vacinação

Armando Castelar Pinheiro: Economia das narrativas

Três narrativas em 2021: desaceleração com o fim do auxílio, retomada com vacinação e choque temporário da inflação

De acordo com o dicionário Merriam-Webster, uma narrativa é “uma forma de apresentar ou compreender uma situação ou série de eventos que reflita e promova um particular ponto de vista ou um conjunto de valores específicos”. Essa definição está no instigante livro de Robert Shiller, “Narrative Economics” (Princeton University Press, 2019). Como indica o título, o livro é uma grande análise das narrativas econômicas, que expande a palestra proferida no encontro de 2017 da Associação Americana de Economia (bit.ly/38mq5SX). Nesta, o autor observa que o “cérebro humano tem sido sempre altamente sintonizado com narrativas, factuais ou não, para justificar ações em curso, mesmo ações tão básicas como gastos de consumo e investimentos. Histórias motivam e conectam atividades a valores e necessidades profundamente enraizadas”.

O objetivo de Shiller é construir um referencial teórico sobre como as narrativas influenciam o comportamento dos agentes econômicos e como isso, por sua vez, determina o que ocorre na economia. A obra que se encaixa, portanto, no campo mais amplo da Economia Comportamental, a cujos conceitos Shiller recorre em diferentes partes do livro. É o caso, por exemplo, do conceito de “framing”, que enfatiza a influência da forma como as coisas são apresentadas (“framed”) nas decisões tomadas pelos agentes econômicos.

De fato, uma narrativa nada mais é que uma forma de apresentar e organizar as informações que circulam em certa comunidade, sejam elas verdadeiras ou não. Ou, como define o próprio Shiller, “narrativas são construções humanas que são misturas de fato, emoção, interesse humano, e outros detalhes estranhos que formam uma impressão na mente humana”.

Ao contrário do que ocorre nos trabalhos mais tradicionais de Economia Comportamental, porém, o foco de Shiller é a macroeconomia e, em especial, os ciclos econômicos. Assim, como ele coloca, “uma proposição chave deste livro é que as flutuações econômicas são substancialmente impulsionadas pelo contágio de variantes simplificadas e facilmente transmissíveis de narrativas econômicas. (...) Como com as epidemias de doenças, nem todos ficam infectados. (...) Mas em uma epidemia histórica, para a maioria das pessoas a narrativa será fundamental para suas razões para fazer, ou não fazer, coisas que afetaram a economia”.

Assim, a estrutura de análise utilizada no livro é: surge uma narrativa econômica que organiza ou confirma ideias e sentimentos ou paixões que flutuam na sociedade. Essa narrativa em algum momento é expressa publicamente por uma celebridade e isso gera um surto semelhante ao de uma epidemia, fazendo a narrativa se espalhar e influir no comportamento de um número grande o suficiente de pessoas para afetar o que ocorre na economia.

O livro ilustra esse argumento com diferentes exemplos, incluindo bolhas e recessões. Mas a proposta central não é tanto identificar e analisar narrativas que ajudem a entender fenômenos históricos, mas sim propor que uma metodologia como essa ajudaria a prever o que vai ocorrer à frente. Ou seja, que ao pensar o futuro não devemos olhar apenas preços e restrições econômicas, mas também as narrativas que podem vir a moldar o comportamento dos agentes econômicos.

Pensando no Brasil, por exemplo, eu enxergo três narrativas que podem exercer esse tipo de influência em 2021. Uma é que o fim do Auxílio Emergencial levará a uma significativa desaceleração da economia. Essa narrativa já parece influenciar a confiança de consumidores e empresas, o que pode levar a uma profecia auto-realizável, se desencorajar compras e investimentos. O Congresso, porém, parou de discutir a extensão do Auxílio, o que diminuiu a frequência com que o tema aparece na imprensa e isso vai enfraquecer a propagação dessa narrativa.

Uma segunda narrativa, na direção contrária, é a da recuperação econômica que virá com a vacinação e o controle da pandemia. Esta ainda é, por ora, uma narrativa do mercado financeiro, mas ela deve se disseminar conforme a primavera chegue no Hemisfério Norte. Veremos muitas histórias de consumo e, penso, uma narrativa se desenvolverá de que é justificado “exagerar” no consumo no pós pandemia, em especial de serviços.

A terceira narrativa diz respeito à alta dos preços. O Banco Central (BC) tomou a dianteira, argumentando que os 6% de inflação esperados para meados de 2021 são um choque temporário. Esse é um exemplo de algo que Shiller não enfatiza, mas que é uma conclusão direta de sua análise: que a construção e disseminação de narrativas é uma forma como o governo pode fazer política pública. Ainda que pense que o BC está certo em propor essa narrativa, acredito que ele enfrentará uma forte corrente de narrativas contrárias, já iniciadas por celebridades do mercado financeiro, que reportam uma maior preocupação com o controle da inflação em 2021. Preocupação para a qual vão concorrer, no segundo semestre, as pressões advindas da retomada do setor de serviços.

2020 foi um ano muito difícil para todos. Que o Natal e 2021 nos tragam muita felicidade. Sem receio de exagerar!

*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ


Hélio Schwartsman: Desigualdade vacinal

Podemos e devemos fazer é afastar pelo voto ou outro meio legal dirigentes que falharam em proteger seus governados

Numa era que abomina desigualdades, nenhuma delas poderia ser mais vital do que a diferença no acesso a vacinas contra a Covid-19. Enquanto a União Europeia já contratou imunizantes para inocular toda a sua população duas vezes, o Reino Unido e os EUA, para quatro, e o Canadá, para seis, vários países pobres ou remediados ficaram chupando o dedo.

Não é a face mais nobre da humanidade, mas o fenômeno era esperado. Apenas repete em escala biofarmacológica o que já víramos acontecer na disputa por respiradores no início da pandemia.

Nem vejo muito como recriminar os governantes dos países que açambarcaram o mercado. Eles, afinal, não foram a uma gôndola de supermercado e levaram para casa muito mais víveres do que serão capazes de consumir. Só acumularam tantas doses porque, diante das incertezas que cercavam e ainda cercam as vacinas, diversificaram suas apostas —o que é bem básico.

