vacinação

Alon Feuerwerker: As fichas vão caindo

E o governo federal vai continuar ajudando as prefeituras em 2021, o segundo ano da pandemia da Covid-19. Foi o que disse hoje o presidente da República (leia). Tem lógica. A doença leva todo o jeito de querer atravessar o ano. A vacina certamente vai ajudar a mitigar, mas é bom ir se habituando à convivência com o vírus até pelo menos 2022.

Outra ficha que já caiu foi a da necessidade de prorrogar o auxílio emergencial, tanto faz se com outro nome, e ainda que falte decidir o valor exato. Os fatos são teimosos. O comércio teve em dezembro a maior retração em duas décadas, mesmo que no acumulado do ano tenha mostrado um pequeno avanço sobre 2019 (leia). Mas o dezembro ruim é prenúncio de números complicados neste começo de 2021.

E chegamos às duas conclusões inescapáveis. A Covid-19 não irá embora tão cedo e o poder público precisará endividar-se para ajudar as pessoas, as famílias e as empresas. E tem uma terceira. Começa a balançar o teto de gastos, previsto para um período de normalidade (ainda que prever 20 anos de normalidade no Brasil tenha sido ousado) e agora confrontado com a vida real.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Adriana Fernandes: Depois do carnaval

Tempo que se perde rodando em círculos significa mais gente passando necessidade em todo País

O recuo de 6,1% das vendas do varejo de novembro para dezembro surpreendeu negativamente e mostrou que a segunda perna da retomada em V da economia está cambaleando. Um carimbo a mais para sinalizar a perspectiva pior para a economia no primeiro trimestre deste ano.

A razão do aumento da pressão pelo retorno auxílio emergencial deriva muito mais desse diagnóstico econômico do que uma preocupação genuína dos parlamentares com a situação de pobreza e dificuldade que passam milhões de brasileiros sem trabalho e renda nessa segunda onda da pandemia, com cepas mais perigosas do vírus, lentidão da vacinação e média móvel de mortes acima de mil pelo 21.º dia seguido.

Fosse o contrário, governo e parlamentares já teriam corrido para dar uma solução para o problema muito antes de o auxílio emergencial acabar. Era tudo previsível. Agora, a solução ficou para depois do carnaval, mesmo após dez dias do resultado das eleições do Congresso. Esse tempo que se perde rodando em círculos significa gente passando necessidade.

Boa parte da pressão a alimentar a movimentação dessa semana pró-auxílio vem de deputados, prefeitos e governadores aliados desesperados por uma injeção de estímulo para a economia. Isso fez o presidente Jair Bolsonaro tirar a fantasia antes mesmo de o carnaval começar e dizer que a medida é para ontem (até então ele se mostrava contrário à prorrogação). O dinheiro do auxílio que foi direto para o consumo sustentou a arrecadação e, agora, a sua redução, a partir do fim do ano, mostra forte impacto econômico.

Todos os políticos que correm agora para defender a urgência do auxílio (parlamentares e administradores públicos de todos os Poderes) deveriam estar preocupados também em reforçar o planejamento das restrições de isolamento para barrar o avanço da covid-19.

Até agora, infelizmente, toda a discussão em torno da prorrogação do auxílio está desconectada de medidas restritivas. Elas só acontecem nos locais quando a situação de colapso e caos se instalou. E mesmo assim meia-boca.

Sem essa conexão, o auxílio, mesmo que necessário e urgente, se revela tão somente como uma medida de transferência de renda aos pobres, que já podia ter sido desenhada desde o ano passado e aprovada pelo Congresso. 

Por que não aproveitar as negociações da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de orçamento de guerra, que o ministro Paulo Guedes exige para dar o auxílio, para cobrar dos prefeitos algum tipo de compromisso nessa direção? 

Se Bolsonaro é contra, o Congresso poderia assumir essa campanha e responsabilidade. A vacinação deu esperança, mas é lenta e tem servido para mais afrouxamento do já escasso isolamento social. Um plano desse tipo resultaria em menos mortes e, com certeza, em menor custo para o governo. Na Alemanha, o governo anunciou que prorrogará o lockdown em vigor até o dia 7 de março. Um acordo fechado entre a chanceler Angela Merkel e os governadores já prevendo de antemão flexibilizações. Aqui no Brasil, seguimos nesse rastro de insensatez. Até locais com restrições mais sérias, como Belo Horizonte, já flexibilizaram.

Por enquanto, é certo que muitos daqueles que nada fizeram para ampliar o nível de isolamento da população vão bater na porta do Tesouro para pedir mais estímulos. Não vai parar no auxílio. Estão sendo cobradas também a retomada do programa de estímulo ao emprego (BEm), mais crédito subsidiado, suspensão de pagamento de impostos...

O ministro Guedes tem tentado segurar a pressão com medidas de antecipação de recursos, com a antecipação do abono salarial, que injetam recursos na economia. É pouco, mas tenta ganhar tempo.

Depois do auxílio, que já está dado, a queda de braço de fato com o Congresso é que vai começar. O Centrão virá com tudo para cima de Guedes. A votação acachapante do projeto de autonomia do Banco Central mostrou força, mas tem seu preço.

A aprovação da PEC de orçamento de guerra para dar o auxílio é inescapável e vai abrir a porta para mais pedidos de estímulos. O que sabemos de antemão é que a PEC vai ficar só na liberação das regras fiscais para gastar mais fora do teto de gastos. As medidas compensatórias cobradas por Guedes e Roberto Campos Neto, do BC, não vão rolar.


José Serra: Haverá futuro sem o SUS?

O momento exige iniciativas que melhorem a qualidade e eficiência das políticas de saúde

Em agosto do ano passado o Estado publicou três editoriais sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), a única tábua de salvação ao alcance da maioria da população brasileira diante da ameaça da pandemia de covid-19. Mais recentemente, em 8 de dezembro, o jornal voltou à carga, citando uma pesquisa de orçamento familiar do IBGE segundo a qual quase dois terços dos brasileiros dependem exclusivamente do SUS.

Não é nada trivial que um jornal de porte nacional e com o prestígio do Estado dedique sua principal plataforma de opinião a dar destaque ao mesmo tema. Tampouco é trivial um veículo com firme tradição de apoio às políticas de austeridade fiscal empenhar-se em defender o financiamento de uma rede estatal que compete com a rede privada. Pode-se constatar, nas opiniões defendidas nesses editoriais, um pragmatismo que lembra a frase de Deng Xiaoping sobre ideologia e vida real: não importa a cor do gato desde que ele cace o rato.

Até hoje o rato continua personificando a peste, mas o desafio sanitário enfrentado pelos brasileiros é de outra ordem, não se reduz ao vírus, pois afeta, além da saúde, a economia, a organização social e o desenvolvimento humano de toda uma Nação.

O SUS é “seguramente uma das maiores conquistas civilizatórias da sociedade (brasileira) no século passado”, porque retira o sistema de saúde do País da lógica de mercado e o torna direito fundamental. Um direito que em nenhum país do mundo o sistema privado foi capaz de garantir.

De que modo um país com dimensões continentais e em plena retração econômica, em meio a uma crise política de dimensões graves, poderia oferecer um sistema de saúde universal e gratuito que fosse também de qualidade?

