaro ao julgar um recurso de uma vereadora paulista acusada de promover “rachadinha” em seu gabinete.
Por sete votos a zero, o tribunal considerou que o desvio em questão provoca “dano ao erário”, contrariando a tese da defesa de que o dinheiro é de quem o recebe e, portanto, poderia ser repassado com sua anuência.
O azedume atingiu o Judiciário de cima a baixo. Na semana anterior, o Tribunal Regional Eleitoral negara pedido da defesa do senador para que o juiz Flávio Itabaiana fosse declarado suspeito no inquérito que apura se Flávio Bolsonaro cometeu lavagem de dinheiro e falsidade ideológica ao declarar bens à Justiça Eleitoral. O pedido de suspeição baseava-se no fato de que Itabaiana também era, até o ano passado, o juiz do processo das “rachadinhas” no Tribunal de Justiça do Rio.
O Poder Judiciário unido contra Bolsonaro recebeu uma carta de desagravo de 14 governadores mas ontem, ao tentarem ampliar o quórum de signatários, houve dissidência e uma nova carta foi barrada. Os governadores ainda pediram uma reunião com Bolsonaro, aproximação que os ministros do Supremo já consideram infrutífera, visto que nem o presidente demonstra capacidade de assumir compromissos nem seus emissários, como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, mostram-se capazes de atuar como mediadores do conflito.
Pesou a favor da decisão dos governadores, porém, o receio de distúrbios nos seus Estados, em 7 de setembro e além, decorrentes da capacidade de o presidente arregimentar seguidores em forças paramilitares e nas próprias polícias. Ao mostrar interesse no diálogo, os governadores buscam, também demonstrar, para os comandos das Forças Armadas dos seus Estados terem ido ao limite. E, assim, terem seus pedidos de intervenção, em caso de baderna generalizada, respaldados pelos próprios militares. Se um encontro dos governadores com Bolsonaro, porém, for seguido de tumultos promovidos por seus seguidores, o esgarçamento da teia que sustenta o presidente da República tende a se acelerar.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/08/24/decisao-do-presidente-revela-opcao-por-briga-com-o-judiciario.ghtml
Maria Cristina Fernandes: Bolsonaro une toga contra
O que ameaça o presidente é a inédita unidade do Judiciário
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
A mobilização em redes sociais contra o Judiciário na Polônia partiu de dentro do gabinete do ministro da Justiça, que também é procurador-geral da República. O governo gastou € 40 milhões na manutenção de contas de notícias falsas contra juízes e tribunais.
Na Hungria juízes foram forçados a renunciar e o regime fez 1284 nomeações políticas. Aqueles que permaneceram em suas funções tiveram sua autonomia confrontada.
Na Turquia 4,5 mil juízes foram presos nos últimos cinco anos. Centenas ainda estão detidos. Seus bens foram espoliados. A Associação Europeia de Magistrados criou um fundo de ajuda humanitária que distribui € 900 para que as famílias de magistrados possam sobreviver ou deixar o país como refugiadas.
Presidente da Associação Europeia de Juízes, José Igreja Matos, desembargador na cidade do Porto, deixou a magistratura brasileira de orelha em pé ao relatar esses casos, em conferência virtual na semana passada.
O presidente Jair Bolsonaro não foi citado uma única vez, mas pressupôs-se ali que aqueles três países não eram casos isolados ante o avanço do populismo autoritário no mundo, em grande parte, sob lideranças eleitas. A independência da magistratura, nos últimos cinco anos, segundo Igreja Matos, que assumirá a União Internacional dos Juízes em setembro, foi mitigada em 72% dos países. Não bastassem os populistas, sobreveio a pandemia.
Sua audiência era composta de ministros do STJ, presidentes de tribunais federais e estaduais, desembargadores e juízes. Se nas gerações mais novas, o bolsonarismo um dia teve adeptos, como o ex-juiz Sergio Moro já mostrou, este encanto não apenas se quebrou como se transformou em medo.
Entre relatos colhidos na audiência, prevalece o temor, se não de uma situação radicalizada, como na Turquia, de uma afronta tanto ao Estado de direito quanto à corporação e suas prerrogativas. Não apenas em decorrência da escalada autoritária como do próprio risco de falência do país e seus desdobramentos para o custeio do Estado e de suas instituições.
Bolsonaro uniu o Judiciário de cima a baixo contra si. Não se aceita mediação do Congresso simplesmente porque esta pressupõe algum grau de confiança, hoje inexistente. Por isso, o encontro do presidente do STF, Luiz Fux, com o ministro Ciro Nogueira, terá saído no lucro se o café tiver sido servido quente.
Este embate estende-se ao conjunto da magistratura. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, há duas vagas que a Corte decidiu não preencher. Uma delas está aberta desde 2019. A confecção de uma lista a basear a indicação passaria por uma solução compromissada com Bolsonaro que, nem mesmo naquela Corte, existe mais. Ninguém está a fim de ser indicado por um presidente que enfia o dedo no olho dos juízes.
Os aliados com que contava, vê-se agora, estavam pendurados na vaga do Supremo Tribunal Federal que, alocada para um escolhido de fora do STJ, fez ruir seu apoio pontual. Já há quem prefira esperar pelo eleito em 2022 para definir a lista. Nos tribunais federais acontece a mesma coisa. Como se faltassem sinais de que Bolsonaro já não governa, eis que surge mais um.
Num andar acima, a situação do presidente é de isolamento crescente. Nunca houve divisão no Supremo Tribunal Federal em relação à decisão do ministro Alexandre de Moraes que mandou prender o presidente do PTB, Roberto Jefferson.
A mesma Corte que anulou a operação da Fecomercio, sob a alegação de que Marcelo Bretas não era o juiz competente do caso, acata a prisão, por um ministro do Supremo, de um réu que não tem foro privilegiado. O que está em jogo é a afronta, inclusive com ameaça física, ao Estado de direito. Por isso, se, em outros tempos, alguém levantaria a mão para arguir, hoje a Corte está de porteira fechada com Moraes.
Esta unidade do Judiciário é letal para Bolsonaro. Se a ex-presidente Dilma Rousseff se submeteu a um processo inteiramente conduzido pela política, o caso de Bolsonaro não se resolve no Congresso. Pela simples razão de que ele entregou o Orçamento para o Centrão executar.
Vem daí a concentração de torpedos em cima do Judiciário. É o único poder que o ameaça. São duas, em resumo, as fontes de preocupação do presidente. A primeira são as ações que tramitam no STF, a cargo do ministro Alexandre de Moraes, sobre a atuação das redes de notícias falsas bolsonaristas.
Este inquérito depende do indolente procurador-geral da República para se transformar numa denúncia, mas o compartilhamento de suas provas já foi requerido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Lá tramitam ações que apuram a falsificação de perfis para a difusão de propaganda eleitoral fraudulenta da chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão. Feito o compartilhamento, essas ações não demorarão a ir ao plenário do TSE arriscando a cassação - da chapa inteira.
Outro inquérito é aquele pedido pelo ministro Luis Felipe Salomão, corregedor do tribunal, que apura possíveis crimes de abuso de poder político e econômico nos ataques contra as urnas eletrônicas e a legitimidade das eleições de 2022. Este pode resultar na inelegibilidade do presidente.