Quando esses dirigentes firmaram seus acordos, ainda não se sabia quais imunizantes funcionariam e quais seriam descartados no meio do processo. Também não havia clareza em relação à eficácia de cada um deles e aos prazos de entrega.

O fato, porém, é que o Canadá não vai vacinar seus cidadãos seis vezes no próximo par de anos, de modo que há uma sobra de imunizantes contratados. O destino que o país dará a eles pode fazer a diferença entre uma atitude, digamos, fominha e uma posição ética. O ideal é que essas nações que adquiriram mais vacinas do que usarão doem o excedente a países pobres.

Embora sempre possamos sonhar com um mundo igualitário, em que os habitantes do Sudão receberiam vacinas no mesmo dia que canadenses, não devemos ver nada parecido tão cedo, e não me parece que devamos condenar os governantes que se mostraram capazes de proteger seus governados. O que podemos e devemos fazer é afastar pelo voto ou outro meio legal os dirigentes que falharam nessa missão.


Carlos Andreazza: A semana do presidente

Isto é Jair Bolsonaro. O que planta descrença, difunde desconfiança, atenta contra o pacto social que fundamenta nossa rede de imunização

A semana passada foi especialmente rica em manchetes oferecidas — forjadas — pelo presidente da República. Acuado, Jair Bolsonaro disparou. É o que faz. Ameaçado, reage com novos graus de irresponsabilidade. Provoca. Agride. Trai. Mente. Conspira. Comete crimes. Promove conflitos. Dedica-se ao seu nós contra eles total — obra por meio da qual será capaz de atiçar policiais contra o inimigo jornalista. Obra por meio da qual transformou uma vacina — a chinesa, a comunista — em inimiga da liberdade.

Isto é Bolsonaro. Aquele que, sob pressão, espalha-se para lançar estímulos em direções diversas; para difundir pautas-isca, apostando em que o volume de suas descargas resulte num conjunto de reações difusas que embaralhe a hierarquia das gravidades.

São muitas as gravidades. Uma maior que as outras, porém. Óbvio que o Bolsonaro particularmente cafajeste dos últimos dias é produto do caso Abin. Evidente que seu último pacote de barbáries pretendeu também dissolver em boçalidades as novas revelações sobre o que seria a privatização da Agência Brasileira de Inteligência pela sua família. Nada se soube de mais comprometedor — de mais perigoso para Bolsonaro — numa semana em que galgou novos parâmetros em sua pregação antivacina.

O caso Abin: uma apuração jornalística, da revista “Época”, informou-nos que um órgão de Estado — aparelho de inteligência impessoal a serviço da Presidência — teria operado, com relatórios, para orientar a defesa do filho do presidente numa investigação relativa ao tempo em que Flávio Bolsonaro era deputado estadual. Escândalo a que se somou a notícia, pela revista Crusoé, de que haveria — dentro da agência — uma espécie de Abin do B trabalhando, à margem da estrutura convencional, pelos interesses de Bolsonaro e turma.

Então, para embaçar: onda e espuma. Também para camuflar a imposição do mundo real — seu governo, derrubando-lhe a palavra-veto, terá de comprar a vacina do Doria — à sua mistificação de macho-mito: onda e espuma.

Impressiona que ainda haja quem se surpreenda com Bolsonaro. Ingenuidade pela qual ele é gratíssimo; e que explora com engenho e arte. Por exemplo: em visita à Ceagesp, chocou os bocós liberais retardatários que, em dezembro de 2020, creem em que este governo privatizará alguma coisa. Nem a Ceagesp! Oh! Fomos traídos...

Em que planeta vivem? Como nenhum entre os limpinhos percebeu que o populista-estatista manipularia os manés liberais-só-na-economia para promover uma das facetas do grande estelionato eleitoral que aplica há quase dois anos? É como acreditar que de uma jaqueira pudesse cair uva. Como se um sujeito que engordou aboletado no sofá do Estado — um tipo que constituiu família, que ergueu bem-sucedida empresa familiar, dentro do Estado — pudesse se mover para diminuir a superfície que lhe enche e ampara a pança. Oh! Fomos enganados!

O presidente anunciou também que não montará o novo partido. Que não fundará o tal Aliança pelo Brasil; e que deverá se filiar a um já existente, decerto uma dessas legendas de aluguel que lhe assegurariam a escada formal para poder disputar a reeleição. Ah! Quem poderia imaginar que um notório depredador da democracia representativa — uma força destruidora que prosperou explorando a criminalização da política — não fosse investir na construção de um partido? Oh!

Também nos informou que Fabrício Queiroz pagava suas contas e que os R$ 89 mil que o amigo, amigo também de milicianos, depositou na conta da primeira-dama Michelle eram para ele — e que aquilo, aquela merreca, não poderia ser considerado propina. Ocorre que ninguém disse que a transação consistiria em pagamento de propina.

Como faz com frequência, Bolsonaro respondeu, com indignação, a uma acusação jamais feita. É mestre nisso; em criar uma falsa imputação, um falso problema, como o da vacinação obrigatória, e lhe responder com energia. Concebe um mundo paralelo — no qual estará sempre com a razão. Ninguém pode ser forçado a se vacinar — e assim brigará contra tirano inexistente. Com o que desvia a verdadeira questão: Queiroz foi denunciado como operador de um esquema de peculato havido no gabinete de Flávio Bolsonaro, tendo sido o mesmo Queiroz a fazer depósitos na conta da mulher do presidente. Essa é a fotografia no mundo real; a pergunta sendo: de onde veio o dinheiro depositado na conta de Michelle Bolsonaro?

Nenhum, porém, entre os atos graves encenados para diluir-distorcer a gravíssima investigação sobre a captura da Abin pela famiglia, teve maior gravidade do que o presidente da República declarar que não se vacinará. Foi o investimento desinformante mais violento em sua campanha — genocida – de dilapidação de nossa cultura vacinal. Isto é Jair Bolsonaro. O que planta descrença. Difunde desconfiança. Atenta contra o pacto social que fundamenta nossa rede de imunização — atentado que não apenas chama de volta o sarampo, mas também mina as bases de uma teia que costura mesmo, na prática, a própria ideia de República entre nós.