Outras duas perguntas estão estampadas no título deste artigo: haveria futuro sem o SUS? O que resultará do teste de estresse a que o SUS está sendo submetido pelas demandas extraordinárias, para as quais teve de improvisar em grande parte, e pelas inseguranças de uma gestão submetida a seguidas mudanças de ministro, em plena crise de confiança e de visões opostas sobre o valor da vida, do conhecimento e da ação governamental?

Tomo a liberdade de tentar responder, escorado em minha experiência de atividade pública na área de saúde, em que me orgulho de ter contribuído para a consolidação do SUS, seja em termos regulatórios e financeiros, seja expandindo sua atuação em tratamentos de doenças específicas, acesso a medicamentos e equipamentos de alta complexidade. Vejo que há dois caminhos para isso, a via legislativa e a das políticas estratégicas.

O momento exige maior sensibilidade do Congresso para iniciativas que melhorem a qualidade e a eficiência das políticas de saúde. Há bons projetos de lei em pleno andamento, como o que autoriza a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a adotar termos de ajuste de conduta como alternativa a penalidades a serem aplicadas pela infringência de normas a responsáveis pela produção e comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária. Isso permitiria corrigir os problemas sem recorrer a custosos procedimentos legais, economizando tempo para a agência e incentivando a melhoria do serviço prestado em hospitais, comércio de medicamentos e outros.

Outro exemplo é o projeto de lei que impede a concessão de patentes sem anuência prévia da Anvisa, mediante comprovação de que os medicamentos não prejudicam a saúde pública nem comprometem a sustentabilidade das políticas de acesso a medicamentos estratégicos no âmbito do SUS.

Quanto às políticas estratégicas, o combate à pandemia de covid-19 é um caso exemplar de consolidação de qualidade, economicidade e eficiência do SUS. As autoridades brasileiras tinham de antemão condições favoráveis para combater a pandemia, destacando-se a de dispor de um sistema de saúde de alcance universal, gratuito, cobrindo desde o atendimento médico, do mais simples ao mais complexo, até o desenvolvimento de pesquisa e a distribuição gratuita de medicamentos essenciais. E que acumulou ao longo de décadas uma bem-sucedida experiência de campanhas nacionais de vacinação.

Porém essas vantagens de nossa gestão da saúde pública não se converteram automaticamente em mecanismo capaz de planejar e gerir uma máquina de guerra de combate a um desastre das proporções da pandemia de covid-19. A começar por planejamento estratégico, elaboração de políticas, implementação de gestão da crise provocada pela pandemia, que vai muito além de seus aspectos sanitários. Por falta de planejamento e de senso estratégico, o Ministério da Saúde deixou que a má condução da gestão orçamentária, em pleno novo surto de covid-19, levasse o SUS a reduzir drasticamente a disponibilidade de UTIs e de equipamentos de ventilação, alegando falta de verbas.

Enquanto isso, o governo federal, com a outra mão, promete renunciar a receita tributária para benefício de um grupo de seus aliados. Falta de planejamento, incompetência da gestão orçamentária ou prevaricação pura e simples?

*Senador (PSDB-SP)


Eugênio Bucci: O capitão do mato como assessor de imprensa

Nos desplantes contra a imprensa e a sociedade há truculência ancestral e obtusidade imemorial

Dia desses, um jornalista experiente, dos maiores do Brasil, observou com precisão: a atitude de não dar nenhuma resposta às perguntas da imprensa vai se tornando padrão no governo federal. Resta aos jornalistas reportar o silêncio oficial: “O palácio decidiu não comentar”; “o ministério não deu retorno”; “consultamos a Presidência da República, mas não obtivemos resposta”.

A prática sistemática de ignorar as perguntas dos repórteres é mais um capítulo no bestiário que inclui numerosos insultos às redações jornalísticas e a seus profissionais. O governo, que já se notabilizou por ofender rotineiramente as empresas de comunicação e o ofício dos que se dedicam a informar o público, passa agora a adotar como política diuturna a arrogância do mutismo ostensivo e o desprezo contumaz pelo direito à informação. O quadro só piora.

É difícil encontrar precedentes para esse tipo de aberração. Nem mesmo Armando Falcão, ministro da Justiça de Ernesto Geisel, na ditadura militar, que recorria a evasivas como “nada a declarar” ou “sem comentários”, chegou a tanto. O que se estabelece agora, muito mais do que a esquisitice de um ministro dado a chiliques, é uma norma não escrita de indiferença governamental aos jornalistas e ao direito que cada cidadão tem de saber o que se passa dentro do Poder Executivo. É como se as autoridades nos dissessem a toda hora: “Vocês que se danem”.

No curso dos desplantes continuados contra a imprensa e contra a sociedade há traços de uma truculência ancestral – e de uma obtusidade imemorial. O presidente que aí está já deu mostras sucessivas de seus limites cognitivos, que o impedem de alcançar a complexidade das relações políticas mediadas por institutos como a liberdade de expressão e o direito à informação em sociedades modernas. O estilo deseducado, quando visto pela perspectiva do indivíduo em questão, é antes produto da estreiteza mental que de uma revolta genuína ou refletida. Nele o excesso de infâmia resulta da escassez de pensamento, o que o leva a se portar como um bárbaro dentro de seu próprio país.

Violência é a palavra-chave. Nas forças que levaram Jair Bolsonaro ao poder encontramos pistas que nos remetem à brutalidade que nos definiu como nação, numa linha contínua que atravessa toda a História do Brasil. O pacto autoritário que o elegeu e o sustenta tem no seu núcleo a presunção de que a opressão física a mando de interesses privados resolve os supostos desvios da vida pública. Nesse pacto a obediência tem mais valor do que a consciência e a liberdade. O chefe de Estado não é simplesmente um tipo amalucado de efeitos genocidas, não é apenas um falastrão xucro que chegou lá porque o eleitorado é volúvel e conservador – ele é a forma concreta do método pelo qual as camadas mais ricas e mais fortes esperam resolver seus impasses particulares a despeito do bem público.

Na constituição de caráter (ou de ausência de caráter) do atual presidente comparecem o capitão do mato, o jagunço, o matador de aluguel, o feitor de escravos, o capataz, bem como as novíssimas afetações das empresas de segurança privada e as milícias, as milícias, as milícias. Por meio dele, a polícia manietada se sobrepõe à política ilustrada. Ele entrou em cena como um prestador de serviços sujos a senhores que, em geral, preferem se refugiar em anonimatos ilustres e jamais o convidariam para jantar, ainda que o vejam como um agente útil, capaz de carpir a terra agreste para cair fora em seguida. O presidente está para as elites de hoje assim como o chicote, a chibata e os esquadrões da morte estavam para as elites de outros tempos. É uma ferramenta necessária, embora sabidamente infame.

O que não ocorre aos senhores, chafurdados em privilégios, é que às vezes o leão de chácara vira dono da boate – vide Pinochet. Não lhes ocorre que a política civilizada, no nosso tempo, é a única via de acesso ao futuro – vide Biden. Não há atalhos. Por não terem visto nada disso, e por acreditarem que o serviço sujo traz a “limpeza” classista, mantêm seu apoio indigno a um provocador que usurpa o próprio mandato. Não, a nossa tragédia não é a persistência do presidente da República. A nossa tragédia pior são aqueles que o sustentam por ação ou omissão.

