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O Estado de S. Paulo: Grupo da OMS publica 'forte recomendação' contra uso de hidroxicloroquina na prevenção à covid-19

Painel de especialistas divulga posição nesta segunda como parte de nova diretriz que analisa eficácia de medicamentos. Estudos não mostraram efeitos sobre morte ou internações e apontam riscos de efeitos adversos

Marco Antônio Carvalho, O Estado de S.Paulo

Um painel de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou nesta segunda-feira, 1º, uma recomendação contrária ao uso da hidroxicloroquina como método de prevenção para a covid-19. Eles dizem que os estudos não mostraram efeitos significativos sobre mortes ou internações e apontaram riscos de efeitos adversos provocados pela substância. O presidente Jair Bolsonaro defendeu o uso do remédio ao longo da pandemia, embora várias pesquisas tenham mostrado que ele não tem eficácia contra o vírus. 

A nova recomendação é de autoria do Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes (GDG, na sigla em inglês) da OMS. Os especialistas dizem que a “forte recomendação” é baseada em evidências de alta certeza obtidas em seis estudos randomizados e controlados com 6 mil participantes.

“A evidência de alta certeza mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo em mortes e admissões em hospitais, enquanto evidência de certeza moderada mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo sobre infecções confirmadas em laboratório e provavelmente aumenta o risco de efeitos adversos”, declarou a OMS em nota à imprensa.

O grupo, diz a organização, considera que a droga não tem mais prioridade para pesquisa e que os recursos devem ser usados para avaliar outras drogas mais promissoras na prevenção contra o vírus. “Essa diretriz se aplica a todos que não têm covid-19, independentemente da exposição a uma pessoa com a infecção”, reforçou.

A recomendação desta segunda é a primeira versão de uma diretriz voltada a medicamentos capazes de prevenir a doença. O objetivo da OMS é promover orientação confiável sobre a gestão da covid e ajudar médicos a tomarem melhores decisões para seus pacientes. A diretriz poderá ser atualizada diante de evidências. Novas recomendações serão acrescentadas no momento em que estudos de relevância se tornarem disponíveis.

A cloroquina e a hidroxicloroquina integram orientação oficial emitida pelo Ministério da Saúde no ano passado, com recomendação voltada a casos leves, moderados e graves. Neste ano, um aplicativo da pasta chegou a sugerir os remédios até a bebês, e foi retirado do ar. O Estadão mostrou que as prefeituras que receberam a doação do ministério agora querem devolver os medicamentos sem eficácia.

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Luiz Carlos Azedo: O retrato da (in)governança

“A crise sanitária escancara a incapacidade de o governo pôr em movimento, de forma coordenada e a partir de amplos consensos, as políticas públicas do país”

A foto divulgada pelo presidente Jair Bolsonaro no Twitter, na noite de domingo, com as sete pessoas mais importantes da República –– excluídos o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, e vice-presidente Hamilton Mourão ––, após uma reunião fora da agenda no Palácio da Alvorada, diz muito mais sobre o que se deixa de fazer do que sobre qualquer outra coisa. Embora os assuntos tratados, segundo o post, fossem muito relevantes: vacina, auxílio emergencial, emprego e situação da pandemia. As conclusões da reunião são um mistério.

Quem são as autoridades na foto? Além de Bolsonaro, os generais Braga Neto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Eduardo Pazuello (Saúde), todos sem máscara, a atitude mais negativista possível em relação à pandemia; os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, esses com máscaras. Evidentemente, a foto sinaliza força política, os pilares da governabilidade: a união entre os generais do Palácio do Planalto e os chefes do Legislativo, além do homem que toma conta do cofre da União, em torno do presidente da República.

Mais governabilidade, impossível. Entretanto, a foto é o retrato da crise de governança em que o país está sendo lançado. A reunião não apontou um rumo. Muito pelo contrário, a crise sanitária se agrava, a escassez de vacinas retarda a imunização em massa, permanece o impasse sobre a PEC Emergencial, a economia desanda. Não foi à toa que o dia de ontem foi pautado pelas manifestações de governadores e prefeitos cobrando mais responsabilidade do governo federal e do Congresso no enfrentamento da crise sanitária. Na semana passada, como em outras, não era essa a prioridade de Bolsonaro e das principais lideranças do Poder Legislativo.

Há uma grande diferença entre governabilidade e governança. A expressão “governance” é uma invenção do Banco Mundial (Bird), focada na existência de um “Estado eficiente”. É a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando ao desenvolvimento, ou seja, a sua capacidade de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções. Ao formular o conceito, o Bird considerou dois aspectos: o desenvolvimento sustentado, o que inclui equidade social e direitos humanos, e os procedimentos governamentais, entre os quais a articulação público-privada e a participação dos interessados nas decisões.

Pintando meio-fio

A alta burocracia do governo federal foi treinada para operar os dois conceitos, com os quais Bolsonaro não tem intimidade. Demorou para valorizar a governabilidade, que se refere à dimensão estatal do exercício do poder, suas condições sistêmicas, como as relações entre os poderes e a intermediação de interesses. A governança, porém, ainda é como aquele caviar do samba de Barbeirinho e Marcos Diniz, consagrado na voz de Zeca Pagodinho: “Nunca vi, nem comi/ eu só ouço falar”.

A governança não se restringe aos aspectos gerenciais e administrativos do Estado. Refere-se a padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais, coordenação e regulação de transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico e do mundo social, como o consórcio que prefeitos estão formando para fazer o que o governo não faz: comprar vacinas. A crise sanitária escancara a incapacidade de o governo pôr em movimento, de forma coordenada e a partir de amplos consensos, as políticas públicas do país.

Infelizmente, os generais que comandam o Palácio do Planalto não trabalham com os demais entes federados e a sociedade na base da cooperação e coordenação (como recomenda a moderna doutrina militar). Sob o comando de Bolsonaro, operam de forma prussiana, vertical, hierarquizada, de cima para baixo, como quem manda pintar de branco o meio-fio dos quarteis ou tomar ivermectina e cloroquina contra a covid-19. Além de um centro, essa visão das coisas tem um método: manda quem pode, obedece quem tem juízo. O resultado é que o país está paralisado, sem rumo, como o coelho hipnotizado pela serpente.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-retrato-da-ingovernanca/

Jamil Chade: Sem controle, Brasil caminha para superar EUA e gera preocupação mundial

O crescimento no número de casos no Brasil, a incapacidade de o governo de implementar medidas para frear o vírus e os temores de que a variante brasileira comece a se espalhar acendem um alerta global.

Em reuniões fechadas da OMS (Organização Mundial da Saúde), a situação brasileira é tida como "preocupante" e projeções já apontam que, se não houver uma mudança profunda na forma de o Brasil lidar com a crise, o mês de março poderá terminar com o país superando os EUA em número de novas infecções e, eventualmente, em termos de mortes diárias.

