Valor Econômico
Andrea Jubé: Presidenciáveis elegem as leituras de Natal
Andrea Jubé / Valor Econômico
A relação dos presidentes da República com os livros e o hábito da leitura é um capítulo à parte na história brasileira, com lances dramáticos, ou trágicos, dignos da melhor ficção.
Por exemplo, a fatalidade que levou à morte o marechal Castello Branco (1897-1967), apenas quatro meses depois de ele transmitir a Presidência ao general Costa e Silva (1899-1969).
Após uma escala breve na fazenda da amiga e escritora Rachel de Queiroz, Castello embarcou com o irmão, Candinho, em uma aeronave cedida pelo governo estadual rumo a Fortaleza (CE). Em um arranjo nefasto do destino, o avião chocou-se no ar com jatos da FAB.
Na cena do acidente, o que intrigou historiadores foi o embrulho de papel pardo, contendo um exemplar raro da primeira edição de “Iracema”, de José de Alencar.
Devoto da leitura, Castello tinha lido toda a obra de Alencar, seu parente distante e conterrâneo cearense, na juventude. Posteriormente soube-se que Rachel havia incumbido o irmão de Castello de entregar a raridade a um amigo no Rio de Janeiro.
A escritora temia que Castello apreendesse a encomenda e a desviasse para sua biblioteca particular. No desenlace da triste epopeia, o livro foi encontrado mais próximo do corpo de Castello do que do portador do volume.
Getúlio Vargas (1882-1954) era igualmente um leitor voraz, apesar do gosto duvidoso em algumas épocas. Em 1933, durante uma viagem de navio de regresso ao Rio, ele registrou em seu diário que aproveitaria os dias em alto mar para colocar a leitura em dia. A companhia seriam obras sobre ditadores célebres: “Conversações com Mussolini”, de Emil Ludwig; e “Salazar: o homem e sua obra”, de Antonio Joaquim Tavares Ferro.
Anos mais tarde, no auge da crise deflagrada pelo atentado da rua Tonelero, Getúlio recorreria a outro português para aliviar as dores da alma.
Uma semana após os tiros desfechados contra seu opositor, Carlos Lacerda, Getúlio achava-se em Belo Horizonte. Estava hospedado na residência oficial do então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, que o flagrou insone, de madrugada, escolhendo um título na biblioteca.
“Nunca durmo sem antes ler um pouco”, justificou Getúlio, segundo relato de Lira Neto. O presidente dirigiu-se aos aposentos tendo em mãos um exemplar de Eça de Queirós. Doze dias depois, daria cabo da própria vida.
Juscelino prezava os livros, mas, também, quem os escrevia. “JK tinha mania de escritor”, registrou o escritor Autran Dourado, que foi secretário de imprensa do mineiro na Presidência.
No governo de Minas, o chefe de gabinete de JK era o contista Murilo Rubião, de “Teleco, o coelhinho”. Na Presidência, quem ocupava o cargo era o escritor e jornalista Álvaro Lins.
Segundo Dourado, JK dizia não ter problemas de corrupção com escritores, porque estes esperavam pouco do poder. Alguma projeção para o nome e empregos de meio expediente para dedicarem-se no tempo livre à literatura.
JK convidou os poetas Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, e o filólogo Antonio Houaiss, a formarem o acervo de mais de 3 mil livros da biblioteca do Palácio da Alvorada. Cerca de 60 anos depois, o local transformou-se em palco das “lives” das quintas-feiras do presidente Jair Bolsonaro.
Embora frequente o espaço, Bolsonaro não é afeito à literatura. O presidente é reconhecido pelo gosto pelas atividades físicas e passeios de moto aos fins de semana.
A partir do elo histórico de alguns presidentes com os livros, a coluna indagou aos demais pré-candidatos à Presidência quais as leituras reservadas para o fim de ano.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao contrário do que se propalou, não se tornou um leitor frequente durante o cárcere em Curitiba. Ele desenvolveu e cultivou o hábito entre 2011 e 2012, durante as exaustivas sessões de quimioterapia para combater o câncer de laringe.
Naquela época, ganhou de Dilma Rousseff o romance "O Homem que Amava os Cachorros", do cubano Leonardo Padura. Uma década depois, Lula volta a Padura: está lendo “Como poeira ao vento”, sobre uma família de exilados cubanos. Também dedica-se ao último título de Chico Buarque: “Anos de chumbo e outros contos”.
O ex-juiz Sergio Moro (Podemos) busca inspiração em um dos grandes líderes políticos americanos: o ex-presidente Theodore Roosevelt (1858-1919).
Moro dedica-se às páginas de “The river of doubt”, de Candice Millard. Na tradução em português, “O rio da dúvida”, sobre a expedição de Roosevelt e Candido Rondon (1865-1958), que em 1914, mapearam um rio desconhecido na Amazônia.
O governador de São Paulo e presidenciável do PSDB, João Doria, está imerso no denso “Escravidão”, em que Laurentino Gomes narra os acontecimentos do primeiro leilão de cativos em Portugal, até a morte de Zumbi dos Palmares.
A escolha de Ciro Gomes, do PDT, dialoga com a de Doria, porque investiga uma das sequelas da escravidão, o preconceito pela cor da pele. A obra em questão é “Como o racismo criou o Brasil”, do sociólogo Jessé Souza.
A senadora Simone Tebet (MS), pré-candidata do MDB, está lendo a distopia “1984”, de George Orwell. Mas desaconselha o título para esta época do ano, em que se deve flertar com a esperança de dias melhores. Ao invés de Orwell, Tebet recomenda o lirismo de Manoel de Barros, o grande poeta do Pantanal.
O presidente do Senado e pré-candidato do PSD, Rodrigo Pacheco (MG), divide-se entre o suspense da votação do Orçamento de 2022 e uma narrativa policial. Em “O crime da galeria de Cristal - e os dois crimes da mala. São Paulo, 1908-1928”, o historiador Boris Fausto reconstitui três crimes que chocaram a sociedade paulistana no início do século XX.
O senador Alessandro Vieira (SE), pré-candidato do Cidadania, vai desbravar a coletânea sobre os principais temas nacionais, organizada pelo economista Fabio Giambiagi em “O futuro do Brasil”.
Com essas dicas, a coluna parte para o seu retiro literário de fim de ano e retorna em janeiro.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/presidenciaveis-elegem-as-leituras-de-natal.ghtml
Maria Cristina Fernandes: Terrivelmente derrotados
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
Com a tramitação mais longa da história das indicações para o Supremo Tribunal Federal, em relação à qual o presidente da República lavou as mãos, André Mendonça assumirá uma cadeira na Corte com uma dívida já bem amortizada com Jair Bolsonaro. O presidente, por óbvio, vai tentar faturar a aprovação junto a seu eleitorado evangélico, mas pouco fez para obtê-la e ninguém mais do que o novo ministro sabe disso.
Na lista de derrotados com a aprovação de Mendonça, o presidente só perde para o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que só o recebeu horas antes da sabatina. Na segunda-feira, o presidente da CCJ do Senado ligou para um senador do MDB, que se recuperava de uma intervenção cirúrgica, sondando se sua saúde permitiria deslocamento.
Em seguida, o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) repetiu o gesto. A preocupação dos senadores com o esforço que o colega faria para estar presente chegou aos ouvidos do ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, que, em seguida, ligou para o filho do presidente cobrando-lhe o gesto. Ao avistar o senador emedebista na CCJ no início da sabatina Mendonça não deixou passar a oportunidade de saudar sua presença.
A saudação inopinada, que só foi entendida por meia dúzia naquela sala, além da tímida defesa pública que lhe fez Flávio Bolsonaro revelaram o grau de tensão que precedeu a sessão. O filho do presidente chegou a dizer que o apoio do ex-procurador Deltan Dallagnol deu a Mendonça teria selado sua derrota.
A tensão se reproduziu no placar mais apertado da história das sabatinas (19x8) e o mais estreito no plenário do Senado dos últimos 20 anos.
Ao longo dos 141 dias durante dos quais o nome do ex-AGU ficou congelado, os sinais da política se embaralharam tanto que nem as tentativas do sabatinado de acender velas a deuses e demônios lhe fizeram concorrência.
Da indicação de Mendonça para cá, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) virou ministro da Casa Civil e Bolsonaro filiou-se ao PL de Valdemar Costa Neto. Na cerimônia de filiação o presidente enfiou até os cotovelos na pia. Ao nomeá-lo, honrou compromisso com a bancada evangélica, mas deixou claro que sua aprovação caberia ao Senado.
Acenou, dessa forma, ao Centrão, que preferia o procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre quem não pesam suspeitas de lavajatismo. Bolsonaro fez dobradinha com Arthur Lira ao mencionar, na cerimônia de filiação ao PL, que “alguns” extrapolam na Praça dos Três Poderes e devem ser enquadrados por aqueles que “têm votos” e são responsáveis por conduzir o país.
Mais do que fazer um ministro do Supremo, Bolsonaro se moveu por dubiedades que visaram a não desagradar seus novos aliados. O sobrenome “terrivelmente evangélico” que impôs a Mendonça acabou por aumentar a resistência a seu nome, bem como a proximidade pessoal que o presidente alardeou ter com seu escolhido.
