vacinação

Bruno Boghossian: Política, vaidade e perversidade de Bolsonaro custam vidas ao país

Presidente trata pandemia como jogo pelo poder e usa governo para buscar glórias individuais

Jair Bolsonaro nunca escondeu as razões de sua campanha para sabotar o combate ao coronavírus. Ainda nas primeiras semanas da pandemia, o presidente foi ao ataque contra governadores que implantaram medidas de restrição para conter a doença e disse estar no meio do que chamou de "luta pelo poder".

"É essa a preocupação que eu tenho. Se a economia afundar, afunda o Brasil. Se afundar a economia, acaba com meu governo", disse à rádio Bandeirantes, em março de 2020.

Quase nada mudou desde então. Enquanto brasileiros morrem aos milhares a cada semana, o presidente continua tratando a pandemia como um jogo político. Na sexta (26), em visita ao Ceará, Bolsonaro disse que "o povo não consegue mais ficar dentro de casa" e culpou seus adversários ("esses que fecham tudo e destroem empregos").

Essa politicagem barata é alimentada pela vaidade doentia do presidente. Bolsonaro foi capaz de transformar um assunto crítico como a busca pela vacina numa contenda particular: para desviar os holofotes do rival João Doria, ele adiou a compra da Coronavac e até comemorou o suicídio de um voluntário dos testes do imunizante.

A mesma lógica submete o país ao messianismo mortífero de Bolsonaro. Em busca de glória, o presidente mobiliza a máquina do governo para fabricar curas milagrosas que possam levar seu nome. Assim, desperdiça tempo e dinheiro atrás da cloroquina e do spray nasal israelense —ambos sem eficácia comprovada.

Além do político e da vaidade, os brasileiros também são reféns da perversidade delirante do capitão. Bolsonaro é um dos únicos líderes do mundo que produzem aglomerações inúteis e investem contra medidas básicas de proteção.

Na última semana, ele voltou a fazer propaganda de supostos "efeitos colaterais" do uso de máscaras, com base numa enquete alemã de baixo rigor científico. Autoridades sanitárias, porém, insistem que o equipamento de proteção é essencial. As atitudes de Bolsonaro custam vidas.


Hélio Schwartsman: Pazuello, o verdadeiro mito

Qual é o general que consegue infligir mais de mil baixas por dia ao longo de mais de um mês sem disparar um único tiro?

A palavra “ironia” vem do grego “eironeía”, com o significado de “dissimulação”, “falsa ignorância”. O termo parece ter origem no teatro. “Eíron” é um personagem-estereótipo recorrente nas comédias gregas que, valendo-se da modéstia e até da autodepreciação, sempre desmascara “alazón”, que faz as vezes do impostor ou do fanfarrão.

Modernamente, a ironia costuma ser definida como o artifício retórico que embaralha os significados reais e aparentes das coisas para provar uma tese, enfatizar um argumento ou apenas para fazer rir.

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Estão pegando pesado com o Eduardo Pazuello, tentando desmerecer suas capacidades logísticas só porque ele deixou faltar oxigênio em Manaus, mandou as vacinas do Amazonas para o Amapá e as do Amapá para o Amazonas e se esqueceu de comprar imunizantes, seringas e agulhas para a campanha de inoculação contra a Covid-19, para a qual outros países se preparam desde o início da pandemia.

Esses críticos se esquecem de que o ministro Pazuello é um general do Exército, e, como qualquer criança sabe, exércitos existem para matar pessoas. Sob essa chave interpretativa, o que parecia fracasso torna-se um retumbante sucesso. Qual, afinal, é o general que consegue infligir mais de mil baixas por dia ao longo de mais de um mês sem disparar um único tiro? Pazuello é que é o verdadeiro mito. O outro é um mero amador.

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“É simples assim. Um manda e o outro obedece”, obtemperou com sabedoria o general após ter sido desautorizado pelo capitão (reformado) no episódio da compra de vacinas do Instituto Butantan.

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Um terceiro personagem arquetípico das comédias gregas é “bomolóchos”, que é mais ou menos o nosso bufão.


Janio de Freitas: Estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado por generais tem a ver com intenções definidas

Intenções inconfessas que enlaçam as atitudes do presidente têm corrido sem dificuldade

A incógnita mais expressiva, dentre as muitas atuais, é simples como formulação e inalcançável na resposta. Dado que estão explicitados os indícios de golpismo e a incompetência espetaculosa dos militares no governo, o que fará o Exército na possível transformação da pandemia em tragédia de massa, um país sufocado pela peste, carente de tudo menos de morte?

A marca de um ano exato do primeiro caso de Covid-19 no Brasil encontrou os estados em desespero com o recorde de casos e a ausência de leitos, vacinas, pessoal e outros recursos. Uma antevisão das previsões e alertas que as vozes mais competentes estão fazendo, inclusive a Organização Mundial da Saúde, caso persista o incentivo de Bolsonaro e do seu governo à calamidade.

O já célebre depoimento do general Eduardo Villas Bôas sobre a ameaça que fez ao Supremo, em nome do Exército, é claro na desmistificação da conversão desses militares ao Estado constitucional de Direito e à democracia.

Ressalva a fazer-se é a ausência até de mera informação aos comandos da Marinha e da FAB sobre a ameaça, como dito pelo entrevistado. Risco de discordância, é claro. E isso, não sendo certeza, pode ser indício de promissora evolução na Marinha e na FAB, oficialidades muito mais dotadas de preparo geral, para civilizar-se, do que no Exército.

Já é bem difundida a impressão, ou a convicção, de que todo o estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado pelos generais tem a ver com intenções definidas. Há bastante coerência nos atos amalucados, que são bem aceitos pelos generais também por uma comunhão não declarada nem gratuita.

A propaganda do falso tratamento com cloroquina cedo se mostrou como objetivo. Não só para desacreditar as recomendações científicas. Também para ações de governo que custaram milhões ao dinheiro público —e aí estava o Exército a fabricar quantidades montanhosas da droga enganadora.

O próprio Ministério da Saúde, o mais militarizado setor civil da administração pública, foi posto como indutor da droga ineficaz. Bolsonaro continua condenando as máscaras e estimulando aglomerações. E, sobre tudo o mais, a sabotagem a vacinas excedeu a incompetência. É muito mais e muito pior.