No que se refere aos números totais desde o início da crise há um ano, o território americano continua sendo o mais atingido, com 28,2 milhões de casos de pessoas infectadas, seguido por 11,1 milhões na Índia e 10,5 milhões no Brasil.

Depois de seis semanas de queda no número de novos casos globais, a OMS indicou que a semana passada viu um novo aumento nas infecções em quatro das seis regiões do mundo. Mas a curva começa a sofrer uma transformação e o Brasil surge como um dos focos de maior alerta, não apenas pelo comportamento do vírus, mas também pela insistência das autoridades em negar a necessidade romper as cadeias de transmissão.

Em meados de dezembro, os americanos registravam 1,6 milhão de novos casos por semana, contra 326 mil no Brasil. Nos últimos sete dias, de acordo com as contas da OMS, foram 471 mil novos casos nos EUA, contra 378 mil no Brasil. Nesse ritmo, as cidades brasileiras poderão ocupar o primeiro lugar em poucas semanas. Hoje, a população americana supera a marca de 331 milhões de pessoas, contra 211 milhões no Brasil.

Em termos de mortes, os americanos superavam a média de 18 mil novos mortes por semana em dezembro de 2020, contra 5.200 no Brasil. Nos últimos sete dias, os dados mostraram uma tendência inversa. Nos EUA, foram 14 mil novos óbitos, contra 8.200 no Brasil.

As disparidades em termos de vacinação também contribuem para uma virada nesses números. Nos EUA, já são mais de 50 milhões de pessoas que se beneficiaram da campanha de imunização, contra menos de 7 milhões no Brasil. Para as próximas semanas, o acesso a novas vacinas também é delicado.

Em negociações, farmacêuticas têm alertado que o governo que fizer um pedido de fornecimento neste momento receberá doses apenas no segundo semestre do ano, na melhor das hipóteses. Quanto às vacinas da Covax, a aliança mundial, o Brasil receberá 9,1 milhões de doses até junho, bem abaixo dos 14 milhões que o Ministério da Saúde havia anunciado em fevereiro.

Na última sexta-feira, o chefe de operações da OMS, Mike Ryan, abandonou sua tradicional diplomacia para alertar que o Brasil vivia uma "tragédia" e que a situação deveria servir de lição ao mundo de que não há como relaxar medidas de controle.

Mas sua fala também evidenciou uma crítica velada ao governo federal. Ao destacar os esforços feitos no Brasil, ele aplaudiu os cientistas do país e os governadores de estados, sem qualquer referência ao Ministério da Saúde ou ao Palácio do Planalto.

Os comentários geraram um mal-estar entre membros do governo brasileiro. No passado, falas da OMS levaram as autoridades nacionais a disparar cartas ao organismo para se defender.

Diplomacia esgotada?

Por meses, a ordem interna na OMS era a de evitar qualquer crítica contra o governo brasileiro, já que o objetivo principal era ajudar o país a superar a crise, oferecendo auxílio técnico, orientação e mesmo materiais.

A coluna apurou que, no auge das críticas de Bolsonaro contra a OMS no primeiro semestre de 2020, a agência mantinha um trabalho no país, sem fazer qualquer tipo de declarações ou alarde. Em troca de um acesso às cidades brasileiras, a opção da agência era a de manter silêncio e não rebater os ataques do presidente.

Bolsonaro, o louco

Dentro das agências internacionais, porém, uma parcela dos técnicos começa a alertar que a estratégia não tem dado resultados. Bolsonaro passou a ser tratado como "louco", enquanto se multiplicam cartas e denúncias da sociedade civil, parlamentares, indígenas, religioso e ex-ministros pedindo uma reação internacional.

A resposta brasileira também está sendo alvo de uma investigação por parte de um grupo independente, montado pela OMS para avaliar como diferentes governos e ela mesmo deram resposta para a crise. O resultado do inquérito deve ser publicado em maio.

O Ministério da Saúde recebeu um questionário sobre a estratégia adotada no Brasil e tudo o que foi feito, desde janeiro de 2020. Todos os governos membros da OMS foram consultados. Mas, segundo a coluna apurou, as respostas dos países como o maior número de casos vão servir para que o comitê avalie por qual motivo alguns governos conseguiram frear a crise, enquanto outros não tiveram o mesmo sucesso.

Variante brasileira preocupa

Enquanto os resultados da enquete não são publicados, em reuniões técnicas com cientistas e pesquisadores de diferentes partes do mundo, a situação brasileira passou a ser incontornável, principalmente quando o assunto é o fortalecimento da circulação de variantes do vírus no país.</p><p>A constatação é de que existe um "apagão" de dados do Brasil sobre a circulação de novas variantes pelo território nacional e uma forte suspeita de que não há controle sobre quem sai do país infectado ou não.

A situação gerou um temor ainda maior depois que estudos indicaram que a variante predominante em Manaus mantinha uma carga viral várias vezes superior à cepa original.

Denominada oficialmente como variante P1, a mutação foi primeiro identificada no Japão, em viajantes brasileiros. Hoje, ela já está presente em quase 30 países e o número cresce a cada semana.

Em seu último informe semanal, a OMS deixou claro que o vírus é predominante em Manaus e em parte da região norte do brasileiro. "Podemos estar no início do caos", afirmou uma delas, na condição de anonimato.

Na Europa, a situação brasileira também é alvo de uma atenção total, com autoridades em capitais como Paris e Madri instruídas a reforçar o controle sobre qualquer passageiro que tenha passado pelo Brasil.

Neste fim de semana, o governo britânico confirmou a existência da variante brasileira em pelo menos seis pessoas diferentes. Mas a crise para a imagem do país ficou ainda mais aguda depois que as autoridades sanitárias em Londres lançaram uma "caçada" para localizar o indivíduo que não preencheu um formulário de registro de teste ou que não recebeu seu resultado.

Uma das suspeitas pode ser uma pessoa que estava no voo LX318, da companhia Swiss e que deixou São Paulo para Zurique, no dia 10 de fevereiro. Depois de passar pela Suíça, a pessoa embarcou em um segundo voo para Londres.

Se a falta de informação sobre o passageiro levou a oposição britânica a criticar o governo em Londres, ela também despertou um segundo aspecto: a incapacidade do Brasil de saber onde está o vírus e quem está embarcando em seus aeroportos em direção a outras partes do mundo.

"Isso pode significar que a desconfiança em relação ao Brasil vai se aprofundar", alertou um representante britânico, que pediu para não ser identificado.