Se o presidente fingia que apoiava Mendonça, o Congresso também fez de conta que resistia ao bolsonarismo com o argumento de que um mandatário que pretende fechar a Corte não merecia escolher um ministro.
Imaginou-se até mesmo que a indicação poderia ficar congelada até o próximo presidente, como o fez o lendário senador republicano Mitch McConnell com a indicação do atual procurador-geral da República nos Estados Unidos, Merrick Garland, à Suprema Corte pelo ex-presidente Barack Obama. Depois de nove meses a indicação caducou e a vaga acabou preenchida pelo ex-presidente Donald Trump.
Mais do que a Bolsonaro, a operação-tartaruga foi uma afronta ao próprio Supremo. O tom do Congresso subiu ainda mais com a aprovação de um projeto de resolução que desobedece decisão do plenário da Corte, por 8 votos a 2, contra as emendas de relator.
O que se decidiu não foi a indicação de um representante da igreja presbiteriana mas a correlação de forças entre os Poderes da República e, internamente, no Supremo. O Senado sabatinou Mendonça num momento em que o presidente da Câmara dá curso a um projeto que visa a reverter a PEC da Bengala para abreviar o mandato da ministra que liderou o embate das emendas de relator.
A oposição do Centrão e do presidente, além da demora na indicação, que desprezou as contingências de uma Corte com um integrante a menos ao longo de metade de seu ano útil, acabou unindo os ministros ou, no mínimo, minimizando a oposição que ainda havia a Mendonça por parte daqueles que preferiam ver Aras na vaga.
O ministro que mais trabalhou por Mendonça foi seu ex-chefe na AGU, Dias Toffoli, mas Kassio Nunes Marques aderiu, nas últimas semanas, à campanha. Com a provável ida de Mendonça para a Segunda Turma, presidida por Nunes Marques, o ministro parece ter apostado na condição de credor do novo integrante da Corte.
Ainda que os ministros mantenham posicionamentos mais próximos dos presidentes que os indicaram no início de seus mandatos, tendem a se desgarrar para assumir posições no jogo de forças no tribunal. E esse jogo envolve concessões de lado a lado e composições que muitas vezes se sobrepõem à pressão do Executivo. Pelo desgaste, a lua-de-mel de Mendonça com Bolsonaro pode ser ainda mais breve.
Ao longo da tramitação de Mendonça, foram tantos os obstáculos erguidos que sua rejeição passou a ser um imperativo para parlamentares como Alcolumbre que temiam represália de um futuro ministro do Supremo.
Essas tensões ficaram contidas às entrelinhas da sabatina. A civilidade pública do presidente da CCJ foi inversamente proporcional à humilhação à qual submeteu Mendonça. Com um tom de pastor presbiteriano, tentou desmontar a resistência mais pela humildade do que pela consistência de seus argumentos.
Comprometeu-se com o respeito à união civil do mesmo sexo, criticou a criminalização da política e chegou até mesmo a pedir desculpas por ter dito que a luta pela democracia não custou vidas. Voltou atrás, mas na nominata de lutas com vítimas entrou até o voto feminino mas não a ditadura militar.
Foi escolhido porque o conluio entre Alcolumbre e Bolsonaro se esgotou. Terá 26 anos para depurar os 141 dias em que foi largado na chuva.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/terrivelmente-derrotados.ghtml
José Álvaro Moisés: "PSDB jogou fora oportunidade”
Para cientista político, quem vencer prévia tucana vai ter que disputar com Moro e Ciro
Cristian Klein / Valor Econômico
Rio - A crise gerada pelas prévias do PSDB expõe um partido dividido que terá um trabalho redobrado para retomar o protagonismo da disputa presidencial, afirma o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP). O que já era difícil, para um partido que obteve 4,7% dos votos ao Planalto em 2018 e tem pré-candidatos com baixa pontuação nas pesquisas para 2022, se tornou “um panorama extremamente complexo”, diz Moisés, ex-secretário no Ministério da Cultura nos dois mandatos do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Tanto o governador de São Paulo, João Doria, quanto o do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que disputam as prévias do PSDB com o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, poderiam se beneficiar do grande holofote que a disputa interna ganhou para se cacifarem nacionalmente. Mas o fiasco tecnológico e as brigas de caciques que vieram à tona geram descrédito sobre a capacidade de os tucanos liderarem a terceira via. “O PSDB jogou fora essa oportunidade, pelo menos até agora. Poderia ter dado visibilidade ao grande legado do partido durante as prévias”, diz o cientista político.
Para Moisés, os pré-candidatos do PSDB figuram numa espécie de terceiro pelotão da corrida presidencial, já bastante polarizada com a dianteira do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que reúne cerca de 40% das intenções de voto, e do atual, Jair Bolsonaro, que amealha por volta de 25% das preferências. Sobram 35% para a fragmentada terceira via, calcula.
No segundo pelotão, já não está fácil o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) crescer pela centro-esquerda, pois “Lula está muito estabilizado”, afirma. Por outro lado, também não está fácil para o ex-juiz Sérgio Moro (Podemos) atrair parte do eleitorado bolsonarista. “Outra figura da terceira via vai encontrar situação muito difícil, precisando disputar com Moro o voto de Bolsonaro e com Ciro o eleitorado de Lula. Difícil prever que quem quer que vença as prévias vá superar esses obstáculos”, diz Moisés.
Seja Doria ou Leite, os favoritos na disputa tucana, o grande desafio, em primeiro lugar, será o de unificar o partido, rachado pelo próprio acirramento das prévias e pelas correntes bolsonarista e oposicionista. A construção de uma candidatura ao Planalto minimamente competitiva passa pelo que Arthur Virgílio chamou de processo de “desbolsonarização do PSDB”, aponta Moisés.
“Ainda assim, quem vencer vai ter que disputar com dois nomes [Moro e Ciro] que já estão mais bem estabelecidos, com 10%, 11% das intenções de voto”, afirma o coordenador do Grupo de Pesquisa sobre a Qualidade da Democracia, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
Pesquisa Genial/Quaest divulgada há duas semanas mostra dois cenários em que Lula oscila entre 47% e 48%, contra 21% de Bolsonaro. Moro registra 8%, Ciro varia entre 6% e 7%, enquanto Doria surge num cenário com 2% e Leite no outro com apenas 1%.
Para Moisés, a candidatura Doria seria mais competitiva, pela maior estrutura partidária do PSDB em São Paulo. “Agora, quem, de alguma maneira, acenou com possibilidades mais amplas de negociação, durante alguns debates das prévias, foi o Eduardo Leite. Então é difícil discriminar inteiramente quem dos dois vai desempenhar melhor o papel de unificação do partido e ao mesmo tempo de negociar com outras forças para se chegar a um nome de consenso”, afirma.
Professor aposentado da USP, Moisés diz que será muito difícil se chegar a esse nome de consenso da terceira via entre Moro, Ciro e o PSDB. “Chegar a um consenso entre esses três significaria transpor barreiras muito complicadas, políticas, ideológicas e mesmo regionais, que não estão tão visíveis” diz. “Mas é muito difícil. Até agora não se vislumbrou essa possibilidade. E no caso do PSDB, que de alguma maneira, estava querendo, digamos, montar o cavalo nesta direção, mancou e perdeu uma perna. E agora está tentando se reconstituir. Não vai ser fácil, mas está tentando”, conclui.
Para Moisés, a recuperação do eleitorado perdido pelos tucanos depende de o PSDB “trazer uma versão inteiramente nova e um compromisso com a social-democracia, não a keynesiana clássica”. “Mas é preciso redefinir o pacto do partido, numa combinação do enfrentamento das desigualdades sociais com a defesa da economia de mercado”, diz, lembrando que essa tese também tem sido pregada por Arthur Virgílio.
O ex-prefeito de Manaus, ao lado de Doria, tem sido um crítico duro da atuação do deputado federal e ex-senador mineiro Aécio Neves, apoiador de Leite. Aécio é apontado como líder da ala bolsonarista do partido, que resiste a adotar um tom oposicionista de olho em emendas e cargos oferecidos pelo governo federal. A expectativa é que uma vitória de Doria nas prévias possa provocar a desfiliação de tucanos simpatizantes de Bolsonaro. Por outro lado, se Leite vencer, o PSDB estaria mais propenso a abrir mão de candidatura própria, o que nunca aconteceu desde a redemocratização, nas últimas oito eleições presidenciais.
Indagado sobre o destino em disputa do partido, se mantém a vocação ao Executivo federal ou se converte-se numa típica legenda fisiológica, Moisés afirma que “as duas hipóteses estão colocadas”. Um dos problemas, ressalta, é que deputados do PSDB têm demonstrado a preocupação com o volume de recursos do fundo eleitoral que uma campanha à Presidência irá drenar, em vez de abastecer as campanhas dos parlamentares.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/11/26/partido-jogou-fora-oportunidade.ghtml
Andrea Jubé: Os tucanos no divã e o labirinto de problemas cada vez maior
Moro vai bem nos 100 metros, mas completa a maratona?