E assim estamos. Quando esse governo achincalha a imprensa, como vem fazendo seguidamente, quer achincalhar a instituições da democracia e da vida civilizada. Sem descanso, trabalha para expelir da cena pública qualquer olhar que não seja subserviente. O governante que alimenta o projeto de um Estado como a extensão de um quartel rebaixado quer a sociedade como uma plateia de bajuladores.

Enquanto isso, vai fazer mais vítimas entre os que lhe deram esteio, pavimentando o caminho para seu idílio de intolerância e desfaçatez, no qual ele não terá de dar respostas, nunca, apenas ordens. Fora isso, vai seguir batendo na imprensa, vai continuar a chamá-la de “lixo”, sempre para deixar patente que, em matéria de cultura, de civilidade e de boas maneiras, a ele bastam o penteado descentrado e a gravata desconforme.

*Jornalista, é professor da ECA-USP


Ribamar Oliveira: Trajetória da dívida pública não foi tão ruim

É possível, em tese, retomar o auxílio emergencial sem criação de imposto

A União vive uma situação muito difícil na área fiscal, registrando déficits primários continuados desde 2014. Mas, mesmo com os elevados gastos realizados no combate à pandemia em 2020, a trajetória da dívida pública foi menos desfavorável do que as previsões do próprio governo e dos analistas do mercado.

Em outubro, por exemplo, o Tesouro Nacional projetava que a dívida bruta do setor público ficaria em 96% do Produto Interno Bruto (PIB), ao fim do ano. Ela terminou em 89,3% do PIB, de acordo com o Banco Central. Ou seja, 6,7 pontos percentuais abaixo da previsão. No início da pandemia, alguns analistas chegaram a prever que ela atingiria 100% do PIB.

Vários motivos explicam o desempenho menos desfavorável. O primeiro foi o resultado primário do setor público, que ficou abaixo das previsões. Em seu Relatório de Projeções da Dívida Pública, do terceiro quadrimestre, divulgado no fim de outubro, o Tesouro Nacional trabalhou com a previsão de que o déficit primário do setor público consolidado ficaria em 12,7% do PIB em 2020.

O déficit primário do ano passado ficou, no entanto, em 9,49% do PIB, segundo o Banco Central. Houve uma recuperação da receita tributária da União a partir de junho do ano passado, o que melhorou o resultado fiscal. Assim, o governo foi menos pressionado a fazer emissões de títulos para obter recursos para pagar as suas despesas, o que resultou em menor endividamento.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado, deu duas outras explicações para o fenômeno, em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal, divulgado no mês passado. A menor queda da atividade econômica e uma aceleração da inflação no fim de 2020 foram os fatores que, conjuntamente, elevaram o PIB nominal, mostrou a IFI. A dívida pública é sempre comparada ao PIB, que mede o que foi produzido no país em determinado ano. Se o PIB aumenta mais do que o previsto, melhora a relação dívida/PIB. Foi o que ocorreu em 2020.

A IFI lembrou que, em novembro do ano passado, o IBGE divulgou os resultados definitivos das contas nacionais de 2018, observando que, em valores correntes, o PIB daquele ano foi revisado para R$ 7,004 trilhões. Com isso, a taxa de crescimento entre 2017 e 2018 passou de 4,6% para 6,4%. No início de dezembro, o IBGE divulgou as revisões das informações referentes a 2019 e à primeira metade de 2020.

O PIB de 2019 foi alterado de R$ 7,257 trilhões para R$ 7,407 trilhões, com o crescimento nominal de 2018 para 2019 passando de 5,3% para 5,8%.

O PIB nominal também aumentou porque a inflação acelerou no fim do ano passado. O IPCA passou de 0,89% em novembro para 1,35% em dezembro, a maior variação mensal desde fevereiro de 2003, observou a IFI. O IPCA encerrou o ano com alta de 4,52%, ou seja, 0,52 ponto acima do centro da meta de inflação.

A entidade do Senado explicou ainda que o deflator do PIB também aumentou, em relação à estimativa inicial. O deflator é uma medida de inflação mais ampla que o IPCA, pois reflete a variação de preços de todos os bens e serviços produzidos internamente. Os dois índices caminham na mesma direção, embora, como observou a IFI, o deflator do PIB costume evoluir acima do IPCA.

Com a economia caindo menos do que o previsto e com o deflator do PIB subindo mais do que se esperava, o valor nominal do PIB em 2020 também foi maior do que as projeções iniciais.

Em seu relatório de outubro, o Tesouro Nacional trabalhou com uma retração do PIB em 2020 de 5%, em termos reais. Em dezembro, já com todas as revisões feitas pelo IBGE, o Banco Central mudou sua projeção para o PIB e passou a considerar uma queda real de 4,4%. O dado oficial será divulgado pelo IBGE no início de março.

Depois de a dívida bruta do setor público (DBGG) atingir 96% do PIB em 2020, o Tesouro projetou, no relatório de outubro, que ela seguirá crescendo mais lentamente nos próximos anos, chegando a 100,8% do PIB em 2026, quando adquiriria uma trajetória decrescente. A Secretaria do Tesouro Nacional (STF) alterou a periodicidade do relatório, que passará a ser semestral, a partir deste ano. As projeções para 2021 e para o período de dez anos, com os novos parâmetros, só serão conhecidas em abril, com revisão em outubro.

Por conta dos gastos da União para preservar a população da pandemia, a dívida bruta aumentou 15 pontos percentuais do PIB no ano passado. É uma elevação muito expressiva, principalmente para um país emergente como o Brasil. Mas o fato é que a trajetória futura para a dívida pública bruta é muito melhor, hoje, do que a projeção feita em outubro pelo Tesouro.

Se o governo gastar R$ 20 bilhões com o novo auxílio emergencial de R$ 200, que seria concedido pelo prazo de três meses, para um número menor de pessoas do que no ano passado, a trajetória futura para a dívida ainda será melhor do que aquela traçada em outubro pelo Tesouro. Ou seja, é possível dar o auxílio sem a criação de um novo imposto.

O objetivo de um novo imposto é, claramente, o de melhorar a meta de resultado primário deste ano. O governo precisa avaliar se o custo de mudar a estratégia de ajuste fiscal - até agora focada no controle e redução das despesas - vale a pena. Trilhar o caminho do aumento da carga tributária para resolver a questão fiscal, como foi feito em passado recente, talvez seja um erro.


Mariliz Pereira Jorge: 2022 já começou

O que os possíveis adversários de Bolsonaro esperam para botar o bloco na rua?

Lula está certo ao lançar o nome de Fernando Haddad como pré-candidato do PT à Presidência. Mesmo que seja sem convicção. Ainda que seja apenas para se posicionar e deixar claro que frente ampla só se for com o PT na comissão de frente. Só não vê quem não quer: 2022 já começou.

É bom lembrar que Jair Bolsonaro começou sua campanha para 2018 anos antes, quando se desfiliou do PP e disse sonhar ser presidente. Em novembro de 2016, ao prestar depoimento num processo contra o então deputado Jean Wyllys por quebra de decoro, voltou a afirmar que seria candidato "quer gostem ou não".