Rodrigo Pacheco: 'Tem de mudar a política externa, não dá para manter embate com outros países'

Presidente do Senado não defende a saída de ministro Ernesto Araújo, mas afirma que o Brasil não pode fechar portas. Senador evita confronto com Governo, e avalia que só pode ver responsabilidade do presidente na crise da saúde se houver um processo contra ele

Afonso Benites, El País

Rodrigo Pacheco (Porto Velho, 44 anos) teve uma ascensão meteórica na política. Em seis anos, deixou de atuar como advogado para se eleger deputado federal em 2014, pelo MDB, e senador em 2018, pelo DEM de Minas Gerais. Hoje ocupa a presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional, e é o terceiro na linha sucessória do país. Chegou ao cargo com apoio de bolsonaristas e petistas. Em um momento em que o Brasil é marcado por extremismos, Pacheco tenta ser uma voz dissonante. Busca pacificar a relação entre as instituições. E entende que, mesmo diante de um Governo radical, extremista de direita como é o de Jair Bolsonaro, a sua função não é a de buscar pos, mas a “de colocar água na fervura, não colocar mais gasolina”. O novo presidente do Senado tem uma voz grave, na qual mede palavra por palavra. Calcula o peso de cada frase. Se acha que foi mal colocada ou dá margem à interpretação distinta da que queria passar, a refaz rapidamente.

Em entrevista ao EL PAÍS em seu gabinete na última sexta, 26, Pacheco evita a todo momento criticar o Executivo, diz que não analisou nenhum crime de responsabilidade eventualmente cometido por Bolsonaro, apesar de haver mais de 60 pedidos de impeachment contra ele na Câmara, e evita apontar erros do Governo no combate à pandemia de coronavírus. Apesar disso, deixa alguns recados nas entrelinhas, quando diz ter “verdadeira adoração pela divergência”, algo incomum entre as autoridades do Planalto. “É a divergência que nos permite construir soluções adequadas. O ponto de vista único, rígido, engessado, que não ouve quem está ao seu redor, tende a dar errado”, diz Pacheco, cuja prioridade neste momento no Senado são os projetos relacionados à vacina contra covid-19, auxílio emergencial e reformas econômicas.

Pergunta. A gestão Bolsonaro tem demonstrado uma incapacidade no combate à pandemia de coronavírus. Como avalia a atuação do Governo Bolsonaro nessa área?

Resposta. O Governo enfrentou obstáculos, enfrentou dificuldades. O que tenho como proposta é de olhar para frente, estabelecer essa boa relação com o ministro da Saúde, com o qual eu tenho conversado, para poder dar soluções como foi de um projeto que eu apresentei e dá segurança jurídica para a União contratar com laboratórios assumindo cláusulas muito restritivas. E também tentando ajudar nesse cronograma da vacina. O cronograma do ministro Eduardo Pazuello assegura que, até a metade do ano, metade da população brasileira estará vacinada, e a outra metade até o fim deste ano. Então, vamos contribuir para que isso possa acontecer. Nós precisamos muito da vacina e eu tenho confiado no Ministério da Saúde.

P. Levando em conta que no ano passado o Ministério da Saúde abriu mão de contratar 70 milhões de doses da Pfizer dá para confiar nesse prazo de que até o fim do ano todos estarão vacinados?

R. Até onde eu sei, o Governo não abriu mão das vacinas da Pfizer no ano passado. Na negociação com a Pfizer surgiram dificuldades de cláusulas do laboratório que são muito restritivas e gerariam insegurança jurídica.

P. O senhor concorda, de verdade, com esse argumento? Só o Brasil e mais dois países não aceitaram essas cláusulas da Pfizer.

R. Eximir a indústria de eventual problema com a vacina. Isso está escrito no contrato. A opção do Governo federal foi de amadurecer essa relação e identificar um ajuste normativo, que veio através do projeto que apresentei para dar autorização da União para assumir esses riscos da vacina. Eu tenho absoluta convicção que, se as cláusulas da Pfizer fossem parecidas com as demais indústrias, o Governo teria adquirido a vacina dela. O Governo desejava a vacina da Pfizer, como deseja ainda. Mas precisa fazer esses ajustes normativos para garantir a segurança jurídica para isso. É o que estamos buscando adiantar o máximo possível.

P. Muitos dos discursos extremistas refletem no combate à pandemia. Há um desincentivo ao uso de máscaras, de distanciamento social. Na sua visão, como isso impactou na quantidade de casos e mortes por covid-19?

R. A pandemia, na verdade, é algo tão grave e desconhecido que fez com que houvesse reações múltiplas de crenças, de percepções, de impressões. Há pessoas que superestimaram, há pessoas que subestimaram. Há pessoas que obedeceram, outras desobedeceram a ciência e as recomendações médicas. A pandemia trouxe um cipoal de informações diferentes que é muito difícil se ter uma conclusão de que, se houvesse uma posição uniforme de todos, teríamos mais ou menos mortes. É uma reflexão difícil de ser feita. Obviamente esse passado é inesquecível, com esse número de mortos. Considero que esse passado será julgado pelas instâncias judicial, política, moral, mas temos de pensar no futuro. O futuro nos exige um pacto social, um compromisso recíproco de dar solução a esse problema. A solução para a pandemia no Brasil não tem outro nome, é vacina. E [um compromisso de] como nós fazemos para ter vacina em grande escala no Brasil, que eu sei que é a vontade do Ministério da Saúde, do Governo brasileiro, do povo brasileiro e do Congresso Nacional.

P. Empresas privadas devem comprar vacina?

R. Devem, sim. Tenho um projeto (534/2021 aprovado no Senado) que prevê a possibilidade de pessoas jurídicas de direito privado adquirirem vacinas. Contudo, enquanto não houver imunização dos grupos prioritários do programa nacional de imunização, o produto dessa aquisição pela iniciativa privada deve ser integralmente doado ao Sistema Único de Saúde (SUS). É a filantropia, a ajuda do setor privado ao Estado brasileiro.

P. O senhor tem conversado com empresários sobre esse tema. Qual é o retorno?

R. Esse grupo de empresários só quer ter essa autorização para fazer um contrato com a Pfizer e com outras empresas para poder adquirir vacinas e doar para o SUS. É um grande pacto social e nacional dentro desse propósito comum em busca de solução pela vacina. Depois, em um segundo momento, quando estiverem vacinados os grupos prioritários, se pode pensar em uma metodologia para poder comprar e imunizar sua comunidade, sua empresa e doar a metade para o SUS, que é a regra exposta no projeto. E, lá na frente, quando todos estiverem imunizados e eventualmente precisarem renovar doses de vacinas, vai poder se comercializar como toda e qualquer vacina.

Auxílio emergencial

P. No atual cenário, quais são as prioridades para o Senado?

R. Sob o ponto de vista de conceitos, as prioridades são: saúde, desenvolvimento social e crescimento econômico do Brasil. Especificando isso, eu resumiria em vacina, auxílio emergencial e reformas econômicas.

P. PEC Emergencial, que discute uma série de medidas fiscais, sugere a retirada da Constituição do piso obrigatório de despesas com saúde e educação. Como vê essa sugestão?