Andrea Jubé / Valor Econômico
Depois que esgotarem as reuniões sobre tecnologia e por que falhou o aplicativo de votação pelo celular, os caciques do PSDB deveriam se revezar no divã para analisar por que insistem na autossabotagem, um dos obstáculos para a almejada volta ao poder.
Seria hora de ouvir Sigmund Freud (1856-1939), que se dedicou ao tema em ensaio de 1916, com o sugestivo título “Os que fracassam no triunfo”. Numa síntese breve e imperfeita, o pai da Psicanálise analisa neste texto exemplos de personagens que sentem alívio se o objeto de desejo não é alcançado. Porque se atingissem o sucesso, não saberiam o que fazer com aquilo.
O partido que controlou a inflação e estabilizou a moeda com o Plano Real, e governou o país por oito anos, está se embrenhando cada vez mais num labirinto de problemas.
A pane no aplicativo de votação é a ponta do iceberg ante situações mais dramáticas. As trocas de acusações em tom cada vez mais elevado entre os postulantes à vaga de presidenciável - os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que polarizaram a disputa -, testam a capacidade do partido de se unir no final.
E se o partido não se unir, não será capaz de liderar o centro democrático na corrida por uma vaga no segundo turno, caso não se desfaça a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Enquanto tucanos se engalfinham nas prévias, outros próceres da sigla veem com inquietação a ascensão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro nas pesquisas sobre a sucessão presidencial.
Levantamento do Paraná Pesquisas divulgado ontem mostrou que o ex-juiz, recém filiado ao Podemos, desponta com percentuais que variam em torno de 11% em diferentes cenários. Foi o primeiro nome da terceira via a bater a marca dos dois dígitos.
Um tucano com a ficha de filiação assinada há mais de 15 anos, vê com perplexidade Moro avançar sobre território do PDSB. Um de seus principais aliados é o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), que foi o líder mais longevo da bancada tucana na função. Moro também recrutou para a equipe o economista Edmar Bacha, um dos idealizadores do Plano Real.
“Na corrida de 100 metros Moro está bem, mas é preciso ver se ele completa a maratona”, desafiou este tucano, aliado de Leite. Alega que Moro tem alta rejeição em vários segmentos do eleitorado, assim como Bolsonaro, Lula, e Doria. Enquanto Leite, por ser menos conhecido, é pouco rejeitado.
Recostando-se no divã, este líder tucano diz que uma das mazelas do PSDB é a insistência em impor uma espécie de “supremacia paulista”, associada à “falta de humildade” e “diálogo” com o restante do país.
A disputa fratricida ora protagonizada por Doria e Leite remonta à escolha dos presidenciáveis da legenda desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso em 2002, a partir de quando o diretório paulista teria operado, reiteradamente, para impor suas escolhas para a eleição presidencial.
Com exceção de 2014, nos pleitos anteriores, os postulantes tucanos à Presidência foram egressos do diretório paulista: José Serra em 2002 e 2010, Geraldo Alckmin em 2006 e 2018. As reclamações dos outros diretórios são de que, a partir de 2006, a legenda já dispunha de outros nomes competitivos, como o ex-governador do Ceará Tasso Jereissati, e o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves.
A ironia nesse processo seria de que o tucano que bateu na trave da vitória não foi um paulista, e sim o mineiro Aécio Neves. Mesmo assim, ele só conseguiu a vaga de presidenciável porque se elegeu presidente do PSDB em 2013, e assumiu as rédeas do partido.
Em 2014, ele obteve 48,3% dos votos válidos contra 51,6% da petista Dilma Rousseff, perdendo por pouco mais de 3 milhões de votos (dados do Tribunal Superior Eleitoral).
Antes de Aécio, o melhor desempenho dos tucanos na polarização contra o PT havia sido de José Serra contra Dilma em 2010. O paulista alcançou 43,9% dos votos válidos, contra 56% da petista. Nos pleitos de 2002 e 2006, os presidenciáveis tucanos não alcançaram sequer 40% dos votos. Em 2018, ante o tsunami Bolsonaro, Geraldo Alckmin amargou 4,76% dos votos válidos.
A derrocada de Alckmin coroou uma fase de revezes do PSDB que remonta a 2017, quando denúncias de corrupção atingiram Aécio Neves, e teve como epílogo as duas prisões de outro líder do partido, o ex-governador do Paraná Beto Richa em 2019.
Enquanto trocam bicadas e se esfacelam em público, os tucanos deveriam voltar para seus ninhos, fazer uma pausa para autorreflexão, e avaliar uma mudança de rota. A sucessão de erros sugere que o caminho de volta ao poder é para o outro lado. Ou senão, Freud explica.
Lula
Além de se reunir com chefes de Estado e de governo da Espanha, França e Alemanha na última semana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com pesos pesados do PIB europeu. Na sexta-feira, Lula reuniu-se com CEOs de empresas espanholas que investem no Brasil, como Santander, Telefónica, Mapfre, e Iberdrola, da área de gás e energia elétrica. O evento ocorreu na sede da confederação das empresas espanholas (CEOE).
Segundo fontes do PT, Lula ouviu mais do que falou. Os executivos espanhóis relataram preocupação com a escalada inflacionária, a complexidade tributária e a insegurança jurídica no Brasil, e reafirmaram que a vulnerabilidade da Amazônia compromete novos investimentos no país. Lula, por sua vez, teria relembrado realizações de seu governo, e o seu compromisso em combater a fome, gerar empregos e recuperar a imagem do Brasil no exterior.
Antes, na quarta-feira (17), Lula esteve com executivos da Renault e da Dassault na solenidade em que foi homenageado pela revista Politique Internationale, no hotel George V, em Paris.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/os-tucanos-no-diva.ghtml
Andrea Jubé: Sobre tirar as meias com o sapato nos pés
Valdemar disse a Lula que não punirá quem optar pelo PT
Andrea Jubé / Valor Econômico
Um presidente de partido, que está em campo desde os tempos dos acordos firmados e cumpridos no fio do bigode, disse à coluna estar perplexo diante de tantas patacoadas protagonizadas pelos principais atores da política nacional.
Um exemplo de amadorismo para este decano da política são os apupos entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, depois que o mandatário anunciou o “casamento” com legenda.
Outro fato digno de reprimenda seria a negociação à luz do dia para levar o tucano Geraldo Alckmin para o PSB, e torná-lo companheiro de chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma das mais inusitadas acrobacias políticas da história recente.
Para este dirigente partidário, de tão sensíveis, esses movimentos deveriam ser conduzidos detrás das coxias. Aumentariam as chances de serem bem sucedidos se alinhavados na surdina.
“Publicar passo a passo nos jornais gera ruídos e atrapalha”, criticou este veterano. Ele pondera que as atuais lideranças políticas deveriam seguir a cartilha das velhas raposas.
Um dos exemplos mais ilustrativos é o ex-presidente Getúlio Vargas. Então governador do Rio Grande do Sul, havia chegado a hora de Getúlio comunicar ao presidente Washington Luís que se lançaria candidato à sucessão presidencial em 1930. Era preciso cautela, porque a notícia abalaria os pilares da política nacional.
Os mineiros resistiam ao nome imposto pelo presidente para sucedê-lo, o governador paulista Júlio Prestes. Por isso, o presidente contava com o apoio do Rio Grande do Sul, terceira força eleitoral do país, como fiel da balança contra Minas Gerais.
Nos bastidores, havia meses, o deputado federal João Neves da Fontoura, aliado de primeira hora de Getúlio, costurava com aliados a colocação do nome do caudilho. Em maio de 1929, quando Getúlio foi pressionado a se posicionar, escolheu as palavras exatas para redigir uma carta a Washington Luís informando sua decisão.
O mensageiro seria o deputado Flores da Cunha, liderança gaúcha com livre trânsito junto ao Palácio do Catete. Ele tomaria o vapor em Porto Alegre rumo ao Rio de Janeiro, mas faria uma escala em Santos, onde poderia se encontrar com o governador Júlio Prestes.
O risco do encontro alarmou Getúlio, que mandou uma mensagem pelo rádio do navio orientando o mensageiro a suspender a encomenda. Flores da Cunha não se encontrou com Prestes, mas eles se falaram por telefone no intervalo da viagem.
Somente após instalado em seu hotel no Rio, Flores da Cunha foi autorizado a levar a mensagem ao destinatário. Quando leu a carta, Washington Luís ficou estarrecido. Mas receber a notícia interceptada por Júlio Prestes deixaria sequelas ainda piores.
Artífice da Revolução de 30, João Neves da Fontoura, que seria chanceler de Getúlio no mandato democrático de 1951-1954 _, gostava de dizer que o caudilho era tão ladino que tirava as meias sem descalçar os sapatos.
Se vivo fosse, João Neves talvez observasse que no jogo atual, Bolsonaro tira as meias e acaba descalço. Há dois anos, desde que rompeu com o PSL do deputado Luciano Bivar (PE), o mandatário, que já passou por oito partidos, continua sem destino.
A tentativa de fundar o Aliança pelo Brasil naufragou. Depois ele divulgou que cerraria fileiras com o Patriota, mas o movimento deu em água.