Eleito e empossado, Bolsonaro se dedica com afinco a apenas duas atividades. Uma delas é tirar férias. Em plena pandemia, o presidente foi descansar no litoral paulista no fim do ano. Agora vai curtir o Carnaval em Santa Catarina, para pescar, quando o país chega a 235 mil mortes.

A outra prioridade é fazer campanha, desta vez para 2022. As pautas de "costumes" que o governo defende no Congresso, por exemplo, são na maioria das vezes apenas combustível para Jair animar sua torcida a fazer barulho. Gostem ou não, o presidente já está em vantagem. O que os possíveis candidatos à Presidência esperam para colocar o bloco na rua? Há quem diga que é muito cedo, que o normal seria esperar o ano eleitoral. O Brasil não é um país normal, não vivemos um momento normal, não temos uma democracia normal.

O eleitor quer saber quais são as alternativas, quem vai se juntar com quem, se tem frente ampla, qual alternativa à esquerda à intransigência de Lula de insistir em ser a única força com chances de segundo turno. O que pode parecer cedo, talvez seja necessário. Sem impeachment, ter o debate desde já coloca os presidenciáveis na mesma página. E nos traz um pouco de esperança de já pensar num possível cenário pós-Bolsonaro.


Folha de S. Paulo: Documentos mostram que Saúde usou Fiocruz para produzir 4 milhões de comprimidos de cloroquina

Medicamento sem eficácia para Covid foi fabricado com recursos emergenciais; Fiocruz diz que é para malária e não comenta uso do dinheiro

Vinicius Sassine, Folha de S. Paulo

O Ministério da Saúde usou a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para a produção de 4 milhões de comprimidos de cloroquina, com o emprego de recursos públicos emergenciais voltados a ações contra a Covid-19 e com destinação prevista do medicamento a pacientes com coronavírus.

Documentos da pasta obtidos pela Folha, com datas de 29 de junho e 6 de outubro, mostram a produção de cloroquina e também de fosfato de oseltamivir (o Tamiflu) pela Fiocruz, com destinação a pacientes com Covid-19. Os dois medicamentos não têm eficácia contra a Covid-19, segundo estudos.

O dinheiro que financiou a produção partiu da MP (Medida Provisória) nº 940, editada em 2 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para o enfrentamento de emergência do novo coronavírus, como consta nos dois documentos enviados pelo Ministério da Saúde ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília. A MP abriu um crédito extraordinário, em favor do ministério, no valor de R$ 9,44 bilhões.

Para a Fiocruz, que é vinculada à pasta, foram destinados R$ 457,3 milhões para "enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus".

Na exposição de motivos sobre a MP, não houve detalhamento de como o dinheiro seria gasto. O texto da Presidência da República enviado ao Congresso fala em "produção de medicamentos".

Os documentos enviados ao MPF apontam gastos de R$ 70,4 milhões, oriundos da MP, com a produção de cloroquina e Tamiflu pela Fiocruz.

Os ofícios associam a produção dos dois medicamentos aos recursos destravados para a pandemia. As drogas se destinam a pacientes com Covid-19, segundo os mesmos ofícios, elaborados por uma coordenação da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde.

No Brasil, a Fiocruz é a responsável pela importação e produção da vacina desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford. A Fiocruz também desenvolve pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina nacional.

Segundo a instituição, a produção de cloroquina e de Tamiflu não impactou as ações voltadas a pesquisas, testes e desenvolvimento de imunizantes, por se tratarem de unidades distintas no órgão.

Na sexta-feira (5), a fundação afirmou à Folha que Farmanguinhos, o instituto responsável pela fabricação de medicamentos, produziu cloroquina para atender ao programa nacional de prevenção e controle da malária.

"Farmanguinhos produz cloroquina somente para o que está previsto em sua bula. A bula descreve que a cloroquina é indicada para profilaxia e tratamento de ataque agudo de malária e no tratamento de amebíase hepática, artrite, lúpus, sarcaidose e doenças de fotossensibilidade", disse.

Nesta quarta-feira (10), após questionamentos da reportagem sobre os novos documentos, a Fiocruz reafirmou o que disse na nota anterior. "Farmanguinhos não produziu em 2020 ou está produzindo o referido medicamento para outras indicações."

Segundo a instituição, o Ministério da Saúde informou que poderia fazer uma solicitação, mas isso não teria se concretizado.

Farmanguinhos entregou 16,8 milhões de doses de Tamiflu para "tratamento e profilaxia de gripe em adultos e crianças com mais de um ano" e outro lote será entregue em 2021, cita a nota.

Nem a Fiocruz nem o Ministério da Saúde comentaram o uso dos recursos da MP voltada a ações contra o coronavírus para a produção dos dois medicamentos.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que a aquisição da cloroquina não foi concretizada, que a produção deve ser explicada pela Fiocruz e que o Tamiflu não é para Covid-19, mas para influenza. "Ao atuar no tratamento da influenza, ele favorece a redução da sobrecarga ao sistema de saúde em função do aumento de doenças respiratórias."

Em 29 de junho, Farmanguinhos já produzia 2,5 milhões de cápsulas de fosfato de oseltamivir 30 mg, 2,35 milhões de 45 mg e 11 milhões de 75 mg, o que totaliza 15,85 milhões de doses. "Esses quantitativos em produção serão custeados por meio de recursos destinados à Fiocruz, pela medida provisória nº 940", cita o primeiro documento do Ministério da Saúde.

O investimento previsto era de R$ 70,4 milhões. "Dada a capacidade produtiva do laboratório público e a necessidade deste ministério, esses medicamentos serão fornecidos ao longo dos próximos cinco meses."

A mesma lógica valia para a cloroquina: "Também com esses recursos alocados à Fiocruz, por meio da Medida Provisória nº 940, está em processo de produção por Farmanguinhos/Fiocruz o montante de 4.000.000 de comprimidos de disfosfato de cloroquina 150 mg. Esse montante tem previsão de entrega nos meses de julho e agosto".

Um novo documento, elaborado em 6 de outubro pela mesma área do Ministério da Saude, confirmou as informações de junho. Dessa vez, a pasta informou que "foi realizada a aquisição" do Tamiflu, em julho, junto a Farmanguinhos, com o uso de recursos destravados pela MP nº 940.

"O Ministério da Saúde tem distribuído o fosfato de oseltamivir para o enfrentamento à pandemia e tem recomendado o uso concomitante com outros medicamentos por até cinco dias até exclusão de influenza, em pacientes pediátricos com diagnóstico de Covid-19", afirma.

O protocolo de uso do medicamento o recomenda para gripe e síndrome respiratória aguda grave.

O documento também dá o panorama sobre a cloroquina produzida na Fiocruz: "Com os recursos alocados à Fiocruz, por meio da MP nº 940, para a aquisição de medicamentos, encontra-se em processo de aquisição junto a Farmanguinhos o montante de 4.000.000 de comprimidos de difosfato de cloroquina 150 mg".

O medicamento "está sendo distribuído de acordo com as orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19", afirma.

