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O Globo: 'O Brasil é dos únicos países que conseguem em um único dia vacinar 10 milhões', diz Temporão

Sanitarista José Gomes Temporão destaca papel do SUS para impedir uma situação ainda mais grave e diz que sociedade deve lutar por campanha de vacinação abrangente

Paula Ferreira, O Globo

BRASÍLIA — A esperança para se responder com eficiência à pandemia vem do Sistema Único de Saúde (SUS) e da ciência brasileira, impulsionada por instituições centenárias como a Fiocruz e o Instituto Butantan. A opinião é do ex-ministro da Saúde do governo Lula, o sanitarista José Gomes Temporão. À frente da pasta durante a pandemia de H1N1, em 2009, ele frisa que a saúde pública brasileira vem evitando uma catástrofe ainda maior no país.

A saída da crise, ele diz, depende de o governo federal "deixar os servidores da Saúde trabalharem". Temporão critica a falta de conhecimento do ministro Eduardo Pazuello, e afirma que, diante da falta de comando no Ministério da Saúde, criou-se uma "autoridade sanitária informal", constituída por especialistas e gestores de outras esferas, para dar conta da emergência sanitária.

— Se o governo federal finalmente chamar os sanitaristas, epidemiólogos, os técnicos e cientistas do Programa Nacional de Imunização (PNI) e entregar a eles a condução e a coordenação do esforço de vacinação, nós teremos sucesso. É um momento crítico, porque temos até agora praticamente 20 milhões de pessoas vacinadas no mundo e, no Brasil nenhuma.

O país tem 200 mil mortos e especialistas criticam as estratégias do Ministério da Saúde. O que tem evitado um cenário ainda pior?

A saúde pública do Brasil é muito respeitada, inclusive internacionalmente. Havia expectativa de que enfrentássemos a situação poupando o maior número de vidas possível. Mas, infelizmente, uma série de obstáculos e opções nos levaram a essa situação dramática de 200 mil mortes. O SUS, de um lado, tem uma fragilidade por conta dos últimos dez anos, de redução de políticas, estratégias e financiamento. Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 pelo Congresso, em 2016, houve uma redução real dos gastos federais. A pandemia, então, encontra o sistema numa situação de fragilidade, de desfinanciamento. Mas, por outro lado, ele se organizou, ao longo de 32 anos, em base habitacional, aumentou muito a cobertura. O SUS enfrenta esta crise sanitária entre uma fragilização mais conjuntural e uma fortaleza mais estrutural. Os 200 mil óbitos mostram que fomos derrotados por esse vírus, mas, sem o SUS, seria uma situação de barbárie social, o caos total. Isso é fato.

Por quê?

O SUS mostrou muita resiliência. A estratégia brasileira está centrada, de maneira equivocada, na organização do sistema hospitalar de atendimento. E esta é uma doença na qual o monitoramento, a testagem ampla, a detecção das pessoas sintomáticas e o seu isolamento reduzem a probabilidade de que se espalhe e haja muitas internações. Mas, desde o início não tivemos liderança. É a situação mais grave por que passa o Brasil em toda a sua História e não se pode enfrentá-la sem coordenação do governo federal e sem contar com a ciência e a saúde pública. O presidente rejeitou a ciência, ridicularizou as medidas de prevenção, criou uma falsa dicotomia entre saúde e economia. Não houve plano de comunicação para a sociedade. A crise foi enfrentada apesar do governo.

Como se deu o enfrentamento "apesar do governo"?

Com governadores, prefeitos, sanitaristas, infectologistas, imunologistas, instituições da área de saúde pública, da sociedade civil, parlamentares construindo o que eu chamaria de uma autoridade sanitária nacional informal. E o epílogo patético e constrangedor é a maneira trágica como o governo vem lidando com a vacinação. É nossa última oportunidade de tentar consertar todos os equívocos cometidos anteriormente, organizar uma campanha de vacinação nacional, liderada pelo PNI, visando atingir no prazo mais curto possível uma alta cobertura vacinal. E não temos plano, projeto, liderança, vacinas, seringas, nada.

Que medidas o senhor destaca dessa “autoridade sanitária informal”?

O governo federal abriu mão do único papel que tem, e que é extremamente importante, de coordenação, planejamento estratégico, suporte, assessoria, apoio a estados e municípios, diálogo, transparência e mobilização da a sociedade. Os governadores e prefeitos tiveram que se virar, adquirir respiradores, testar, organizar equipes, mobilizar profissionais de saúde. E não só sem apoio do governo federal como contra a postura anticientífica, desmobilizadora, de negação da realidade. Essa responsabilidade é intransferível. Eu, com 70 anos de idade e 45 de saúde pública, espero ver os verdadeiros culpados pagarem pelo que fizeram com a população.

E é preciso acrescentar a essa autoridade sanitária informal as instituições de ciência e tecnologia que, mesmo com expectativa de redução de mais 70% do orçamento, fazem com que o Brasil lidere os estudos clínicos de duas das mais importantes vacinas em termos globais, uma pelo Instituto Butantan e outra pela Fiocruz. São instituições centenárias, que conseguiram fazer isso porque têm autonomia. Só poderemos ter campanha de vacinação nos próximos meses por causa delas.

É possível confiar na experiência do PNI para imunizar os brasileiros?

Se o governo deixar de atrapalhar... O ministro da Saúde não entende nada, não é respeitado nessa área, foi posto no ministério como um interventor. Se o governo federal finalmente decidir chamar os sanitaristas, epidemiólogos, os técnicos e cientistas do PNI e entregar a eles a condução e a coordenação do esforço de vacinação, nós teremos sucesso. É um momento crítico, porque temos até agora praticamente 20 milhões de pessoas vacinadas no mundo e, no Brasil, nenhuma.

A omissão do governo federal pode levar estados a organiza suas campanhas de vacinação. Isso quebra uma das pernas do PNI, que é a centralidade. É preciso uma estratégia para vacinar toda a população brasileira ao mesmo tempo, é isso que reduzirá drasticamente a circulação do vírus. Em 2010 vacinamos 80 milhões de pessoas contra a H1N1 em três meses; em 2009, 40 milhões de adultos jovens contra rubéola e a síndrome da rubéola congênita. O Brasil é um dos únicos países do mundo que consegue, em um único dia, vacinar 10 milhões de crianças contra a poliomelite.

Como fazer a campanha?

É preciso uma estratégia de mobilização envolvendo empresariado, setor público e privado, igrejas, ONGs, partidos. Tudo vai depender da velocidade com que a gente faça a campanha de vacinação. Se conseguirmos atingir pelo menos a metade da população até o meio do ano, e é possível, será um sucesso. Os sinais de preocupação vêm da paralisia do governo federal, que está nos levando a um beco sem saída.


Cláudio Gonçalves Couto: Como destruir um país

Se há algo que o Brasil bem fazia, era vacinar

A agenda do combate à corrupção culminou, em 2018, na eleição de Jair Bolsonaro. Trata-se de agenda negativa pois, mais do que propor um programa de governo, alardeia a necessidade de limpar o país. Um dos equívocos dessa agenda (não o único) está na suposição de que, feito isso, o resto se resolve sozinho, ou quase.