R. A ideia de desvinculação não pode ser de pronto demonizada ou criticada como se fosse de tirar dinheiro da saúde e da educação. Não é essa a lógica. Quando se fala de desvinculação se fala da possibilidade do gestor público ter, com conhecimento de sua realidade local, a possibilidade de aplicar recursos a partir das necessidades de sua população. Contudo, nós devemos reconhecer que há um déficit de educação no Brasil muito grave. Também devemos reconhecer que há um déficit de saúde muito grave. De modo que a compreensão e o sentimento que tem sido manifestada por líderes partidários, por senadores, por segmentos da população e por governadores é de que este não seria o momento de se fazer essa desvinculação. Nem sequer de unificar os pisos de saúde e educação, 25% e 15%, para poder ter o remanejamento entre esses dois segmentos. É um ponto que vai ser tratado pelo Senado. O relator, senador Márcio Bittar, ao manter no seu texto, provavelmente será destacado para entender qual é o sentimento da maioria em relação à desvinculação. Há um movimento, neste momento, muito contrário à essa regra.

P. Com a pandemia, e nesse cenário de colapso da saúde, o Congresso já não deveria ter votado a volta do auxílio emergencial?

R. O que ficou ajustado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, é que o auxílio emergencial é uma realidade que precisa ser implementada no Brasil. No entanto, havia a necessidade de ter uma responsabilidade fiscal com a votação de proposta de emenda constitucional que está tramitando desde 2019, a PEC Emergencial. Esses são os compromissos recíprocos que nós fizemos. Queremos ter o auxílio, mas queremos ter essa proposta da responsabilidade fiscal, materializada na PEC Emergencial.

Fuga do extremismo

P. Quando, em 2016, votou a favor da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o senhor analisou juridicamente um crime de responsabilidade dela. O senhor não vê nenhum crime de responsabilidade cometido pelo presidente Bolsonaro hoje?

R. Eu examinei um crime de responsabilidade apontado em um processo específico de impeachment já admitido pelo presidente da Câmara dos Deputados, para o qual eu fui instado a apreciar para poder decidir se eu votava a favor do impeachment da Dilma ou contra. Como não existe nenhum processo admitido contra o presidente Bolsonaro, eu nunca examinei a existência ou não de crime de responsabilidade.

P. Mas os equívocos estão à luz do dia. Há pressões de vários setores da sociedade civil para que ele seja responsabilizado. Pelo que o senhor lê, pelo que vê das atitudes do Governo e do presidente no dia a dia, não enxerga nenhum crime?

R. Nós não podemos concluir prática de crime só por uma percepção pessoal ou por ouvir dizer. A conclusão de se há crime ou não, depende da existência de um processo.

P. O senhor foi eleito presidente do Senado com o apoio do presidente Bolsonaro e do PT. Como equacionou esses dois apoios?

R. A Presidência do Senado transcende essas relações políticas eleitorais. Transcende as relações de ideologia. Ela impõe alguém que defenda o Senado, a sua independência, que tenha valores democráticos e eu fiz questão de externar isso como compromisso com todos. A defesa da República e dos seus fundamentos, da soberania nacional, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores do trabalho e da livre iniciativa. Do pluralismo político, do Estado democrático de direito. É fundamental nos dias de hoje, afirmarmos a democracia, a defesa do federalismo, especialmente com foco nos municípios, a defesa da prerrogativas dos parlamentares. Isso fez com que uníssemos divergentes. Tenho verdadeira adoração pela divergência. É a divergência que nos permite construir soluções adequadas. O ponto de vista único, rígido, engessado, que não ouve quem está ao seu redor, tende a ser errado. Esse espírito é o que me faz ter uma boa relação com os senadores, com todos os partidos, com o presidente da República, com o presidente da Câmara, Arthur Lira, com os ministros do Supremo. Tenho de defender o Senado dentro desse espírito de pacificação.

P. Esse discurso moderado, fugindo do extremismo, tem sido raro ultimamente. É possível mantê-lo por muito tempo ainda?

R. É bom que essa fuga dos extremismos seja a regra. Me disseram esses dias: “Mas Rodrigo, você tem de ter mais emoção em sua fala. Tem de externar mais”. É óbvio que por trás disso tem um ser humano com dilemas, angústias, com aflições. Mas o que precisamos neste momento é de racionalidade, de entender o que é melhor e se apegar à técnica, à ciência, aos caminhos de obediência à Constituição para solucionar os problemas. Carregar de emoções essas soluções tende a não dar certo. É o que você está vendo aí, com muita intolerância no Brasil, com muito passionalismo, sempre a pessoa querendo acreditar que ela é a dona da verdade e que o outro está sempre errado. Isso é muito ruim para o Brasil.

P. Os ataques à democracia são constantes no Brasil atual. O senhor acredita que a democracia corre risco? Entende que, diante de tantos ataques, as instituições estão funcionando de verdade?

R. A democracia do Brasil é uma realidade consolidada. A instituições do país estão funcionando e têm suas prerrogativas e autonomias. Há equívocos nas relações eventualmente em se ultrapassar os limites de seu próprio papel, isso se aplica a todos os poderes e temos de remediar também. O poder Judiciário não pode interferir no Legislativo, o Legislativo não pode interferir nas atribuições do Judiciário e o mesmo com o Executivo. Mas isso não significa, absolutamente qualquer risco à democracia. Essa verborragia que existe invocando AI-5, ditadura militar, está no campo das ilações, das manifestações livres ou não, mas não constituem risco concreto à democracia porque essa é uma realidade que não vamos abrir mão.

P. Para ficar claro. O papel a que o senhor se propõe cumprir é o de amenizar as tensões que temos visto nos últimos dois anos. É isso?

R. Sim. É de colocar água na fervura, não colocar mais gasolina. É de pacificar as relações, as instituições, entender que temos um propósito institucional de defender o Parlamento, o que é bom para o país. Nesse sentido, qualquer antecipação de jogo eleitoral atrapalha muito tudo isso. Estou muito mais preocupado com o presente e o futuro imediato de nós termos esse ambiente de construção do que pretende alçar qualquer tipo de voo porque acho que essa discussão é muito ruim para o Brasil agora.

P. Como vê a política externa do Governo Bolsonaro, que vez ou outra tem entrado em alguns confrontos com outros países?

R. Está ruim, né? Tem de mudar porque a política externa nos traz divisas importantes. Não dá para manter embate com outros países. Não dá para fechar portas. Quando digo que tem de mudar, não me refiro a nomes. Não defendo que troque, necessariamente, o ministro Ernesto Araújo. Mas tem de mudar a maneira de se fazer política externa. É preciso deixar claro para não sair a manchete de que eu defendo a troca do ministro.

Arranjos políticos

P. O quanto pesaram os acordos regionais na sua escolha para a Presidência do Senado? Muito se falou que o senhor trocou o apoio do PSD por abrir mão da candidatura ao Governo de Minas Gerais em 2022.