O mundo político sempre soube que o casamento entre Bolsonaro e o PL seria uma união de fachada. Há cerca de dois meses, Valdemar disse a Lula em um encontro reservado em São Paulo que não poderia estar ao lado do PT em 2022 porque estava “enterrado até o pescoço” no governo Bolsonaro, com cargos e emendas. O cargo principal é a Secretaria de Governo, comandada pela ministra Flávia Arruda, com gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto.
No entanto, segundo fontes do PT e do PL, Valdemar ponderou a Lula que não impediria os deputados do PL de caminhar com o petista em seus Estados, principalmente no Nordeste.
Um dos motivos do impasse com o PL é o palanque em São Paulo e o controle do diretório paulista, que Bolsonaro confiaria ao deputado Eduardo Bolsonaro, hoje no PSL. Mas por que anunciar publicamente o enlace, se uma das principais cláusulas do contrato nupcial não estava ajustada?
Quando combinou a filiação com o PSL, no começo de 2018, Bolsonaro exigiu o controle de 25 dos 27 diretórios estaduais da legenda. Só ficaram de fora os diretórios de Pernambuco, porque estava sob a direção direta de Luciano Bivar, e do Maranhão, porque era o único em que o dirigente havia sido eleito pelos filiados.
Na conversa com a coluna, este decano da política nacional criticou a articulação às claras para filiar Geraldo Alckmin no PSB, e transformá-lo em vice de Lula. O movimento é encabeçado pelo ex-governador Márcio França (PSB) e pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT).
A costura nunca foi desautorizada pelos envolvidos. Ontem Lula disse na Bélgica que “não há nada que aconteceu entre eu e o Alckmin que não possa ser reconciliado”. Poucos dias antes, o tucano afirmou que se sentia “honrado” pela lembrança de seu nome, e que Lula é um democrata.
Quem conhece Alckmin bem, não descarta que se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, vencer as prévias tucanas, ele permaneça na legenda.
Para um cacique do PSB, a publicidade da articulação para atrair Alckmin conturba a estratégia. Mas, a despeito desse revés, uma condição é imperiosa para o desfecho favorável: o PT tem que retirar o nome de Haddad, e comprometer-se com o apoio a Márcio França na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.
Ontem Lula disse que a política é como o futebol: “você dá uma botinada no cara, ele cai chorando, mas depois que termina o jogo, eles se encontram, se abraçam, vão tomar uma cerveja e discutir o próximo jogo”. O craque da política, entretanto, seria aquele que, antes da cerveja, ainda no vestiário, tirasse as meias sem descalçar as chuteiras.
Fonte: Valor Econômico
Andrea Jubé: Descalabro institucional
STF deve confirmar parcialmente liminar de Weber
Andrea Jubé / Valor Econômico
O novo capítulo da crise institucional nos obriga a retroceder algumas casas no tabuleiro político: na última vez que insultou publicamente um ministro do Supremo Tribunal Federal, e avisou que não cumpriria uma decisão judicial, a ameaça do presidente Jair Bolsonaro perdurou o tempo de uma nuvem que o vento levou.
“Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro”, bradou Bolsonaro no dia 7 de setembro. “Eu autorizo, eu autorizo”, reagiu a turba de verde-e-amarelo. “Qualquer decisão do seu Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá, a paciência do nosso povo já se esgotou”.
Menos de 48 horas depois, Bolsonaro alinhava os termos de uma declaração oficial de recuo com o ex-presidente Michel Temer, chamado às pressas à Brasília para apagar as labaredas que avançavam sobre a República.
O que Bolsonaro e Moraes conversaram no telefonema mediado por Temer jamais será de pleno domínio público. É fato, porém, que nos últimos dois meses, a paz reinava nos gabinetes projetados por Niemeyer.
Isso até sexta-feira, quando a decisão proferida pela ministra Rosa Weber do STF abalou de novo os pilares do patrimônio cultural da humanidade. A não ser que o precedente sacramentado sob o testemunho de Michel Temer seja firme como um pântano, Bolsonaro e o Congresso podem espernear à vontade contra a liminar da ministra suspendendo a execução das polêmicas emendas do relator-geral do Orçamento.
Mas se a decisão for ratificada pela maioria de seus pares, o que virá a público nos próximos dias, Executivo e Legislativo terão de se curvar a ela. Ou novo jato da FAB buscará Temer em São Paulo para apagar o novo incêndio institucional.
Nas palavras de um ministro do STF, o clima político em Brasília é de “risca de faca no chão”. Cada ator que saque a peixeira do alforje, e delimite o seu espaço de poder. Quem ultrapassar essa linha, zás-trás, será alvejado no peito.
Ontem Bolsonaro utilizou um tom muito abaixo dos ataques anteriores contra o STF para criticar Rosa Weber. Negou a “barganha” com os parlamentares, e disse singelamente que os argumentos não foram “justos”. Em resposta à Corte, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), alegou que a ministra adentrou em questão interna corporis do Legislativo.
Como sugerem Lira e Bolsonaro - e também as riscas de peixeira no chão da Praça dos Três Poderes, onde catam migalhas os pombos da paz - tudo é uma questão de limites. Se ambos afirmam que a ministra avançou sobre a seara do Legislativo, a seu turno, Weber sustentou que os princípios constitucionais da publicidade e da transparência na aplicação dos recursos públicos foram violados.
É relevante sublinhar que Rosa Weber não é voz isolada na controvérsia. Desde já, uma parcela do colegiado está com ela - hoje, com segurança, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Uma incógnita é o ministro Ricardo Lewandowski, que via de regra, é um defensor das prerrogativas da classe política. No entanto, ele compartilha com Weber a condução de processos sobre o sensível tema da “venda de emendas parlamentares”. Há mais de um ano, é relator de inquérito contra um deputado do Maranhão, filiado a uma sigla do Centrão.
Em dezembro, a Polícia Federal deflagrou contra este deputado a Operação Descalabro, que cumpriu em São Luís (MA) 27 mandados de busca e apreensão. Ele teve R$ 6 milhões de seu patrimônio bloqueados. A suspeita de desvios alcança R$ 15 milhões. Meses depois, Lewandowski assumiu a relatoria de um segundo inquérito sobre suposta venda de emendas. Neste, outros três parlamentares são investigados.
A obscuridade em torno das emendas de relator vem sendo cantada em verso e prosa pela oposição há tempos, mas a primeira reação institucional veio do Tribunal de Contas da União (TCU), em parecer explorado em sete das 49 páginas do voto de Weber.
A ministra resgatou em sua limitar trechos relevantes do voto do ministro Walton Alencar Rodrigues do TCU, relator das contas do governo Bolsonaro relativas ao exercício de 2020. No voto, ele recomendou ações à Presidência da República, à Casa Civil e ao Ministério da Economia para imprimir transparência e publicidade às emendas de relator.
São as medidas que constam da liminar de Rosa Weber: dar ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso público, aos ofícios dos parlamentares que tratam das emendas de relator; adotar medidas para que essas demandas sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantida pelo Sistema de Planejamento e Orçamento Federal.
O TCU verificou um aumento astronômico nas emendas de relator ora impugnadas, estimadas em R$ 30,1 bilhões. Uma elevação de 523% na quantidade de emendas, e de 379% nos valores.
Como o Executivo ignorou as recomendações do TCU, cinco meses depois, a ministra proferiu uma decisão judicial, que tem poder coercitivo. Eventual ameaça de descumprimento a essa decisão - se ela for ratificada pela maioria dos ministros do STF -, incorrerá em infração legal. E o bombeiro Michel Temer será chamado a Brasília.
Ontem Arthur Lira despachou tête-a-tête com o presidente do STF, Luiz Fux, no fim da tarde. Lira teria concordado que os ministros definissem medidas para aprimorar a transparência e publicidade na execução dessas emendas, em troca da revogação da suspensão da execução dos recursos em andamento.
O desfecho desse capítulo nos próximos dias é uma charada. Mas são altas as chances de que o STF avance nessa direção.
Nesse capítulo da crise, a Polícia Federal parece ter acertado no nome da operação que tem as emendas como alvo. Segundo o Houaiss, “descalabro” significa caos, confusão; ou detrimento, perda, prejuízo - ao cidadão, é claro. Ou declínio, queda ruína. Numa prova do Enem - quiçá outro descalabro -, valem todas as anteriores.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/descalabro-institucional.ghtml
Maria Cristina Fernandes: Jair, Paulo e Arthur
Presidente regateia com o Centrão e se vale do bloco para tirar de Guedes o que precisa para turbinar reeleição
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
O presidente Jair Bolsonaro usa o ministro Paulo Guedes para regatear o preço do resgate cotidiano que lhe é cobrado pelo Centrão. E se vale do bloco para tirar do ministro da Economia o que precisa para turbinar sua reeleição. Não é um casamento de papel passado porque tem que ser renovado a cada ano no Orçamento. Tampouco é uma união estável. Trata-se de uma relação a três, eivada de infidelidades mútuas e que se sustenta na dependência crescente que cada um tem dos outros dois.