Contra “a roubalheira do PT”, o que alguns definiram como uma “escolha difícil” foi, para outros, uma decisão fácil: “Bolsonaro e os militares, pelo menos, não são corruptos”, diziam. Que o republicanismo não é atributo dessa turma já ficou evidente na tour de force em defesa do clã Bolsonaro e suas rachadinhas, bem como nas benesses concedidas a militares pela atual gestão - por exemplo, ganharam um novo plano de carreira, enquanto outros foram agraciados com a reforma previdenciária; e asseguraram um cabideiro de empregos federais suficiente para toda a seção de roupas da Riachuelo. Claro, sem esquecer do casamento tardio com o Centrão, apesar de todas as invectivas bolsonaristas e militaristas contra o que se chamava de “velha política”. Foi noutro dia que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, cantarolou: “E se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão...”.

Se o combate à corrupção definitivamente não é objetivo desse governo, o que lhe resta? Talvez a agenda liberalizante de Paulo Guedes, diriam. Quanto a essa, durante o primeiro ano, o que avançou em termos de reforma se deveu não ao Executivo (que, quando muito, não atrapalhou), mas ao Congresso e, em especial, à coalizão legislativa liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Um número interessante diz respeito ao plano de privatizações: o governo Bolsonaro, com Salim Mattar à frente, privatizou menos do que a gestão petista de Lula, no mesmo espaço de tempo. Isso significa.

Se não é corrupção, nem economia, é preciso procurar noutros lugares. Certamente o governo levou adiante seus objetivos nas áreas ambiental (com a devastação promovida por Ricardo Salles), cultural (com o desmonte das políticas e a captura ideológica e sectária dos órgãos do setor), da violência (com a facilitação do armamento popular e a dificultação do rastreio de armas e munições), da política externa (com a transformação do Brasil num pária internacional e a multiplicação por mais de 17 vezes do gasto em publicidade governista no exterior), de direitos humanos e participação cidadã (com o desmonte dos órgãos participativos na administração federal, assim como o ataque a políticas de ação afirmativa e proteção a grupos vulneráveis), na educação (com o vilipêndio da autonomia universitária, nomeando-se dirigentes estranhos ao processo legal de escolha) e na saúde, pela sabotagem a políticas de combate à pandemia e pelo aparelhamento militarista do Ministério e da Anvisa.

Nota-se que temos, portanto, um governo que em vez de promover uma agenda positiva de políticas e reformas institucionais, opera para destruir o que foi longamente edificado. Não digo aqui construído desde o início da redemocratização, pois mesmo políticas e instituições geridas anteriormente a ela, obras inclusive dos governos da ditadura militar, têm sido devastadas.

Tendo em vista a situação que vivemos, em meio à pandemia, um aspecto merece destaque. O ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, acompanhado na pasta por seu exército de Brancaleone, tem conseguido a proeza de perturbar o funcionamento de uma das políticas sanitárias mais bem sucedidas do mundo em desenvolvimento e, por isso mesmo, uma das iniciativas mais longevas e positivas dos governos militares: o Programa Nacional de Imunizações (PNI), que remonta ao governo de Ernesto Geisel (aquele presidente que considerava Bolsonaro um “mau militar”).

O PNI foi edificado a partir da bem-sucedida Campanha de Erradicação da Varíola (CEV), que operou sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS, esse órgão “globalista”, no léxico olavista do chanceler Ernesto Araújo) e da Organização Pan-americana da Saúde (Opas, um órgão que bolsonaristas creem estar a serviço da Cuba comunista). Essa campanha visava retirar o Brasil da condição de último país das Américas em que a varíola ainda era endêmica e foi levada a cabo pelo presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro mandatário do regime militar.

Embora artífice de uma ditadura fardada, Castelo e seus companheiros percebiam a importância de cooperar com organismos internacionais e combater doenças por meio da vacinação. Hoje, Bolsonaro, Pazuello e seus colegas de armas sabotam diuturnamente a vacinação. Ora pelas dúvidas lançadas pelo presidente sobre a necessidade ou a segurança de imunizantes desenvolvidos pela comunidade científica mundo afora; ora pela barbeiragem logística capitaneada por Pazuello, incapaz de adquirir seringas e agulhas para mais do que 2% da necessidade. E há ainda as declarações do presidente, afirmando que não se vacinará, ou do general da saúde, afirmando que não é preciso ansiedade diante de uma doença que (em conta subestimada) já dizimou 200 mil brasileiros e, nos últimos dias, abate mais de mil cidadãos a cada 24 horas.

Tendo em vista nosso histórico, expertise e estrutura (assegurada a partir de 1988 pelo SUS) em políticas de imunização, o Brasil deveria estar entre os primeiros países do mundo a iniciar a vacinação de seus habitantes. É difícil imaginar que qualquer um dos concorrentes de Bolsonaro em 2018 fosse capaz de tamanha proeza: procrastinar deliberadamente o início da vacinação num país que, desde os anos 1970, é exemplo internacional de boas políticas nessa área.

Em consonância com a agenda destruidora nos demais setores (apontados acima), a desconstrução que se opera na saúde, de forma geral, e nas políticas de imunização, particularmente, é o que melhor caracteriza o governo de Bolsonaro e seus generais.

Não se trata apenas de incompetência, embora se trate também dela; o que vemos levado a cabo por esse governo é um claro projeto de destruição.

*Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP


William Waack: Autoridade perdida

Bolsonaro está se empenhando para se tornar cada vez menos respeitado

Entre um país que está quebrado (Bolsonaro, na terça) ou que está uma maravilha (Bolsonaro, na quarta) há uma enorme diferença. Ela é igual ao tamanho da perda de credibilidade de quem faz essas afirmações de forma tão inconsequente. Um presidente que se gaba num dia de ter poder para quase tudo, e no outro declara que não pode nada.

Por achar que para governar bastava ser engraçadinho com a claque à qual se dirige na porta do Alvorada – além de animador de auditórios virtuais –, Bolsonaro arriscou a credibilidade e perdeu a autoridade. Do ponto de vista formal (do relacionamento entre os poderes, por exemplo), a autoridade do presidente já vinha sendo encurtada desde o primeiro dia de mandato pela incapacidade dele de liderar e se articular frente ao Legislativo e ao Judiciário.

Em outras palavras, a caneta do presidente tem menos tinta hoje do que há dois anos. Mas a autoridade política, subjetiva, se deteriorou mais rápido ainda com a pandemia. Uma coisa é ser falastrão diante de desafios da política, como os de levar adiante reformas estruturantes, desatar os nós da economia, derrubar o governo da Venezuela, peitar os críticos internacionais das políticas ambientais, prometer maravilhas e por aí vai.