Um desdobramento deste inquérito foi o pedido de suspensão dos repasses feitos pelas plataformas Facebook, Instagram, YouTube, Twitter e Twitch TV a 12 perfis registrados nessas redes. Como essas contas tiveram o sigilo quebrado, a intenção é cruzar a movimentação bancária com os repasses das plataformas.
Havendo discrepância esta pode vir a ser creditada à lavagem de dinheiro, ou, para usar a terminologia da era Bolsonaro, a “rachadinhas”. Recursos de origem ilícita seriam creditados nas contas bolsonaristas para serem divididos entre os “provedores” desses recursos e os influenciadores digitais.
Esses julgamentos podem comprometer não apenas o presidente como seus filhos. Ainda mexe os peões da política dentro e fora do Congresso. No caso da cassação de chapa, é o presidente da Câmara quem assume e chama eleições em até três meses. No caso da inelegibilidade, os anões da terceira via passarão a disputar o polo oposto ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A resolução, via TSE, padece do déficit de legitimidade de uma decisão tomada por sete juízes, ao contrário do impeachment, decidido pelo voto de 308 deputados federais. O próprio Bolsonaro, porém, se encarrega de resolver o problema. Sua desaprovação, pela pesquisa Ipespe/XP, chegou a 63% dos brasileiros, um recorde. Até aqui.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/bolsonaro-une-toga-contra.ghtml
O que esperar da segunda metade do ano
Brasil também sofreu com a mesma surpresa que atingiu outros bancos centrais e hoje vive um choque inflacionário bastante sério
Luiz Carlos Mendonça de Barros / Valor Econômico
Entramos no 2º semestre de 2021 com muitas incertezas dominando as previsões dos analistas de mercado sobre a economia brasileira. Para que possa mostrar com clareza minha posição preciso separar - como fui treinado a fazer ao longo do meu aprendizado profissional - o futuro em dois momentos distintos: o ciclo econômico que vivemos após a crise recessiva de 2020 e uma visão de mais longo prazo olhando os próximos anos. Hoje trato dos próximos dois anos.
Esta separação sempre esteve presente no exercício de previsões de uma economia de mercado. Mas no contexto do mundo globalizado de hoje ela ganha contornos mais complexos com a integração digital e logística dos últimos anos. Os acontecimentos imprevisíveis - Blacks Swans - em algum dos maiores países no primeiro mundo acabam tendo - por conta desta integração - efeitos sistêmicos em quase todas as nações. Foi assim com a crise do mercado imobiliário norte americano em 2008 e repetiu-se agora com a pandemia da covid-19.
Ao longo dos anos seguimos uma contínua evolução no protocolo de políticas fiscais e monetárias para enfrentar as consequências dos desequilíbrios graves criados pelos Black Swans. Ele estabelece que fica para um segundo momento, quando o pior da crise tiver passado, as medidas complementares para estabilizar o ciclo econômico e o funcionamento normal dos mercados financeiros. Mas no caso da crise gerada pela pandemia da covid, ainda que o protocolo de ações no auge da crise seja conhecido, a terapia posterior para administrar a volta à normalidade ainda é uma incógnita, como estamos vendo na maioria das economias de porte, inclusive no Brasil.
Agora, em meados de 2020, no enfrentamento da recessão criada pelo vírus e o afastamento social que se seguiu, a utilização da política de juros zero e déficits de fiscais superiores a 10% do PIB foi rápida e exitosa. O bate cabeça mundial desta vez ficou por conta da demora do enfrentamento da pandemia, o que acabou projetando no tempo os efeitos das políticas expansionistas colocadas em vigor por vários governos. Como resultado a recuperação das economias no terceiro trimestre de 2020 foi incrível, com a recuperação quase total das perdas do trimestre anterior.
Mas este bate e volta na economia real e, principalmente, a segunda onda do vírus na virada de 2021, acabaram por mascarar a recuperação da demanda em vários mercados no momento em que a maioria das empresas iniciava uma redução agressiva da oferta de alguns bens e serviços em escala mundial. A mudança rápida de consumidores e empresas para o protocolo digital da Internet certamente explica boa parte desta recuperação inesperada nos mercados. Mas de longe, a maior causa para que isto tenha ocorrido veio da China, que teve apenas um soluço em sua atividade econômica e voltou a operar acima do teto de 6% de seu ciclo econômico histórico, sustentando a demanda mundial por matérias primas.
Posteriormente, em meados de 2021, o sucesso da vacinação nas maiores economias do mundo consolidou a rápida volta do ciclo econômico acelerando a inflação de modo não esperado pela maioria dos Bancos Centrais e agentes do mercado. Com isto, vivemos o conflito das autoridades monetárias mais importantes surpreendidas por uma inflação de demanda muito forte no momento em que seguiam uma política monetária de combate a uma recessão que não mais existia.
O caso norte americano é Paramount pela intensidade da recuperação do emprego e de seu déficit comercial com o exterior e que levou a um aumento de mais de 100% no preço do frete marítimo. Ao nível mundial existem também desajustes de demanda em vários mercados de matéria prima e componentes industriais, mas a expectativa do Fed e do BCE é que estes desequilíbrios são passageiros e que devem se acomodar com o tempo. Esta tese tem sido comprada pelos investidores internacionais como mostram os níveis recordes dos principais índices ações nos mercados mais importantes.
O Brasil também sofreu com a mesma surpresa que atingiu outros bancos centrais e hoje vive um choque inflacionário bastante sério. A inflação no Brasil sofreu também a influência de uma recuperação parcial mais rápida da economia como mostram alguns indicadores recentes:
A evolução do emprego formal que chegou a mais de três milhões de novos postos de trabalho nos 12 meses terminados em junho.
O índice antecedente do emprego, medido pela FGV/Ibre, que antecipa os rumos do mercado de trabalho no Brasil, com alta de 1,6 ponto em julho, a 89,2 pontos, máxima desde fevereiro de 2020 (92,0).
A arrecadação de tributos federais que tem surpreendido os analistas
A demanda por automóveis com os estoques das indústrias produtoras em níveis mais baixos nos últimos 20 anos conforme informou o Valor.
Na mesma linha, a imprensa informou que o preço dos automóveis usados subiu mais de 40% no mercado nas últimas semanas por falta dos produtos novos mais vendidos.
Mas a crise de confiança com a nossa moeda e que levou a uma desvalorização cambial adicionou um componente inflacionário mais potente via mercado de alimentos e combustíveis, tornando o controle da inflação pelo Bacen ainda mais complexo. Isto vai obrigar o BC a implementar uma política de juros agressiva em um momento em que a recuperação cíclica da economia ainda não está consolidada e que certamente vai pesar no final de 2021 e, com maior certeza em 2022.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-que-esperar-da-segunda-metade-do-ano.ghtml
Um amortecedor avariado para as ambições do poder
Inclusão do presidente nem inquérito no Supremo demonstra que Ciro tomou posse como um amortecedor com avarias
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
O novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, já começou por reduzir as expectativas que cercam sua missão. Definiu-se como o “amortecedor” da República em seu discurso de posse. É assim que quer ser lembrado neste momento de “grandes trepidações”, um ministro capaz de “reduzir as tensões para uma viagem mais serena”.