Por trás disso houve e há algo. Esse desatino não resistiria, para chegar à dimensão que alcançou, sem um propósito a sustentá-lo.

Não faz sentido o envolvimento, sem motivações especiais, de um governante em propaganda de remédio e em combate ao conhecimento científico provado e comprovado. Com esse meio de disseminar a morte, porém, combina-se um outro de fim idêntico.

No seu primeiro ato pela difusão da posse de arma, Bolsonaro alegou direito da cidadania de se defender. Sucessivos agravamentos dessa facilitação à criminalidade chegaram, agora, ao desmentido definitivo do propósito apresentado por Bolsonaro: novos decretos permitem até 15 armas para o cidadão comum, 30 armas para quem se apresente como caçador, 60 armas para quem se registre como atirador, munição a granel. Arsenais sem relação alguma com defesa pessoal. Mas não sem objetivo de quem os libera e dos militares, em especial do Exército, que dão o apoio.

As intenções inconfessas que enlaçam as atitudes de Bolsonaro, em temas como a pandemia e o armamento de civis, têm corrido sem dificuldade. Mas alguma coisa mudou nas últimas semanas. O Supremo mudou. Por quanto tempo e se para ser supremo sem temor e sem prazo, no momento, importa menos. Aproveite-se enquanto dure, que a necessidade do país é extrema.

Quando quatro ministros do STF decidiram trabalhar nas férias de dezembro e janeiro, a boa novidade foi noticiada como precaução contra propensões do recém-eleito presidente Luiz Fux. Revelou-se muito mais do que isso.

De Ricardo Lewandowski vieram, e continuam vindo, decisões que enfrentam desvios na política antivacinas do governo, o mesmo quanto às mais recentes revelações de ordinarices judiciais, políticas e policiais na Lava Jato, e outras de mesmo peso.

Alexandre de Moraes encarou, e não tem cedido nem milímetros, as ameaças ao Supremo, as patifarias nas redes, os indícios que recaem na Presidência da República.

Rosa Weber deu ao governo cinco dias, expirados ontem, para justificar o pacote das armas. Edson Fachin tomou a defesa verbal do Estado de Direito. E vai o Supremo por aí, ou parte dele, mudado, posto de pé e cabeça erguida.

Os negociantes do Congresso continuam negociando. O poder econômico, idem. Se a defesa da democracia não vier do Supremo, talvez só tenhamos resposta para a incógnita de Bolsonaro sob a forma de fato consumado. E a pandemia, como se agrava aqui, facilita.


Ricardo Noblat: Quem assiste à própria morte sem reagir não merece viver

A inércia dos cúmplices da pandemia

O que pretende Jair Bolsonaro ao aconselhar os brasileiros a desprezarem o uso de máscaras contra a Covid? Por que defende que morram os que tiverem de morrer desde que a economia seja salva? Por que cita como estudo de uma universidade alemã o que se trata de resultados de uma enquete feita nas redes sociais?

Por que mantém no comando do Ministério da Saúde um general que nada entende do assunto e que se cercou de militares tão ignorantes quanto ele? Quando governadores acenam com medidas rigorosas de isolamento, por que Bolsonaro os combate com a firmeza que nunca demonstrou no combate ao vírus?

Se não bastasse, por que ele sabota a compra de vacinas e repete que a eficácia delas é duvidosa e que jamais será imunizado? Já se passaram datas emblemáticas da pandemia como as que marcaram as primeiras 50 mil mortes, 100 mil e 200 mil. Esperou-se pelo menos uma manifestação de tristeza dele. Não houve.

É impossível que ele não saiba que o uso de máscaras, o isolamento e a vacinação é a receita que deu certo nos demais países do mundo afetados pela doença. É impossível que não saiba que para salvar a economia é preciso salvar vidas também. Quanto mais o vírus aja sem ser barrado, mais a economia afunda.

Então por que Bolsonaro escolheu associar-se à Covid na devastação que ela provoca no Brasil? O sistema público de saúde colapsou em diversos Estados. O privado, idem Em média, nos últimos 7 dias, morreram 1.180 pessoas, elevando o total de mortos para 254.263 desde março último, e de casos para 10,5 milhões.

O que o presidente da República tem contra o povo que o elegeu e que parece capaz de reelegê-lo apesar do seu comportamento assassino? Por que deliberadamente tornou-se o apóstolo da morte? Por que os demais poderes assistem a tudo sem esboçar uma forte reação? Afinal, por que toleramos o intolerável?

Que tipo de povo é o brasileiro que compactua inerte com tudo isso?


Dorrit Harazim: Cemitério nacional

Em seu célebre discurso de aceitação do Prêmio Nobel da Paz, em 1954, Albert Schweitzer achou necessário despertar o mundo das ilusões do pós-guerra. “Todos nós devemos nos dar conta de que somos culpados de desumanidade. Todos nós”, informou à nobilíssima plateia o humanista, médico e teólogo cuja reverência pela vida era absoluta. Alguém, hoje, lhe daria ouvidos ou aceitaria o convite à reflexão? Difícil. Estamos ao mesmo tempo paralisados e ocupados demais em não morrer de Covid-19. Quanto aos que ostentam como honraria seu desdém pela mortandade alheia, uma não menos célebre sacada de Voltaire cabe melhor: “Quem consegue convencê-lo a acreditar em absurdos é capaz de fazê-lo cometer atrocidades”.

A tragédia do Brasil atual extrapola até mesmo a máxima voltairiana: temos na Presidência alguém que não apenas acredita (ou finge acreditar) em absurdos, como ele próprio comete atrocidades em série. Seus áulicos contribuem ao cometer outros tantos, criam terreno fértil para a irresponsabilidade coletiva nacional, e o mundo digital explode num ódio de raiz. “Estão vacinando macaco antes de vacinar gente”, dizia a mensagem recebida pela primeira brasileira a tomar a vacina, Mônica Calazans. Entrevistada no “Globo Repórter” desta semana, a enfermeira negra contou que as mensagens de ódio foram múltiplas.