Outra coisa completamente diferente é ser falastrão diante de uma crise sanitária sem precedentes na memória de qualquer geração atual, em escala planetária. Cabe não confundir autoridade com popularidade, embora em ocasiões uma coisa tenha influência sobre a outra. A autoridade de Bolsonaro que foi embora é preciosa: é aquela atribuída a quem se confia ser capaz de ajudar a resolver uma crise aguda de vida ou morte para milhares de pessoas.

Ao tratar assuntos (pandemia), pessoas (adversários políticos), instituições (chefes de outros poderes), eventos externos (eleições em outros países) com declarado desprezo ou desrespeito, pelos fatos e pela ciência, o presidente brasileiro em boa parte incentivou a atmosfera atual, na qual a ele se dá pouco respeito. De novo, estamos diante de um fator político difícil de quantificar, mas palpável: a ridicularização do personagem político, como acontece hoje com Bolsonaro, é um indício claro de perda de autoridade.

Dela ele precisará bastante se for capaz – há uma aparente unanimidade no mundo político de que ele não será – de proceder às difíceis escolhas que tem pela frente para, por exemplo, equilibrar as contas públicas ao mesmo tempo garantindo uma renda mínima e uma alta taxa de investimentos. Bolsonaro vacilou diante de qualquer decisão abrangente até aqui, uma característica detectada pelo apurado olfato das feras do Centrão, em que está depositada no momento o que existe de autoridade política do presidente.

Não se pode criticar políticos, como Bolsonaro, que confundem índices de popularidade com autoridade. De fato, é difícil governar sem uma ou sem outra, em qualquer lugar. São fatores reais no mundo da política. Da mesma maneira, não se pode condená-los simplesmente pelo comportamento tão normal assumido por eles, que é aderir ao curto prazo deixando a visão de longo alcance para um eterno “depois”. 

Bolsonaro sacrificou autoridade em busca de popularidade efêmera e volátil. Corre o gravíssimo risco de acabar ficando sem as duas.


Míriam Leitão: A logística da Fiocruz

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, trabalha de olho no calendário e nos números de produção. Sabe que a saúde e a economia dependem da capacidade de fornecimento de vacinas. Até sexta-feira o instituto deve entrar com o pedido emergencial de uso da vacina da Oxford-AstraZeneca. Até o dia 17, devem chegar as duas milhões de doses importadas da Índia. Em fevereiro, a Fiocruz entrega ao governo 10 milhões de doses e, em março, outras 15 milhões. Ao todo, o instituto vai produzir 100 milhões de doses. O país começará, com a vacinação, a entrar em outra fase. “O momento atual é de muita dor, muita desinformação”, lamenta.

Nísia conta que o espaçamento de doze semanas entre as duas aplicações foi, no caso da vacina da AstraZeneca, conclusão de pesquisa clínica. Com a primeira dose, a imunidade já é de 70%.

—Uma coisa a nosso favor é esse intervalo de 12 semanas, porque, se essa estratégia for adotada pelo Plano Nacional de Imunização, permitirá que mais pessoas sejam imunizadas — diz Nísia Trindade.

Ela participou na segunda-feira de reunião com a Anvisa, para saber de todos os documentos que faltam para o pedido de autorização emergencial. São documentos que devem vir da Índia, onde são fabricadas as vacinas compradas prontas. Ela não tem dúvidas de que o Instituto Serum vai respeitar o contrato feito e mandar as doses:

— Nós nem somos compradores de vacinas, somos produtores, mas neste momento de dor do país achamos bom fechar esse contrato. Ele deve servir para imunizar o pessoal da saúde, que está na frente de combate ao vírus.

A Fiocruz receberá as doses prontas da Índia. Depois passará a produzir com o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), importado da China. O IFA é o núcleo da vacina. A AstraZeneca produz globalmente, mas o lote que fornecerá ao Brasil está sendo produzido na China. No segundo semestre a Fiocruz, graças à transferência de tecnologia, passará a produzir tudo aqui de forma independente:

— A partir de agosto teremos autonomia de produção. A tecnologia da Oxford AstraZeneca é muito adequada para nós, porque será a primeira vacina do mundo a usar a tecnologia do vetor viral, do adenovírus. A tecnologia tradicional usa o vírus atenuado ou inativado. Essa usa o adenovírus que carrega parte da proteína do coronavírus. O organismo reconhece e produz anticorpos e células imunes. É um duplo mecanismo. A Oxford estava trabalhando nessa plataforma para o ebola e outros coronavírus. A tecnologia vai ser útil para outras vacinas.

A Fiocruz, já em abril do ano passado, saiu prospectando fornecedores. O que Nísia explica é que a produção é global, mas muito concentrada, por isso é fundamental que o Brasil invista em ciência e tecnologia.

— É importante entender o fator econômico da vacina. E o geopolítico. Temos que nos preparar para o enfrentamento agora e no futuro investindo no desenvolvimento científico nacional. Está havendo desabastecimento até nos países desenvolvidos. No Brasil, os laboratórios que têm condições de suprir nossas necessidades são a Fiocruz e o Butantan.

Há grupos no Brasil pesquisando vacina para Covid. Não estão na fase de testes clínicos. A coordenação da Fiocruz em Minas Gerais está trabalhando com a UFMG. Há dois outros grupos de pesquisa na Bio-Manguinhos, um deles estudando a tecnologia do RNA mensageiro da Pfizer. Existe outro núcleo na USP.

— Alguém pode achar que isso não faz sentido porque já existem vacinas. Mas é fundamental acompanhar os aperfeiçoamentos — disse Nísia.

Se no mundo da política existe divisão entre as vacinas, na ciência, existe cooperação. A Fiocruz está participando dos testes clínicos da fase 3 da vacina da Janssen e também da Coronavac, do Butantan, no núcleo de pesquisas de Niterói.

A presidente da Fiocruz disse que a produção num primeiro momento poderá imunizar os grupos mais vulneráveis que são 80 milhões de brasileiros. Explica que crianças, adolescentes e grávidas não poderão, por enquanto, ser imunizados com essa vacina da Fiocruz porque não foram feitos testes nesses grupos. Ela acha que o melhor é que a vacinação tenha coordenação federal e que os brasileiros tenham acesso à vacina pelo SUS.


Hélio Schwartsman: Vacinação pública ou privada?

Vacinações são por excelência uma estratégia coletiva de saúde

A vacinação só será capaz de pôr fim à epidemia se estiver no âmbito de um programa universal e público. E, se a circulação do vírus permanecer muito elevada, nem quem tem dinheiro para pagar por um imunizante estará livre de riscos. Vacinações são por excelência uma estratégia coletiva de saúde.

Isso dito, não vejo problemas em permitir que clínicas particulares importem e apliquem vacinas contra a Covid-19. A rigor, qualquer agente que consiga trazer para o Brasil biofármacos que de outra forma não chegariam aqui está contribuindo para o esforço comum.

É preciso, contudo, alguns cuidados. Seria decerto um despropósito se a iniciativa privada e o setor público entrassem numa disputa suicida pelos mesmos imunizantes. Mas há fórmulas menos drásticas que o veto às clínicas particulares para evitar esse tipo de situação.