A cloroquina da Fiocruz se soma a outras ofensivas do Ministério da Saúde. O Laboratório Químico Farmacêutico do Exército produziu 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina, a um custo de R$ 1,16 milhão, a partir de pedidos feitos pelos Ministérios da Saúde e da Defesa. Já os EUA, ainda no governo de Donald Trump, doaram 2 milhões de comprimidos ao Brasil.

No sábado (6), a Folha mostrou que o governo Bolsonaro mobilizou pelo menos cinco ministérios, uma estatal, dois conselhos da área econômica, Exército e Aeronáutica para distribuir o medicamento.

Com base na reportagem, o PDT ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma notícia-crime contra o presidente nesta terça-feira (9).

Dados do Ministério da Saúde mostram a distribuição de 5.416.510 comprimidos de cloroquina; 481.500 de hidroxicloroquina; e 22.380.510 de Tamiflu. O total gasto, segundo o Localiza SUS, foi de R$ 89 milhões.

O ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, passou a ser investigado nas esferas cível e penal pela distribuição de cloroquina.

Há procedimentos contra o ministro no MPF na primeira instância e na PGR (Procuradoria-Geral da República). Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou ilegalidade no uso de dinheiro do SUS com essa finalidade.


A cloroquina e o governo Bolsonaro

Março.2020
Bolsonaro começa a defender a cloroquina e diz já ter dado ordem para Exército ampliar a produção do medicamento em seu Laboratório Químico Farmacêutico

Abril.2020
Presidente publica medida provisória liberando crédito extraordinário a Ministério da Saúde e Fiocruz
Entre outros objetivos, previsão do dinheiro é para produção de medicamentos

Maio.2020
Parecer técnico do ministério recomenda uso de Tamiflu durante a pandemia em casos de gripe e síndrome aguda respiratória grave

Junho.2020
Fiocruz já produz cloroquina e Tamiflu com recursos liberados pela MP voltada a ações contra a pandemia

Julho.2020
Ministério adquire todo o Tamiflu produzido por Fiocruz

Agosto.2020
Guia do ministério é atualizado e orienta "tratamento precoce" com cloroquina. No mesmo mês, a Fiocruz anuncia acordo com AstraZeneca e Universidade de Oxford para produção de vacina contra a Covid

Outubro.2020
Está em andamento o processo de aquisição, pelo Ministério da Saúde, de 4 milhões de comprimidos de cloroquina produzidos pela Fiocruz

Janeiro.2021
Governo Bolsonaro, diante do avanço de investigações sobre o gasto de dinheiro público com medicamentos sem eficácia, começa a ensaiar um recuo na defesa da cloroquina


O Estado de S. Paulo: 'Já sou contra privatizar Eletrobrás pelo custo ao governo, melhor vender a Caixa', diz Elena Landau

Economista critica a insistência do governo em atropelar o Congresso e propor uma Medida Provisória para vender as ações da companhia no mercado; segundo ela, privatização perdeu a importância e se tornou 'mero simbolismo'

Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O governo vai acabar tendo que pagar para privatizar a Eletrobrás, diz a economista Elena Landau. Ex-diretora da área de privatizações do BNDES durante o governo Fernando Henrique Cardoso e colunista do Estadão, Landau critica a insistência do governo em propor, mais uma vez, uma Medida Provisória para capitalizar (vender ações no mercado) a companhia. Para ela, será uma tentativa de atropelar o Congresso, já usada no passado sem sucesso, e que vai trazer mais insegurança jurídica ao processo, já que a tendência é que o texto caduque antes de ser aprovado.

Landau afirma ainda que a privatização da Eletrobrás perdeu relevância e se tornou mero simbolismo. “O setor elétrico anda bem sem a Eletrobrás, e o governo vai acabar pagando para privatizar. Eu já sou contra a privatização nesses termos. Isso não me mobiliza mais”, afirmou, ao Estadão/Broadcast. Confira os principais trechos.

O que a sra. achou da ideia do governo de enviar, novamente, uma Medida Provisória para privatizar a Eletrobrás?

Qualquer proposta dentro do programa de privatizações demanda enorme segurança jurídica e aceitação por parte dos investidores e do mundo político. Não pode ser feito por MP, que só tem força de lei enquanto não caducou, e depois que caduca, perde validade e cria uma enorme insegurança jurídica. Se for para simplesmente repetir o que já está no projeto de lei que enviaram ao Congresso, que respeitem e não atropelem o Congresso Nacional. Não podem mandar MP para cortar o caminho. E se for para autorizar a contratação de estudos para a privatização, cai no requisito da inconstitucionalidade, pois uma MP dessa natureza não teria nem urgência, nem relevância. Não tem sentido nenhum. Isso já foi tentado no governo Temer e a MP 814 caducou. Todo mundo viu que ia dar errado e mandaram um projeto de lei. Estão repetindo o erro. Ainda que fosse aprovado, daria uma rigidez muito grande ao processo todo. Se precisasse mudar qualquer item da lei, teria que voltar ao Congresso para ajustar. O projeto de lei deve ser votado apenas depois dos estudos e ter apenas aquilo que realmente precisa de lei, como a descotização. Mas aí dá pra fazer uma lei apenas sobre descotização.

O governo considera que precisa dar uma sinalização positiva ao mercado com a renúncia de Wilson Ferreira Jr. A sra. considera que a MP seria esse sinal?

Não sei como o mercado comprou, em algum momento, que a privatização da Eletrobras iria andar no governo Bolsonaro. No governo Temer até tudo bem, porque privatizaram sete distribuidoras e era uma gestão com agenda claramente liberal e reformista. Era crível acreditar na privatização da Eletrobrás no governo Temer, mas no governo Bolsonaro não tem abertura comercial, não tem reforma administrativa. Como vão acreditar na privatização da Eletrobrás? Por isso a saída de Ferreira Jr é tão significativa, porque era o único empenhado na privatização. A MP é uma resposta atabalhoada a isso.

Na sua opinião, qual seria a melhor alternativa para privatizar a Eletrobrás?

Recuar completamente e fazer um único pedido ao Congresso, que é a revogação do trecho do artigo 31 da Lei 10.848, do governo Lula, que excluiu a Eletrobrás e suas subsidiárias do Programa Nacional de Desestatização (PND). Sou a favor de retomar as privatizações como sempre foi feito. Nesse caso, a ordem dos fatores altera o produto. Definir a modelagem antes da autorização de venda é um erro. Entrega ao Congresso uma competência que é do Executivo, quando o Legislativo não tem estrutura técnica para isso. Politicamente é um erro, você precisa começar o jogo da negociação política com uma série de supostos ganhos, como redução das tarifas, dinheiro para o Norte e o São Francisco, e o Congresso sempre vai pedir mais. Não é mais fácil rever todos os encargos setoriais e subsídios para carvão, fontes renováveis, agronegócio, em vez de abater esse custo das tarifas com outorga? Quem definiu o valor que irá para o São Francisco? É preciso um estudo muito detalhado sobre o valor da outorga (quanto a União receberá na operação), incluindo a questão de Tucuruí. É uma questão técnica, não política.

Como a sra. vê a questão da capitalização?