Essa malha de confiança — que alinhava a nação (como o sistema eleitoral) — é empecilho para o autocrata tanto quanto lhe será impulso ter uma Abin, uma Polícia Federal, particular.


Fernando Gabeira: Uma vacina contra a estupidez

A dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu

Com a vacina no horizonte, a dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu. Tornou-se apenas uma memória no meu sangue, na forma de IgG reagente. Um retrato na parede, como dizia Drummond.

Pouca febre, muita dor de cabeça: é bom vencer uma batalha, mesmo sabendo que, no final, perde-se a guerra.

Ainda assim, estarei na fila da vacina. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas a Covid-19 tem negado essa crença popular.

Bolsonaro está tirando o bumbum da seringa. E o faz em situações diferentes. Em primeiro lugar, quer que as pessoas assumam um termo de responsabilidade ao tomar a vacina. Ele não leu a Constituição no trecho que afirma que a saúde como direito de todos é dever do Estado.

Em segundo lugar, afirma que não vai se deixar vacinar e ponto final. Em muitos lugares do mundo, os estadistas se vacinam em público para estimular as pessoas. Obama, Clinton e Bush se dispuseram a isso. O vice-presidente dos EUA o fez. A rainha da Inglaterra espera na fila de vacinação.

Depois de muito resistir à CoronaVac, que chama de vacina chinesa, Bolsonaro decidiu autorizar o general Pazuello a comprá-la, no Instituto Butantan.

Aqui, o movimento de tirar o bumbum da seringa é mais sutil. Ele percebeu que não será fácil conseguir vacinas rapidamente, além da CoronaVac. E o exame cotidiano das pesquisas mostra que a incapacidade de oferecer vacinas derrubará seus índices de popularidade.

A ideia de sabotar a CoronaVac não era boa. Na década de 1980, no auge da epidemia de aids, o governo francês sabotou uma técnica de exame de sangue, formulada pelo Abbott. Havia uma iniciativa semelhante, porém mais atrasada, no Instituto Pasteur.

Quando se descobriu que o governo empurrou com a barriga a licença de uma técnica que salvaria muitas vidas, foi um deus-nos-acuda. Famílias de hemofílicos entraram na Justiça, houve até uma tentativa de explodir uma bomba. Para simplificar a história: dois diretores do Centro Nacional de Transfusão de Sangue foram condenados a quatro e dois anos de cadeia. São eles Michel Garreta e Jean-Pierre Allain.

Em síntese: atrasar por razões políticas uma vacina que possa salvar vidas dá cadeia. É importante que os militares da Anvisa saibam disso. O próprio general Pazuello também deveria entender. Se for difícil para ele, sempre haverá alma caridosa para explicar com desenhos e animação.

Outro dia, vi nas redes um vídeo em que o general Pazuello, numa festa, cantava “Esperando na janela”. O ministro da Saúde cantando numa festinha, em plena pandemia, é sempre estranho. Pazuello já teve Covid. Foi tratado com todos os recursos disponíveis, não lhe faltou leito.

Ao dizer em discurso que não entende a ansiedade de todos nós, ele se esquece de milhões de pessoas que têm medo de não encontrar vaga em hospital, medo da falta de ar, medo de ser intubadas, medo da morte.

A frase de Pazuello é a versão edulcorada do “país de maricas” que Bolsonaro enunciou num dos seus discursos no Planalto. No fundo, são pessoas que não entendem o medo em nossa economia psíquica, muito menos as qualidades do feminino. Associam ideias estupidamente.

Percebo agora como subestimei o perigo que Bolsonaro representava em 2018. Calculava apenas a ameaça à democracia e contava com os clássicos contrapesos institucionais: STF e Congresso, imprensa. Não imaginei que um presidente poderia enfrentar uma tragédia como o coronavírus ou precipitar dramaticamente a tragédia anunciada pelo aquecimento global.

Os Estados Unidos passaram por um flagelo semelhante e o superaram, apesar das marcas. A versão tropical é mais devastadora, não só pela profundidade da ignorância de Bolsonaro, mas também pelas circunstâncias.

Trump deixa os Estados Unidos com pelo menos uma vacina produzida nos EUA e quantidade de doses contratada suficiente para imunizar o país. No seu lugar, entra Biden: consciência ambiental e sintonia absoluta com a ciência no combate ao coronavírus.

Não tenho dúvidas de que também vamos acordar do pesadelo. Mas uma importante tarefa, assim como aconteceu com uma geração de intelectuais alemães no pós-guerra, será estudar as causas disso tudo: as raízes no imaginário nacional que nos tornam tão vulneráveis à barbárie, tão seduzidos pelo discurso da estupidez.


Ricardo Noblat: Taokey, Jair Bolsonaro, você venceu!

Sociedade com o vírus pouco custou ao presidente até agora

Morreram quase 187 mil pessoas? Mais de 7 milhões foram infectadas? E daí? Quem tiver que morrer, morrerá. A pandemia só chegará ao fim depois que o vírus contaminar mais de 75% da população. É assim que o presidente Jair Bolsonaro sempre pensou desde quando o então ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, o pressionava para combater a pandemia. E assim será.

O governo não tem pressa em comprar vacinas. Ou melhor: gastar com vacinas, seringas, agulhas. Foi o próprio presidente da República quem o disse numa conversa com seu filho Eduardo, o Zero Três, deputado federal, lobista de empresas americanas de armas, o embaixador do Brasil em Washington que tentou ser, mas deu ruim. A natureza de Bolsonaro não mudou nem mudará.

Só tirou Abraham Weintraub do Ministério da Educação porque se sentiu ameaçado por um processo de impeachment. Weintraub havia sugerido a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, “esses vagabundos”. Como prêmio de consolação, ganhou uma diretoria do Banco Mundial nos Estados Unidos. Salário em dólar. Aí começou a farsa de que Bolsonaro iria trocar de pele.