Com o epíteto, o ministro já baixou as expectativas de quem projetou, com sua posse, uma pauta governista destravada no Congresso para criar as condições à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Ciro Nogueira poderia ter escolhido o acelerador ou o catalisador, mas preferiu o mecanismo que não avança, nem processa. Só amortece. No melhor das hipóteses, também a queda.
Apesar de comprometê-lo menos, o epíteto já se mostrou falso desde a posse. Do Poder com o qual as relações com o Executivo estão mais crispadas, o Judiciário, não havia um único representante na posse da Casa Civil. Pelo menos não que merecesse ter sido citado nas nominatas dos três discursos da cerimônia - de Nogueira, do agora ministro da Secretaria-Geral, Luis Eduardo Ramos, e de Bolsonaro.
Mais do que o embate da semana em torno da urna eletrônica, a ausência estaria explicada, minutos depois da cerimônia, com a aceitação, pelo ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, da notícia-crime do Tribunal Superior Eleitoral contra Bolsonaro. Pelos ataques ao sistema de votação do país, o presidente será incluído no inquérito das “Fake news” por calúnia, difamação, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa.
Não é o primeiro inquérito a investigar Bolsonaro. O presidente já é alvo de investigação por interferência na Polícia Federal. A aceitação da notícia-crime só comprometerá Bolsonaro se for aceita como denúncia pelo Procurador-Geral da República ou pela Câmara dos Deputados. A inclusão do presidente, porém, faculta ao inquérito a produção de provas que podem vir a constranger até mesmo leões de chácara do porte de Augusto Aras e Arthur Lira. Isso porque este inquérito está nas mãos do irrefreável Moraes.
Tampouco havia quaisquer representantes do Tribunal de Contas da União, Corte que, naquele mesmo momento decidiu, por cinco votos a três, pela abertura de inquérito contra o ex-ministro da Saúde, hoje secretário de Assuntos Estratégicos, Eduardo Pazuello. Bolsonaro fez questão de citá-lo em seu discurso para que não pairem dúvidas de que continua sob sua proteção.
Ciro parece ter incorporado o amortecedor porque não há extintor de incêndio que chegue para o governo do capitão. Basta ver o que Bolsonaro fez com a nominata dos parlamentares. O presidente citou os cinco governadores presentes (RJ, GO, AC, AM e DF), os ministros, os presidentes da Câmara e do Senado, lideranças governistas no Congresso e, na hora de mencionar o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), acrescentou: “Cada vez menos forte, ainda bem”. Abriu os braços para mostrar que se referia à redução das medidas abdominais do senador, mas voltou a reforçar o duplo sentido da fala ao dizer que Alcolumbre, que permanece aliado de seu sucessor, “o deixou”.
Ex-negociador das emendas da base governista, Alcolumbre é um dos símbolos das fogueiras que ardem no Congresso contra o presidente. Bolsonaro quer o Centrão para aprovar suas pautas eleitoreiras, enquanto o bloco quer tirar dele a execução das emendas parlamentares e o fundão eleitoral. Como diz o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos mais combativos integrantes da CPI da Pandemia, a posse de Nogueira não resolve os problemas de Bolsonaro no Congresso mas os do Centrão no governo.
Como não há posse grátis, a pressão contra o bloco foi exemplificada no vazamento do depoimento em que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse à Polícia Federal que ouvira de Pazuello a menção a Lira, aliado de Ciro Nogueira, como um dos que o pressionava, com ameaças, por repasses.
A panela de pressão em que se transformou a base governista foi exemplificada pelo próprio Lira, ao se posicionar sobre a contenda da semana em torno do voto impresso. Ele repassou, de cima do muro, a pressão do presidente por sua aprovação, alegando que a Câmara já o havia aprovado em 2015 e que o Senado o represa desde então.
Quando este texto já tiver sido fechado, terá tido início a votação da tríade de mudanças com as quais Lira pretende tornar a adesão do Centrão ao presidente mais imune ao julgamento do eleitor, com a reforma do código eleitoral, a mudança no sistema eleitoral e, finalmente, a menos provável delas, o voto impresso.
Um velho observador da cena política de Brasília compara as atribuições do Centrão na Casa Civil àquelas assumidas por Eliseu Padilha quando o então vice-presidente Michel Temer tomou posse na Secretaria de Relações Institucionais com a missão de coordenar as demandas de parlamentares. Foi ali que começou o mapeamento de cargos e emendas que resultaria no placar de 367 votos favoráveis ao impeachment.
A reprodução deste modelo, porém, enfrentaria, a sobrevivência do aparato de informantes montado pelos generais do Palácio. Na Casa Civil, por exemplo, coabitam com Ciro um time de militares egressos das áreas de informações do Exército que chegaram com Ramos no Palácio e de lá não saem. É sobre eles que recaem, por exemplo, as suspeitas da CPI sobre o monitoramento de seus integrantes.
As pressões mais mal administradas são aquelas que desaguam no Orçamento, onde o ministro Paulo Guedes tenta puxadinhos extra-teto para infinitas ambições, como é o caso da proposta de emenda constitucional dos precatórios. O epíteto de caloteiro, porém, ao contrário de todos aqueles investigados por Moraes, tem um efeito imediato na deterioração do ambiente econômico.
Nem tudo se resolve com dinheiro. A posse de Ciro Nogueira na Casa Civil só aumenta o número de adesistas a disputar o metro quadrado das inaugurações. Não basta aprovar e executar as emendas, tem que contemplar os parlamentares que as originaram nos eventos destinados ao confete político. São tantos os que querem subir, em especial em enclaves de fartura como a Codevasf, que os palanques acabarão por ruir. E não haverá amortecedor que dê conta.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/um-amortecedor-avariado-para-as-ambicoes-do-poder.ghtml
'Confio na Justiça Eleitoral, confio no sistema', diz Arthur Lira
Presidente da Câmara dos Deputados defende manutenção do calendário eleitoral
Raphael Di Cunto / Valor Econômico
BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou ontem que é completamente comprometido com a democracia no país e que o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, já desmentiu qualquer ameaça à realização das eleições em 2022 se não for aprovada a proposta de emenda constitucional (PEC) do voto impresso.
“[Eu] Não precisava ser claro [ao negar o caso nas redes sociais] porque o próprio ministro, em nota oficial, desmentiu o acontecido. Eu não participei da conversa”, disse Lira, em entrevista à GloboNews. “O ministro deixou claro que não fez e, naquele momento, a mim, de maneira muito coerente, não cabia tocar fogo num momento de recesso. Cabe, sim, tratar do que interessa: teremos sempre a eleição como forma de escolher nossos dirigentes no Brasil”, reforçou.