Uma objeção que merece consideração é a de que a participação privada, ao criar oportunidades diferenciadas de acesso à vacina com base em renda, corrompe o caráter público da fila e o princípio do acesso igualitário. Não vejo como discordar, mas receio que o argumento seja forte demais. Parece-me complicado usá-lo para vacinas, mas deixá-lo de lado para todo o resto.

Nós, afinal, não adotamos a fila única para leitos de UTI em hospitais públicos e privados. E não é só na pandemia. Há décadas aceitamos que pacientes de câncer do SUS morram à espera de vagas para tratamento, enquanto elas sobram na rede particular. A aplicação consistente do princípio da igualdade de acesso implicaria uma espécie de veto à medicina privada, o que não ocorre em nenhum país democrático.

O fato de eu não ver com maus olhos a participação de clínicas particulares na vacinação não significa que ela seja solução. Só voltaremos a algum tipo de normalidade depois que a maioria dos brasileiros tiver recebido sua vacina —e apenas o poder público é capaz de fazer isso.


Juan Arias: 'O Brasil está quebrado e eu não posso fazer nada'. A sibilina e ameaçadora afirmação de Bolsonaro

A arrogância do presidente já é proverbial. Seus erros e sua incapacidade de comandar o país são sempre culpa dos que “não o deixam governar”

Ao voltar de suas férias de pesca, Jair Bolsonaro fez uma das mais graves afirmações desde que chegou à presidência. Dirigindo-se aos seus seguidores mais fiéis, confessou que “o Brasil está quebrado” e que ele “não pode fazer nada”. E ainda acrescentou, desafiador: “Vão ter que me aguentar até 2022”. E o pior é que os seus e o mercado continuam a apoiá-lo. A maior vítima será a grande massa de desempregados e pobres, sobre os quais, como sempre, cairá a crise.

Não creio que haja um único chefe de Estado no mundo que seja capaz de confessar que o seu país está quebrado e que não pode fazer nada sem renunciar no dia seguinte. A arrogância de Bolsonaro já é proverbial. Seus erros e sua incapacidade de administrar são sempre os que “não o deixam governar”.

No entanto, há algo mais grave e sibilino em sua afirmação quando diz que o país está quebrado e que não o deixam fazer o que quer. Com isso está dando a entender que é impossível governar com as atuais instituições democráticas. Seria a difícil, mas indispensável, pluralidade de instituições que o arrastaria à tentação de querer viver sem elas.

E é esse equilíbrio de diálogo nem sempre fácil entre as diferentes instituições com seus freios e contrapesos, mas que são a base indispensável dos regimes democráticos, o que Bolsonaro não pode suportar.

É claro que o sonho não confessado de Bolsonaro é poder ter o Congresso e a Justiça amarrados a seus pés à moda de Vladimir Putin e Nicolás Maduro.

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De fato, desde que chegou ao poder vem flertando com um golpe contra o Congresso e o STF. Para ele, todo o jogo democrático é um estorvo.

E o mais grave é que os poderes fáticos não se mexem para retirá-lo do cargo,quando não o bajulam para arrancar cargos e privilégios. Daí que o capitão reformado do Exército se sinta forte e se permita todo tipo de provocações sem que haja uma oposição capaz de parar seus coices contra os valores democráticos e civilizatórios.

A arrogância de dizer que ninguém o tirará do poder é típica dos caudilhos populistas e arrogantes. Diante das declarações de Bolsonaro de que este país está à deriva e que não pode fazer nada, seria necessário perguntar o que os militares continuam fazendo apoiando o aprendiz de ditador. O Exército sempre apareceu nas pesquisas junto com a Igreja como uma das instituições mais valorizadas pela opinião pública.

A Igreja já está perdendo o crédito por ter se jogado nos braços do novo mito e caudilho. E os militares que permanecem no Governo podem acabar sujando toda a instituição.

O que esperam então os militares para abandonar o Governo quando o presidente se declara impotente para governar? A menos que se trate de não perder os privilégios do cargo, o que seria mesquinho em uma instituição da envergadura e da importância do Exército.

E o poder econômico está vendo que o Bolsonaro é incapaz até mesmo de entender o que é a força da economia e sua importância para o bem-estar do país. E seu famoso Posto Ipiranga, o ministro da Economia, hoje é apenas uma marionete nas mãos do mito. Como são, no final, até os generais que estão no Governo.

Às vezes, ver como Bolsonaro trata os generais ministros faz pensar que o capitão reformado do Exército por suas aventuras com o terrorismo hoje está se vingando ao tratar os militares de seu Governo como simples coroinhas.

Sem dúvida, as graves declarações de Bolsonaro de que o Brasil é um país quebrado não animarão os empresários estrangeiros a investir aqui, prejudicando ainda mais a já frágil economia que cria cada vez mais desempregados abandonados à própria sorte enquanto a inflação galopante atinge ainda mais a massa de pobres que é a maioria do país.

Todos nós entramos em 2021 com a esperança de que fosse um ano melhor.

As declarações de Bolsonaro e seu boicote contínuo à vacina enquanto cresce a nova onda de covid-19 estão começando a balançar nossas esperanças.

Fica a incógnita de se as outras instituições do Estado estão cientes de que a presença de Bolsonaro é um dos maiores perigos para a democracia desde a ditadura. Há poucos dias, o presidente alertou seus seguidores que não aceitaria o resultado das eleições se fossem usadas urnas eletrônicas novamente. Nesse caso, disse-lhes “pode esquecer a eleição”, dando a entender que se perdesse não aceitaria o resultado.

Já houve analistas políticos que levantaram a hipótese de que a nova paixão de Bolsonaro pela corporação policial e os contínuos mimos que lhes está fazendo é para tê-los ao seu lado se perder as eleições e tentar dar um golpe autoritário. Bolsonaro sabe hoje que para isso dificilmente poderia contar com a cúpula do Exército, do qual se espera que não terá apoio explícito na campanha eleitoral. É mais fácil esse apoio vir da polícia e das milícias que sempre lhe foram favoráveis e com quem ele, seus filhos e toda sua família sempre tiveram relações misteriosas que ainda não foram decifradas.

Bolsonaro é claramente um despreparado culturalmente e incapaz de governar com as regras democráticas, mas conhece como poucos os subsolos e as cloacas dos poderes mafiosos. O Brasil é muito importante aqui e no xadrez mundial para continuar sendo governado por um presidente que não deixa um só dia de brincar com seus sonhos de ditador.

Todo o resto, até que o país esteja quebrado lhe importa menos. E o pior é que não tem pudor em confessar.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.


Ana Carla Abrão: O dia seguinte

Precisamos de uma ação coordenada e planejada para lidar com esta crise

Mesmo com sorte e acesso à vacinação, ainda teremos de enfrentar os efeitos da pandemia sobre a economia ao longo de todo o ano de 2021. Isso significa um esforço de políticas públicas e ações de enfrentamento por algum tempo e, consequentemente, a necessidade de se focar em iniciativas de apoio que estejam direcionadas aos setores e às camadas da população mais atingidos. Essas deverão substituir os amplos programas de socorro que foram o padrão na primeira fase de enfrentamento e que foram tão importantes para minimizar os efeitos primários da interrupção da atividade econômica. A provisão de liquidez foi fundamental. Agora é hora de olhar para a solvência. 