R. A candidatura nasceu primeiro da impossibilidade do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) ser reeleito. Se ele pudesse ser reeleito, ele teria votos suficientes para ganhar a eleição. Diante disso alguns senadores que foram meus colegas na Câmara dos Deputados sugeriram meu nome ao presidente Davi. Tais como o Marcos Rogério, o Weverton Rocha, o Irajá Filho. Houve manifestações de outros senadores e o presidente Davi refletiu e disse que eu seria o candidato apoiado por ele. E, ao ser apoiado pelo Davi e por esse grupo de senadores, começamos nosso trabalho de conversas com esses partidos. Me lembro que em uma semana, fechamos sete partidos políticos e ali consolidou nossa candidatura.

P. Como entraram os acordos regionais nessa equação?

R. Era muito importante o apoio do PSD, que é uma bancada com muita qualidade, com 11 senadores. Aquela união com o PSD representava não só a união com 11 senadores, mas o apoio de dois senadores do meu Estado. Fechar a bancada de Minas Gerais era uma sinalização muito positiva para a minha campanha também. O apoio dos senadores Carlos Viana e Antonio Anastasia foi fundamental. Junto com o PSD e dos outros partidos consolidou a nossa candidatura. O que eu disse, desde o primeiro instante, era que caso eu fosse eleito, eu não via ambiente para poder disputar uma eleição local, uma eleição em Minas Gerais.

P. Por que não via essa possibilidade de disputar o governo de Minas?

R. Por que sendo presidente do Senado, diante de tantos desafios, tantas questões que precisamos tratar sob o ponto de vista nacional, não gostaria de que nenhuma ação minha como presidente do Senado fosse interpretada como um casuísmo ou oportunismo para ser candidato a governador. Foi isso que aconteceu. Foi mais uma questão de reflexão pessoal, íntima, e que eu externei a todos os sujeitos desse processo, a todos os partidos, que eu considerava incompatível a presidência do Senado com ser candidato a governador. E o PSD tem dois pré-candidatos em Minas Gerais, o senador Carlos Viana e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil. Naturalmente essa aproximação com o PSD deve ser considerada no futuro.

Sucessão presidencial

P. Alguns analistas dizem que o senhor, neste começo de mandato, vem se cacifando para concorrer à presidência da República em 2022. O quanto está se movimentando pelo Planalto?

R. Não, não procede isso. A mesma lógica que tem em relação ao Governo do Estado eu tenho a qualquer outra eleição. O meu propósito é ser um presidente do Senado que possa ser solucionador dos problemas do país, com o cumprimento de minha obrigação e não me permito absolutamente conversar sobre eleição de 2022 porque acho que pode atrapalhar o Brasil.

P. Como o senhor vê a criação de uma frente anti-Bolsonaro, pró-democracia? Estaria em uma frente dessa?

R. Neste momento não posso participar de uma frente anti-presidente da República. Meu papel como presidente do Senado impõe um diálogo com o presidente da República. Tenho dito sempre que o Congresso Nacional e o Senado precisam ser colaborativos com o governo federal porque temos problemas muito graves no país. Temos problemas de saúde pública, de déficit social, de déficit educacional e o Congresso não pode ser um instrumento utilizado com um fim político-partidário e eleitoreiro. Meu compromisso como presidente do Senado é estar próximo das instituições, do Governo Federal e encontrar soluções comuns para o país.

P. O que o senhor espera do DEM para 2022? Estará numa chapa com Jair Bolsonaro pela reeleição? Vai lançar seu próprio candidato?

R. Não faço a menor ideia. É um partido importante, hoje bem representativo no Brasil, cresceu muito em todos os aspectos, número de senadores, deputados, prefeitos, capitais, um partido de bons quadros, de bons propósitos e ideias e, obviamente, vai se posicionar em um momento oportuno. Entendo quais são as propostas possíveis e obviamente vamos escolher a que for melhor para o Brasil.

P. Como o senhor avalia a intervenção do presidente Bolsonaro na Petrobras?

R. Eu considero que não se pode superestimar trocas de executivos. Até porque o executivo que substitui o que está sendo retirado pode até ter um perfil melhor que o antecessor. Isso está dentro da esfera de gestão do presidente da República de compreender a disposição dessas peças, dessas figuras, desses agentes dentro do seu Governo. O que temos é de compreender isso como um fato já superado e buscar ter a recuperação da Petrobras como um grande ativo nacional que nós temos.

P. Mas a Petrobras perdeu mais de 100 bilhões de reais em seu valor de mercado após a indicação do general Joaquim Silva e Luna para a presidência. A confiança dos investidores nela não diminui com a intervenção do Bolsonaro?

R. Essa é uma perda que pode ser recuperada com o tempo a partir da credibilidade do novo executivo. A Petrobras é maior que os seus presidentes que passaram e é um ativo que o Brasil tem. Obviamente, ela não será desvalorizada de forma perene. São momentos que se têm oscilação no mercado, especialmente das empresas cotadas em Bolsas. Este é um momento mais crítico, mas logo se recupera. Acredito na recuperação plena da Petrobras porque ela é uma grande empresa.

P. E o fatode o novo presidente ser um militar? Como vê esse ingresso de tantos militares em cargos-chave do Executivo?

R. Temos de reconhecer que nas Forças Armadas há valores humanos muito significativos. Há pessoas altamente preparadas, capacitadas, bem formadas, com experiência de vida e que podem e devem ser aproveitadas em postos estratégicos para poder dar a inteligência devida àquelas posições. É natural que o presidente da República, nessas posições de confiança, possa lançar mão daqueles com os quais ele conviveu ao longo da sua vida privada, profissional e pública. Eu, talvez se estivesse na posição do presidente, faria o mesmo, não em relação aos militares, mas a membros de carreira jurídica, advogados, juízes, promotores, delegados com os quais eu convivi ao longo de minha vida e descobri valores de inteligência, de decência, de patriotismo, que podem ocupar essas posições. Vejo com normalidade até porque o presidente é um ex-militar, tem essa convivência com as Forças Armadas.

Imunidade parlamentar e Chico Rodrigues

P. A Câmara começou a analisar a PEC da Imunidade Parlamentar na última semana. O que espera desse projeto no Senado? É a favor das alterações que estavam sendo propostas?

R. Teve muita reação. Prefiro aguardar o texto final da Câmara para me manifestar a respeito disso. Sei que a intenção da Câmara é estabelecer a clareza sobre as prerrogativas dos parlamentares evitando que haja decisões injustas. Vamos avaliar assim que chegar ao Senado Federal. Não tenho como antecipar nenhum juízo de valor sobre o projeto sem que haja assimilação pelo Senado do que representa esse projeto. Num momento oportuno vamos colocá-lo em pauta, caso ele chegue.

P. Pretende dar celeridade a esse tema?

R. Tenho buscado dar celeridade a todos os projetos, especialmente a esses projetos que despertam o interesse social, o interesse da Câmara. Se a Câmara imprimir uma urgência tenho de levar isso em conta também no Senado.