A capitalização foi decidida em 2018, mas dentro das circunstâncias da Consulta Pública 33, para evitar que a Eletrobrás ficassem de fora e perdesse a oportunidade de descotizar a energia de suas usinas (ou seja, vender a energia a preço de mercado). A partir disso, aproveitando a capitalização, daria para diluir a participação da União na empresa. Veio o projeto de lei e o tempo foi passando. O bônus de outorga contribuiria para o resultado primário de 2018, mas essas circunstâncias fiscais hoje são muito diferentes. Em três anos, poderiam ter feito estudos paralelos de forma a maximizar o retorno ao Tesouro, para avaliar os modelos possíveis, as memórias de cálculo e a outorga. Falta transparência nesse processo, que é algo fundamental no programa de privatizações e no serviço público. E ainda tem a questão de Tucuruí (uma das maiores hidrelétricas da Eletronorte, cuja concessão vence em 2024), que era um futuro longínquo em 2018 e agora está próximo demais para ser ignorado.

Onde estão as resistências à privatização da Eletrobras?

Hoje, na área política, estão concentradas no presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), por causa de Furnas, e na bancada do Norte, nos senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Mas há as resistências de sempre, como os fornecedores, que sempre cobram sobrepreço para vender para a União e usam muitas vezes práticas não republicanas, dos empregados e das corporações.

Como vender a ideia da privatização e vencer a resistência da sociedade?

O discurso da privatização precisa mostrar os benefícios desse processo. A privatização da Gerasul, hoje Engie, mostra o potencial de uma empresa que sai da gestão pública, sem amarras de compras, crédito e recursos humanos. Ela era um pedaço da Eletrobrás e já chegou a valer mais do que a Eletrobrás. A melhor peça a favor da privatização desse governo foi o estudo sobre salários e privilégios das estatais. Vender estatal com o discurso fiscal é muito ruim, ainda mais depois do déficit por causa da covid-19. Os críticos vão fazer uma conta de padaria e dizer que entrará R$ 15 bilhões quando o buraco é muito maior. Além disso, depois da capitalização bilionária que fizeram na Emgepron (estatal militar), o discurso fiscal ficou muito fragilizado. 

Com tantas críticas ao processo, a senhora ainda é a favor da privatização da Eletrobrás?

Para mim, a privatização da Eletrobrás se tornou uma questão de simbolismo, porque não tem mais relevância. O setor elétrico anda bem sem a Eletrobrás. O governo vai acabar pagando para privatizar. Eu já sou contra. Não me mobiliza mais.  Em 2011, a Eletrobrás tinha 34% da geração, hoje tem 30% e em 2024 terá 24%; na transmissão, era 52% em 2011, hoje é 45% e em 2024 será 39%. A empresa não investe mais, está minguando, e os maiores interessados em reverter esse processo deveriam ser os funcionários, pois o investimento se tornou uma questão de sobrevivência para a empresa.

Se a Eletrobrás fica de fora, qual sua lista prioritária de privatizações?

Estou muito mais focada no simbolismo de vender ValecEBCTelebrás, fazer um pente-fino nas empresas dependentes do Tesouro Nacional, ver qual delas se justifica além da Embrapa. Cadê as escolas com banda larga da Telebrás? Para que serve a Valec? A EBC se tornou a TV Bolsonaro e agora compra novela do bispo Edir Macedo, que é um aliado. Se for para comprar novela, comprem da Globo porque é muito melhor. Estou muito mais interessada em vender a Caixa e acabar com o populismo do presidente Pedro Guimarães, que usou o banco para avançar no mercado das fintechs, abrindo agência quando todo mundo está fechando, um cara supostamente liberal fazendo o uso mais populista possível de um banco público. O estrago que a Caixa faz no setor bancário é muito maior que o da Eletrobrás no setor de energia. 

O governo diz que a mudança no comando da Câmara vai fazer a privatização andar. A sra. acredita nisso?

O próprio ministro Bento Albuquerque já falou que a privatização ficará para 2022. Fazer privatização no meio de uma campanha presidencial, com o presidente contra, eu nunca vi. Já vi em 1998, mas Fernando Henrique e todo o governo eram a favor. Alguém acha que Bolsonaro vai apoiar? Só se for em fevereiro, com o Congresso distraído e tudo aprovado em 2021. De qualquer forma, com a mudança no comando da Câmara, a desculpa de jogar a culpa no Rodrigo Maia (DEM-RJ) caiu. Perdemos uma Câmara reformista, Maia era um aliado da agenda liberal. Alguém acha que o PP de Arthur Lira (AL) é a favor? 

Mas as resistências à agenda de privatizações vão além do Congresso?

Não precisa atravessar a Esplanada dos Ministérios para encontrar inimigos da privatização. Eles estão na própria Esplanada. Valec, Ceitec, EBC, todas as estatais militares. Os ministros que comandam essas empresas são os inimigos. O governo se especializou em jogar a culpa nos outros. Bolsonaro ainda é o mais consciente deles, é um mentiroso contumaz, mitômano, que fala com uma seita que acredita em tudo que ele fala e para o resto distribui cargos. Já o ministro Paulo Guedes vive numa realidade paralela, cria e acredita. O mágico não pode acreditar na mágica. Bolsonaro não é maluco, maluco é quem acredita nele. Vai fazer o que quiser e pegou Guedes para ser seu fiador. Como já disse o ministro da SaúdeEduardo Pazuello, “é simples assim, um manda e outro obedece”. É um governo populista e vai dar muito trabalho para explicarmos, no futuro, esse interregno populista que nada tem a ver com liberalismo. Guedes prestou um grande desserviço à causa liberal ao participar desse governo e não implantar nada da pauta liberal. 

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Maria Hermínia Tavares: Para Bolsonaro a prioridade é devastar

Quatro projetos de lei tem tudo para agravar a destruição da Amazônia e colocar em perigo as populações indígenas

Na semana passada, o presidente da República entregou ao novo titular da Câmara dos Deputados a pauta legislativa de interesse do Executivo, contendo 35 projetos já em tramitação no Congresso. Quem tem tantas metas a rigor não tem nenhuma. Ainda mais quando se considera o escasso tempo —coisa de um ano— antes que as disputas voltadas para as próximas eleições paralisem os trabalhos legislativos.

Em meio à pandemia, é de estarrecer a ausência de qualquer iniciativa para fortalecer o sistema público de saúde, apoiar as redes de escolas públicas confrontadas com o desafio da reabertura em circunstâncias difíceis ou, enfim, para fortalecer a capacidade do país de produzir ciência e conhecimento aplicado a fim de enfrentar a calamidade sanitária.

Em compensação, quatro projetos, considerados prioritários pelo presidente, tem tudo para agravar a devastação da Amazônia e colocar em perigo o modo de vida --se não a própria existência-- de suas populações originárias.

Menina dos olhos de Bolsonaro, a mineração nas terras teoricamente protegidas que esses povos, por lei, ocupam é objeto do projeto de lei 191/2020, que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais —incluindo o garimpo—, hídricos e orgânicos naquelas reservas. Hoje praticados de forma ilegal, se guiados por regras frouxas, mineração e garimpo poderão desfigurar 50% das terras indígenas da Amazônia Legal, 28% delas em toda sua extensão, afetar 28 comunidades indígenas e cerca de 65 povos isolados, segundo calcula o ISA (Instituto Socioambiental).