Impenetrável à razão e à civilização, essa turma acaba afetando os demais. Como resultado, estamos num país-cemitério que não dá conta de seus cidadãos ainda vivos e já enterrou mais de 252 mil contaminados pelo vírus. Talvez a causa mortis devesse ser atestada por inteiro: Covid-19 + falta de vacina + colapso do valente SUS + negacionismo oficial + roubalheira geral + inércia do Congresso + inadimplência moral +... A lista seria por demais extensa, se nominal. Na verdade, a desqualificação do general e titular da Saúde, Eduardo Pazuello, o torna quase inimputável, de tão aberrante. A seu abissal despreparo, soma-se uma deliberada intenção de desinformar e camuflar o pânico — como se fosse possível esconder 1 morto de Covid-19 por minuto, a cada dia. Incapaz de responder às perguntas mais gritantes da imprensa, Pazuello sobrevive à base de pronunciamentos e proclamações à nação, todas sem nexo.

Já o papel de Jair Bolsonaro na devastação humana atingiu um patamar sem volta. Será julgado pela História, o que não lhe importa. Ser condenado pelo Brasil pensante até o alimenta. E ser amaldiçoado por pais, filhos e netos, parentes e dependentes, amigos e colegas dos que não precisariam morrer parece lhe ser indiferente. O presidente é um humano esquisito. Parece feito de um material impermeável à dor alheia. “A verdade é que ninguém chega impunemente a presidente da República”, lascou o Stanislaw Ponte Preta em tempos mais inocentes. Bolsonaro consegue superar a verve de Sérgio Porto: além da sombria bagagem que trouxe para a Presidência, ensandeceu no poder.

Difícil explicar de outra forma sua live semanal da quinta-feira, 25. Naquele dia o Brasil ultrapassara a montanha de 250 mil mortos por Covid-19 em um ano e chegara ao patamar mais alto da contagem diária de óbitos: 1.582. Ouvir o presidente tagarelar sandices contra o uso de máscaras e o isolamento social, naquele seu tom informal salpicado de algo parecido com um ricto/riso, foi horrendo. Foi obsceno.

Dias atrás o crítico de arte do “New York Times” Michael Kimmelman evocou o impacto mundial de uma célebre mostra de fotografia do pós-Segunda Guerra para falar sobre a dificuldade de retratar a atual pandemia. Ele se referia à monumental exposição “The Family of Man”, inaugurada em 1955 no Museu de Arte Moderna de Nova York. Ela foi vista por 9 milhões de pessoas e circulou pelo mundo ao longo de 7 anos. O curador da mostra — ninguém menos que Edward Steichen — selecionara 503 imagens de 68 países para retratar a universalidade da experiência humana e o papel da fotografia na documentação da nossa história.

A família humana de hoje que sobreviverá à Covid-19 ainda não tem uma imagem-ícone capaz de traduzir o medo, o vazio urbano, o horror do isolamento afetivo, a falência física, a morte por asfixia, o silêncio. Não existe o instantâneo imortal do homem em queda das Torres Gêmeas em chamas, nem a foto do menino Alan Kurdi, inerte em areia estrangeira, como símbolo do drama dos refugiados. Do nosso inimigo comum, o vírus, temos apenas uma versão estilizada em forma de bola de tênis com pregos, como já escreveu Helen Lewis na revista “The Atlantic”. As máscaras e equipamento hospitalar radical das equipes médicas já faziam parte de nosso vocabulário visual como sinônimo de higiene e segurança. Não dão conta do recado. E Lewis insiste ser obrigatório encontrarmos a linguagem certa de retratar esta pandemia, porque precisamos relembrar coletivamente o que vivemos. Aguardemos.

A galeria de cúmplices do vírus, contudo, já tem seus nomes de ponta. Disporá de um farto portfólio do presidente brasileiro espalhando a morte.


Bernardo Mello Franco: Impunidade parlamentar - Lira recuou, mas não desistiu

Por duas semanas seguidas, os deputados esticaram o trabalho e se reuniram para votar numa sexta-feira. O surto de produtividade nada teve a ver com a pandemia. O objetivo era despachar o aloprado Daniel Silveira e evitar novas prisões de parlamentares.

Assim que a cabeça do bolsonarista foi entregue, a Câmara passou a discutir a chamada PEC da Imunidade. A proposta muda a Constituição para reforçar a blindagem de deputados e senadores. Com a regra atual, prender um congressista é muito difícil. Com a nova, passaria a ser uma missão impossível.

O articulador da ideia foi o novo presidente da Câmara, Arthur Lira. Em defesa da mudança, ele disse que “proteger o mandato é garantir que os parlamentares possam enfrentar interesses econômicos poderosos ou votar leis contra organizações criminosas perigosas”.

O deputado não é conhecido por contrariar empresários ou combater quadrilhas. Ele responde a duas ações no Supremo, por corrupção passiva e organização criminosa.

Discípulo de Eduardo Cunha, Lira se inspirou no mestre e tramou uma aprovação a toque de caixa. Na terça, seus aliados começaram a recolher assinaturas para apresentar a proposta; na quinta, o texto estava pronto para votação em plenário.

Pelo rito tradicional, toda PEC precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão especial. O presidente da Câmara pulou as duas etapas, mas não conseguiu consumar o tratoraço.

Na sexta, o deputado admitiu, a contragosto, que não tinha os 308 votos necessários para mudar a Constituição. Ele se disse “muito triste e preocupado”, com as críticas à emenda. “Essa não merece ser chamada PEC da Imunidade. Deveria ser chamada PEC da Democracia”, reclamou. Lira foi generoso com a própria obra. Outros parlamentares preferiram acrescentar um P, rebatizando-a de PEC da Impunidade.

O chefe do Centrão usou um argumento fajuto para proteger os colegas na mira da polícia. A Constituição afirma que os congressistas são invioláveis por “opiniões, palavras e votos”. O texto foi redigido para defender a democracia e o livre exercício dos mandatos. Não pode ser usado como escudo para a prática de crimes.

Se a proposta de Lira já estivesse em vigor, o deputado Daniel Silveira não teria sido preso e a deputada Flordelis não teria sido afastada por ordem da Justiça. Ela é acusada de mandar matar o marido, executado com 30 tiros em Niterói.

A pastora foi denunciada por homicídio triplamente qualificado, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso e tentativa de homicídio por envenenamento. Ela se tornou ré há seis meses, mas escapou da prisão preventiva graças à imunidade parlamentar.