P. senador Chico Rodrigues, flagrado em uma operação policial com dinheiro na cueca, tem um processo no conselho de ética aberto, aguardando análise de sua conduta. O senhor já determinou a abertura do Conselho para essa análise?

R. Estamos sob a égide no Senado, em função da pandemia, do funcionamento remoto da Casa. Eu pretendo voltar as comissões permanentes da Casa também pelo sistema semipresencial. Pretendo, logo após experimentando as comissões permanentes, evoluir para os demais órgãos, inclusive, o Conselho de Ética. A nossa pretensão é que todos os órgãos do Senado funcionem em sua plenitude, mas precisamos respeitar as regras sanitárias. O Conselho de Ética tem uma peculiaridade, pela natureza dos temas ali tratados, é recomendável que a reunião seja presencial. Estamos confiando muito na imunização do Brasil, da volta da normalidade, e com toda tranquilidade teremos o funcionamento do Conselho de Ética para permitir que os fatos sejam apurados. E aqueles senadores que tenham representações contra si possam se defender e demonstrar suas razões nesses processos até para dirimir qualquer tipo de dúvida.

P. A partir de quando o Conselho de Ética funcionaria?

R. Vai depender das possibilidades técnicas do Senado de adequar o funcionamento dessas comissões à realidade de pandemia que impõe esse distanciamento ainda. Mas estamos muito atentos e, no decorrer dos próximos dias, meses podemos reavaliar a retomada da plenitude do Senado.


Luiz Carlos Trabuco Cappi: A vacina e o relógio

A percepção é a de estarmos encurralados por essa doença invisível e traiçoeira

A expectativa pela vacina desperta um sentimento misto de angústia e esperança, que se mede pelo olhar insistente no passar das horas e dos minutos do relógio. Essa frustração simboliza a situação de milhões de brasileiros, entre eles minha mãe, 94 anos, acamada, que recebeu a primeira dose da vacina no cronograma das autoridades, o tempo possível. Mas, para nós, familiares, essa espera equivaleu ao tempo de um cronômetro eterno.

Incontáveis mães, pais e filhos, de todas as idades e lugares do País, ainda não sabem ao certo quando receberão a imunização. E, a cada dia de incerteza, mais aumenta a sensação de um tempo que não passa.

A percepção é a de estarmos encurralados por essa doença invisível e traiçoeira. 

Ainda que o distanciamento social pareça congelar o tempo, com todas as mudanças de hábitos que ele implica, o relógio não para, a pandemia avança e isso nos faz viver na relatividade do tempo.

No ar, há um mistério: qual o motivo de estarmos sofrendo nesse vácuo, quando nossa tradição nos programas de vacinação em massa é funcionar com a precisão e eficiência de um relógio suíço?

Historicamente, a vacinação em massa é expertise do Brasil. O Programa Nacional de Imunizações, criado em 1973, dispõe de mais de 40 mil postos de atendimento e oferece anualmente 300 milhões de doses de cerca de 30 vacinas. 

Seria possível retomar a nossa performance histórica a partir dessa base de experiência e conhecimento técnico e científico acumulados. O fundamental, obviamente, é lançar mão de uma boa dose de efetividade comercial na compra de vacinas – e, também, aprovar seu uso de forma rápida.

Talvez seja uma boa sugestão o lançamento de um fast track de bom senso em relação às vacinas produzidas e homologadas por vários laboratórios reconhecidos mundialmente. Em matéria de emergência de saúde pública, o conceito é salvar a vida do maior número de cidadãos brasileiros, no menor tempo possível.

A chance de aproveitar a janela de oportunidade para uma segunda etapa na vacinação é agora. Autoridades de diversas áreas do governo, como equipe econômica e Banco Central, além das lideranças do Congresso, estabeleceram a imunização em massa como prioridade. 

As condições objetivas existem. O Brasil tem dois centros de excelência na produção de vacinas – Fiocruz, no Rio de Janeiro, e Butantan, em São Paulo. No segundo semestre, os dois institutos devem inaugurar novas fábricas, capazes de criar também o ingrediente farmacêutico ativo (IFA), necessário para a fabricação das vacinas da Oxford-AstraZeneca e da chinesa Sinovac.

A vacina resolve a crise. No início de fevereiro, Israel identificou uma queda de 41% no número de novos casos de covid-19 em pessoas com mais de 60 anos. Nos Estados Unidos, em meados de fevreiro, o número de casos novos caiu 39% e o de hospitalizações, 28%. O Reino Unido iniciou um processo gradual de flexibilização das regras de distanciamento.

Todos esperam mais eficiência do combate à pandemia. Em primeiro lugar, para barrar o sofrimento da população. Em seguida, para fazer a economia crescer, criar empregos e retomar os investimentos. Imunizar a população é criar condições para o início mais rápido da recuperação plena das atividades econômicas.

Em adendo, teremos a possibilidade de sair dessa crise com uma indústria farmacêutica fortalecida, capaz de produzir vacinas e insumos para fabricação a toda a população brasileira.

Com a soma das reformas constitucionais já em andamento, poderemos oferecer a esta e às futuras gerações a possibilidade de paz, prosperidade e boas oportunidades de emprego e investimento.

Não podemos transformar a justa expectativa pela farta oferta de imunizantes para todos numa exasperante espera de Godot, o salvador que nunca chega.

* PRESIDENTE DO CONSELHO DE  ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO.  ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS


Bela Megale: O constrangimento de usar máscara no Palácio do Planalto

Da recepção aos gabinetes, o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro em relação ao uso de máscaras para combater o espalhamento da Covid-19 ocupa todos os espaços do Palácio do Planalto. Funcionários relataram à coluna que ainda hoje, um ano depois do início da pandemia, é raro ver alguém com máscara durante o expediente no prédio. O utensílio só é colocado vez ou outra por pessoas quando deixam suas salas e circulam em locais onde possam encontrar jornalistas.

Alguns servidores do Planalto dizem ser a favor do uso da máscara, mas afirmam que chegam a se sentir “constrangidos” pela postura dos demais colegas e também do próprio Bolsonaro, que deixa claro para qualquer um a sua irritação com quem segue os protocolos básicos de combate à Covid-19.

Na semana passada, quando o Brasil registrou quase 1.600 mortes em um dia, o presidente voltou a questionar a eficiência da máscara, item cientificamente comprovado como eficaz para conter a disseminação da doença. 

Auxiliares de Bolsonaro relataram que pediram, insistentemente, para o chefe usar máscara ao menos em aparições públicas, mas que acabaram desistindo dos apelos. Para eles, o gesto ajudaria a melhorar a imagem do presidente e o protegeria de novas representações na Justiça, por ignorar protocolos estabelecidos pelo próprio Ministério da Saúde.