O jornal “O Estado de S. Paulo” publicou na semana passada que um presidente de partido levou a Lira, no começo de julho, uma ameaça feita pelo ministro da Defesa, ao lado dos comandantes das Forças Armadas, de que não ocorreriam eleições em 2022 se a PEC que exige a impressão de um comprovante do voto para futura auditagem não fosse aprovada pelo Congresso. Braga Netto negou em nota a ameaça e disse que não se comunica com presidentes dos Poderes através de intermediários, mas defendeu o debate “legítimo” sobre a PEC. Lira respondeu a matéria nas redes sociais e não negou que tenha ouvido a ameaça, mas defendeu que o julgamento dos eleitores sobre os políticos ocorrerá nas urnas.
Ontem o presidente da Câmara não fez comentários específicos sobre a defesa de Braga Netto do voto impresso, mas, em outro trecho da entrevista, quando comentava sobre a reforma eleitoral e dizia que não influenciaria na decisão dos deputados sobre o tema, o presidente da Câmara afirmou que “muitas pessoas opinam muito sem poder opinar porque deveriam se restringir ao seu mister constitucional”.
“Não entro nessa briga de dizer que o sistema não é confiável, mas, por confiável que seja, não vejo nenhum problema em ter regras de auditagem se parte da população e dos parlamentares pede esse debate”, afirmou Lira. “Mas repito: confio na Justiça Eleitoral, confio no sistema pelo qual fui eleito oito vezes.”
A votação da PEC deve ocorrer na comissão especial no dia 5 de agosto e a tendência é pela rejeição após presidentes de 11 partidos se reunirem com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e defenderem a confiabilidade das urnas eletrônicas. Aliados do presidente Jair Bolsonaro marcaram manifestações no dia 1º de agosto a favor da PEC. Lira disse ontem que os partidos decidirão democraticamente e que, independentemente do resultado, “ocorrerão eleições em outubro de 2022, de 2024 e 2026”.
Ele afirmou que a nomeação do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), para ministro-chefe da Casa Civil “demonstra que o caminho” escolhido por Bolsonaro “é o do diálogo e não há nenhum risco à democracia”. Na opinião dele, o aliado conseguirá melhorar a articulação política do governo com o Congresso, o Judiciário e até internamente, com “mais firmeza nas proposições em que o governo tem que demonstrar unidade” e uma negociação mais efetiva no Senado.
O presidente da Câmara voltou a defender que não há condições políticas e sociais para abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro e afirmou que as propostas da oposição que repassam ao plenário o poder de decidir sobre a instauração do processo são “casuísmo”. “Casuísmo é isso, é ficar discutindo situação de querer mudar uma regra quando já existe e persiste há vários anos”, afirmou, citando que presidentes da Câmara do PT e do PSDB seguraram processos contra seus governos.
Segundo Lira, a Câmara começará a analisar na primeira semana de agosto os projetos de reforma do Imposto de Renda, privatização dos Correios e reforma eleitoral. Se a PEC que muda o sistema de eleição para deputado for rejeitada, serão votados projetos para valorizar o voto em mulheres e reservar vagas para elas no Legislativo.
Teste para o instituto da Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo
Grupo articula formas de melhorar ambiente de negócios
Fernando Exman / Valor Econômico
A criação da Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo, uma ideia promissora lançada no fim do primeiro semestre, será testada tão logo o Poder Legislativo retorne das férias de meio de ano.
Vá lá: o recesso é uma previsão legal. Está no artigo 57 da Constituição que a sessão legislativa será realizada de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1o de agosto a 22 de dezembro. Só não há paralisação em julho quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deixa de ser aprovada a tempo, o que foi evitado, às pressas, por deputados e senadores na primeira quinzena do mês.
Foi por pouco. Ficou no ar o questionamento se o Congresso deveria parar de trabalhar em meio à pandemia e aos graves efeitos da crise sobre a economia. Deputados mais ousados chegaram a usar uma expressão da moda, “direito adquirido”. Alguns ponderaram que a pausa poderia arrefecer a crise, cenário que não se transformará em realidade.
Outros permanecem trabalhando, mesmo longe de Brasília. É o caso do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), presidente da frente, cujo primeiro desafio é diferenciar esta das outras cerca de 350 que estão em funcionamento.
Banalizou-se o instituto da frente parlamentar, antes visto como um meio legítimo - e muitas vezes eficaz - na defesa de interesses no Legislativo e perante outros Poderes.
Até o presidente Jair Bolsonaro achou, no início do mandato, que poderia governar o país estabelecendo contato direto com elas e driblando as cúpulas partidárias. Vê-se que não deu certo: precisou formalizar o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), na Casa Civil.
A proliferação de frentes parlamentares acabou gerando dúvidas em relação à real efetividade desse instrumento e até mesmo quanto à legitimidade de determinadas ações por elas advogadas.
Mas a Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo tem algumas especificidades. Deputado de primeiro mandato, Alexis Fonteyne conta que a ideia de criá-la surgiu no fim do ano passado, quando muitas entidades setoriais o procuraram por ser um representante da classe produtiva, principalmente industrial. Elas queixavam-se que o governo não estava renovando medidas de antidumping ou outros benefícios voltados a segmentos específicos.
É o tipo de pressão que se vê com frequência no Legislativo. E raramente o que está em discussão é o bem do consumidor ou o interesse nacional.
Essas entidades haviam se esquecido da orientação ideológica do deputado. “Ninguém falando em melhorar o ambiente interno de competitividade. Todo mundo reclamando de novo que as proteções estavam caindo, e aí entrava num conflito de interesses comigo. Falei que não vou por esse caminho, não vou defender proteção”, lembra, acrescentando que, por outro lado, nenhuma associação se comprometia para valer a apoiar as reformas trabalhista ou tributária, por exemplo.
Olhando para fora do Congresso, percebeu que no Ministério da Economia duas instâncias convergiam com o que o grupo de parlamentares poderia ajudar a construir: a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade e a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Na sociedade civil, o Movimento Brasil Competitivo (MBC), presidido por Jorge Gerdau, já seguia a mesma trilha. “Mas não tinha o braço legislativo”, diz. “E ele é fundamental para este movimento, pois somos nós que vamos aprovar lei, propor leis, cobrar do Executivo.”
A frente parlamentar teve o diferencial de contar já em seu nascituro com o apoio técnico do MBC e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), argumenta. A bancada do agronegócio, uma das mais fortes no Congresso e caso de sucesso neste ramo de atuação, tem apoio semelhante do setor que representa. A propósito: o MBC possui um mapa dos principais custos que pesam sobre as costas dos empresários e deve lançar um índice periódico para medir sua evolução.
Decidiu-se, também, que o grupo trataria de temas estruturantes e horizontais. A ideia é evitar que o interesse específico de um setor esbarre nas sensibilidades de outros segmentos da economia. “Esta frente fala de competitividade, custo Brasil. Não há setor que vai ser contra. É uma frente parlamentar que vai ter uma visão zero corporativa de proteção ao mercado. Vamos ter a missão mais árdua, de fazer a tarefa de casa. Temos que mexer naquilo que atrapalha a nossa competitividade global.”
A escalação do time teve método. O primeiro vice-presidente é o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Alexis Fonteyne explica que o colega, outro que estreou no Congresso após carreira no meio empresarial, é um exemplo de sucesso da abertura de mercado no setor de informática. “A Positivo foi fruto dessa abertura de mercado.” O segundo vice-presidente é o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), ex-ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - o Mdic sempre foi um ponto de interlocução entre o empresariado e o governo federal, mas foi colocado sob o guarda-chuva da Economia na atual administração.