O marido de Flordelis foi assassinado em junho de 2019. O Conselho de Ética da Câmara só instalou um processo disciplinar contra ela na terça passada, como parte do teatro para justificar a votação da PEC. Lira foi obrigado a recuar, mas já deixou claro que não desistiu.


O Globo: Bolsonaro dobra presença de militares em cargos estratégicos no governo

Em setembro de 2020, 342 egressos das Forças Armadas ocupavam cargos comissionados nas maiores faixas de remuneração da máquina federal, em postos de coordenação, diretoria, secretaria ou de ministro

Maiá Menezes, Bernardo Mello e Marlen Couto, O Globo

RIO — Em paralelo a crises vividas pelo presidente Jair Bolsonaro, a presença de militares em funções de comando nos ministérios praticamente dobrou nos últimos dois anos. Em setembro de 2020, 342 egressos das Forças Armadas ocupavam cargos comissionados nas maiores faixas de remuneração da máquina federal, em postos de coordenação, diretoria, secretaria ou de ministro. Em janeiro de 2019, início do governo, eram 188 militares nessas funções. Dois movimentos feitos pelo governo nos últimos dias vão aprofundar a participação: o general Joaquim Silva e Luna foi indicado para a presidência da Petrobras, enquanto o almirante Flávio Rocha deve ser o novo chefe da Secretaria Especial de Comunicação (Secom).

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Os dados foram obtidos em levantamento dos gabinetes do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e da deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) e atualizados pelo GLOBO. Além do Ministério da Defesa, que habitualmente abriga membros de Exército, Marinha e Aeronáutica, pastas como Saúde e Meio Ambiente registram avanços significativos. Para especialistas, o salto ignora a necessidade de experiência prévia em áreas sensíveis, como o combate à pandemia da Covid-19 e o controle do desmatamento, e expõe a dificuldade de Bolsonaro em articular uma base.

Percentual de militares em altos cargos no governo federal Foto: Editoria de Arte
Percentual de militares em altos cargos no governo federal Foto: Editoria de Arte

Ao longo das gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer, o percentual de ocupação desses cargos não passou de 2,5%. No governo Bolsonaro, em setembro, havia presença militar em 6,5% dos postos com remuneração bruta entre R$ 6 mil e R$ 16,9 mil. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há, ao todo, 6,1 mil militares em funções civis no governo federal — em 2017, havia 3 mil.

Ordens cumpridas

Para o cientista político Maurício Santoro, da Uerj, a ampliação do espaço de militares, inicialmente ligada à tentativa de criar uma imagem “técnica” do governo, passou a obedecer uma lógica de crises.

Percentual de militares em altos cargos no governo por órgão Foto: Editoria de Arte
Percentual de militares em altos cargos no governo por órgão Foto: Editoria de Arte

— Os militares passaram a assumir as tarefas ideologicamente controversas. Assumiram a Saúde porque o presidente não encontrava médicos dispostos a implementar uma visão negacionista. Entraram no Ibama, onde Bolsonaro tinha problemas com sua política ambiental. Também é o que ocorre, em parte, na Petrobras — diz Santoro.

A mudança na petroleira, após insatisfação de Bolsonaro com o aumento do preço dos combustíveis, é citada pelo cientista político Christian Lynch como exemplo de uso dos militares como “interventores”. Atuar para conter a subida de preços é uma medida simpática aos caminhoneiros, base eleitoral do presidente.

— Bolsonaro tenta dar uma impressão ordeira para seu eleitorado, mas o que importa mesmo a ele é que cumpram suas ordens em assuntos que podem afetar sua reeleição. Por isso, se cerca dos militares que compartilham deste projeto político — afirmou.PUBLICIDADE

No conselho de administração da Petrobras, no qual Silva e Luna também deve ingressar, há dois militares indicados por Bolsonaro. A participação também ocorre em estatais como Eletrobras e Correios, nas quais há promessa de privatização — esta última é presidida por um militar.

Após um primeiro ano de governo marcado por quedas de popularidade e pelo avanço de investigações contra a família de Bolsonaro, a Presidência da República teve o maior incremento entre todos os órgãos, com nomeações de 34 militares para postos estratégicos. O principal deles foi a chefia da Casa Civil, assumida pelo general Braga Netto em fevereiro de 2020. Flávio Rocha, nomeado secretário de Assunto Estratégicos na mesma época, agora é cotado para a Secom. O Ministério do Meio Ambiente, criticado em meio a recordes de queimadas, teve nomeações de militares nas superintendências do Ibama no Amazonas, Amapá, Pará, Mato Grosso do Sul e Rio. A presença cresceu até agosto de 2019 e voltou a subir no início de 2020, na sequência do período mais crítico na Amazônia.

Militares no Ministério da Saúde Foto: Editoria de Arte
Militares no Ministério da Saúde Foto: Editoria de Arte

— Em geral, essas pessoas ocupam cargos de altíssimo nível, sem entender sua especialidade. Conforme a crise cresceu, aumentou-se o número de militares na Saúde — exemplificou a deputada Tabata Amaral.

A pasta da Saúde é hoje a terceira área com mais militares no governo, atrás apenas da Defesa e da Presidência. O ministro Eduardo Pazuello, general da ativa, nomeou 21 dos 30 militares nesses postos. Para Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa e professor de Saúde Pública da USP, eles carecem de “domínio total”da área de atuação.

— Há também uma lógica de comando em que falta espaço para o diálogo, sempre essencial na Saúde — afirma.

Entre os militares do time de Pazuello, há exemplos de descumprimento de medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contra a Covid-19. O major da reserva Angelo Martins Denicoli, nomeado no fim de maio como Diretor de Monitoramento e Avaliação do SUS, fez publicações encorajando o uso da cloroquina, remédio sem comprovação científica contra o coronavírus. Denicoli tem formação em Educação Física, MBA em Economia e Gestão e atuou na Comissão de Desportos do Exército.