Dizia-se que, assustado, ele aprendera a respeitar a Justiça e o Congresso, escolhera o diálogo como principal instrumento de governo e decidira compartilhar o poder com os partidos. Tudo como fizeram seus antecessores. Finalmente, um presidente normal, e não um destruidor do sistema como ele se pretendia. A democracia estava salva. Aleluia, irmãos! Deus é pai!

Mas no final de maio último, Fabrício Queiroz, amigo há 40 anos de Bolsonaro, designado por ele para tutelar Flávio, o Zero Um, na Assembleia Legislativa do Rio, foi descoberto e preso numa casa no interior de São Paulo do advogado Frederick Wassef. Advogado de quem? Ora, de Flávio e do seu pai, embora os dois jurem de mãos postas que jamais souberam que Wassef escondia Queiroz.

Então o presidente normal ou normalizado reuniu ministros militares e anunciou que estava disposto a fechar o Supremo Tribunal Federal. Para tanto, talvez bastasse um cabo e dois soldados como Eduardo sugeriu. Não houve golpe porque, consultados, os chefes das Forças Armadas tiraram os deles das seringas. É no que dá ser um país de maricas…

Até o momento, não há plano estratégico do Ministério da Saúde para o enfrentamento da segunda fase da pandemia do coronavírus, concluiu uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União e apresentada no dia 8 deste mês. Falta a entrega de equipamentos de proteção individual, respiradores, kits de testes e sobram irregularidades em contratos assinados.

Não haverá vacina para todo mundo como Bolsonaro tem prazer de repetir. Estados Unidos e Inglaterra já começaram a vacinar. Chile e Colômbia começarão a vacinar em janeiro. A Índia prevê que terá vacinado 300 milhões de pessoas até agosto. É mais gente do que há por aqui. Bolsonaro tem 20 bilhões de reais para arcar com tudo isso, mas prefere pôr em dúvida a eficácia das vacinas.

Em poucos dias, 59 milhões de brasileiros deixarão de ter direito ao auxílio emergencial criado para atenuar os efeitos da pandemia. Isso quer dizer que, dos 68 milhões que receberam o auxílio de abril para cá, apenas os 19 milhões inscritos no programa Bolsa Família continuarão a contar com alguma ajuda do governo. Sem o benefício, 24 milhões de brasileiros voltarão à pobreza extrema.

E daí? E daí que Bolsonaro está pouco ligando porque para ele vidas pouco importam. Está mais preocupado em eleger os próximos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para poder aprovar, ali, propostas que lhe assegurem o apoio da parcela dos brasileiros, estimada em mais de 50%, que o isenta de responsabilidade pelas mortes que o vírus provocou.

Uma vez que preserve o apoio da metade dessa parcela, terá lugar garantido no segundo turno da eleição presidencial de 2022. E aí seja o que Deus quiser.


Vinicius Torres Freire: Como pode ser a vida depois das primeiras vacinas de Covid-19

Se vacinação e distanciamento funcionarem, vida passa a melhorar no meio do ano

Em abril, o número de mortes por Covid-19 em São Paulo deve começar a cair graças à vacina, se der certo o plano do governo paulista. Com base em premissas otimistas, a vacinação pode derrubar o morticínio em 64%. Atualmente, morrem 154 pessoas por dia no estado; em abril, morreriam então mais de 50 (no início de novembro, eram 85 mortes diárias).

Os números importam, mas dizem pouco sobre como pode ser a vida depois da primeira onda de vacinação: ainda difícil. Até 22 de março, terão sido vacinadas pessoas com mais de 60 anos, gente da saúde, indígenas e quilombolas, nove milhões de pessoas, apenas um quinto da população.

Mas, com vacina e com os cuidados de distanciamento que tomávamos em outubro, poderíamos reduzir o número de mortes diárias à casa da dezena em meados de 2021. Se a Coronavac também evitar contágios, a menos ainda.

As vacinas derrubariam o número de mortes em abril porque em grande parte seriam aplicadas no grupo que padece mais da doença. Cerca de 77% dos mortos em São Paulo tinha 60 anos ou mais. Quase 0,5% dessa população morreu de Covid-19, uma pessoa em duzentas, um horror.

A hipótese otimista depende de premissas esperançosas sobre taxa de vacinação e da eficácia da Coronavac.

Supôs-se que a eficácia dessa vacina seja de 86%, similar à da sua prima Sinopharm, número até agora não publicado com rigor técnico, porém. Supôs-se ainda que sua efetividade na vida real seja idêntica à da eficácia na fase de testes. Supôs-se também, de modo heroico, que a Coronavac seja aplicada em tantos idosos quanto aqueles que receberam a vacina de gripe no ano passado (97,6%, em São Paulo). Mas Jair Bolsonaro faz campanha criminosa de desmoralização da vacina. Pode ser que a adesão caia para 75%.

Eficácia e efetividade de 86% significa que uma de cada sete pessoas vacinadas estará sem proteção. Os hospitais ficarão menos cheios, mas o risco individual ainda será relevante.

Por eficácia entende-se por ora a capacidade da vacina de proteger as pessoas dos efeitos graves da doença. Não se sabe se as vacinas disponíveis evitam (ou limitam) a transmissão. Cientistas acreditam que, em alguma medida, as vacinas em geral possam limitar o contágio. Isto é, fazer com que o vacinado e infectado espalhe menos o vírus. Assim, mesmo sem terem sido vacinadas, menos pessoas adoeceriam, tudo mais constante. Por tabela, haveria menos padecimento econômico.

Tão cedo não haverá informação sobre isso. Será preciso acompanhar grupos de vacinados por uns quatro meses, fazendo testes de contaminação algo complicados.

Em suma, em abril a vida ainda estará prejudicada. Para diminuir o prejuízo, será preciso vacinar o grupo de 40 a 59 anos, que conta quase 20% das mortes (e equivale a 27,5% dos paulistas).

A fim de conter a tragédia educacional, social e psicológica do fechamento das escolas, talvez seja preciso vacinar os 470 mil professores do ensino básico (e quantos mais funcionários de apoio?). Não haveria vacina bastante na primeira rodada. Uma segunda rodada de mesmo tamanho e velocidade da primeira estaria completa apenas em fins de maio.