O embate orçamentário que hoje se assiste é uma demonstração de que o teto que os abriga, não bastasse o material de segunda com que foi feito, se desgastou na cobertura de tão atribulada relação. Como o teto já não comporta mais tantas claraboias, chaminés e remendos, eis que os três parecem ter concluído que é hora de derrubá-lo. O problema é que, ao longo desse tempo, acumularam-se desconfianças e ressentimentos, além de flertes extraconjugais. Se não há como sustentar o teto, tampouco se sabe como preservar uma relação exposta às intempéries dos próximos 14 meses.
Depois de convencer Guedes a abrir mão do teto, Bolsonaro busca a cumplicidade de seu ministro para resguardar um abrigo para si sem se importar se o Centrão pode acabar na chuva. Que indícios dá disso? Quisesse apenas viabilizar o auxílio emergencial o presidente poderia tentar fazê-lo via crédito extraordinário. É bem verdade que a calamidade que o justificaria é mais da ordem da inépcia do que do inevitável, mas esta relação já expôs outros tantos pecados públicos que ninguém se escandaliza mais. Bolsonaro vale-se do expediente porque quer trazer outras prebendas para seu abrigo, dos agrados a caminhoneiros a tantos quantos forem necessários para continuar a ser o eixo desta relação.
Estivesse interessado apenas em matar a fome dos miseráveis teria deixado prosseguir o projeto de lei de autoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que teve a relatoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG) e entrou na terça-feira na pauta do Senado. Este projeto compatibiliza um benefício de R$ 120 a R$ 600 para os que têm uma renda familiar per capita de até ½ salário mínimo. E o faz a partir da revogação da isenção do IR sobre dividendos e da elevação da CSLL de instituições financeiras. Vale-se ainda da rubrica do abono salarial e do salário-família com uma compensação para os beneficiários mais vulneráveis desses programas. É uma proposta que tem a simpatia da Rede Brasileira de Renda Básica mas não serve aos propósitos do presidente, tanto que suas lideranças manobraram para tirá-lo de pauta.
O presidente da Câmara farejou o que o parceiro pretendia lá atrás quando começou essa conversa de destelhar a morada. Afinal, também quer muito mais do que o auxílio emergencial. Como disse em seu artigo semanal (FSP), Delfim Netto, testemunha de muitos casamentos desfeitos ao longo da República, “não é pelos R$ 400” que brigam. Acordos recentes já se desfazem. Haviam concordado, por exemplo, em chutar pra cima o fundo eleitoral, em R$ 6 bilhões, para que Bolsonaro vetasse e a prebenda ficasse em R$ 4 bi. Agora o Centrão quer subir o fundo para R$ 5 bi e, por óbvio, manter R$ 16 bi para as emendas de relator, que, em outros tempos, vinham embaladas em plástico opaco e ficavam longe do alcance das crianças. A lista ainda tem um caminhão de obras e desejos inconfessáveis. Quem nunca?
O stress foi tanto que no início da semana Arthur subiu o tom como nunca se havia visto naquele lar. “Ele vai pagar por isso”, disse, com cara de paisagem, sobre a declaração do parceiro na live da semana passada. É óbvio que Jair aloprou ao relacionar aids, vacina, aspirina e urubus. Mas Arthur descobriu agora que o parceiro mente? É compreensível o nervosismo. O presidente ameaça trocá-lo por Valdemar Costa Neto. Sabe-se que não é por boniteza mas por precisão.
O terceiro integrante da parceria está longe de ficar neutro na história. Se tiver que escolher um, é claro, Paulo fica com Jair. Afinal, (ainda) é dele o molho de chaves. E se um dia a casa vier abaixo é ao seu lado que precisa estar. E não é para salvar as obras completas (e na língua original) de Milton Friedman. É que ninguém sabe onde foi parar o extrato daquela conta perdida no paraíso fiscal. Ninguém sabe, ninguém viu. Mas os colegas do Arthur vão perguntar. No dia e na hora que ele marcar. O stress chegou ao ponto de Paulo se queixar em público que alguém foi bater à porta de outro amigo, o André, para saber se ele podia emprestar um de seus funcionários para colocar no seu lugar. Como o sócio do BTG confidenciou (para 40 pessoas) que vive de mexerico com Arthur, todo mundo ficou sabendo quem era esse alguém.
A relação que hoje é cheia de ressentimentos e decepções no início era de encantamentos quase idílicos. Em setembro de 2019 o ministro Paulo Guedes foi à Comissão Mista de Orçamento e lá abriu seu coração. Ele tinha acabado de chegar mas já percebera que seria difícil fechar as contas. O presidente da Câmara ainda era Rodrigo Maia, um companheiro de armas que se afastaria com a queixa de que Paulo traíra seus velhos ideais. Arthur já era a noiva prometida e a ela Paulo dedicou suas mais puras intenções.
O ministro se queixava de que o Orçamento estava comprometido com os carimbos da Constituição de 1988. E se os constituintes haviam feito história com aquela decisão, era chegada a hora de voltar ao panteão fazendo o inverso. “Controlar o Orçamento público é o grande desafio que pode levar este Congresso para a história”, conclamou o ministro. “A classe política não tem que andar atrás de ministro pedindo verba. Que história é essa? São os representantes da população, foram eleitos, as verbas têm que ser descentralizadas e exercidas, sem ser preciso um esforço enorme para tentar uma [emenda] impositiva para cada deputado poder ter 10 milhões ou 15 milhões de reais. Não! Há R$ 1,5 trilhão no governo”.
Paulo achou que podia contar com o novo parceiro, mas Arthur tinha outros planos. Queria mais era carimbar o que restava do Orçamento. Não bastasse o carimbo das emendas individuais, impôs o das emendas de bancada e, para o orçamento do próximo ano, ampliou a impositividade para as emendas de trator, ou melhor, de relator. Bolsonaro vetou, mas a turma de Arthur vai pra cima. Afinal, como disse o próprio Paulo naquela inesquecível tarde, “representar o povo é controlar os orçamentos públicos”. E no fim, burro é o astronauta.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/jair-paulo-e-arthur.ghtml
Maria Cristina Fernandes: Vingança é um prato que dá indigestão
O que está em curso no controle do MP é um novo pacto institucional do qual o próximo presidente pode vir a ser a principal vítima
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
Duas das iniciativas mais vistosas do Supremo e do Congresso desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o inquérito das “fake news” e a CPI da Covid, se deram, em grande parte, no exercício de funções inerentes ao Ministério Público. Talvez por isso a desidratação do MP hoje em curso no Congresso apareceu como uma adaptação da espécie ao seu habitat. Mais do que uma decorrência do arranjo vigente, porém, o que está em curso é um novo pacto institucional do qual o próximo presidente a ser eleito pode vir a ser a principal vítima.
Basta ver a força adquirida pelo STF e pelo Congresso no relatório final do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA). Ganham vagas na composição de um Conselho Nacional do Ministério Público que passa a ter o completo controle sobre os atos dos integrantes da corporação. Se a inexistência de controle franqueou a politização da corporação, aquele que agora lhe é proposto tampouco lhe permite cumprir suas funções constitucionais.
A politização do MP foi, até muito recentemente, um processo que teve a anuência das duas instituições que agora se arvoram a controlá-lo. O Supremo anuiu ao validar, por exemplo, o impedimento da nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Civil. Foi decorrência da quebra de sigilo telefônico da ex-presidente Dilma Rousseff pedida por um procurador da República e decidida por um juiz federal. E o Congresso também deu anuência aos desmandos da Lava-Jato ao cassar o mandato daquela presidente.
A realidade supera a ficção para além do bolsonarismo. Agora ambas as instituições se arvoram em seus poderes sobre o MP a partir de um projeto cuja iniciativa original nasceu de um partido apeado do poder pelo impeachment.
Como tudo no Congresso, o que era um cabresto virou uma focinheira com enforcador. Para se aquilatar a ameaça que esta aliança entre Congresso e Supremo traz para o próximo presidente tome-se, por exemplo, o que se passa com o Orçamento. Para exercer o poder a lhe ser conferido pelas urnas, o presidente precisará resgatar o governo das mãos do Congresso. Por mais parlamentares que eleja, as bancadas não trocarão nenhum ministério pelo poder de deliberar, sem dar satisfação a ninguém, sobre R$ 18,5 bilhões apenas em emendas de relator.
A única saída será recorrer ao Supremo, Corte onde dormitam em sono profundo duas ações pela inconstitucionalidade dessas emendas. Se o controle sobre o MP estivesse em pauta neste futuro próximo, o Executivo teria mais meios para repactuar as atribuições. Que o partido do candidato que lidera as pesquisas tenha tomado a iniciativa da pauta só demonstra que despreza as armadilhas do futuro ou se deixou cegar pela ânsia de vingança.
É claro que tem alguma coisa errada com um sistema de controle que, das 52 representações contra o procurador Deltan Dallagnol, dá curso a duas, sendo que uma delas foi suspensa pelo próprio Supremo. É claro também que falta transparência, prestação de contas e até um código de conduta e ética ao MP. A questão que se coloca é que a correção de rumos se dá numa conjuntura desfavorável a um arranjo institucional mais democrático.
CNMP e CNJ são irmãos gêmeos. Foram criados em 2004 para exercer controle sobre duas instituições poderosas e não eleitas. Se Deltan mal foi punido, o que dizer do ex-juiz Sergio Moro, que até candidato a presidente será?