“Campo desconhecido”

Pazuello também nomeou três coordenadores distritais de Saúde Indígena que não informam, em seus currículos, experiência na área: o capitão da reserva Gildo Henrique de Azeredo, no Distrito Especial de Saúde Indígena (DSEI) Xavante; o capitão Eloy Ângelo dos Santos Bernal, no DSEI Porto Velho; e Joe Saccenti Junior, coronel da reserva, à frente do DSEI Mato Grosso do Sul. O trio está subordinado ao secretário especial de Saúde Indígena, o coronel da reserva Robson Santos da Silva, nomeado por Luiz Henrique Mandetta, e que se apresentava como consultor em educação a distância.

— Mais importante até do que a formação é a experiência em gestão na área de Saúde, o que não se vê nesses militares. No caso da Saúde Indígena, não estão conseguindo aplicar todas as doses de vacina destinadas às aldeias. Falta compreensão das políticas públicas — afirmou o infectologista Julio Croda, ex-diretor de Vigilância em Saúde.

O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão enxerga “incompatibilidade” na trajetória dos militares.

— O departamento de Monitoramento do SUS acompanha indicadores de saúde muito específicos. Já a Atenção Especializada atua em transplantes, com hospitais de excelência e tratamentos como hemodiálise. Os escolhidos foram nomeados para um campo desconhecido para eles.

O Ministério da Saúde disse adotar “critérios técnicos” para as nomeações e que conta com “um corpo técnico de servidores qualificados que mantêm a normalidade das atividades da pasta”. (Colaborou Raphaela Ribas)


Alon Feuerwerker: Curva de aprendizagem na Câmara. E como funcionam as coisas por aqui

E o novo comando da Câmara dos Deputados vai percorrendo sua curva de aprendizagem. Ela tem um formato de leves semelhanças com os trechos inicial e intermediário da curva epidemiológica, agora popularizada pela Covid-19. De início, a proficiência acelera-se, depois desacelera e em seguida caminha para a estabilização. No caso específico da política brasileira, a estabilidade pode resultar em situações de equilíbrio estagnado ou de produção consensual. Vamos esperar para ver que bicho dá.

Na eleição para a mesa da Câmara, os vitoriosos perceberam que têm votos ali para impor derrotas eleitorais internas às correntes hegemônicas da opinião pública – ou publicada (copiei do Roberto Campos). Já nas votações do caso Daniel Silveira, até o momento, pôde-se notar um Legislativo independente apenas até o limite em que ouse um avanço decisivo contra a influência do eixo hegemônico construído ao longo dos últimos quase oito anos. Desde as “jornadas de junho” de 2013, e consolidado com a Operação Lava-Jato e a captura da política pelo Judiciário.

Os deputados até tentaram uma manobra inteligente, na teoria. Aprovaram por larga margem a prisão de Silveira (PSL-RJ). Com a condição de, em seguida, avançar a regulamentação da imunidade parlamentar. Vamos ver como caminha na comissão especial, foi a válvula de escape encontrada quando faltaram votos em plenário (mesmo no virtual) para aprovar qualquer coisa com significado prático. Mas, na semana que termina, os deputados e deputadas não resistiram a 72 horas do noticiário negativo que introduziu um “p” em “imunidade”.

Ou seja, neste início de 2021, a política mostra ter energia suficiente para definir suas relações internas e criar alguns constrangimentos para os ainda musculosos adversários. Mas não anda tão forte assim para poder traçar seus próprios caminhos, também porque sempre surge algum tipo de divisão interna. Como agora, quando o PT, na vigília à espera do juízo da Segunda Turma sobre as condenações impostas a Luiz Inácio Lula da Silva, revela-se um repentino defensor do Supremo Tribunal Federal na arenga em torno da imunidade parlamentar.

Desse relativo equilíbrio na correlação de forças nasce um certo empate. Que se expressa, por exemplo, na dura resistência dos senadores a desvincular recursos orçamentários como compensação a estender o auxílio emergencial.

Tem lógica. Por que o parlamento vai ficar contra o senso comum popular se na hora "h" os operadores da opinião pública acabam apoiando toda e qualquer violência contra o Legislativo? Não seria esperto.

Donde se conclui que as prometidas reformas administrativa e tributária, para não empacar, vão precisar atender a requisitos capazes de produzir consensos legislativos, que necessariamente implicarão lipoaspirações. Até onde as propostas originais vão se enfraquecer? É a pergunta no ar.

A discussão da reforma administrativa talvez seja menos complicada, porque os efeitos práticos dela só serão sentidos muito lá na frente. E sua votação oferecerá a tradicional photo-op para deputados e senadores aparecerem nas imagens celebratórias. Já a tributária é um enrosco maior, pela vigência quase imediata. Então, ou parte-se para uma versão simplificada, e simplificadora, ou também se jogam os efeitos dela para um futuro distante. A primeira opção é a mais viável. Mas, como sempre, será prudente aguardar.

E tem aquele outro detalhe. Estamos em plena segunda onda feroz da Covid-19, que leva jeito de querer consumir boa parte do que resta do semestre. Quando se abrir a segunda metade do ano, acelerar-se-á o processo eleitoral para 2022, inclusive porque eventuais mudanças nas regras precisarão ser aprovadas até outubro. E os candidatos a candidato já estão aquecendo na pista. Roncando os motores e queimando a borracha no asfalto.

É como funcionam as coisas por aqui.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Marcus Pestana: Congresso Nacional e imunidade parlamentar

O parlamento é o centro de gravidade no funcionamento da democracia. Ali está presente a representação plural da sociedade para a construção permanente dos marcos constitucionais e legais que regram a vida da sociedade, do Estado e da economia e um contrapeso ao poder, que não é absoluto, do governo de plantão.

No Brasil, o abismo existente entre a sociedade e o Congresso não é novidade. De 1999 a 2002, tive acesso a pesquisas nacionais de opinião pública que testavam a confiança da população em 42 instituições. Os resultados foram quase os mesmos nos quatro anos. Nos primeiros lugares vinham os Correios e o Corpo de Bombeiro, nos últimos, o Congresso Nacional e os partidos políticos. A população tende a avaliar bem individualmente o deputado que atua na sua região e mal a instituição como um todo.

Há picos de rejeição em casos como a CPI dos anões do orçamento, mensalão, Lava Jato, rejeição da Emenda das Diretas, e momentos de aproximação como na eleição de Tancredo Neves, na Constituinte de 1986, nos impeachments de Collor e Dilma.