Até abril ainda estaremos sujeitos a um aumento pavoroso do número de mortes. Até agora, não temos vacina. Assim que tivermos, não podemos dar ouvidos a genocidas. Temos de nos vacinar tanto quanto nas campanhas antigripe e seguir os cuidados que em outubro ajudaram a reduzir o morticínio. Com menos casos, talvez enfim possamos testar, rastrear e isolar os doentes.

Há jeito de dar cabo da peste.


Hélio Schwartsman: Guerra, militares e boas histórias

Se desempenho de oficial à frente da Saúde equivale ao de nosso Exército, então Bolívia pode conseguir saída para oceano Atlântico

Na tentativa de entender melhor a cabeça dos militares, que ocupam espaço cada vez maior no governo brasileiro, comprei, baixei e comecei a ler "War" (guerra), da historiadora Margaret MacMillan. Não me arrependi.

A tese central da autora é simples. A guerra é muito mais central para o ser humano do que estamos dispostos a admitir. E ela não serve só para matar gente. Muitos dos avanços científicos, tecnológicos e até de organização da sociedade resultaram de conflitos. O forte do livro, porém, não são teorias, e sim as boas histórias que conta sobre guerras, militares e os que teorizaram sobre isso.

Examinemos o caso da intendência. O general alemão Erwin Rommel não foi nada ambíguo em relação ao que achava dela: "A condição essencial para um exército ser capaz de suportar batalhas é um estoque adequado de armas, combustível e munição. Na verdade, as batalhas são travadas e vencidas pelos oficiais de intendência antes de os tiros serem disparados".

E, se sempre foi vital garantir armas a guerreiros, a intendência ganhou ainda mais importância nos conflitos modernos. Foi a introdução de serviços de higiene, como a lavanderia, na 1ª Guerra que fez com que, pela primeira vez, doenças não causassem mais baixas que o fogo inimigo.

A intendência alterou a natureza do conflito, já que permite que ele tenha duração indeterminada. Nas batalhas antigas, a peleja não podia ir além da comida disponível nas imediações. Pior, ao fazer a ligação entre a capacidade de produção de um país e sua performance na guerra, a logística borra a distinção entre alvos legítimos e ilegítimos. O operário civil de uma fábrica de uniformes pode ser abatido?

Bolsonaro entregou o Ministério da Saúde a um oficial de intendência. Se seu desempenho à frente da pasta é representativo do de nosso Exército, então a Bolívia poderá conseguir sua tão sonhada saída para o mar, pelo Atlântico...


Bruno Boghossian: Bolsonaro acena a policiais e militares recém-formados em busca de afinação política

Só em dezembro, presidente foi a seis cerimônias de formação e visitou alunos de um curso da Abin

Jair Bolsonaro participou de seis cerimônias militares e policiais só em dezembro. Foram formaturas de aspirantes das Forças Armadas, a conclusão do curso de delegados da PF e um evento de soldados da PM do Rio. Como bônus, o presidente ainda visitou alunos de pós-graduação da Abin, no início do mês.

Não fosse a frequência de compromissos (um a cada três dias), não haveria nada particularmente espantoso na agenda. Afinal, o presidente fez carreira como um sindicalista dessas categorias e manteve o perfil depois de chegar ao Palácio do Planalto. Esses eventos, no entanto, cumprem uma função adicional.

Os acenos de Bolsonaro têm todas as características de um trabalho para costurar uma coalizão política com integrantes das forças militares, das polícias e dos órgãos de inteligência. Nesse movimento, o presidente investe em agentes e oficiais em formação –grupos em que seus impulsos radicais costumam ter mais aderência do que nas cúpulas.

Na sexta (18), Bolsonaro se sentiu confortável o suficiente para jogar 845 policiais recém-formados contra jornalistas, que ele trata como inimigos pessoais. "Não se esqueçam. Essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pense dessa forma antes de agir", discursou.

Para conquistar a simpatia, o presidente oferece prestígio, alinhamento de discurso, abertura de concursos e apoio financeiro. No último item, estão desde a proteção dos orçamentos dos órgãos e a blindagem de categorias na reforma da Previdência até promessas miúdas. Num evento recente, ele pediu a parlamentares que dobrassem a diária de soldados que trabalham em obras públicas.

Em troca, Bolsonaro conquista uma afinação política dentro de instituições que deveriam se manter independentes. Em março, a ameaça de motins policiais pelo Brasil guardava uma sintonia nítida com o bolsonarismo. Na última segunda (14), os novos delegados da PF chamaram o presidente de mito e se referiram a ele como "instrumento de Deus".


Janio de Freitas: Os mortos de um e os mortos de outro

A última semana, como um início de cerco a Bolsonaro, deu-lhe os ares e os atos de desespero

 “Periculosidade social na condução do cargo”. Uma qualificação judicial que parece criada para resumir as razões de interdição de Bolsonaro.

Embora a expressão servisse ao ministro Og Fernandes (STJ) para afastar o secretário de Segurança da Bahia, ajusta-se com apego milimétrico a quem incentiva a população a riscos de morte ou sequelas graves, com a recusa à prevenção e ao tratamento ​científico.

Já em seu décimo mês, e sem qualquer reparo das instituições que, dizem, “estão funcionando”, a campanha de Bolsonaro e as medidas de seus militares da Saúde chegam ainda mais excitadas e perigosas ao seu momento crucial.

Quem observou os movimentos reativos que o caracterizam por certo notou que é também dele a vulgar elevação da agressividade quando o medo, a perda de confiança, o pânico mesmo, são suscitados pelas circunstâncias. A última semana, como um início de cerco a Bolsonaro, deu-lhe os ares e os atos de desespero.

confisco da vacina Sinovac-Butantan pelo governo federal, toda a vacinação concentrada no militarizado Ministério da Saúde, a exigência de responsabilização do vacinado por hipotéticos riscos foram alguns dos foguetes hipotéticos que mostravam um Bolsonaro se debatendo, aturdido. Nem a liberação total para armas importadas abafou a onda crítica.

revelação de participações da Abin na defesa de Flávio Bolsonaro (feita por Guilherme Amado na Época), apesar da rápida e óbvia negação da agência e do general Augusto Heleno, desarvorou Bolsonaro.