Bruno Carazza: Governar é inaugurar estradas

Ajuste fiscal da PEC emergencial foi esvaziado

Coribe (BA), Propriá (SE), Cascavel (PR), Florianópolis (SC), Alcântara (MA), Sertânia (PE), Campinas (SP), Rio Branco (AC), Foz do Iguaçu (PR), Tianguá (CE) e Fortaleza (CE). Nos últimos 40 dias, o presidente da República visitou 12 cidades brasileiras. Além das críticas à promoção de aglomerações no período em que a pandemia atinge seu ápice, o roteiro também deixa claro que Bolsonaro já está em campanha para ser reeleito em 2022.

Com a exceção de Rio Branco, para onde se dirigiu com os justos propósitos de sobrevoar as áreas atingidas pelas enchentes e acompanhar a ação das Forças Armadas e dos órgãos de Defesa Civil, os outros deslocamentos tiveram motivação meramente política.

Reagindo à queda de popularidade e aos ataques intensos que vem recebendo pela condução do país durante a crise de covid-19, Bolsonaro botou o pé na estrada. Afinal, é preciso manter o entusiasmo em regiões que o apoiaram massivamente em 2018 (como Santa Catarina e o oeste do Paraná) e prestigiar grupos cativos como os militares, ainda que a visita seja apenas para desejar boa sorte a novos cadetes no seu curso de formação em Campinas.

Todavia, chama a atenção o destino preferencial de suas viagens. Em cinco das últimas seis semanas o presidente voou para inaugurar obras no Nordeste, seu calcanhar de Aquiles nas últimas eleições e onde ele tem seu pior desempenho nas pesquisas. Não por acaso, na maioria das vezes ele aterrissou em Estados governados por partidos que lhe fazem oposição.

Entregar trechos de estradas, pontes e ações contra a seca faz parte do jogo político. Como todos os seus antecessores desde que Fernando Henrique Cardoso inventou a reeleição, Bolsonaro está utilizando os recursos de que dispõe como chefe do Poder Executivo para agradar eleitores cativos e ampliar sua base de apoio visando se manter no poder até 2026.

Essa antecipação do clima eleitoral, porém, emite sinais claros a respeito de como será conduzida a economia na metade final de seu primeiro mandato. Tanto a teoria quanto nossa história indicam que é bastante improvável que um governante resolva adotar políticas fiscais restritivas quando está em campanha.

A vitória de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para as presidências da Câmara e do Senado foram comemoradas por muitos no mercado como um indicativo de que o governo passaria a ter à sua disposição uma ampla base capaz de aprovar uma agenda econômica mais ambiciosa.

As muitas semelhanças e afinidades entre Jair Messias e a maioria dos parlamentares que compõem essa massa amorfa que chamamos de Centrão deram esperança de que as propostas fiscais de Paulo Guedes poderiam avançar de modo mais fluido. A hipótese faz sentido; pena que as condições para a sua concretização estavam presentes há dois anos - e foram desperdiçadas.

Reformas econômicas abrangentes, que rompam estruturas, são implementadas mais facilmente em início de mandato, quando ainda não se verifica o desgaste natural de todo presidente. Além disso, precisam contar com o empenho dos líderes no Congresso, de preferência se comungarem do mesmo apetite por mudanças.

Quando tomou posse, Bolsonaro tinha em mãos todos esses ingredientes: um alto índice de popularidade, um Congresso que é a sua cara e, na presidência na Câmara, Rodrigo Maia, que desde o governo Temer conduzia uma agenda liberalizante, com a aprovação do teto de gastos e a reforma trabalhista. A rápida aprovação das novas regras da Previdência mostrou que essa parceria poderia render, mas depois disso a química com Maia desandou - e as propostas foram colocadas em banho-maria.

O contexto atual é bastante diferente, a começar pela interminável pandemia, que exige cada vez mais recursos para lidar com seus imensos custos sociais e econômicos.

Bolsonaro também não é mais o mesmo, pois em exatos dois anos, sua desaprovação subiu de 17% para 42%, segundo a última pesquisa XP/Ipespe. Essa piora tem literalmente um preço: além de todas as emendas extraordinárias liberadas para eleger seus aliados para a presidência do Congresso, o envio da nova MP da Eletrobras trouxe consigo um agrado de R$ 8,75 bilhões para as bancadas do Nordeste, da Amazônia e de Minas Gerais destravarem o processo de privatização. Outras faturas virão.

A maior prova, porém, de que o novo arranjo entre Bolsonaro, Lira e Pacheco não resultará em medidas econômicas de impacto está no novo relatório da PEC emergencial, apresentado na semana passada pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Comparando-se o substitutivo do relator com a proposta inicial, encaminhada por Paulo Guedes, a PEC nº 186/2019 foi bastante desfigurada. Além de autorizar, sem parâmetros ou limites, uma nova rodada do auxílio emergencial, Bittar busca cristalizar na Constituição um regime fiscal extraordinário para calamidades públicas, suspendendo-se travas relativas a contratação de pessoal, obras e serviços, abrindo-se a possibilidade de se criar despesas sem prévia previsão orçamentária e dispensando a observância da regra de ouro do endividamento público.

Para contrabalançar, o substitutivo propõe compensar o aumento de despesas seguindo a velha tática de impor ônus sociais em lugar de desagradar grupos de interesses bem identificados.

O acordo entre Bittar e a equipe de Paulo Guedes (ou seja, entre o Centrão e Bolsonaro) tem uma lógica clara. De um lado, desobriga o Estado de gastar um percentual mínimo com educação e saúde; de outro, preserva os servidores públicos de terem seus salários reduzidos e blinda os empresários que se aproveitam dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, do Simples, das entidades sem fins lucrativos, dos produtores de bens da cesta básica e da bolsa empresário dos fundos de desenvolvimento.

Com Bolsonaro em clima eleitoral e o Centrão no comando do Congresso, é muito pouco provável que uma reforma fiscal de verdade seja aprovada antes de 2023. De emergencial, só sobrou o auxílio.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Carlos Melo: Um ano de pandemia - Um poço sem fundo

O coronavírus se espalhou pelo planeta, causou incomensurável número de mortes de indivíduos e destruição de famílias, além do prejuízo econômico. Afetou a percepção das pessoas em relação a governos. Todavia, no Brasil, seus efeitos sobre os planos de Jair Bolsonaro precisam ser relativizados.

Problemas preexistiam. A crise econômica, por exemplo, após um ano de governo, em 2020, persistia sem solução; o extremismo político, a incapacidade de lidar com a democracia são desde sempre traços estruturais do bolsonarismo. Logo, a pandemia, mais do que criar problemas, os aprofundou; explicitou o mal-estar, talvez, difuso.

E, assim, acelerou o processo de conflitos e desacertos, fazendo disparar o tempo político e eleitoral. O ano de 2020 se desenvolveu como avalanche que invadiu 2021, atravessando-o e lançando o país diretamente em 2022: antecipou a disputa eleitoral, que só não está nas ruas porque as ruas estão forçosamente vazias.