Há ainda coordenações setoriais. Cada uma delas é encabeçada por um deputado que se dedica a esses temas no dia a dia. Ou seja, são bandeiras que esses parlamentares já defendem e deverão manter nas próximas campanhas e mandatos. “Tudo isso é emprego. Brasil competitivo é emprego, que é a preocupação número 2 do brasileiro, depois da covid.”
O grupo definirá sua agenda legislativa em agosto, a qual conterá, por exemplo, a reforma tributária (consumo e renda), os marcos legais dos setores elétrico e ferroviário, as debêntures de infraestrutura e as novas regras para o licenciamento ambiental. São pautas que enfrentarão longo debate.
Na relação com o Executivo, a minirreforma ministerial gera incertezas. Há discussões em andamento com as áreas técnicas do Ministério da Economia que seguirão para a nova pasta do Trabalho a respeito das normas regulamentadoras sobre segurança do trabalhador (NRs). Reduzir a complexidade do eSocial é outra preocupação. Ainda resta tempo antes do início das campanhas eleitorais.
Lula joga parado e Bolsonaro erra o passe
Enquanto petista administra placar, presidente faz faltas em si mesmo
Andrea Jubé, do Valor Econômico
No futebol, “o craque é decisivo”, escreveu Nelson Rodrigues. O time é indispensável, mas o que leva público ao estádio e faz bilheteria é o craque. “No time de Pelé, só ele existe, o resto é paisagem”, sentenciou.
Parafraseando o cronista, na política nacional, até agora, dois políticos dominam a bola: os veteranos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.
Faltam 15 meses para as eleições, a política é como nuvem e tudo pode mudar. Mas na partida de hoje, a terceira via é paisagem.
A frase de Nelson Rodrigues sobre a importância do craque aparece em uma crônica de 1966, na célebre coluna “À sombra das chuteiras imortais”, na qual ele repercutiu uma entrevista do técnico alvinegro Admildo Chirol, crítico das “estrelas solitárias do futebol”. Para Chirol, o “personalismo” era inconcebível no futebol, que deveria ser marcado pelo “coletivismo”.
Rebatendo Chirol, o cronista ponderou que, historicamente, o coletivo não empolga as multidões. “Ninguém admite uma fé sem Cristo, ou Buda, ou Alá, ou Maomé. Ou uma devoção sem o santo respectivo. Ou um exército sem napoleões... No futebol, a própria bola parece reconhecer Pelé ou Garrincha e só falta lamber-lhes os pés”, argumentou Nelson Rodrigues. Para o autor, o torcedor - e quiçá, o eleitor - exige o “mistério das grandes individualidades”.
A premissa rodriguiana vale para a política nacional, historicamente marcada pelo culto a personalidades, como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, que nem chegou a tomar posse, mas entrou para o imaginário afetivo do eleitor. Lula e Bolsonaro despontam como os craques contemporâneos da política nacional, já que, segundo vários institutos de pesquisas, detêm a maioria expressiva das intenções de votos para a disputa presidencial.
Ainda na esteira da tese da individualidade dos craques, é sintomático que o presidente da República, que quer a reeleição, nem esteja filiado a um partido há meses, desde o rompimento com o PSL. Seu partido é o “bolsonarismo”, que se contrapõe ao “lulismo”.
Desde que a pré-campanha esquentou, com Lula em ascensão nas pesquisas e a terceira via ainda fazendo água, petistas e aliados se dividem sobre a estratégia de jogo. A leitura predominante é de que Lula está jogando parado, enquanto Bolsonaro comete faltas em si mesmo.
O presidente persiste no erro na condução da pandemia, ao insistir no negacionismo das máscaras e na recomendação de medicamentos sem eficácia contra a covid-19. Bolsonaro chuta as próprias canelas ao proferir ataques quase diários a autoridades dos demais Poderes e às instituições, como a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal.
Há cerca de 15 dias, Lula ouviu de um interlocutor que para chegar à eleição na liderança das pesquisas, deveria simplesmente fazer o que já está fazendo: jogar parado.
“Eu disse a ele: o cavalinho está se aproximando arreado, devagarinho, e vai passar na sua porta, pronto para o senhor montar”, relatou à coluna este interlocutor de Lula. “Não faça nada”, recomendou.
A exemplo de um meio-de-campo experiente, Lula administra a vantagem de até 20 pontos, em alguns cenários de segundo turno, sobre Bolsonaro. Cadencia o jogo. Não aceita provocações dos adversários, evita as bolas divididas e não parte desesperado para o ataque, para não sofrer um contra-ataque fatal aos 45 do segundo tempo.
É um estilo de jogo que nem sempre enche os olhos da torcida, mas que tem se mostrado eficiente para prolongar o placar elástico sobre Bolsonaro. Lula joga parado, como se dissesse, fiel à velha máxima futebolística: “quem corre é a bola” (ou os adversários, no caso).
O estilo cauteloso vai se repetir na viagem ao Nordeste, remarcada para a primeira quinzena de agosto. Lula visitará seis Estados: Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Fará poucas agendas, fechadas, ou restritas a um público pequeno, no protocolo da pandemia. Além de se reunir com lideranças locais, estão previstos compromissos pontuais, como visitas a escolas, ou alguma obra relevante, que seja cartão-postal do governador aliado.
Há no PT, entretanto, quem discorde desse modelo de jogo e cobre mais movimentos de Lula. “Quem joga parado, no futebol, precisa distribuir o jogo. Ou seja, colocar o time em movimento para chegar ao gol”, argumenta um decano do PT.
Para este petista, “é tempo de organizar a equipe, definir as posições de cada um e partir para o ataque”. Alerta para o risco de se restringirem à “visão romântica do diálogo”, prática de eleições passadas, num cenário de vale-tudo eleitoral.
Este petista acredita que o momento urge porque “o adversário, temporariamente enfraquecido, tenta reorganizar-se e alterar a tática”. De fato, Bolsonaro num momento de derretimento nas pesquisas, reorganizou o time e deve colocar o seu camisa 10, o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), na Casa Civil.
O vice-presidente nacional do PT e um dos organizadores da viagem de Lula ao Nordeste, deputado José Guimarães (CE), reclamou dos “intérpretes do pensamento alheio” dentro do partido e afirmou à coluna que o ritmo de Lula nessa etapa de pré-campanha está calibrado.
“Lula não está discutindo eleição, está preocupado com os problemas do país”, afirmou o dirigente petista. Segundo Guimarães, nas reuniões que fará durante a viagem pelos seis Estados nordestinos, Lula quer retomar a agenda de desenvolvimento regional, discutir a fome que voltou a se alastrar e denunciar a escassez de vacinas contra a covid-19, cujo estoque esgotou-se em várias capitais.
Para Guimarães, a metáfora que se aplica ao jogo eleitoral não é futebolística, é musical. “O ritmo do Lula é a pisadinha democrática, com diálogo e mantendo a liderança da frente ampla contra Bolsonaro”.