Estava em mais uma de suas fugas reeleitoreiras de Brasília, em desavergonhadas advertências de deformações ridículas em vacinados, quando o Supremo desmontou suas trapaças contra a liberdade de ação dos estados e municípios na pandemia.

E, boa cereja, a advogada Luciana Pires confirmou o recebimento de instruções da Abin para a defesa de Flávio, um truque para anulação do inquérito.

A explosão, incontível, não tardou. Na mesma quinta (17), Bolsonaro investe contra a imprensa, atiça as PMs contra jornalistas. Em fúria, faz os piores ataques aos irmãos donos de O Globo. Sem apontar indícios das acusações.

Se verdadeiras, por que não as expôs, para uma CPI, quando na Câmara representava os “militares anticorrupção”? Ou, presidente, não determinou o inquérito, como de seu dever? Nos dois casos, o silêncio é conivência criminosa. Sendo inverdadeiras as acusações, desta vez feitas a pessoas identificadas, sua entrada no Código Penal é pela mesma porta, a dos réus.

O gravíssimo uso da Abin, entidade do Estado, para proteger Flávio Bolsonaro e o desvio de dinheiro público, caiu em boas mãos, as da ministra Cármen Lúcia no Supremo. Troca de vantagens não haverá, medo não é provável.

Isso significa atos mais tresloucados de Bolsonaro. E um problema para e com os militares que, no governo, em verdade são a guarda pessoal de Bolsonaro.

Não só, porque o general Augusto Heleno, o Heleninho sempre protegido e bem situado, está comprometido dos pés à cabeça. A distância pode ser pequena, mas bastante para o autoritarismo militar sacudir a pouca poeira que resta.

A propósito, a menção ao general Heleno no artigo anterior o levou a vários adjetivos insultuosos a mim, concluindo por me dizer “pior como ser humano”. Essa expressão, ser humano, me lembrou uma curiosidade de muitos e que o general é o indicado para esclarecer: quantos seres humanos mortos pesam em suas costas, pela mortandade que ordenou sobre a miséria haitiana de Cité Soleil?

A ONU pediu ao governo brasileiro sua imediata retirada de lá, exclusão sem precedente nas tropas de paz, e a imprecisão sobre as mortes, dezenas ou centenas, perdura ainda.

Já no caso da Abin, pode-se desde logo esperar algumas respostas interessantes. E cáusticas.

O CERTO E O OUTRO

Diretor do Butantan, Dimas Covas venceu a divergência sobre o surgimento das vacinas. Militares da Anvisa só a previam para meado de 2021, até mesmo só no segundo semestre. Muitos pesquisadores e médicos. Dimas esteve só, ou quase, antevendo a vacina ainda para este ano.

Por fim, o Natal vem aí, sim, mas certifique-se. Na quinta, o general-ministro Pazuello disse três vezes, sempre com a segurança de suas estrelas, que “janeiro é daqui a 30 dias”. E depois, sobre a aplicação da vacina: “A data precisa é... janeiro”.

Sem dúvida, é um grande general, como disse Bolsonaro ao apresentá-lo.


Elio Gaspari: Fritada de morcego no menu

Ganha uma fritada de morcego do mercado chinês de Wuhan quem for capaz de mencionar uma só fala de Jair Bolsonaro que tenha contribuído para o bem-estar da saúde nacional desde o começo da pandemia do coronavírus.

Mesmo quando ele fez um arremedo de conserto, dizendo que, “se algum de nós extrapolou ou até exagerou, foi no afã de buscar solução”, estava iludindo a boa-fé do público. Um dia antes ele havia dito que “não vou tomar a vacina e ponto final”.

“gripezinha” e a cloroquina tornaram-se símbolos do amargo folclore do capitão. A eles juntam-se outros, como o estímulo ao desmatamento, as “rachadinhas” de Fabrício Queiroz e o orgulho de seu chanceler ser um “pária” no cenário internacional. Nunca na História do Brasil o trem parou e o maquinista queria andar para trás. Ele parava, mas se discutia quando voltaria a andar para a frente.

Há em Bolsonaro uma perigosa mistura de ignorância pessoal com autoritarismo político. Ele pode ter acreditado na gripezinha ou mesmo nos efeitos milagrosos da cloroquina. Chamou a possibilidade de segunda onda de “conversinha”, e na quinta-feira (17) voltou-se ao registro de mil mortes por dia. Talvez tenha apenas apostado, mas nesse caso estaria apenas exercitando a ignorância de outra maneira. O perigo mora na mistura com o mandonismo.

Bolsonaro irradiou esse comportamento pela sua administração, produzindo apenas uma bagunça arrogante. Por exemplo: em outubro o general-ministro Eduardo Pazuello disse que “a vacina do Butantan será a vacina do Brasil”. No dia seguinte, Bolsonaro acordou cedo e respondeu no Facebook que a vacina “NÃO SERÁ COMPRADA”. Como se viu, será comprada e oferecida, pois o capitão ficou preso num cadeado do governador João Doria.

O general Pazuello disse a parlamentares: “Não falem mais em isolamento social”. Pensou que falava a uma plateia de tenentes. Ele perguntou “para que essa ansiedade, essa angústia?” e depois explicou que sua frase foi tirada do contexto, desculpando-se. É o caso de se perguntar qual medicação está tomando desde que teve alta da Covid.

Já um diplomata de carreira designado para embaixada junto à Organização das Nações Unidas em Genebra recusou-se a responder a uma pergunta da senadora Kátia Abreu dizendo que não estava “mandatado” para isso. Tomou um contravapor do senador Major Olimpio e perdeu o cargo. Foi rejeitado por 37 votos contra 9. (Afora o mau português, podia ter respondido de outra forma, mesmo sem dizer nada.)

Trabalhando com um chanceler que se orgulha de ser “pária”, o embaixador levou a excentricidade para o lugar errado. A pandemia expôs a bagunça diante de uma dificuldade que daqui a pouco terá matado 200 mil pessoas. Os brasileiros ligam as televisões e veem cenas de imunização nos Estados Unidos, França, Inglaterra e Arábia Saudita. Como lembrou Fernando Gabeira, só em Pindorama a vacinação virou tema de debate.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota, nunca tomou vacina nem vai tomar. Por isso também acha que o Supremo Tribunal Federal tomou “uma medida inócua”.