Ampliados, os números não deixam dúvidas: tanto o controle do MP quanto o do Judiciário são imprestáveis, mas o CNJ consegue ser pior. Entre 2005 a 2019, o CNMP instaurou 137% processos a mais que seu congênere do Judiciário e aplicou um número 122% maior de penas, ainda que apenas um décimo delas tenha levado a demissão ou perda de aposentadoria.
A conjuntura de ataques frontais do presidente da República ao Supremo inibe quaisquer movimentos de correição sobre a Corte. Pesquisa da FGV-SP deixou claro que a maioria da população vê no Judiciário uma salvaguarda de seus direitos e interesses. A atuação em defesa da ciência e da federação ao longo da pandemia reforçou a centralidade da instituição para a democracia.
Mas se é preciso se curvar às evidências de que a correlação de forças é desfavorável a reformas institucionais, qual é a razão de se levar adiante a correição do MP? Se for vingança, quente ou fria, só pode dar indigestão.
Basta olhar para o que se passa com a indicação do ex-advogado-geral da União ao Supremo. A pressa do Congresso em arrochar o controle sobre o MP é inversamente proporcional ao ritmo com o qual tramita a indicação de André Mendonça. Os mesmos partidários das mudanças imediatas no CNMP não vêm problema em deixar a Corte desfalcada até 2023. Querem maximizar os ganhos possíveis na conjuntura sem concessões a um governo moribundo.
Nada melhor para o Congresso a ser eleito do que ter o poder de chancelar uma vaga dessas. É um meio de se fortalecer frente ao banho de legitimidade que qualquer presidente, saído das urnas, terá na relação com o Legislativo. O Congresso que já tem o Orçamento na mão ruma para ter uma vaga no STF logo de saída sem o incômodo de negociar o controle do MP.
Pato manco
A percepção de que André Mendonça é vítima mais dos problemas de Bolsonaro do que dos seus próprios nunca foi tão real. E se tornou ainda maior com a iminência da entrada de Moro na disputa eleitoral. No entorno do presidente, avalia-se que o potencial de votos que o ex-juiz é capaz de tirar do eleitorado lavajatista de Bolsonaro somado ao eleitor das pautas identitárias que uma eventual candidatura Eduardo Leite roubaria de Lula já seriam suficientes para tirar o presidente do segundo turno.
Vem daí, em grande parte, a pressão para a sabatina num momento em que Bolsonaro ainda é projeto de pato manco. Se perder as lideranças evangélicas que estão penduradas na vaga, pode enfrentar uma inexorável mutação de ordem animal.
Mais do que o plenário, o maior obstáculo é o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (AP-DEM). De tanto obstruir a indicação, o senador passou a enxergar em Mendonça a miragem de um ministro disposto a se vingar daquele que lhe impôs a humilhação da espera.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/vinganca-e-um-prato-que-da-indigestao.ghtml
Maria Cristina Fernandes: Aos eleitores, o inferno
Câmara desconvocou Braga Netto mas confirmou Guedes
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
A publicidade da conta em paraíso fiscal da principal autoridade econômica do país era tudo o que os dirigentes do PP que trabalham pela filiação do presidente da República poderiam almejar. A filiação traz otimismo para as ambições da legenda, que passam pelo cargo do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mas se concentram mesmo é no Orçamento de 2022. O constrangimento do ministro da Economia vem num momento tão propício que, não fosse a independência cristalina da fonte das informações que vieram à lume, daria pra pensar que foram encomendadas.
A retaguarda governista na comissão que aprovou o requerimento de convocação de Paulo Guedes era tão frágil que a defesa do ministro coube a um deputado do Novo que nem da base do presidente é. Da leitura do requerimento de convocação até sua aprovação, por 12 votos a 8, passaram-se duas horas, tempo suficiente para uma articulação capaz de transformá-la em convite, como no Senado, adiá-la ou cancelá-la, mas isso não aconteceu.
Até num governo de base mais frágil, como o da ex-presidente Dilma Rousseff, o então presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), foi capaz de anular a convocação de um ministro, Antonio Palocci, acusado, em 2011, de acumular um vertiginoso crescimento de sua consultoria. O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi ágil o suficiente para encontrar firula regimental capaz de anular a convocação do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, em abril deste ano, para explicar a picanha superfaturada na Defesa.
Guedes, porém, não teve a mesma sorte. Lira viajou para Roma enquanto todos os caminhos do ministro o levavam para o labirinto. Sua convocação foi aprovada em plenário por mais do que o dobro dos votos. O líder do PP foi o primeiro a aderir à oposição.
Nada melhor para uma Câmara que quer destelhar o Orçamento do que ter um ministro da Economia na berlinda. Não que lhe faltem pecados. Todos serão abundantemente expostos na campanha. Darão trabalho à única Pasta que funciona no governo, a da comunicação.
Nem se Jim Carville viesse comandar a campanha do presidente Jair Bolsonaro daria conta da exposição do eleitor, cuja renda é corroída por inflação de dois dígitos, às reservas financeiras protegidas do titular da política econômica. No limite, poderia recriar a máxima da campanha de Bill Clinton: não é crime, estúpido, é escárnio.
Mas qual seria mesmo o interesse do PP em colocar Guedes na berlinda? O mesmo que impera sobre a aliança. As políticas lideradas pelo partido têm conduzido o país a um buraco fiscal sem fim, mas o PP passa bem. Pode se manter como uma das maiores bancadas da Câmara em 2023 e reeleger Lira à presidência, desde que disponha de recursos para tanto.
Não está fácil. Tome-se, por exemplo, as dificuldades da MP 1055, que imporia uma conta de R$ 33 bilhões para o consumidor de energia em benefício de um único empresário. Muitos daqueles que votaram a privatização da Eletrobras o fizeram, sob desgaste, sabendo que a fatura viria. Se resistem agora a dar continuidade ao despautério é porque o modelo de repartição está em crise.
À medida que se aproxima a eleição aumenta também a cobrança de promessas não cumpridas junto à base parlamentar. Por isso, o inferno de Guedes é, no momento, a canção do paraíso. Nem que o espaço a ser conquistado no Orçamento se dê em detrimento do país. Os parlamentares ouviram de uma autoridade econômica que há U$ 13 trilhões que hoje rendem zero de juro e não vêm para o Brasil pela turbulência. A publicidade dos Pandora Papers deu ainda mais veracidade ao relato.
Do que os aliados de Bolsonaro precisam? No PP, por exemplo, calcula-se que um fundo eleitoral num total de R$ 4 bilhões, o dobro do atual, permitiria ao partido reservar até R$ 50 milhões de sua cota apenas para abrigar Bolsonaro sem desfalcar as campanhas proporcionais.
Mas as ambições extrapolam o fundo eleitoral. Se sobem o preço para realizar seus desejos é porque os parlamentares apostam na solvência do credor - o governo -, o que não significa que esta se estenda ao eleitor.
O combustível do embate
A primeira solução apresentada por Lira para a redução no preço dos combustíveis, a de uma subvenção financiada pelo Petrobras, esbarrou na resistência do general Joaquim Luna e Silva, que se mantém prestigiado, a abrir um novo rombo na estatal.
Sobrou a mudança no cálculo do ICMS dos combustíveis que deixaria de ser sobre o preço dos últimos 15 dias para incidir sobre o dos últimos dois anos - um puxadinho à altura dos tempos em que se vive.
A fartura das emendas jogou no passado remoto o tempo em que governador tinha bancada. Agora os parlamentares comandam o jogo. A ponto de quererem mexer nos impostos estaduais sem alteração constitucional.
A saída ainda colide com o Senado, que avança numa reforma tributária para mexer nisso tudo. Sua relevância não está na chance de que prospere mas no apoio de governadores, prefeitos e até de Guedes, num movimento contrário ao da Câmara.
Não se confrontam apenas duas Casas legislativas em defesa de suas prerrogativas. PP, PL e Republicanos constituem o núcleo duro da base bolsonarista, dominam a Câmara e privilegiam, acima de tudo, a formação de bancada para manter o presidente sob permanente sequestro.
O PSD, por outro lado, partido em torno do qual gira o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mantém-se próximo da sigla que emergirá da fusão DEM-PSL e, assim, também cultiva a ambição de formar um bloco de poder. Mas vai além. É hoje um dos partidos mais aplicados na montagem de palanques estaduais. Está ancorado na expectativa de ocupar espaços na federação que extrapolam a sucessão presidencial.