“Pisadinha” é o novo forró, o ritmo mais popular, que arrebatou o nordestino nos últimos tempos. Dança ou futebol, a verdade é que a metáfora não importa. Porque jogador que é bom de drible, faz o rival dançar em campo.
Maria Cristina Fernandes: Pesquisa desmonta tese de que governos autoritários responderam melhor à pandemia
Se China, Vietnã e Hong Kong propagandearam a eficiência do autoritarismo no combate à pandemia, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Noruega contrapuseram a importância da transparência e da prestação de contas da democracia contra o vírus. A uma França que centralizou a resposta ao vírus, se opuseram Estados Unidos e Brasil, onde o federalismo mostrou-se resiliente no contraponto à inoperância de governos centrais de veleidades autoritárias.
Qual desenho institucional, finalmente, responde melhor à pandemia? Guiados por esta pergunta, um grupo de 67 pesquisadores, coordenados por Scott Greer e Elizabeth King (Universidade de Michigan), Elize Massard da Fonseca (FGV-SP) e André Peralta-Santos (Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa), acaba de lançar um compêndio de 663 páginas “Coronavirus politics”, (“A política do coronavírus”, ainda sem edição em português mas com livre acesso em www.fulcrum.org/concern/monographs/jq085n03q).
Os pesquisadores, que começaram a trabalhar junto com o vírus, em março de 2020, cobriram a primeira fase da pandemia, até setembro de 2020, quando as políticas públicas se resumiam a intervenções não farmacêuticas (campanhas de higiene, equipamentos de proteção individual, respiradores, isolamento social, testes, rastreamento e auxílios monetários). Ao contrário do atual momento, de segunda onda em alguns países e terceira em outros, quando a busca pela vacina é decorrente de um esforço majoritariamente dos governos centrais, a primeira etapa da doença foi marcada, fortemente, por embates entre instâncias locais e nacionais.
Um dos achados mais importantes do livro é o de que os governos locais, historicamente achatados pelas políticas de contenção fiscal no mundo inteiro, atuaram como contraponto ou, como prefere nominar Luísa Arantes, uma das autoras do capítulo sobre o Brasil, como um “back-up” a governos centrais inoperantes. É bem verdade que não de maneira uniforme. Nem no Brasil nem nos Estados Unidos.
Num extremo esteve o Maranhão, estrito em suas políticas de isolamento e ativo na compra de equipamentos de proteção e de respiradores, e no outro, Santa Catarina, que, ao abandonar precocemente o isolamento social, viu o número de casos mais do que duplicar em menos de uma semana. O federalismo se mostrou vivo com ou sem viés partidário. Se o Maranhão do governador Flávio Dino (PCdoB) deu uma das piores votações ao presidente da República, Santa Catarina sufragou, junto com o governador Carlos Moisés (PSL), um dos melhores desempenhos de Jair Bolsonaro. Dino, porém, esteve do mesmo lado, no cabo de guerra da pandemia, de governadores aliados de Bolsonaro, como o de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM).
Nos Estados Unidos, se a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, enfrentou a Casa Branca com sua política estrita de isolamento, a governadora de Dakota do Sul, Kristi Noem, nada fez para impedir que cerca de meio milhão de motociclistas se reunisse em uma festa no condado de Sturgis, em agosto de 2020, numa das maiores aglomerações mundiais da primeira fase da pandemia. Mais do que o viés democrata de Whitmer ou republicano de Noem, foi decisiva a determinação em atender a população, como foi o caso do governador republicano Mike DeWine, de Ohio, que fechou escolas por três semanas e proibiu aglomerações.
Os governos locais também ganharam fôlego com a pressão crescente por uma descentralização da gestão da saúde. Na Itália, país que alarmou o mundo para a devastação da pandemia, 100 mil médicos promoveram um abaixo-assinado por uma descentralização territorial da prestação de serviços públicos de saúde. Em Milão, os profissionais promoveram um protesto contra a deterioração de suas condições de trabalho dirigido a um governo local que, inicialmente, resistiu ao isolamento social.
Os governantes locais que ganharam condições de se contrapor às instâncias nacionais de poder na adoção de medidas de isolamento o fizeram porque, em grande parte, dispuseram de políticas de complementação de renda, regionais e nacionais, além de repasses federais que lhes permitiram restringir atividades econômicas que geram receita para a manutenção dos serviços públicos.
Estados Unidos, Índia e Brasil, diz Elize Massard, são exemplos claros de que subvenção social só funciona se houver uma política de saúde e esta vai muito além de uma infraestrutura hospitalar. Estados Unidos e o Brasil tinham, respectivamente, de acordo com o índice de segurança global de saúde (GHSI), da Universidade Johns Hopkins, o mais bem preparado sistema de saúde do mundo e da América Latina para responder a pandemias. E ambos fracassaram porque tiveram, no comando político nacional, presidentes negacionistas. Os Estados Unidos somavam 23% dos mortos em todo o mundo em agosto de 2020, apesar de ter apenas 4% da população mundial. O Brasil, apesar de abrigar 2,7% dos habitantes do planeta, tinha 33% das vítimas da covid-19 em março de 2021.
Apesar de subfinanciado, o NHS, sistema público de saúde britânico inspirador do SUS brasileiro, fez com que o Reino Unido pontuasse em segundo lugar mundial na gestão de sistemas de saúde responsivos a pandemias, segundo o GHSI. Isso até o coronavírus, quando o Reino Unido teve uma das piores taxas de mortalidade, depois da Espanha. Só foi salvo pela vacina. Nem os testes massificados, que só perderam para a China, foram capazes de neutralizar o atraso das medidas de isolamento social que marcaram a primeira fase do combate à pandemia no governo Boris Johnson. As mortes poderiam ter sido reduzidas pela metade se o lockdown de março de 2020 tivesse acontecido uma semana antes.
As falhas também atravessaram o Canal da Mancha. A França cometeu dois erros capitais no início da pandemia. O de apostar na cloroquina, durante dois meses, até maio de 2020, e de ter demorado na aquisição de equipamentos de proteção individual. O cochilo se deveu à decisão tomada durante a epidemia de H1N1, em 2009, quando o governo, alarmado, comprou € 1 bilhão em EPIs para enfrentar uma doença que “só” matou 342 pessoas no país.
Superados esses erros, o governo centralizou a resposta à pandemia e contou com um sistema de saúde que passou por duas décadas de reforma. Ainda assim, só deu conta porque gastou muito para manter o isolamento social, levando a população de rua para residências temporárias e abrindo os hospitais públicos para imigrantes ilegais. Calcula-se que a França tenha destinado 31% do seu Produto Interno Bruto em medidas de compensação social e econômica e gastos na saúde. Os EUA, cujo primeiro pacote aprovado pelo Congresso foi o maior da história, gastaram 18% do PIB.