A regularização fundiária é tratada no projeto de lei 2633/2020, que substituiu a chamada medida provisória da grilagem (MP 910) e que, no entender dos especialistas, ao estimular a ocupação predatória e ilegal de terras, pode produzir retrocesso ambiental.

A lista do desastre se completa com os textos que tratam do licenciamento ambiental (projeto 3729/2004) e das concessões florestais (5518/2020). Nos dois casos, um cabo de guerra opõe os defensores de normas claras que imponham custos elevados à depredação àqueles que mexem os pauzinhos junto ao governo pela licença ilimitada para desmatar.

Os destinos da floresta e de seus povos são inextricáveis: é o que torna o Brasil original como cultura e decisivo, graças ao seu patrimônio ambiental, para o futuro do planeta --valores espezinhados pela combinação de cegueira, ignorância e vocação destrutiva da extrema direita que desgoverna o país. O Legislativo terá de enfrentar mais uma vez o desafio de impedir o pior. Resta saber se terá ânimo para tanto.

Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


William Waack: Tudo dando certo

Cenário internacional ajuda o Brasil e tira senso de urgência para questão fiscal

A julgar pelo noticiário da imprensa especializada internacional (Financial Times, por exemplo), começou um novo ciclo de forte valorização de commodities. A subida de preços abrange 27 tipos que vão do café ao níquel, e incluem produtos agrícolas nos quais o Brasil é campeão mundial. Os investidores ainda indagam se é mais do que uma recuperação em “V” das profundezas da crise da pandemia, mas consolida-se a percepção de que estamos indo para um superciclo, comparável ao do início de 2000.

O Brasil é muito mais dependente das grandes conjunturas externas do que nos é confortável admitir. Por exemplo, é impossível entender o que foi o período do PT sem levar em conta o superciclo das commodities de 20 anos atrás. Ele criou uma bonança que alterou os cálculos políticos. E explicava o surgimento da tal “nova classe média”: não era o “projeto petista”, mas, sim, o crescimento da China, a expansão do comércio exterior (globalização) e a demanda por nossas exportações – sendo que o mesmo volume do nosso minério de ferro passara a comprar muito mais TVs de tela plana.

Junte-se a descoberta do pré-sal, na metade daquela década, quando o barril do petróleo foi para as alturas, e temos a mistura de fatores, sobre os quais não tínhamos qualquer controle, criando uma atmosfera política do “tudo é possível”. Lula nunca entendeu o que aconteceu no grande quadro internacional e talvez pense até hoje ter sido o criador do superciclo – o fato é que a bonança acabou desperdiçada por falta de visão política (abandonaram-se as reformas), irresponsabilidade, corrupção (que não foi inventada pelo PT) e intervencionismo estatal desastroso.

A lição que essa (admita-se) ultrasimplificação da nossa recente história oferece é a de que o surgimento de uma “zona de conforto”, criada por fatores sobre os quais pouco influímos, tem um impacto direto na conduta dos agentes políticos e do setor privado. Em outras palavras, nada fica parecendo tão urgente que não possa ser deixado para amanhã. Aplicado às circunstâncias atuais, o vigoroso movimento de alta das commodities – sim, com jeito de superciclo – talvez ajude a entender a calma com que os mercados reagem especialmente ao que o governo brasileiro deixa de fazer.

A situação fiscal está no limite e a probabilidade de que reformas estruturantes sejam aprovadas este ano é muito reduzida. Porém, a combinação de dois fatores amplos proporciona essa agradável situação, tão ao gosto do Centrão, de que as coisas podem ir sendo empurradas com a barriga, especialmente cortes em despesas. Um fator é a extraordinária injeção de liquidez mundial com juros baixos e a recuperação da China e dos Estados Unidos sob um inédito pacote de incentivos. O outro é a noção de que a vacinação em massa (mesmo com os percalços brasileiros) induz a uma retomada da economia mais acelerada do que se calculava ainda há dois meses.

Com isso, diminui também não só a “pressa” de resolver nossos intratáveis problemas estruturais. Ressurge com ênfase entre agentes políticos a discussão se o reaquecimento da economia e a consequente recuperação da arrecadação não seriam, por si, suficientes para criar o tal “robusto marco fiscal” que permita prosseguir no pagamento do auxílio emergencial – algo vital para a pretensão de reeleição de Bolsonaro. Basta declarar a tal “excepcionalidade temporária” com que as forças políticas no Congresso que capturaram o Planalto pretendem promover a quadratura do círculo (gastar mais e cortar menos).

É possível que esse sopro favorável internacional ajude a consolidar na cabeça de Jair Bolsonaro, sempre inclinado a acreditar no absurdo e no fácil, a percepção de que tudo está dando certo


Maria Cristina Fernandes: Centrão dá autonomia ao BC e captura Anvisa

Desapego pela regulação sugere que bloco apenas acumula créditos para cobrar de Guedes em breve

O novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) escolheu o projeto que dá autonomia ao Banco Central para marcar sua estreia na condução da mesa diretora da Casa. Convém cautela, porém, com o zelo demonstrado pelo Centrão na regulação dos mercados.

Se a preocupação é blindar o Banco Central das interferências políticas dos governantes de plantão, falta explicar por que o cuidado não é extensivo à Agência de Vigilância Sanitária, a mais importante das reguladoras de mercado no Brasil da pandemia. Quem lidera a pressão para submeter a Anvisa aos caprichos do lobby da vacina russa é o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), outro integrante do núcleo duro do Centrão.

Difícil imaginar onde bateria o dólar hoje se a Câmara dos Deputados resolvesse, por exemplo, acrescentar um artigo ao projeto aprovado pelo Senado estabelecendo prazo para o Banco Central intervir no câmbio quando a moeda americana disparar. Foi mais ou menos isso que fez a MP 1003/2020. Deu prazo não para a Anvisa analisar mas para aprovar o uso emergencial de vacinas cinco dias depois de protocolado o pedido para a análise da agência.

Ricardo Barros, o deputado que liderou a aprovação da medida provisória no formato que melhor convém à empresa que pretende trazer a Sputnik V ao Brasil, comandou o Ministério da Saúde no governo Michel Temer. Foi um teste de resiliência para o SUS, mas não se ouviu, durante aquele governo, o então ministro dizer que “enquadraria” a Anvisa.

A pressão desmedida sobre a Anvisa aconselha ceticismo em relação à lua de mel de Lira com a equipe econômica do governo e os investidores que nela ainda creem. Lira pinçou, da extensa pauta de prioridades do governo federal, um dos projetos menos polêmicos para sinalizar boa vontade com Guedes & cia. A pergunta que cabe fazer agora, dado o desapego do Centrão pela boa regulação do mercado, é onde o bloco quer chegar.

É simples. Lira acumula créditos para cobrar lá na frente. Se alguém comemora a aprovação do projeto de autonomia do BC na Câmara é porque ainda não se deu conta de que a cobrança desta fatura vai tornar a vida dos autônomos mandatários do banco um inferno.