Agora vai
A indicação do ex-advogado-geral da União, André Mendonça, ao Supremo voltou a respirar, ainda que por aparelhos. A indicação completa três meses. E nada de sabatina. As vagas preenchidas pelos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso ficaram seis meses em aberto. A do ministro Luiz Edson Fachin, oito. Mas nesses casos o que demorou foi a indicação. Desta vez, a escolha foi oficializada quatro dias depois da saída do ex-ministro Marco Aurélio Mello. A demora é do Senado. O Congresso terá sessão dedicada ao Orçamento depois do feriado. O oxigênio de André Mendonça volta junto com a perspectiva de empenho das emendas.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/aos-eleitores-o-inferno.ghtml
Cristiano Romero: A mais difícil e a mais urgente das reformas
Todos querem mudança tributária há trinta anos
Cristiano Romero / valor Econômico
Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não sepultaram a possibilidade de aprovação da reforma tributária nesta legislatura, mas inovaram ao indicar que o tema, por bem ou por mal, será apreciado até dezembro. Como ocorreu nos últimos 30 anos, a reforma institucional mais demandada pelos agentes econômicos _ inclusive, os contribuintes pessoas físicas _ pode não sair do papel. E a razão é uma só: é impossível conciliar todos os interesses envolvidos nesse tema.
Razões para justificar mudanças no regime tributário brasileiro não faltam. O sistema taxa mais o consumo do que a renda, na contramão das economias avançadas. No 8º país que mais concentra renda no planeta, onde existem mais de 50 milhões de pessoas miseráveis (dependentes de programas de transferência de renda para sobreviver) e a maioria da população é pobre, essa regra ajuda a perpetuar uma de nossas maiores chagas.
Trata-se de uma “brasileirice” sem tamanho, típica de uma sociedade dilacerada pela cultura escravagista por mais de 500 anos: neste imenso pedaço de terra abençoado, mas esquecido por Deus, os pobres pagam mais imposto que os ricos. E isso ocorre porque, por razões óbvias, essa parcela da população consome mais, isto é, despende fatia maior de sua renda com bens de consumo e, quando a maré permite, serviços.
Incidem sobre o consumo três tributos _ o ICMS (estadual) e dois federais (PIS e Cofins) _, todos sobre a mesma base de cálculo, o faturamento das empresas que vendem os produtos. As alíquotas do ICMS são as mais elevadas. No caso de serviços como telefonia e energia, superam o patamar de 40%! Não nos esqueçamos do IPI, imposto que incide sobre a produção de bens industriais.
As “brasileirices” (sinônimo de jabuticaba) que condenam este país a não ser nação não param por aí. Neste território riquíssimo em recursos naturais onde vive um dos maiores contingentes de cidadãos pobres do mundo, indivíduos de classe média e os ricos podem deduzir, da base de cálculo do Imposto de Renda, tudo _ isso mesmo, tudo _ o que gastam em hospitais particulares e planos de saúde, inclusive, no exterior.
PRESIDENTES DA CÂMARA E DO SENADO
O raciocínio por trás dessa maldade é o seguinte: como a Constituição de 1988 assegura, a todos os viventes nesta extensão de terra no hemisfério sul da Terra, acesso universal a serviços públicos de saúde, é razoável que os transeuntes tenham o direito de requerer dedução das despesas que tiverem com serviços particulares de saúde. O cinismo _ uma “brasileirice” da qual ninguém fala, do mesmo quilate das férias de dois meses de juízes e procuradores _ chega ao paroxismo quando os defensores da vilania alegam que “a dedução é um direito, uma vez que o sistema de saúde estatal ainda não consegue atender a toda a demanda.
Se alguém tem alguma dúvida de por que o país a que chamamos de Brasil não dá certo, não precisa ir muito longe. Como os pobres não têm dinheiro para serem atendidos em hospitais particulares, eles não têm direito a deduzir nada da base de cálculo do Imposto de Renda. Os cínicos, neste momento da tertúlia, rompem qualquer fronteira do bom senso civilizacional: “Ora, pobres não pagam Imposto de Renda, logo, eles não precisam deduzir os gastos com saúde”.
Era só o que faltava: o sonho dos pobres no Brasil, agora, é pagar Imposto de Renda! Na verdade, eles já pagam, pois, já é obrigado a isso quem percebe pouco mais de R$ 2 mil por mês. Em termos menos edulcorados, o que esse sistema injusto e concentrador de renda faz é tirar bilhões de reais que deveriam financiar a saúde pública, que segundo a Carta Magna é para todos, inclusive, estrangeiros que estejam de passagem pelo país, e transferi-los para hospitais particulares e grandes empresas de planos de saúde.
Mesmo tendo consciência de que o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ter uma gestão melhor, deveríamos considerar nas duras críticas que fazemos ao serviço público o fato de que o próprio Estado abre mão de bilhões de reais para beneficiar meia dúzia de grupos de interesse específico.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os americanos perceberam-se mais importantes do que achavam antes do conflito. Essa constatação mudou tudo. Logo, viram que, para sua economia crescer na velocidade desejada, eles precisavam de uma matéria-prima _ petróleo (energia) _ que eles possuíam, mas não na quantidade necessária.
Ora, o jeito foi sair pelo mundo em busca de fornecedores “confiáveis”_ um dos principais, a Venezuela, que, até o início deste século, fornecia 20% do petróleo consumido pelos Estados Unidos. A fome americana por óleo era tanta que moldou a geopolítica mundial a partir dali. Internamente, a decisão foi desonerar o preço do combustível consumido por empresas e famílias americanas, afinal, o país precisava crescer. Taxar excessivamente a gasolina para financiar o Estado, como fizeram outros grandes produtores de petróleo (México, Venezuela, Nigéria, Arábia Saudita), seria contraproducente: aumentaria a presença do governo na atividade econômica, tornando-o ineficiente por definição; estimularia a corrupção; desestimularia o desenvolvimento de outros setores; por fim, diminuiria a produtividade, uma vez que não haveria, de forma geral, incentivos para o desenvolvimento de uma economia dinâmica.
Quando achou que tinha chegado a sua hora de reluzir na economia mundial, depois de se deitar em berço esplêndido por quatro séculos e meio, a Ilha de Vera Cruz também não tinha petróleo suficiente. Mas, o que se viu desde então foi a taxação sempre elevada dos combustíveis. Como facilitar o crescimento da atividade?
Em entrevista à Maria Fernanda Delmas, diretora de redação do Valor, Lira e Pacheco expuseram o drama infindável da reforma que não se realiza. “É óbvio que a reforma tributária guarda uma série de divergências. É sem dúvida a proposta com maior dificuldade de conciliação, de entendimento do que é bom para o país”, disse Pacheco.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/coluna/a-mais-dificil-e-a-mais-urgente-das-reformas.ghtml
Andrea Jubé: Previsão do tempo aponta dias de sol na política
Planalto pressiona por sabatina logo após 12 de outubro
Andrea Jubé / Valor Econômico
Por ironia, a cena política desanuviou justamente quando o tempo fechou em Brasília, com o início das chuvas. O clima de deserto adicionava um ingrediente a mais à longeva crise de nervos dos atores políticos na capital.
Na primeira de semana do mês não bastasse a tensão com o imprevisível 7 de setembro, o calor era de secar o espelho d’água do Congresso.
Com as entranhas expostas, auxiliares presidenciais e líderes da cúpula do Centrão não disfarçavam a irritação com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que na avaliação do grupo, não agia para distensionar o ambiente político.
“Ele é candidato a presidente [da República] e está misturando propostas de interesse do Brasil com política”, reclamou à coluna, em caráter reservado, um importante líder do Centrão.
Na véspera, 1º de setembro, o Senado havia rejeitado a Medida Provisória (MP) 1.045, que promovia uma minirreforma trabalhista. Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acusaram os senadores de descumprir acordo para aprovar a matéria.
Visivelmente contrariado, Lira avisou, após o resultado no Senado, que o projeto que reabre o programa de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis), de autoria de Rodrigo Pacheco, iria para o fim da fila na Câmara. “Vem primeiro CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços, que reformula o PIS/Cofins]. Sobre Refis, vamos esperar o Senado votar a reforma do Imposto de Renda”, desafiou.
Para agravar a tensão entre os Poderes, no dia 14 de setembro, Pacheco devolveu ao Palácio do Planalto a medida provisória que dificultava a remoção de conteúdo pelas plataformas de redes sociais. A matéria havia sido publicada na véspera do Dia da Independência como um aceno às bases bolsonaristas.
A devolução da MP foi o estopim para obrigar a ala política do Planalto, capitaneada pelos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações), a entrar em campo para afinar o diálogo com Pacheco e colocar um fim ao cabo de guerra.
Os fatos políticos recentes atestam que a movimentação surtiu efeito. Há tempos, Pacheco e o Planalto não se mostravam tão alinhados.
A sintonia é tão fina que o presidente do Senado foi eloquente na cobrança pública ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (DEM-AP), seu fiel aliado, para que agende a sabatina do ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado por Bolsonaro para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Ele [Alcolumbre] tem ciência da sua responsabilidade e da necessidade de cumprir essa missão”, cobrou Pacheco na sexta-feira, após reunião com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), liderança evangélica que apoia Mendonça.
No Planalto, com a intervenção de Pacheco, a expectativa é que Alcolumbre marque a sabatina para os dias seguintes ao feriado de 12 de outubro.
Foram explícitos os gestos do Planalto na semana passada para acalmar e reconquistar Pacheco. No dia 22 de setembro, os senadores aprovaram a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), que terá sede em Minas Gerais. A proposta contempla duplamente o presidente do Senado, porque atende pleito da bancada mineira e do segmento jurídico - base eleitoral de Pacheco.