O que o cretino não entendeu foi outra frase de Bolsonaro: "Quando se fala em vacinação e saúde, tem que ter uma hierarquia".

Eremildo torce para que o presidente explique como funcionará essa hierarquia e se dispõe a ir de casa em casa levando cloroquina para quem ficar de fora.

Eu apalpo, você fica nervosa

O deputado Fernando Cury (Cidadania) apalpou sua colega Isa Penna (PSOL) ao vivo e a cores diante da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de São Paulo. (Ela estava de costas.)

Depois do episódio, o presidente da Casa, Cauê Macris, disse que não poderia liberar as imagens. Pressionado pela deputada com um discurso e pelas lideranças partidárias, mudou de ideia.

Casado, Cury foi à tribuna, reiterou um pedido de desculpas e disse que jamais tomou intimidades indevidas com mulher alguma. O doutor tem o benefício da dúvida e empenhou sua palavra.

A porca torce o rabo quando se vê que, no dia seguinte, Cury foi à tribuna e, explicando-se, disse que depois de ter sido apalpada, sua colega “estava nervosa”, “ficou brava” e diante de uma nova tentativa de pedido de desculpas, “ela começou a gritar, a me xingar”. ​

Certo mesmo é que Fernando Cury se defende recriminando a conduta de uma mulher, nervosa, brava, xinguenta e gritona. Está tudo na rede: o vídeo da apalpada, o discurso da deputada e a explicação de Cury.

Forster e Biden

Os trechos conhecidos dos telegramas mandados pelo embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, depois da vitória de Joe Biden ilustram a bagunça que o orgulhoso pária Ernesto Araújo impôs à Casa do Barão.

Forster foi aplicado ao mostrar que Donald Trump pretendia contestar a vitória de Biden. Nesse sentido, fez seu serviço. Em nenhum momento o embaixador sugeriu que Bolsonaro cumprimentasse o vencedor. Poderia ter feito, mas também não sugeriu o contrário.

Os Estados Unidos não são uma ilha perdida, para que o cumprimento ao eleito dependa de sugestão do embaixador. Quem levou 38 dias para reconhecer a vitória de Biden foi Jair Bolsonaro. Forster foi para a linha de tiro pelas convicções bolsonaristas que o levaram ao cargo.

O PREÇO DA XENOFOBIA

A Alemanha bloqueou a entrada da Turquia na Comunidade Europeia por diversos motivos, entre os quais o discreto racismo de uma parte de sua população contra imigrantes.

Há décadas a Alemanha não fazia uma boa figura no mundo da tecnologia como a que conseguiu agora com a vacina desenvolvida pelo seu laboratório BioNtech, para a Pfizer americana. Sediado em Mainz, foi criado por um casal de turcos. Ele, nascido em Iskenderun, ela, filha de uma médico que emigrou.

PROMOÇÕES MILITARES

A bagunça bolsonariana funciona até quando o capitão volta atrás. Três dias depois de ter acabado com as promoções por antiguidade de oficiais aos postos de coronel ou capitão de mar e guerra, ele revogou o ato. O decreto revogado não era um jabuti.

A ideia do fim da promoção por antiguidade nessa patente ampara-se em bons argumentos e foi proposta por autoridades militares que entendem do assunto.

A piada tem um século, mas, quando um oficial disse ao major Joseph Veller, da missão militar francesa, que um colega aprenderia com a experiência, ele respondeu: “O burro do duque de Saxe assistiu a mais de cem batalhas e continuou sendo um burro”.

CONTEM OUTRA

Há algo no ar além do vírus. Quatrocentos empresários tinham marcado para a quinta-feira um almoço em homenagem ao presidente Jair Bolsonaro e seu antecessor, Michel Temer.

No domingo o ágape foi cancelado, diante do aumento do número de casos de Covid. Contem outra. Dias antes do cancelamento, quando os convites circulavam, pela média móvel semanal estavam morrendo 544 pessoas.

BOLSONAVAC

governador João Doria continua sob os efeitos de sua Bolsonavac. Em uma semana, limitou-se a dar uma breve resposta às provocações de Bolsonaro. Preferiu presenciar o desembarque de vacinas.


Ricardo Noblat: Bolsonaro volta a atacar a imprensa e humilha seu filho Eduardo

“Você teve um voto. O resto foi meu”

Ao assumir a presidência da República em janeiro de 2019, a prioridade número um de Jair Bolsonaro era reeleger-se dali a quatro anos. Quanto ao resto, empurraria com a barriga.

Depois, à medida que seus três filhos zeros começaram a ser alvos de denúncias por corrupção, a reeleição passou a ser a prioridade número dois. Se não salvar os filhos, não se salvará.

É preciso, pois, desacreditar os autores das denúncias, especialmente a imprensa, que as divulga e pressiona os demais poderes a investigá-las a fundo.

A mais recente denúncia bateu diretamente à porta do gabinete presidencial no terceiro andar do Palácio do Planalto, e isso explica a escalada recente dos ataques de Bolsonaro à imprensa.

Ele reuniu-se com advogados do seu filho Flávio, acusado de embolsar dinheiro público à época em que era deputado estadual no Rio, com o propósito de ajudá-los no que fosse possível.

Estavam presentes o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e seu subordinado, o delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Dois relatórios, mais tarde, enviados por Ramagem aos advogados, são a prova de que a Abin deu o caminho das pedras para que eles fossem bem-sucedidos em sua tarefa.

A descoberta de que isso aconteceu, pode configurar crime de responsabilidade praticado por Bolsonaro e, no limite, até custar-lhe o mandato, deixou o presidente da República apoplético.

Sua entrevista, ontem, ao canal do filho Eduardo no Youtube não contém nada de novo, mas é uma demonstração de como ele está fortemente incomodado com o episódio.

“Me chama de corrupto, vamos lá”, desafiou Bolsonaro referindo-se à imprensa. “Me chama de corrupto, porra. Não tem mais grana mole para vocês. Acabou a treta. O fim de vocês está próximo”.