Esta relação entre Congresso e sociedade está sendo testada mais uma vez. A votação da manutenção ou não da prisão do deputado Daniel Oliveira (PSL/RJ) que agrediu de forma violenta e desqualificada membros do STF e fez apologia da ditadura, do AI-5 e do fechamento do Congresso e do Judiciário, se desdobrou na manutenção da prisão por 305 contra 154 e na discussão da emenda constitucional sobre imunidade e inviolabilidade do mandato parlamentar.

Entre os que 154 votos contra a manutenção da prisão existem dois grupos. Os que são a favor da impunidade sempre e os que entenderam que o Supremo exorbitou de suas prerrogativas e feriu a Constituição na caracterização da flagrância do crime cometido. Mas houve crime inequivocamente. Não se pode evocar o direito à liberdade de opinião e expressão individual contra o direito coletivo à democracia e à liberdade. A questão política se colocou dentro do atual clima de polarização radical, colocando em jogo a defesa da democracia contra o golpismo autoritário. Sugiro aos incautos lerem o livro COMO AS DEMOCRACIA MORREM e assistirem o filme clássico O OVO DA SERPENTE.

Do ponto de vista jurídico a questão é mais complexa. A imunidade parlamentar e a inviolabilidade do mandato foram inseridas na Constituição como proteção à liberdade de expressão, opinião e ação política dos representantes do povo, mas nunca em relação a crimes bem tipificados na legislação penal. Os parlamentares só podem ser presos em flagrante delito de crimes inafiançáveis. O Supremo decretou a prisão do deputado Daniel com base na Lei de Segurança Nacional, que merece ser revista. O STF não é formado por analfabetos jurídicos, ao contrário, é de se pressupor que ali estão alguns dos maiores constitucionalistas e juristas do país. E, por unanimidade, viu fundamentos jurídicos para a prisão em flagrante.

A complexidade é que se tratava de um crime no ambiente da internet, um vídeo nas redes sociais, que permanecia no ar no momento da prisão, portanto o crime estava sendo cometido naquele exato momento. É diferente de um assalto ou um homicídio, quando o criminoso é preso em flagrante. Fato é que o evento ressuscitou o tema do golpismo contra a democracia e suas instituições. A violência e irresponsabilidade do deputado mereciam uma resposta firme e forte das instituições democráticas.

Ato contínuo a Câmara dos Deputados colocou em discussão a PEC que propõe novo regramento do assunto, reduzindo os poderes dos magistrados, submetendo a aplicação de medidas cautelares e mesmo a avaliação de materiais aprendidos em operações policiais à prévia deliberação do plenário do STF, tipificando os crimes que permitirão prisão em flagrante (tortura, tráfico, crimes hediondos, racismo e ações armadas). A pressa na votação não se justifica em matéria tão complexa.

Mesmo sem conhecer o texto final da relatora e o resultado que poderá ter ocorrido na última quinta, fico preliminarmente com a visão do deputado Beto Pereira (PSDB/MS): “O critério de imunidade vigente hoje é suficiente para garantir o pleno exercício da atividade parlamentar. A alteração proposta peca ao transformar parlamentares em privilegiada casta, protegida pela impunidade. Como efeito colateral seremos contaminados pela indignação do povo”.       

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Míriam Leitão: Bancos e corretoras pioram projeções para o Brasil

O mercado financeiro continua fazendo contas e piorando as principais projeções para a economia brasileira. Há uma mudança de humor recente do ambiente externo, com o aumento dos juros futuros dos títulos americanos, e uma crescente desconfiança com o intervencionismo do governo Bolsonaro em empresas estatais.

O banco Itaú subiu de 4% para 5% a projeção para a taxa Selic, e piorou de -2,1% para -2,5% a estimativa para o resultado primário, por causa do pagamento do auxílio emergencial. Mesmo que a PEC Emergencial seja aprovada, as medidas de contenção de despesas só começariam a ter algum efeito a partir de 2023, segundo o banco. Ainda assim, o Itaú manteve estimativa de alta de 4% no PIB deste ano.

O Bradesco subiu a projeção de inflação de 3,5% para 3,9% e para o dólar, de R$ 5,00 para R$ 5,30 no final do ano. Segundo o banco, as sondagens setoriais apontam para retração no PIB do primeiro trimestre, com o agravamento da pandemia e o aumento das medidas de restrição à circulação de pessoas. Para o PIB do ano, o banco manteve expectativa de crescimento de 3,6%.

Já a Ativa Corretora está mais pessimista. A projeção para o PIB de 2021 caiu de 3,1% para 2,9%, e para o ano que vem, de 2,5% para 2,4%. Também houve aumento nas estimativas para inflação e para a taxa Selic em 2021.

Na semana que vem, o IBGE vai divulgar o PIB do quatro trimestre, que deve ficar em torno de 2,5%, na comparação com o terceiro, segundo o Bradesco. Será um olhar pelo retrovisor, porque já houve desaceleração da atividade neste início de 2021.

Saída de Brandão era previsível, ficarão apenas os submissos

O Banco do Brasil negou agora à noite a renúncia de André Brandão do Banco do Brasil. Mas, na verdade, o que se pode dizer da saída dele é que são favas contadas porque ficarão apenas os integrantes da equipe econômica que sejam submissos ao comando do presidente Jair Bolsonaro. Se não estava claro antes para alguns, ficou absolutamente explícito pela maneira como foi defenestrado o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco.

André Beltrão foi indicado após a saída de Rubem Novaes e para dar um sinal de que o banco seria independente. Não durou muito. Na primeira proposta que fez de fechamento de agências e demissão voluntária, Bolsonaro teve mais um dos seus ataques. Ameaçou de público. O ministro Paulo Guedes tentou segurar. A maneira como Bolsonaro investiu contra Castello Branco, inclusive criticando o economista, diante do silêncio de Paulo Guedes, ficou claro para a equipe que o ministro da Economia não defende ninguém.

O primeiro de uma longa lista de demitidos foi Joaquim Levy. Numa manhã de sábado, Bolsonaro disparou contra ele numa fala rápida para os seus apoiadores. Disse que ele não abria a caixa preta do banco. Na verdade, ele queria colocar no colar o jovem economista, amigo dos filhos, Gustavo Montezano. Que também não achou a tal caixa preta, mas não se falou mais nisso.