Essa é a conclusão de um relatório recém divulgado pelo Grupo dos 30, grupo consultivo para assuntos de economia internacional e monetários. O G-30 é composto pelos atuais e ex-chefes dos bancos centrais da ArgentinaBrasil, Grã Bretanha, CanadáChinaFrançaAlemanhaÍndiaIsraelItáliaJapãoMéxicoPolôniaCingapuraEspanha e Suíça, além dos presidentes do Federal Reserve Bank de Nova York, do Banco Central Europeu, do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, do Bank for International Settlements (BIS), dos economistas-chefes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Participam também representantes de grandes bancos privados e membros de instituições acadêmicas e internacionais. 

Ressuscitando e Reestruturando o Setor Corporativo Pós-Covid – Desenhando intervenções de política pública (Reviving and Restructuring the Corporate Sector Post-Covid - Designing public policy interventions) é o título do estudo. Ele visa a alertar formuladores de políticas públicas sobre os riscos de, passado o primeiro momento de enfrentamento e realizada a expectativa de vacinação da população, se buscar restabelecer o status quo pré-pandemia, ignorando as transformações que em boa parte se manterão ao longo deste ano, senão de forma perene, sobre o mundo corporativo. Agora é hora de permitir uma realocação de recursos e garantir que as economias sairão melhores das transformação ocorridas nesses últimos tempos. Nesse processo, instituições financeiras e o mercado de capitais terão papel fundamental e precisarão estar prontos para apoiar essas transformações e os impactos delas sobre as empresas. Mais desenvolvido e profundo o mercado financeiro, maiores as chances de recuperação econômica – e mais rápida ela será. Além disso, alertam os membros do grupo de trabalho liderados pelos ex-banqueiros centrais Mario Draghi e Raghuram Rajan, caberá aos governos estabelecer as condições para que isso aconteça, se afastando cada vez mais das ações amplas de apoio e se concentrando em iniciativas mais focalizadas e de maior eficácia.

Na medida em que as ações emergenciais vão sendo retiradas, segue o relatório, há que se antecipar um conjunto de problemas que deverão emergir e que exigirão respostas de políticas públicas adequadas. Esses problemas vão desde as distorções geradas pelas políticas de apoio à liquidez (que não necessariamente atuaram de forma proporcional aos impactos diversos sobre diferentes setores), passam por eventuais problemas de sobreendividamento, gerados pelo estímulo ao crédito num ambiente de fraca atividade econômica e vão até uma intervenção excessiva do setor público, causando alocações subótimas de recursos. 

Não menos importante e particularmente grave no Brasil, são os impactos fiscais das medidas de enfrentamento e a falta de sustentabilidade dessas ações no longo prazo. Para guiar o enfrentamento desses problemas o relatório avança com recomendações baseadas em princípios e instrumentos de política pública e acompanhados de um processo de decisão que leva em conta as particularidades locais. Não os exponho aqui pelas restrições de espaço, mas também para deixar ao leitor curioso a possibilidade de se aprofundar nas possibilidades e nos detalhes ali apresentados.

A mensagem principal que fica desse trabalho é a de que precisamos de uma ação coordenada, planejada e focalizada para lidar com esta que é uma crise sem precedentes na História. Dados os efeitos – temporários e permanentes – da pandemia, há que se criar as condições para que a economia se recupere, protegendo vidas, entendendo as limitações de cada país, mas também minimizando o custo para a população e para as gerações futuras. Para isso será necessário garantir que o setor privado assuma seu papel com ações de política pública que restaurem a confiança, garantam a solvência (em particular a do setor público) e tragam resultados estruturais. 

Sem dúvidas, um grande desafio para um país como o Brasil, que tem um governante que nega a pandemia e um governo que demonstrou baixa, senão nenhuma, capacidade de coordenação e planejamento. Mas sempre é tempo de sair da paralisia e apresentar um plano de recuperação que possa nos trazer esperança de que dias melhores virão quando o dia seguinte da pandemia chegar.

*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman. 


Bruno Carazza: Na surdina

Surpresas no fim de ano de Bolsonaro

Nos oito dias compreendidos entre a véspera do Natal e a virada do ano o Congresso Nacional está em recesso, as redações dos jornais funcionam em regime de rodízio e a população em geral, mesmo em tempos de segunda onda da pandemia, está concentrada nas festas ou em viagens de férias. Em Brasília, é a época perfeita para aprontar.

Em edição extra do “Diário Oficial da União” (DOU), publicada no dia 31 de dezembro, Bolsonaro concedeu benefícios para alguns e desalento para milhões, além de desafiar mais uma vez o Congresso Nacional.

De um lado, medidas provisórias estenderam o regime especial para reembolso de passagens pelas empresas aéreas (de 31/12/2020 para 31/10/2021) e ampliaram em mais dois anos o prazo para os cinemas se adaptarem às regras de acessibilidade para pessoas com deficiência - providências que deveriam ter sido implantadas em 2019; ou seja, antes do novo coronavírus.

Mais grave, Bolsonaro rompeu um pacto com deputados e senadores e, na surdina, determinou a manutenção da restrição de acesso ao benefício de prestação continuada (BPC) somente para idosos e pessoas com deficiência cuja família tenha renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo. É bom lembrar que desde o início da pandemia o Congresso trava uma queda de braço com o Palácio do Planalto tentando ampliar a cobertura do BPC para aqueles que recebem até meio salário-mínimo.

A MP nº 1.023 dá um tempo maior para Paulo Guedes encontrar recursos para uma política assistencial pós auxílio emergencial, mas aliada a dezenas de vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias, também anunciados nos últimos minutos de 2020, representa uma nova afronta ao Congresso.

Mas não foi só no 31 de dezembro que a Imprensa Nacional anunciou novidades. Na véspera do Natal, outra edição extra do DOU veio repleta de presentes em forma de decretos, entre eles a concessão de indulto natalino para militares condenados por crimes praticados em serviço, a criação de uma nova estatal para cuidar da navegação aérea e novas regras para a regularização fundiária em terras da União e na Amazônia.

Aproveitar períodos de baixa atenção do Congresso e da opinião pública para editar medidas impopulares não é incomum na experiência internacional. Em 1994, enquanto todos os olhos dos italianos estavam concentrados no jogo que daria ao país a chance de disputar a final da Copa do Mundo contra o Brasil, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi editou um decreto beneficiando centenas de políticos envolvidos na Operação Mãos Limpas. Para continuar no campo futebolístico, Vladimir Putin valeu-se da abertura da Copa da Rússia, em 2018, para, numa canetada, elevar a idade mínima para aposentadoria no país.