O fôlego fiscal em todo o continente só foi possível porque a União Europeia ativou a cláusula geral de escape, em abril de 2020, para não cumprir a meta de déficit fiscal. Reproduziu o que os autores chamam de “momento hamiltoniano”, quando o governo americano, por inspiração do então secretário do Tesouro, Alexander Hamilton, assumiu as dívidas de guerra dos Estados depois da guerra da independência. A desigualdade na resposta à pandemia no continente foi decorrente das gestões locais. Portugal, a exemplo da França, saiu-se melhor que a Espanha e a Itália porque centralizou a reação. Já Áustria e Suíça coordenaram melhor seus Estados federados do que a Alemanha, cuja governança federativa foi conturbada pela disputa interna em torno da sucessão de Angela Merkel.
Se na Europa a negligência com migrantes foi relativizada em função da segurança sanitária, o mesmo não aconteceu na China. Neste país, as políticas compensatórias não os englobaram. Estima-se que na China haja 290 milhões de migrantes que não usufruem do sistema previdenciário estatal porque trabalham fora de seus locais de registro. Houve uma política deliberada de manter os migrantes ilegais longe dos centros urbanos.
Nas semanas que antecedem a virada do ano lunar, que em 2020 caiu no dia 25 de janeiro, os chineses deixam suas casas e visitam seus familiares. Mesmo já alertadas de que o vírus estava disseminado na província de Hubei, as autoridades permitiram que as pessoas viajassem a partir do dia 7 de janeiro. No dia 23 foi decretada uma quarentena draconiana. Ao impedir que os chineses voltassem para suas casas nos grandes centros urbanos, tentou-se evitar que as estruturas hospitalares ficassem sobrecarregadas. Isso não impediu que hospitais de Hubei rejeitassem pacientes. A província tem 4% da população do país e 1% dos leitos.
O pouco que se sabe do combate inicial à covid-19 na China se deve à diplomacia da Organização Mundial de Saúde, que, sob o preço da acusação de sinofilia, manteve canal aberto com autoridades chinesas. Foi isso que permitiu à OMS monitorar minimamente o desenvolvimento inicial da doença na China.
O comportamento das autoridades chinesas não foi uma regra na Ásia. No Vietnã, por exemplo, o país pobre e populoso de melhor resposta contra o vírus, a transparência era uma das únicas armas possíveis. O Vietnã busca pontuação em rankings mundiais de governança para colher benefícios diplomáticos e atrair investimentos estrangeiros. As outras armas, num país sem um sistema de saúde robusto, foi o fechamento de fronteira, quarentena para visitantes em instalações militares, multa para quem a desrespeita e rastreamento. O país deixou de ter transmissão comunitária em julho de 2020.
Se até aqui o estudo das instituições foi marcado por seus reflexos na estabilidade democrática e econômica, a pandemia indica uma inflexão em busca de desenhos institucionais que demonstrem eficiência na reação a emergências sanitárias. O desempenho do Brasil e dos Estados Unidos na primeira fase da pandemia demonstra que muitas dessas instituições são vulneráveis ao poder de maus líderes. A próxima parada do grupo de pesquisadores é a resposta global à vacina, quando o desempenho desses dois países se bifurca e isola o Brasil.
Fonte:
Valor Econômico
Naercio Menezes Filho: Mercado de trabalho na pandemia
A pandemia afetou o mercado de trabalho em vários países do mundo, mas a queda no emprego foi especialmente severa no Brasil. Enquanto a atividade econômica já voltou aos níveis de antes da pandemia, a taxa de desemprego continua bastante alta por aqui, assim como o número de pessoas que desistiu de procurar emprego. E os trabalhadores menos qualificados são os que estão sofrendo mais os efeitos da pandemia. Por que será que o emprego está demorando tanto a reagir? Qual a perspectiva futura para os trabalhadores jovens que não conseguiram completar o ensino médio?
A figura ao lado mostra índices de emprego medidos através da Pnad Contínua para os trabalhadores que completaram o ensino médio ou superior e também para os que só estudaram até o ensino fundamental ao longo de 2019 e 2020, na indústria, comércio e serviços. Podemos notar que as séries apresentaram um leve aumento ao longo do 2019. Mas, já no início da pandemia, no primeiro trimestre de 2020, o emprego dos trabalhadores menos qualificados começa a declinar acentuadamente, ao passo que entre os mais qualificados a queda é mais suave e concentrada no comércio e serviços.
Com o agravamento da pandemia, o emprego despencou entre os menos qualificados dos três setores, com cerca de 20% dos trabalhadores perdendo seu emprego. Já entre os trabalhadores com ensino médio completo ou superior, a queda foi de 7% no comércio e apenas 3% na indústria e serviços. Desde então, o emprego tem reagido lentamente para todos os grupos, mas enquanto os mais qualificados já atingiram o nível de emprego do início de 2019, os menos escolarizados permanecem 20% abaixo. A situação é especialmente grave entre os mais jovens que não completaram o ensino médio. Por que isso ocorreu?
Em primeiro lugar, devemos notar que esses efeitos fortes da pandemia no desemprego não estão acontecendo devido às políticas de distanciamento adotadas para conter a disseminação do vírus. O comportamento do emprego ao longo de 2020 foi bastante parecido nos locais que adotaram políticas de distanciamento mais rígidas logo no início da crise com relação aos que não as adotaram. Na verdade, esses efeitos decorrem em grande parte do receio das pessoas de saírem de casa e serem contaminadas pelo vírus.
A taxa de isolamento social em São Paulo, que antes da pandemia era de apenas 28%, atualmente está por volta de 40%. Assim, mesmo depois de 1 ano e 2 meses desde o início da crise, 12% das pessoas que costumavam sair de casa todos os dias para trabalhar ainda permanecem isoladas em casa. E essa taxa apresentou poucas variações ao longo da pandemia, independentemente das medidas de isolamento tomadas no Estado.
Junto com o isolamento, a pandemia provocou alterações na forma de trabalho e nos padrões de consumo. Quase 13% dos trabalhadores qualificados continuavam trabalhando de casa no final do ano passado, com poucas alterações nesta taxa ao longo da pandemia. Por outro lado, menos de 1% dos trabalhadores menos qualificados adotou o home office, pois trabalham em ocupações que não permitem o teletrabalho. Mas será que as pessoas que estão trabalhando de casa irão voltar a circular pelas ruas quando a pandemia acabar?
Há evidências de que grande parte delas não voltará mais ao trabalho presencial, mesmo após o fim da pandemia. Dados do Instituto de Pesquisa DataSenado (2020) mostram que entre aqueles adotaram o home office, 75% preferem que no futuro o trabalho permaneça dessa forma. E a grande maioria acha que a sua produtividade aumentou ou permaneceu igual com o teletrabalho, o mesmo acontecendo com a produtividade da empresa em que trabalham. Por fim, 70% afirmam que a adaptação ao home office foi fácil.
Acontece que, devido à alta concentração de renda no Brasil, os padrões de consumo da parcela mais rica da população têm muito impacto na geração de empregos dos menos qualificados. Os 10% mais ricos concentram cerca de 1/3 do consumo total no Brasil. Assim, mudanças de comportamento e no padrão de consumo dessa classe têm efeitos multiplicadores no emprego bem maiores do que mudanças nas classes média e baixa. Por exemplo, se as pessoas com maiores rendimentos permanecerem mesmo trabalhando de casa após a pandemia, deixarem de frequentar restaurantes em dias úteis e passarem a comprar comida e outros produtos pela internet, a recuperação dos empregos menos qualificados pode demorar muito para ocorrer, pois este tipo de compra não exige a presença de vendedores e garçons.