O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, não precisa sair. Ele aceitou o papel de seguir fiel de Bolsonaro. Frequenta todas as lives, mesmo as que não aparece em cena. Viaja com o presidente e inventa qualquer linha de crédito e abre qualquer agência que o presidente manda. O que se diz em Brasília é que ele aguarda na fila para assumir a cadeira de Paulo Guedes. Se é que algum dia o Posto Ipiranga vai se cansar das humilhações diárias.

Caixa é diferente de Banco do Brasil e Petrobras. A Caixa não tem capital aberto. Então a manipulação lá não gera oscilação em mercado porque não há ações. Tem apenas um detalhe, usar politicamente a Caixa para gastos orçamentários já deu impeachment. No BB e na Petrobras o intervencionismo do presidente pode provocar outros problemas, como por exemplo ações de minoritários na Justiça.


Ascânio Saleme: A infâmia

O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário

A tragédia foi anunciada há um ano. Desde fevereiro de 2020 sabia-se que a pandemia de coronavírus deveria ser tratada com todo rigor pelas autoridades, nas três instâncias de poder, e pelos brasileiros, em cada um dos cantos da Nação. Foi já neste começo que percebemos que não dava para contar com a contribuição do presidente do Brasil. Jair Bolsonaro fez graça e piada sobre a “gripezinha” e desafiou a ciência ao propor tratamento alternativo inteiramente ineficiente. Jamais respeitou o distanciamento social recomendado e quase nunca usou máscara para se proteger e proteger os demais.

O exemplo do principal líder do país repercutiu de maneira devastadora. Bolsonaristas passaram a usar a mesma retórica, os mesmos argumentos do mito, deixaram as máscaras em casa e se aglomeraram. O Ministério da Saúde, seguindo as instruções absurdas do presidente, instrumentalizou a Anvisa, deixou de comprar vacinas, torpedeou o quanto pôde o Instituto Butantan e receitou cloroquina para quem sentia falta de ar e não dispunha de oxigênio para se socorrer.

O fanatismo de Bolsonaro foi de tal ordem que ele chegou agora ao ponto de atacar o uso de máscaras. Citando estudo de uma universidade alemã que não identificou, disse que máscaras são prejudiciais porque podem irritar e desconcentrar as pessoas, além de causarem dor de cabeça. Pode? Não pode. Sob qualquer ângulo que se observe, a afirmação do fanático é estúpida. No mesmo dia em que ele pronunciava a barbaridade, 1.582 brasileiros morriam em consequência da doença.

Fora um ou outro, governadores e prefeitos Brasil afora não caíram imediatamente na falácia presidencial. Em alguns casos, corretamente, decretou-se lockdown nos momentos mais agudos da crise no ano passado. Os resultados foram positivos, nenhuma dúvida. Mas, do lado de fora, Bolsonaro torpedeava os que endureciam acusando o desarranjo que o fechamento produziria na economia. Aos poucos, a contaminação tomou também a consciência de alguns mandatários em estados e municípios.

No Rio, por exemplo, hospitais de campanha foram fechados prematuramente e ambientes propícios à aglomeração, como shoppings, bares e restaurantes, foram reabertos muito rapidamente. Morrem quase 200 pessoas a cada dia no estado. Nas últimas duas semanas foram registrados 30 mil novos casos por aqui. As praias estão abertas e os calçadões fechados no domingo para que o carioca possa se divertir e se aglomerar tranquilamente. Aliás, por que as praias do Rio continuam abertas?

A fantástica aglomeração observada no Palácio do Planalto no dia da posse do novo ministro João Roma foi mais um exemplo de como os homens que ocupam o poder se lixam para a doença. O que viu foi de causar inveja até mesmo nas noites mais quentes da Dias Ferreira. Nem a garotada desgarrada da Zona Sul do Rio consegue superar o capitão. Só os fins de semana de sol em Ipanema, Copacabana e Leblon aglomeram tanta gente.

A infâmia produzida em escala nacional por Jair Bolsonaro gera crias estaduais e municipais que ampliam seu poder deletério. O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário. Mas seus filhotes, espalhados por todos os lados da organização do Estado nacional, ajudam muito no esforço do capitão para solapar os brasileiros.

Francamente

Ao anular as quebras de sigilo aprovadas pelo juiz Flávio Itabaiana, o STJ atrasou por pelo menos três anos o andamento na Justiça do caso das “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro na Alerj. Ficará tudo para depois das eleições de 2022. Um belo serviço prestado ao capitão. Todas as evidências dos crimes cometidos estão no inquérito, com testemunhas, operadores e pessoas beneficiadas. Até Michelle, a mulher do presidente, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz. O dinheiro era desviado dos salários de funcionários do gabinete e caía nas contas do zerinho, da sua mulher e da sua madrasta. Os servidores do gabinete pagavam até a escola dos netos de Bolsonaro. Mas três de quatro juízes, orientados pelo voto de João Otávio de Noronha, não aceitaram a quebra do sigilo que revelou a corrupção porque suas excelências não enxergaram “fundamentação” para tanto.

Vai ter que remar

Depois desta semana, Augusto Aras vai ter que fazer muito esforço e malabarismo para voltar a se destacar na corrida pela vaga de Marco Aurélio Mello no STF. Ainda restam alguns meses, tempo suficiente para o capitão e sua turma aloprada aprontarem mais uma. E então, Aras voltará a ser útil.

Bittar na história

Há duas categorias de abilolados. A primeira é formada pelos que se envergonham da sua condição e tentam não fazer muito barulho para passarem despercebidos. A segunda reúne gente que fala o que lhe dá na telha e tenta tocar ideias malucas sem se preocupar com o impacto que podem causar em sua imagem, como o senador Márcio Bittar, relator da PEC do auxílio emergencial. O senador propõe suspender os gastos mínimos com Saúde e Educação, desviando parte desse dinheiro para os gastos emergenciais. A ideia, que não é dele, contempla o pacote liberal de Paulo Guedes. Não deve passar, mas com esse Senado nunca se sabe. Se a PEC passar, Bittar será eternamente lembrado como a tesoura de Saúde e Educação.

Se está sobrando...

De acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União, 6.157 militares das três Forças Armadas servem em postos civis no governo Bolsonaro. Destes, 3.029 são da ativa, segundo o Ministério da Defesa. Com o contingente desviado de função, dá para montar uns cinco ou seis batalhões de infantaria do Exército. Se esse volume de gente não faz falta às Forças Armadas, não seria o caso de reduzir o tamanho do aparato todo e economizar recursos? Olha uma oportunidade aí, Bittar.

Flamengo

Difícil falar de qualquer coisa importante depois do octacampeonato do Flamengo. Pretendia usar minha coluna para, além de declarar meu total apoio ao mais querido, enaltecer a conquista de quinta-feira. Mas, aí apareceu o nosso capitão.

Não toquem nas Laranjeiras

O prefeito Eduardo Paes pediu ao governador Cláudio Castro que desista da ideia de transformar o Palácio Laranjeiras em museu. Jurou que ele mesmo cuidará do assunto mais adiante, mas antes disso quer morar na residência oficial do governo estadual. Claro que antes ele tem que ser eleito governador. O prefeito, que adora uma residência oficial, morou seus dois primeiros mandatos na casa da Gávea Pequena, para onde voltou agora. No Laranjeiras, todo mundo sabe, habitam muitos fantasmas, mas Paes não se importa.

Claro, prefeito

O museu terá de esperar. O governador não vai desagradar o prefeito, sobretudo porque ele poderá ser o seu principal cabo eleitoral para uma eventual candidatura pela reeleição. Castro é de longe a melhor opção para Paes, que não vai se desincompatibilizar da prefeitura para concorrer em 2022. Ele calcula que se outro for eleito no ano que vem, será um adversário forte em 2026, ano em que o prefeito quer se eleger governador para ir morar no Laranjeiras. Com Castro no lugar, o caminho fica mais fácil.

Melhor que o paraíso

O ex-senador Darcy Ribeiro costumava dizer que o Senado é melhor do que o paraíso, porque não é preciso morrer para dele usufruir, basta ter um mandato. E olha que na época de Darcy não se discutia a total e absoluta impossibilidade de a Justiça punir um parlamentar, como prevê a PEC da Impunidade. Imagina o que o senador diria hoje, lembrando que pela emenda, o paraíso terrestre passa a ser acessível também aos deputados. Todos terão liberdade para delinquir à vontade.

Coronel Fan Coil

A comunicação do Planalto vai mudar. O civil Fábio Wajngarten dá lugar ao almirante Flávio Rocha. Do primeiro nunca se obteve uma informação relevante que fosse. Do segundo pode-se esperar menos. São os legítimos sucessores do “coronel Fan Coil”, do governo do general João Figueiredo. Fan Coil é um sistema de refrigeração central. Grande, exige espaço amplo e exclusivo. No Planalto de Figueiredo havia uma sala para o equipamento com o seu nome numa placa na porta. Todo jovem jornalista que iniciava a cobertura do Planalto era instruído pelos mais velhos a procurar o coronel Fan Coil no quarto andar, que ele sempre tinha boa informação. Era só chegar, bater na porta e esperar ele abrir. Poderia demorar, mas valia a pena. Mesmo os que caíram no trote tiveram com Fan Coil mais informação do que conseguiriam com a turma de hoje.


Pablo Ortellado: Bolsonarismo entranhado

As articulações políticas para derrotar Bolsonaro estão olhando para as urnas e se esquecendo da sociedade —estão preocupadas demais com Bolsonaro e pouco preocupadas com o bolsonarismo.

Talvez seja perfeitamente exequível derrotar Bolsonaro nas urnas em 2022, mas ainda será necessário lidar com o pesado fardo do bolsonarismo.

A comparação com o trumpismo, espécie de contrapartida americana do bolsonarismo, pode ser instrutiva. Trump foi derrotado nas urnas e tentou sem sucesso pressionar a Justiça e o Congresso a não reconhecer o resultado —o trumpismo, porém, segue vivo.

Quarenta e três por cento de todos os eleitores americanos e 74% dos republicanos acreditam que as eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos foram fraudadas. Mesmo após a divulgação das chocantes imagens de violência, num episódio que deixou 5 mortos, 21% de todos os eleitores e 45% dos republicanos aprovam a invasão do Congresso americano.

Um episódio recente do podcast “The Daily”, do jornal “The New York Times”, entrevistou trabalhadores e donas de casa, eleitores comuns de Donald Trump, para saber o que pensavam da invasão do Congresso americano. Embora geralmente tenham condenado a violência, muitos falaram de uma “guerra civil” contra os progressistas que, embora indesejada, lhes parecia inevitável.

Qualquer passeio pelos fóruns republicanos na internet está recheado de menções à guerra civil emergente, para a qual é preciso se preparar e se armar. Uma pesquisa publicada duas semanas atrás mostrou que assustadores 36% dos americanos (e 56% dos republicanos) acreditam no uso da força para defender o estilo de vida americano.

É por esse motivo que o bom desempenho eleitoral não é suficiente para enfrentar o desafio do bolsonarismo.

Em carta aberta ao STF, o ex-ministro da Segurança Pública e da Defesa Raul Jungmann, muito acertadamente, alertou para o risco de guerra civil na política de Bolsonaro orientada ao armamento da sociedade.

Bolsonaro tem reiteradamente enfatizado que a população precisa se armar para defender sua liberdade e se proteger de ditadores —não se referindo, claro, àqueles ditadores que cultua. Tudo sugere que, por “ditador”, se refere a qualquer adversário que venha a ser eleito. É a maneira como os bolsonaristas já se referem, aliás, aos governadores que adotam políticas de isolamento social ou fazem oposição ao governo federal.

Bolsonaro está fazendo um jogo duplo. De um lado, está minando a confiança popular na Justiça (inclusive na Justiça Eleitoral), no Congresso e na imprensa. De outro, está cooptando setores da sociedade, consolidando seu apoio entre policiais e militares e ampliando sua influência sobre médicos, juristas e órgãos da imprensa, inclusive da grande imprensa.

Uma crise econômica profunda, o aumento das mortes na pandemia ou um adversário carismático e com apelo junto ao eleitorado podem derrotar Bolsonaro em 2022. Mas, assim como os alemães precisaram desnazificar a sociedade depois da Segunda Guerra, precisaremos ainda extirpar o bolsonarismo entranhado na sociedade brasileira.