“Imprensa canalha, não vale nada”, insistiu. “Não leiam jornais. É tudo um lixo. Vão para a internet. […] Ai do ministro se eu souber que [no seu local de trabalho] tem jornais”.

Como seria impossível ocupar mais de uma hora de entrevista somente falando mal da imprensa, Bolsonaro revisitou seu estoque de temas preferidos. Ao fazê-lo, repetiu as velharias de sempre.

Sobre a facada que levou em Juiz de Fora: o caso foi mal apurado porque Sérgio Moro era o ministro da Justiça. Líderes políticos da esquerda queriam matá-lo, e ainda querem.

Sobre o voto eletrônico: não confia nele e, por seus cálculos, mais de 70% dos brasileiros também não. Perguntou: “Em que país do mundo esse sistema foi adotado?”

Sobre tortura no período da ditadura militar de 64: “[Os que reclamam] não eram presos políticos, eram terroristas. E eram tratados [nos porões do regime] com toda a dignidade”.

Sobre as eleições municipais: “A imprensa falou que eu perdi. Quantos prefeitos eu tinha? Zero. Então vou dar uma de Dilma aqui: Eu não ganhei nem perdi”.

E sobre a pandemia: “Ela está chegando ao fim. A pressa da vacina não se justifica. Vão inocular algo em você. O seu sistema imunológico pode reagir ainda de forma imprevista”.

Por último, em meio a risadas, humilhou o filho ao trocar de posição com ele. Travou-se então o seguinte diálogo:

– Vamos ver se você está ficando inteligente. Você teve quantos votos nas últimas eleições? – perguntou Bolsonaro.

– Eu fui eleito [deputado federal por São Paulo] com 1.843.735 votos em 2018 – informou Eduardo.

– Não aprendeu nada. Você teve um voto. O resto foi meu.

Enquanto o pai gargalhava, o filho apenas retrucou:

– Você não acha que foi o meu trabalho?

Bolsonaro não respondeu.


Eliane Cantanhêde: Quem mente?

Brasil assiste à vacinação alheia, Maia avança na Câmara e Bolsonaro às voltas com Abin

Rodrigo Maia (DEM) ao centro, Gleisi Hoffmann (PT) à esquerda e Luciano Bivar (PSL) à direita, ao lado de presidentes e líderes de 11 partidos – todos eles, não à toa, de máscara – marcam não apenas a disputa pela presidência da Câmara em fevereiro de 2021, mas um movimento que significa o seguinte: para além das diferenças, a prioridade é combater um adversário comum. É preciso dizer qual?

Não se trata da união de todos na alegria e na tristeza, até que a morte os separe, e nem mesmo que estarão juntos numa mesma chapa em 2022 para enfrentar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Mas comprova o quanto Bolsonaro é competente para criar inimigos, trocar de amigos e espicaçar os eleitores mais escolarizados e bem informados – logo, com mais capacidade de influenciar votos.

A eleição para a presidência da Câmara se transformou num embate direto e virulento entre Bolsonaro, que tem o Centrão, e Maia, cujo desafio era, e é, aglutinar desde a esquerda até a direita hoje refratária ao bolsonarismo. O foco da disputa recaiu sobre o Republicanos, presidido pelo pastor Marcos Pereira, e o bloco de PT, PSB, PCdoB e PDT. O resultado é mais que natural.

Pereira só aceitaria compor com Maia como candidato a presidente e fica mais confortável com o deputado Arthur Lira (PP), apoiado por Bolsonaro, que não está nem aí para a pauta econômica, reformas e privatizações, mas quer dobrar o Congresso em 2021 e 2022 para sua pauta pessoal, de costumes, armas e excludente de ilicitude, um denso elenco de retrocessos. E, objetivamente, o Republicanos é a sigla dos filhos de Bolsonaro e de seus candidatos derrotados às prefeituras de São Paulo, Celso Russomanno, e do Rio, Marcelo Crivella. Pereira e o partido caíram na rede certa.

Nas esquerdas, imperou a força da militância. Quando a bancada do PSB abanou asas para Lira/Bolsonaro, provocou uma rebelião nas redes, foi obrigada a recuar e deixou uma lição para os parceiros da esquerda: apoiar o candidato do Bolsonaro era uma fria. Assim, acabou liderando as esquerdas para o trilho racional. Não custa lembrar que a eleição é secreta, acordo com partidos não significa 100% dos seus votos e parte do PSB ainda balança, mas Maia vai indo bem.

Ele, que joga seu futuro e a aglutinação de forças da centro-esquerda à centro-direita para 2022, contra Bolsonaro, enfraqueceu-se com a tentativa de reeleição à presidência no tapetão do Supremo. Mas, depois da primeira carga de críticas, vem confirmando a habilidade política e superando obstáculos. Falta o nome do candidato, que afunila para Baleia Rossi (MDB-SP). Depois, é o tudo ou nada.

Após um hiato “paz e amor” num discurso lido, Bolsonaro culpou Maia pela falta do 13º para o Bolsa Família neste ano. Mirou no presidente da Câmara e acertou no ministro da Economia e no líder do governo. Maia chamou Bolsonaro de mentiroso e ameaçou por em votação, já, a MP que pode prorrogar o auxílio emergencial com R$600, estourando as contas públicas. Sem saída, Guedes foi “obrigado” a admitir que é impossível dar o 13º para o Bolsa Família e Barros eximiu Maia de culpa, dizendo que o governo é que não queria. Logo, o ministro e o líder confirmaram Maia: o presidente mentiu.

Enquanto isso... o Brasil assiste EUA, UE, Inglaterra, Canadá, Chile e até Arábia Saudita vacinando seus cidadãos e o presidente muito ocupado em outras frentes. Se usa a Abin a serviço da família presidencial, o delegado Alexandre Ramagem confirma indiretamente a suspeita de que iria para a PF com essa mesma missão. Se mentir, é falso testemunho. Se contar tudo, é explosivo. Isso fortalece, no Supremo e na opinião pública, as acusações de Sérgio Moro contra o presidente. O centro se articula para 2022 e acompanha tudo de camarote.