Os exemplos acima foram citados por Milena Djourelova e Ruben Durante para justificar sua pesquisa sobre estratégia e timing de atos presidenciais. Com foco dos Estados Unidos, eles analisaram as datas e os contextos das ordens executivas (similares aos nossos decretos) emitidas pelos presidentes americanos entre 1979 e 2016, confrontando-os com dados sobre audiência de notícias na TV.

Assim como no Brasil, os ocupantes da Casa Branca são constantemente criticados por avançar sobre a competência do Congresso ao emitir normas que, sob a desculpa de regulamentar leis, acabam extrapolando e criando direitos e deveres.

A pesquisa de Djourelova e Durante revelou que as ordens executivas dos presidentes americanos têm maior probabilidade de serem emitidas quando a cobertura da mídia está concentrada em outros assuntos, que não a política. Foi o caso, por exemplo, quando Donald Trump perdoou um xerife acusado de injúria racial e baniu soldados transgêneros das Forças Armadas enquanto o país se mobilizava para enfrentar o furacão Harvey, em 2017.

Os dados também indicam que o aproveitamento estratégico da distração pública é mais frequente quando o Congresso é dominado pelo partido rival e quando a medida trata de assuntos não relacionados ao dia-a-dia da administração (como a reestruturação de órgãos ou a execução orçamentária, por exemplo) ou não vinha sendo discutida publicamente nas semanas anteriores - o famoso “efeito surpresa”.

Por aqui isso não é nenhuma novidade. Muito antes de Bolsonaro, todos os últimos presidentes brasileiros aguardaram o período entre o Natal e o réveillon para surpreender.

Sarney aumentou o capital de empresas estatais e concedeu benefícios para seus funcionários, enquanto Collor instituiu uma generosa política de preços mínimos para os usineiros do Nordeste, seu reduto eleitoral. Com o Plano Real em gestação, Itamar Franco lançou um pacotaço de aumento de impostos no último dia útil do ano, prática que foi seguida por seu sucessor Fernando Henrique quando a vaca parecia ir para o brejo no apagar das luzes de 1998.

Mas nem só de medidas amargas foram os finais de ano do governo FHC. Houve também a concessão de benefícios e subsídios para setores específicos, prática intensificada durante a gestão de Lula e Dilma com inúmeros programas de tratamento tributário especial criados ou prorrogados aos 45 minutos do segundo tempo. Sob a administração petista, aliás, também foram frequentes os aumentos salariais para diversas carreiras - sempre por medida provisória e no período entre 24 e 31 de dezembro.

Para fechar o ciclo pré-Bolsonaro, Temer inovou aproveitando as festas de fim de ano para reformular marcos regulatórios, mexendo sem aviso prévio nas regras do jogo aplicáveis aos setores de petróleo, saneamento, imigração, energia elétrica, segurança pública e ambiental.

“Dormientibus non ducurrit ius” é uma antiga regra do direito romano. A experiência brasileira com normas emitidas nos estertores do ano mostra que, quando a mídia e os cidadãos baixam a guarda, os presidentes se aproveitam para conceder benesses ou tungar os contribuintes. Depois não adianta reclamar, pois “o direito não socorre aos que dormem”.

É preciso ficar vigilante o ano todo. Lembremos disso no fim de 2021. Um bom ano a todos!

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Carlos Andreazza: In Fux we don’t trust

Ele lançou sobre um servidor o peso de decisão que só o presidente do Supremo poderia tomar

Luiz Fux — para se lavar de um aval que obviamente dera — arranjou-se cuspindo ao mar um colaborador de terceiro escalão. Aquele exercício covarde de onipotência típico dos que se sabem inalcançáveis. O presidente do Supremo Tribunal Federal é um poder inteiro e, no caso do atual, um mestre em jogar para a galera. (Não tardará, aliás, até que abra enquetes em rede social para que seus seguidores determinem como deve votar.) Outra coisa, porém, será cultivar a imagem de homem justo e combatente de regalias afogando um subordinado em injustiça; um desmando autoritário reativo para não assumir o desmando patrimonialista original.

Sim. Refiro-me ao caso — um escândalo — em que Fux, pressionado pela imprensa que o adula, decidiu, fingindo-se de chocado, exonerar o secretário de saúde do STF. (Sendo também o caso de perguntar por que o tribunal precisaria de uma tal secretaria.) O doutor Marco Polo Dias Freitas levou a culpa. Pagou pelo ato por meio do qual a Corte constitucional brasileira — vergonhosamente — demandara à Fiocruz uma reserva de 7 mil doses de vacina contra a peste para seus togados e funcionários. Pego em flagrante, Fux — em gesto de rara desonra — lançou sobre um servidor o peso de decisão que só o presidente do Supremo poderia tomar. Um conjunto de arbitrariedades a não ser esquecido. (E que só será surpresa para quem admite o modo como o ministro maneja a Constituição.)

Freitas foi elegante, impessoal, ao sair, talvez com a intenção de preservar a instituição a que se dedicava havia década; mas deixou claríssimo o que se passara: “Respeito rigorosamente a hierarquia administrativa do Supremo Tribunal Federal. Nesses onze anos no STF, nunca realizei nenhum ato administrativo sem a ciência e a anuência dos meus superiores hierárquicos”.

Elegante. Eu também serei. (Quem sabe, assim, este artigo escape da censura no clipping do tribunal?) E serei igualmente claro. O ofício de requisição da reserva de doses foi assinado, em 30 de novembro, pelo diretor-geral do Supremo, Edmundo Veras dos Santos Filho; que, no entanto, manteve o cargo. Fux justificou a demissão do mais fraco afirmando que o pedido fora feito sem o seu consentimento. Não é verdade. O presidente do Supremo faltou com a verdade; o que se prova facilmente, sendo o próprio Fux a se desmentir.

Freitas foi exonerado em 27 de dezembro. No dia seguinte, o presidente do STF pôs em campo uma blitz para, em suma, apregoar que não sabia e que não admitia; versão que rui diante da entrevista veiculada cinco dias antes, em 23 de dezembro, pela TV Justiça, em que se demonstra não apenas informado sobre o pedido, mas favorável à demanda. Fala Fux:

— Nós, por exemplo, fizemos um pedido, de toda forma delicada, ética, um pedido, dentro das possibilidades, que, quando todas as prioridades forem cumpridas, de que também os tribunais superiores — que precisam trabalhar em prol da Covid — tenham meios para trabalhar. E, para isso, precisa vacinar. Não adianta vacinar os ministros e não vacinar os servidores. A difusão da doença seria exatamente a mesma.

Que tal? Que tal essa ética? Mesmo o português truncado de Fux — que decerto gostaria de trabalhar contra a Covid, e não em prol do vírus — não é capaz de deixar dúvidas. Nós é nós. Né? Nós somos. O “nós fizemos um pedido” o inclui. Nós pedimos. Certo? Nós só são os outros — quando o bicho pega, e o bafo da sociedade esquenta o cangote — na ética fuxiana do bode expiatório. E não deixa de ser requisição de tratamento prioritário, uma que se queira postar à fila logo após as prioridades já consagradas. Fim da fila de prioridades ainda prioridade será. Não há delicadeza nisso.