Em suma, apesar da retomada da atividade econômica, a taxa de ocupação continua baixa, especialmente entre os jovens e menos qualificados. Isso reflete uma persistência na taxa de isolamento social, facilitada pelo fato de que parcela relevante das pessoas com maiores rendimentos continua trabalhando de casa. Como estas pessoas são responsáveis por uma grande parcela do consumo agregado no Brasil, sua mudança no padrão de consumo tem grande efeito sobre o emprego nos setores de alimentos, vestuários, shoppings e viagens, que empregam uma grande parcela de trabalhadores não-qualificados. A renda desses trabalhadores, por sua vez, movimenta o comércio informal nas ruas.
Assim, se grande parte das pessoas com maior poder aquisitivo permanecer em home office após o final da crise, será difícil que o emprego dos jovens não qualificados retorne para os níveis de antes da pandemia, mesmo com a volta da circulação das pessoas nas ruas e nos shoppings nos finais de semana. E quanto mais tempo os jovens permanecerem desempregados, mais a sua trajetória profissional será afetada, diminuindo sua felicidade, produtividade e salários no futuro, empurrando-os para a criminalidade e aumentando a desigualdade de renda.
*Naercio Menezes Filho, é professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências
Fonte:
Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/mercado-de-trabalho-na-pandemia.ghtml
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli: Governo fraco, soluções ruins
Uma leitura atenta do noticiário nacional, ao longo das últimas semanas, identifica sintomas eloquentes de uma sociedade que, envolta em conflitos internos, mergulhou voluntariamente na estagnação há quatro décadas. Somente as eleições de 2022 oferecem alguma esperança de correção de rumo, mas o quadro atual não permite alimentar grandes esperanças.
A reforma tributária, o mais importante item da pauta econômica em debate no momento, encontra-se num atoleiro. O relatório da Comissão Mista da Reforma Tributária divulgado pelo relator, deputado Agnaldo Ribeiro, mostra que o Congresso vem amadurecendo a compreensão do complexo tema. Até questões que costumam suscitar resistências de pessoas tão bem intencionadas quanto mal informadas, como a necessidade de haver uma alíquota única do IVA para todos os bens e serviços comercializados num mesmo município, parecem ter sido compreendidas por muitos legisladores.
Mas a aprovação de uma reforma tecnicamente consistente, sem graves concessões que comprometam sua eficácia, exigiria uma liderança e habilidade políticas inexistentes num governo capitaneado por Bolsonaro. Como pior do que manter temporariamente a desordem tributária atual seria aprovar definitivamente uma reforma ruim, tudo indica que o tema ficará para um futuro governo.
A sempre adiada privatização da Eletrobras segue no mesmo rumo. A MP original enviada pelo governo sofreu profundas alterações no Congresso que reduzem a atratividade da empresa para potenciais compradores privados, assim como criam incertezas que afetam outras empresas do setor elétrico.
Na nova versão da MP, a Eletrobras passaria ao setor privado, mas em seu lugar surgiria outra estatal gigantesca – a Eletronuclear – que herdaria as usinas nucleares e também Itaipu, além de ser obrigada a construir termelétricas movidas a gás em locais onde sequer há gasodutos. Dessa forma, a rentável Itaipu geraria os recursos para sustentar termelétricas economicamente inviáveis, além de outros penduricalhos, o que constituiria um subsídio cruzado injustificável.
Da mesma forma que no caso da reforma tributária, pior do que preservar por mais algum tempo a Eletrobras na mão do Estado seria aprovar uma privatização mal feita, de modo que tudo indica que a privatização ficará para um futuro governo.
Na Petrobras, a intervenção de Bolsonaro destinada a mudar a política de fixação de preços de combustíveis, baseada na paridade com os preços internacionais, apenas no intuito de agradar seus eleitores caminhoneiros, até agora não resultou em mudança naquela política. Isto porque o novo presidente, ao assumir o cargo, descobriu que não há outra política de preços economicamente viável. Mas já se pode prever que, como compensação ao capitão, a atual direção da empresa adiará as privatizações de refinarias, embora já haja uma decisão do Cade – bem como um Termo de Compromisso de Cessação de Prática assinado pela Petrobras – que prevê as privatizações.
Tampouco outras privatizações deverão avançar. Após o Ministério da Economia divulgar um detalhado inventário de participações acionárias da União que surpreendeu pela sua amplitude, as poucas privatizações ocorridas limitaram-se a vendas de subsidiárias de empresas estatais, bem como a licitações que transferiram ao setor privado a exploração de ativos – como aeroportos – de estatais mantidas. O estatista Bolsonaro repete a estratégia do PT que fazia concessões aos mercados de capitais, promovendo a contragosto algumas privatizações perfunctórias, mas limitava-as aos casos em que podia transferir ao setor privado apenas a exploração do serviço preservando a propriedade estatal do bem de capital.
No momento em que o Congresso discute a espinhosa PEC da reforma administrativa, cujo objetivo é racionalizar os elevados gastos com pessoal, o mesmo governo que enviou a PEC divulga um decreto oficializando o descumprimento do teto constitucional de remuneração de servidores. O próprio presidente da República é beneficiário direto do decreto. E a reforma proposta só valeria para novos funcionários, atrasando em décadas um ajuste necessário e o corte de privilégios.
As disfunções e a paralisia decisória ilustradas acima são o resultado de um governo sem maioria parlamentar chefiado por um político tosco sem convicções claras, além de um conservadorismo algo difuso mas extremamente reacionário. Após fomentar os mais diversos conflitos e tratar a pandemia com indescritível irresponsabilidade, Bolsonaro precisou buscar apoio no velho Centrão – que negou e atacou inúmeras vezes antes de abraçá-lo -, um bloco composto de 1/3 dos deputados para conseguir escapar do impeachment. Mas seus novos parceiros agora lhe impõem o preço do apoio sob forma de exigências cada vez mais caras, o que perpetua a paralisia.
Com a aproximação do calendário eleitoral, a sociedade se vê diante de um quadro desanimador. A principal candidatura de oposição, até o momento, é a de um ex-presidente envolvido em inúmeros escândalos de corrupção que governou durante um grande boom de commodities, o que lhe permitiu entrar para o imaginário popular como grande administrador e eleger uma neófita na política. As políticas equivocadas e distorcivas do segundo governo Lula foram aceleradas e ampliadas, por Dilma Rousseff. A Nova Matriz Econômica mergulhou o país numa profunda crise econômica que abriu espaço para a eleição de um primitivo anti-democrata, que não tem qualquer projeto significativo hoje além de sua sobrevivência política a qualquer preço.
Lula elegeu Dilma que, por sua vez, elegeu Bolsonaro. É preciso evitar que Bolsonaro eleja Lula. Não se pode escolher um projeto ruim, que provavelmente manterá o país em conflito e estagnado, substituindo-o por outro também ruim que deu errado no passado.*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento**Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV
Fonte:
Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/governo-fraco-solucoes-ruins.ghtml