Essa votação somente se viabilizou após o compromisso do Planalto de que Bolsonaro não vetará a matéria. De iniciativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o projeto arrastava-se desde 2019 nos escaninhos do Congresso. Na Câmara, foi aprovado em agosto do ano passado, com o compromisso de que a instalação do novo TRF ocorrerá somente ao fim da pandemia.
No dia 23 - um dia depois da aprovação do TRF-6 -, Lira finalmente anunciou o relator do Refis na Câmara: o deputado André Fufuca (MA), aliado de primeira hora do alagoano e de Ciro Nogueira. Fufuca assumiu a presidência interina do Progressistas (PP) quando Nogueira se licenciou para se tornar ministro. O projeto terá tramitação célere e vai direto para o plenário.
O Planalto também espera que Pacheco ajude a convencer o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) a não atrasar a votação da reforma do Imposto de Renda na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Nos bastidores, a bancada da Bahia cobra o aval do Tesouro Nacional a um empréstimo de centenas de milhões para o governo estadual.
Faz sol na política, mas as cigarras estão cantando furiosas em Brasília. O canto delas atrai mais chuva, e, via de regra, relâmpagos e trovões.
Cunha faz escola
Se não compor, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, vai encostar no recorde do ex-deputado Eduardo Cunha em protelar assuntos de interesse máximo do Planalto no Congresso. Há 41 dias Alcolumbre cozinha o governo em banho-maria ao não agendar a sabatina de André Mendonça.
Em 2007, ascendendo na carreira, Cunha foi designado relator da proposta de emenda constitucional (PEC) que prorrogava a CPMF e a desvinculação de recursos da União, a DRU - prioridade zero do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Cunha levou 45 dias para apresentar, em 13 de julho, um parecer desfavorável ao governo, que previa que a arrecadação de cerca de R$ 40 bilhões com o imposto fosse dividida pela União com Estados e municípios.
Nos bastidores, Cunha cobrava o cumprimento de acordo celebrado com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). No livro de memórias “Tchau, querida!”, o ex-líder do MDB conta que em troca do apoio da bancada à sua eleição, o petista assegurou que a bancada do MDB do Rio de Janeiro indicaria o presidente de Furnas.
Diante do impasse, em 1º de agosto, Lula convidou o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, filiado ao MDB, para assumir a presidência de Furnas. Finalmente, em 15 de agosto - 78 dias após a nomeação de Cunha para a relatoria - ele alterou o parecer e a PEC foi aprovada sem prejudicar o governo. Depois, contudo, o governo acabou derrotado no Senado.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/previsao-do-tempo-dias-de-sol-na-politica.ghtml
Bruno Carazza: Muita água a passar por debaixo da ponte
Pesquisas a um ano das eleições dizem muito pouco
Bruno Carazza / Valor Econômico
Em 4/12/1988, Fernando Collor sequer aparecia nas pesquisas para as eleições presidenciais que iriam se realizar no ano seguinte. Nesse dia o Datafolha apontava Brizola na liderança, seguido de perto por Lula ou Silvio Santos, a depender do cenário.
A um ano da disputa de 1994, Lula ocupava confortavelmente a primeira colocação (31%), com quase o dobro das intenções de voto de José Sarney (16%). Fernando Henrique àquela altura amargava o quinto lugar, com 7%, atrás ainda de Maluf (12%) e Brizola (8%).
Com a emenda da reeleição aprovada, FHC surfava na onda do Plano Real e apareceu, em setembro de 1997, com ampla folga em relação a Lula: 37% a 22%. Maluf tinha 13%, Sarney 11% e o estreante Ciro Gomes apenas 5%.
Quatro anos depois Lula já surgia com chances de finalmente vencer uma eleição presidencial: com 30%, o petista estava bem à frente de Ciro (14%), Roseana (12%), Itamar (11%) e Garotinho (9%). Serra, que seria derrotado por Lula no segundo turno um ano depois, tinha apenas 7% da preferência dos entrevistados.
Como todos sabem, Lula chegou ao Planalto em 2003, mas em 23/10/2005 ele vivia seu inferno astral. No auge do escândalo do mensalão, sua popularidade despencou a ponto de ficar tecnicamente empatado com Serra (30% a 27%), causando a impressão de que sua reeleição estaria ameaçada. No fim das contas, Serra não disputou o pleito de 2006, e Lula acabou derrotando Geraldo Alckmin (que àquela altura tinha 16% nos levantamentos do Datafolha).
Sem Lula no páreo, em dezembro de 2009 as pesquisas indicavam a liderança de Serra (37%), bem à frente de Dilma (23%), Ciro (13%) e Marina (8%). Deu Dilma.
E quando a petista foi buscar um novo mandato, sua liderança a um ano da campanha de 2014 era bastante sólida. Com 40% em média nas pesquisas, tudo indicava que ela bateria com facilidade Marina (que tinha em torno de 30%), Serra (20 a 25%) ou Aécio (20%), e Eduardo Campos (15%). Ninguém imaginava que a disputa do ano seguinte seria tão equilibrada nos dois turnos - sem falar no trágico acidente que vitimou o então governador pernambucano.
Para completar o quadro, faltando um ano para as eleições de 2018, o Brasil vivia a indefinição jurídica se Lula poderia ou não se candidatar, pois estava preso em Curitiba. Traçando oito cenários diferentes (!), o Datafolha indicava que a vitória ficaria entre o petista (se ele pudesse concorrer) ou, em caso alternativo, com Marina Silva. Naquele momento, 1/10/2017, em todos os prognósticos Bolsonaro já despontava como presença provável no segundo turno, com quase 20% de apoio.
Bolsonaro surpreendeu ao chegar ao poder com um partido nanico e poucos segundos de propaganda eleitoral, sem alianças nos Estados e com uma arrecadação baixíssima para os padrões brasileiros.
A principal conclusão dos números acima é que as pesquisas de intenção de votos, realizadas com um ano de antecedência, não servem como guia confiável para o resultado definitivo das urnas.
Parafraseando os panfletos de aplicações financeiras, desempenho passado não é certeza de ganho futuro. Pesquisa eleitoral é fotografia de momento. Além da estratégia, carisma, propostas e alianças de cada candidato, uma série de outros fatores podem afetar a dinâmica das campanhas, do desempenho da economia à eclosão de escândalos de corrupção, sem falar na contribuição do imponderável.
Nos últimos tempos, vários balões de ensaio foram testados buscando replicar aquilo que seria “o novo normal” da política brasileira pós-Bolsonaro 2018. Sergio Moro, Luciano Huck, Luiza Trajano e agora Datena - todos foram cogitados como alternativa de fora da política, se valendo de popularidade nas redes sociais para alavancar intenção de voto; e aparentemente nenhum deles se viabilizou.
Há um ano das eleições, o quadro vai se consolidando no sentido de que não teremos nenhuma surpresa na urna eletrônica em 2022. Todos já sabemos quem é Bolsonaro, suas ideias e seu modo de governar. Como alternativa, o eleitor deverá contar com Lula, Ciro e um tucano (Doria ou Eduardo Leite). Os demais nomes colocados, todos também advindos da política tradicional, aparecem mais como opções para compor as chapas dos anteriores; parece ser o caso de Simone Tebet, Mandetta, Pacheco, Alessandro Vieira, entre outros.
Mas se engana quem acredita que as pesquisas citadas acima não enviam mensagens para o futuro.
Bolsonaro inicia o ano final de seu mandato com a mais baixa intenção de voto entre todos os presidentes que se reelegeram - FHC tinha 37% em 2001, Lula em torno de 30% em 2009 e Dilma possuía uma média de 40% em 2013, frente aos 25% do atual presidente. A depender de como seu governo vai lidar com a grave crise econômica e a ameaça de apagão, suas chances de chegar competitivo em 2022 podem estar ameaçadas.
Lula, por sua vez, posiciona-se como candidato pela sétima vez (se contarmos com 2018, quando ele foi impedido de disputar) e nunca teve um percentual tão alto de preferência do eleitor nesta altura do campeonato. Seus mais de 40% de agora, portanto, estão mais para teto do que para piso, ainda mais porque Lula ainda não foi confrontado pela imprensa a explicar os escândalos de corrupção e a crise econômica deixados pelas administrações petistas.
Da parte de Ciro, seu desafio é o mesmo desde quando ele se colocou como aspirante a um lugar no Palácio do Planalto pela primeira vez, em 1998: superar a barreira dos 10% das intenções de voto e se mostrar realmente competitivo.
Por fim, resta a opção tucana. A ideia de marcar prévias inéditas constitui a última chance de fazer algum de seus postulantes à Presidência ganhar projeção e se mostrar viável no ano que vem. Ao se mostrarem nacionalmente nos próximos dois meses, digladiando em debates transmitidos pela TV e pela internet, Doria ou Eduardo Leite tentarão repetir a façanha de FHC em 1993 ou Serra em 2001 - sair de um dígito a um ano do pleito e alcançar pelo menos o segundo turno na hora do vamos ver. Mas sem Plano Real.
A se fiar pelas pesquisas das últimas oito eleições, tudo ainda pode acontecer - inclusive nada.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/muita-agua-a-passar-por-debaixo-da-ponte.ghtml