Não faltam evidências de que esta cobrança imporá um custo fiscal difícil de carregar. Não porque o Brasil não possa se endividar, mas porque o faz sem rumo nem sinal de onde pretende chegar. E apesar disso, tem a anuência dos juízes e bandeirinhas em campo, como foi o caso na manobra que permitiu jogar para 2021 gastos de até R$ 40 bilhões do Orçamento de guerra não executados no ano passado.

Se o fizeram em 2020, voltarão a fazê-lo este ano quando o novo comando do Congresso sinaliza que quer acochambrar tudo, do auxílio emergencial aos novos gastos de Estados com a pandemia e até uma segunda rodada de suporte às empresas. Tudo na modalidade de “crédito extraordinário”.

A Constituição é clara. Trata-se de um recurso a ser usado em caso de imprevisibilidade e urgência. Numa pandemia, prever esses gastos deveria ser a rotina, não a exceção. Por isso, deveriam estar contidos na Lei Geral do Orçamento, cuja comissão mista foi instalada ontem. Para isso, no entanto, os novos gastos teriam que cumprir as regras fiscais e abrir espaço com uma tesourada que ninguém no Centrão ou no Palácio do Planalto quer dar. Vai que alguém lembra dos R$ 9 bilhões reservados para as quatro novas fragatas da Marinha.

A fatura não para por aí. O Centrão não desistiu dos bancos públicos. Falhou na tentativa de arrebanhar a presidência do Banco do Brasil, mas ainda cobiça diretorias e não apenas no BB, mas na Caixa Econômica Federal e até no BNDES. Se alguém acha que assim também é demais, basta ver o que se passa com a Anvisa.

Bolsonaro ainda não decidiu se vai acatar o pedido do presidente da Anvisa para vetar o jabuti do Centrão na MP, mas a permanência de Ricardo Barros na liderança do governo sugere que o presidente da República começou a campanha pela reeleição na oposição.

A julgar pelo desempenho em campo de seus adversários, vai querer fazer olé com o chapéu alheio. Rodrigo Maia levou o cesto de roupa suja do seu time para a beira do Lago Paranoá e o PSDB se consome em disputas internas entre um governador impopular em seu próprio Estado e um deputado com contas a prestar na Justiça.

O PT fulanizou a pré-campanha antes da hora e o bloco dos excluídos do bolsonarismo hoje se dedica mais às fusões partidárias e à sobrevivência das nanolegendas do que a saber por que, num país que gastou R$ 524 bilhões no combate à covid-19 em 2020, faltam oxigênio, medicamentos, UTIs e sobra energia para o lobby das vacinas.

É natural que Bolsonaro queira antecipar a campanha. Tem duas razões para fazê-lo. Primeiro porque é bom nisso. Depois porque, tendo terceirizado o governo para o Centrão, resta-lhe ocupar o vácuo da oposição. Já disse que gostaria de ver a mãe vacinada. O próximo passo é entrar na fila para virar jacaré. Mais um pouco e se vacina contra a derrota em 2022.

A dúvida é saber por que os adversários se deixam pautar. É a covid-19 e a crise econômica que mantêm Bolsonaro na defensiva, não a campanha eleitoral. É claro que os partidos precisam discutir alianças, fusões, nomes, estratégias, mas não com a bola em campo.

O maior flanco de Bolsonaro é a pandemia e é dela que ele vai tentar primeiro se livrar. Vai entregar o ministro da Saúde aos leões. Depois se insurgirá, como o fez no início da pandemia, contra prefeitos e governadores a quem delegará a responsabilidade pelo genocídio. A sanção com ou sem vetos da MP das vacinas indicará o papel que assumirá frente ao Centrão.

O segundo maior flanco do presidente é a economia. O déficit público, que caminha para R$ 800 bilhões, é uma bomba de efeito retardado. No filme que o Brasil já viu antes, explode assim que passa a reeleição.

É este o esquema tático de uma pelada de várzea que frustrará a plateia. O presidente jogou a isca da sucessão presidencial antecipada, a oposição engoliu e o Centrão, por enquanto, governa. Arthur Lira e seu bloco, porém, jogam em todas as posições, menos na de carregadores de caixão.


O Globo: Novo estudo comprova a 'boiada' de Salles na área ambiental

Pesquisadores compilaram 57 mudanças promovidas pelo governo Bolsonaro em dispositivos legais que enfraqueceram regras de preservação

Rafael Garcia, O Globo

SÃO PAULO - Um grupo de pesquisadores que compilou despachos federais de regramento ambiental no Brasil encontrou durante o governo Bolsonaro 57 dispositivos legais que se encaixam nas categorias de “desregulação” e “flexibilização”, enfraquecendo regras de preservação. Mais da metade das medidas foi expedida após o ministro Ricardo Salles ter dito em reunião que pretendia “passar a boiada” das propostas do Executivo para o setor, enquanto a pandemia de Covid-19 concentrava a atenção da mídia.

A pesquisa, que retrata um quadro de degradação do arcabouço de proteção ambiental no país, foi liderado pelas ecólogas Mariana Vale e Rita Portela, da UFRJ. As cientistas usaram para o estudo informações do projeto de transparência de dados Política por Inteiro, que lê o Diário Oficial da União usando robôs.

O grupo se concentrou nos chamados atos “infralegais”, decisões do Executivo que não dependem de aval do Legistativo, de vários ministérios, mas que tivessem impacto ambiental. Também incluíram no estudo dados de desmatamento e aplicação de multas ambientais. O resultado do trabalho foi descrito em um artigo no periódico acadêmico Conservation Biology.

“Encontramos uma redução de 72% nas multas ambientais durante a pandemia, apesar de um aumento no desmatamento da Amazônia durante o período”, escrevem os pesquisadores. “Concluímos que a atual administração está se aproveitando da pandemia para intensificar um padrão de enfraquecimento da proteção ambiental no Brasil.”

Flexibilização controversa

Entre as medidas destacadas pelos pesquisadores durante o período da pandemia está a que libera atividade de mineração em áreas que ainda aguardam autorização final, publicada em junho de 2020. Outra norma, no mês seguinte, reclassificou 47 diferentes pesticidas como de categoria menos danosa, sem respaldo em literatura científica.

De setembro passado, os cientistas destacam a medida que facilita autorização para pesca industrial. “A autorização sai sem qualquer tipo de triagem ou avaliação dos pescadores e de suas práticas”, afirmam os cientistas.

O estudo também comparou a taxa relativa de multas por desmatamento na Amazônia, e a comparou com o ano anterior.

Quando a área de floresta derrubada atingiu quase 120 mil km² por mês em agosto de 2019, nos dois meses seguintes a quantidade de multas por esse tipo de crime na região oscilou entre 40 e 60 por mês. No auge da primeira onda da Covid-19, o desmatamento também foi alto, com quase 100 mil km² derrubados num mês, mas as multas ficaram abaixo de 10 por mês.

O estudo também analisou mudanças de pessoal no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

— Houve substituição de staff técnico em posições de chefia por staff não técnico, que foi marcada pela retirada de servidores com anos de experiência dentro das autarquias ambientais para serem substituídos, por exemplo, por policiais militares de carreira — afirma Erika Berenguer, ecóloga da Universidade de Oxford e coautora do estudo.

A reportagem encaminhou ao Ministério do Meio Ambiente uma cópia do estudo, mas não recebeu resposta até a conclusão desta edição.