Fux não apenas tinha ciência do pedido como — sob visão estratégico-corporativa — avalizou-o. E diga-se que, fosse verdadeiro que a demanda tivesse sido feita sem sua chancela, teríamos apenas mais uma exibição de incompetência; e ele precisaria demitir o diretor-geral. Mas não foi incompetência. Não desta vez. Foi um movimento natural, consciente, relaxado, de quem se sabe mesmo privilegiado; de alguém cuja trajetória educou para o hábito do privilégio. Foi desde esse lugar que o presidente do STF ceifou o doutor Freitas.

Fux, contudo, ao explicar a demissão covarde do subordinado, disse: “Sempre fui contra privilégios”. De novo, não é verdade. Temos memória. Ou não terá sido ele — agora todo enérgico contra decisões monocráticas — o ministro que ficou, atenção, quatro anos sentado sobre liminar, canetada classista de próprio punho, que garantiria auxílio-moradia a juízes e procuradores, uma conta bilionária?

O privilegiado Luiz Fux é o privilégio. Pode tudo. É também um — mais um — ministro da corte constitucional brasileira em quem não se deve confiar.


Eliane Cantanhêde: Vacina e democracia

É melhor Bolsonaro arranjar vacina do que depois tentar ‘arranjar’ voto, como Trump

O último ato (espera-se) de Donald Trump na presidência da maior potência do planeta mostra um homem desesperado, desarticulado e fora da realidade, falando frases desconexas e ameaçadoras que configuram um atentado criminoso e imoral às instituições. Trata-se, claro, da pressão de Trump para que o secretário de Estado da Geórgia “arranjasse” uns votos para reverter a derrota dele para Joe Biden.

É inacreditável, tão inacreditável quanto um tipo dessa natureza ter sido eleito nos Estados Unidos, ter presidido o país por quatro anos e conseguido 74 milhões de votos ao tentar a reeleição em 2020. Apesar da derrota e de Trump ter sido o primeiro presidente não reeleito desde 1992, é uma quantidade de votos incrível para um presidente tão absurdo. Ou melhor, uma pessoa tão absurda.

É um alívio o manifesto de dez ex-secretários de Defesa, em governos democratas e republicanos, defendendo o resultado eleitoral e desautorizando membros das Forças Armadas a reforçar a cruzada de Trump contra a vitória de Joe Biden: “Oficiais civis e militares que realizarem tais medidas (interferência eleitoral) podem ser punidos, incluindo de forma criminal, pelas graves consequências de suas ações em nossa república”, afirma o texto, após Trump encher o Pentágono de aliados no apagar das luzes.

A reação a esses atos de Trump, barulhenta, serve de alerta inclusive no Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro bombardeia as pesquisas que não sejam a seu favor, acusa as eleições (até a dele) de fraudulentas e faz campanha a favor da cédula de papel e contra a urna eletrônica, assim como faz a favor da cloroquina e contra as vacinas. Contra o futuro.

Bolsonaristas ameaçavam melar a eleição de 2018 se ele não vencesse, ele próprio, já vitorioso, falou em fraude e generais reforçaram a descrença em pesquisas, eleições, urnas eletrônicas, mas ex-ministros da Defesa do Brasil também já lançaram manifesto: “Qualquer apelo e estímulo às instituições armadas para a quebra da legalidade democrática – oriundos de grupos desorientados – (...) constituem afronta inaceitável ao papel constitucional de Marinha, Exército e Aeronáutica, sob a coordenação da Defesa.”

Também já se uniram ex-ministros de Relações Exteriores, Meio Ambiente, Educação e Cultura, rechaçando o desmanche de suas áreas. Falta a manifestação em massa de ex-ministros e autoridades da saúde por seriedade, planejamento e negociação de vacinas de diferentes procedências, seringas, agulhas e frascos. E pelo cuidado de testes jogados por aí.

Trump e Bolsonaro são negacionistas, desdenharam da “gripezinha”, combateram o isolamento social, fizeram propaganda da cloroquina e pegaram a covid-19. Analistas da cena americana atribuem a derrota de Trump muito aos erros na pandemia. Bolsonaro continua jogando, nadando, sorrindo, provocando, mas as vacinas, ou a falta delas, podem custar caro.

Até agora, há 10.800 milhões de doses da Coronavac, que nem sequer pediu registro na Anvisa. Há também acertos do Ministério da Saúde com a vacina Oxford/Astrazeneca, que está no mesmo pé. E, de repente, há uma corrida por míseros dois milhões de doses dessa vacina, mas produzidas na Índia. A impressão é que, para o Planalto, basta uma dose, uma só, para ser aplicada, fotografada e filmada antes da “vacina do Doria”.

No centro do furacão está um general da ativa, pronto para virar bode expiatório, mas a lambança na pandemia, particularmente na vacina, pode custar caro em 2022, como custou a Trump em 2020. E não adianta jogar a culpa em “fraude” e em urna eletrônica, nem tentar “arranjar” na marra uns votos a mais. Os militares podem até ser coniventes com Bolsonaro e Eduardo Pazuello, mas a democracia não funciona só nos EUA. Aqui também.


Luiz Carlos Trabuco Cappi: Um ‘gambito’ para 2021

País começará o ano herdando um tabuleiro marcado por lances já realizados

A estratégia desenhada para enfrentar os desafios de 2021 exigirá empenho, soma de esforços e agilidade. O cronômetro do jogo cobra ações imediatas. Neste começo de ano, um tempo de esperança e afeto, compartilho uma ideia. Pense no tabuleiro de xadrez, um jogo que tem muito a nos ensinar. O desenvolvimento cognitivo que ele favorece, assim como os valores que propõe, podem mudar, para melhor, nossa maneira de ver as coisas. 

O xadrez vive um novo momento de glória com a popularidade da série O Gambito da Rainha. Nela, a protagonista Elisabeth Harmon é tida, desde a infância, como um prodígio dos tabuleiros. A jovem passa os episódios enfrentando grandes mestres e vencendo quase todos – superando barreiras e preconceitos que a tornam uma figura emblemática da falta de inclusão e diversidade no esporte que também é uma profissão. Uma das falas mais interessantes da personagem, num episódio marcante, é que “o xadrez nem sempre é competitivo; ele pode ser simplesmente lindo”.

Nesse jogo, toda informação que precisamos está plenamente disposta no tabuleiro. O resultado da partida dependerá única e exclusivamente da habilidade de cada um. Não existe o “contar com a sorte”. O que há como diferencial é a preparação, o estudo, o conhecimento.

O xadrez começa sempre polarizado: brancas e pretas caminhando em direção ao centro. A jogada chamada gambito da rainha (ou estratégia da dama) consiste em oferecer um sacrifício que envolve a peça de maior mobilidade dentro do tabuleiro, para se ganhar uma vantagem posicional efetiva. Esse movimento pode ser aceito ou recusado pelo adversário, decisão que definirá o rumo da partida. Curiosamente, os sacrifícios em favor de continuar seguindo em frente foram uma constante ao longo de 2020, tanto na esfera pública quanto na privada.

Sempre existiram muitas associações entre as instituições modernas e o papel que caberia a elas no tabuleiro de xadrez. Os reis certamente seriam os governos; as poderosas rainhas, talvez as grandes corporações; os bispos, a mídia que, mais do que nunca, inspira veneração; o cavalo e a torre seriam os exércitos e as forças de segurança; e, evidentemente, os peões representariam os cidadãos comuns.

Não se pode nunca desfazer um movimento no xadrez, mas é possível se recuperar e fazer com que os próximos lances sejam bem melhores. Em 2021, o País começará o ano herdando um tabuleiro marcado por lances já realizados, como o decreto de calamidade pública e a provisão de créditos extraordinários, entre outros. Assim como pelo recuo em alguns quadrantes importantes, como os das reformas tributária e administrativa.

Um bom estrategista no xadrez da economia consideraria imutáveis algumas regras do jogo, como o respeito à meta fiscal, à regra de ouro e ao teto de gastos. Provavelmente movido por um sentimento experimentado pelos melhores enxadristas de que, “se um jogador acredita em milagres, às vezes ele pode operá-los!”.

O jogo de xadrez celebra a importância da ponderação, da engenhosidade e do estudo de jogadas já realizadas, para que não se repitam no presente os mesmos erros cometidos antes. Igualmente, premia a ação executada dentro de um timing específico. A série valoriza, ainda, a importância de despir-se de vaidade. A certa altura, o personagem Harry Beltik, que fora um adversário vencido por Elisabeth quando ela ainda era criança, torna-se seu mentor. E ao vê-la cheia de vícios na vida adulta, trilhando caminhos errados, sentencia: “É tolice correr o risco de ficar louco por vaidade”. E assim, movido por um bem maior, empenha-se em trazê-la de volta à realidade e dar novo rumo à partida. Sempre em nome da beleza do jogo.

São esses valores que merecem uma reflexão cuidadosa para enfrentarmos os próximos lances de 2021. E, como diria a protagonista, ao final do último episódio: “Let’s play!”.

*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Cacá Diegues: A vida ao vivo

Este ano não vai conseguir ser pior do que o que foi embora

Joca, meu amigo que mora nos altos do Rio, numa casa cercada por trecho preservado da Mata Atlântica, me telefonou outro dia. Me preparei para aceitar mais um convite para fim de semana no meio do mato, almoçando o que ele mesmo cozinha (Joca é especialista em peixe). Mas havia na voz de meu amigo um certo pânico, vi logo que não se tratava de nada divertido.

Com estardalhaço e a certeza de que estava sendo injustamente prejudicado, Joca desabafou, antes mesmo de um boa-noite regulamentar: ele havia assistido a um programa culto da televisão em que se dizia que o macaco-prego tinha o hábito de devorar o caule das palmas. E Joca sabia, por informação de um desses ecologistas palpiteiros que o frequentavam, que era justamente pelo caule que as palmas se multiplicavam. Como o que mais havia no mato em torno de sua casa eram macacos daquela família, tão numerosos quanto vorazes, Joca entrara em pânico. Se a notícia se confirmasse, a casa, passado algum tempo, poderia se tornar uma ilha de barro cercada de mato seco sem graça, por terrenos baldios sem verde algum.

Eu ia lhe dizer que, mesmo que por absurdo viesse a perder para sempre as palmas da vizinhança, lhe sobrariam folhas e flores, plantas e árvores, verdes infindáveis no entorno da propriedade. Não lhe faltariam mato e bichos de toda espécie para viver nele. Mas, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Joca adivinhou a direção de meu discurso em construção e berrou que ia ler em voz alta, no seu celular, cópia do que eu havia escrito há umas semanas na coluna, depois de um almoço ao ar livre em sua casa.

Tratava-se de um elogio generoso a aves e animais que da mata nos observavam a devorar a peixada que nosso anfitrião nos havia preparado. Entre tucanos e estranhas borboletas, maracanãs e maritacas, eu destacava os encantadores macaquinhos, bravos e simpáticos, moradores da floresta. Alguns até traziam às costas membros de sua prole que assim aprendiam o caminho das palmas, uma cena tornada inesquecível por minha filha Flora, apaixonada pelo lugar. E, com malícia, Joca se dirigia a mim como se eu fosse, em qualquer circunstância, um aliado daqueles animais. Como quem já sabia que, por velha amizade e parceria, eu ia defender os bichinhos gulosos e irresponsáveis, mesmo que estivessem acabando com o planeta.

Fora de si, Joca me anunciou que ia ler o final de meu artigo. Ele aumentou o volume da voz e leu sem respirar, sem respeitar pontos e vírgulas: “Os bichos andam sempre em grupos homogêneos sem a participação indesejável dos que são diferentes. Foi o ser humano que inventou a solidariedade e somente nós a praticamos sobre a face da Terra. Se não a praticássemos, a natureza se reduziria a uma constante guerra entre todos, pelo melhor abrigo e alimento”. Joca suspirou e completou a leitura: “Por que temos que nos submeter ao mal natural, se podemos inventar outro mundo, a partir de um pensamento solidário?”.

Pensei na utopia que a frase propunha, mas fiz silêncio e nem me ocorreu argumentar que todo macaco era um ser irracional, sendo aquele um pensamento muito sofisticado para um ser irracional. Joca também fez silêncio do outro lado, mas ainda suspirava, parecendo extenuado por tão pouco. Depois de algum tempo sem que nenhum dos dois dissesse qualquer coisa, ele mudou de tom e me convidou para dar um pulo com Renata em sua casa para tomar um vinho. Fui. Quase que como se a rápida conversa no telefone me impedisse de não ir.

A caminho de sua casa, meu celular tocou e Renata atendeu. Era ele. Depois de ouvi-lo, Renata, divertindo-se muito, ligou o viva-voz para que eu também ouvisse o que ele dissera: “Diga a ele para não se esquecer de trazer o raio X, que é pra gente ver o calo ósseo”. Eu ainda ria de seu inesperado humor negro, quando Joca retomou o tom anterior da conversa. “Que sujeitinho, né não? Esse cara não consegue dizer nada que seja construtivo, nada que nos ajude a viver”. Imediata e peremptoriamente, Renata respondeu por mim e por ela: “É isso aí, Joca. É isso mesmo”.

Não sei por quê, me vieram ao coração as dores de 2020, com a certeza de que este ano não vai conseguir ser pior do que o que foi embora. Há meses que não vejo meus amigos em pessoa. Estou de saco cheio de lives e encontros virtuais, agradeço o esforço que a ciência contemporânea faz para que não percamos o sinal dos outros, mas quero vê-los ao vivo, a elogiar a vida mesmo que eventualmente infelizes. Quero sobretudo abraçá-los muito nessa entrada de 2021.