Verdade que o presidente nunca desceu do palanque. Mas, desconfiado e competitivo ao extremo, tornou-se mais ansioso, temeroso e temerário. Desprezando efeitos previsíveis da proliferação do vírus, reforçou sua propensão ao voluntarismo e à beligerância diante de inimigos imaginários e adversários reais. Brigou com a ciência, governadores, instituições públicas e organizações civis; calcinou o discurso moralista e o liberalismo de ocasião, ostentados em 2018. Blindado pelo Centrão, é incapaz de afirmar quem é mesmo base de quem.

Também para parcela da sociedade o tempo acelerou. Se não como ação coordenada, de frente política, pelo menos pelo convencimento a respeito dos problemas do país. Desinteligências explicitadas serviram de alerta para instituições como o STF, por exemplo. Ainda há dispersão, mas já se pode notar disposição – e pressão social – para que se evite fragmentação política e eleitoral para além do inevitável, em 2022. A pandemia mostrou que poço, às vezes, não tem fundo; e que é preciso encontrar um modo urgente de tampá-lo.

*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.


Catarina Rochamonte: O privilégio da impunidade

Arthur Lira tentou aprovar a toque de caixa proposta para adulterar a imunidade parlamentar

Devido à forte rejeição da opinião pública e oposição firme de alguns poucos parlamentares, foi momentaneamente frustrada a trama conduzida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, para aprovar a toque de caixa —e atropelando os ritos processuais— uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 3/2021) para adulterar a imunidade parlamentar já assegurada pela Constituição.

No seu teor original, a indecorosa proposta —apelidada de PEC da Impunidade e PEC da blindagem—, dentre outras extravagâncias, limita o alcance da Lei de Ficha Limpa, restringe a prisão em flagrante de parlamentar e dispõe que ações judiciais contra eles ficam condicionadas à decisão do plenário do Supremo. Além disso, o deputado ou senador preso em flagrante ficará sob custódia do próprio Poder Legislativo esperando decisão dos colegas acerca do seu futuro. Em suma, a PEC 3/2021 tem o claro propósito de dificultar ao extremo a ação do Judiciário sobre os parlamentares, tornando-os, na prática, inimputáveis.

Em discurso na Alesp, Janaína Paschoal caracterizou a proposta como retrocesso no combate ao crime, ao peculato e ao abuso de poder: “Eles estão criando um arcabouço para proteger os maus”, asseverou a deputada. É, de fato, espantoso que, no pior momento de uma devastadora pandemia, deputados adotem a atitude corporativista, indecente e imoral de legislar em causa própria no intuito de se colocarem acima da lei.

A PEC da Impunidade, porém, não é um ponto fora da curva; faz parte de um processo de acumulação de privilégios no Parlamento. Recorde-se que, durante a presidência de Rodrigo Maia na Câmara, além dos privilégios tradicionais, prosperaram as novas benesses financeiras do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.

São muitos os privilégios dos nobres parlamentares, mas o privilégio da impunidade é o mais valioso, porque garante os demais. É isso o que muitos deputados —vários deles na mira da Justiça— buscam sofregamente por meio da PEC 3/2021.


Celso Rocha de Barros: Brasil morre, Brasília foge, e Faria Lima vende

Bolsonaro permanece impune, em troca nenhum político será preso

A semana passada deve ter sido a pior do século 21 brasileiro. Enquanto os primeiros países a se vacinarem já discutem a volta à normalidade, as mortes por Covid-19 crescem aceleradamente no Brasil.

As mortes já começaram a cair em países que também se saíram mal no combate à pandemia, como o México e os Estados Unidos, mas continuam a crescer no Brasil.

Em Manaus, pacientes intubados precisam ser amarrados para suportar a agonia porque a anestesia acabou, como antes havia acabado o oxigênio.

O governo Bolsonaro mandou as vacinas do Amazonas para o Amapá porque errou a sigla. Em várias regiões do Brasil a ocupação de UTIs se aproxima de 100%.

No célebre hospital Albert Einstein, o preferido do presidente, já está em 104%. Se Bolsonaro fosse esfaqueado por Adélio Bispo hoje, morreria sangrando na sala de espera.

Enquanto isso, o auxílio emergencial acabou, e a população brasileira mergulhou na mais profunda miséria.Sem perspectiva de vacinação, não há cenário de crescimento econômico que empregue essa gente toda.
Passaremos a recuperação da economia mundial doentes, morrendo, pobres, deixados para trás pelas nações que não elegem Bolsonaros.

O que as elites política e econômica brasileiras estavam fazendo durante tudo isso? Em um país funcional, teriam apoiado e promovido impeachment e prisão dos responsáveis por tudo isso.

Um governo de união nacional estaria já implementando a nova política de sustentação de renda. Todos os esforços estariam focados em conseguir vacinas desde o impeachment de maio de 2020.

Ao invés disso, na pior semana do século, as pautas em Brasília eram as seguintes: o Congresso passou tempo precioso tentando tornar mais difícil que parlamentares sejam presos.

O governo inventou um pacote de medidas liberalizantes projetadas nas coxas para acalmar o mercado depois da intervenção na Petrobras (cujas ações voltaram a cair).

Bolsonaro conseguiu que o Superior Tribunal de Justiça aliviasse para seu filho Flávio, criando jurisprudência que será usada por todos os acusados de corrupção de agora em diante. Na quinta-feira, o presidente da República foi à internet para mentir que máscaras não funcionam para combater a Covid-19.

A Brasília que sustenta Bolsonaro resolveu deixar o resto do Brasil morrer enquanto eles todos, como o primeiro-filho Flávio, fogem da polícia.

O acordo é esse: Jair Bolsonaro, o responsável por muitas milhares de mortes durante a pandemia, mantém seu cargo e permanece impune pelas mortes que causou. Em troca, nenhum político será preso pelo dinheiro que roubou.

E os ricos? Até a semana passada, apoiavam isso tudo.

Desde a intervenção na Petrobras, estão em dúvida: discutem se Bolsonaro, que mudou de Palmeiras para Flamengo no dia seguinte à decisão do Campeonato Brasileiro, tem convicções liberais firmes. Se concluírem que tem, voltam a apoiar. Enquanto discutem, a bolsa cai.

Na pior semana do século brasileiro, Brasília fugiu da polícia, e a Faria Lima vendeu Petrobras. Se já houve mecanismo capaz de fazer as duas trabalharem pelo Brasil, parece ter parado de funcionar.


Fernando Gabeira: Bolsonaro e a construção do caos

Na semana em que as mortes pela pandemia atingem a marca de 255 mil, toda a atmosfera política parece sombria. Não é caso de desespero, apenas a constatação de que vivemos um momento especialmente difícil.

Enquanto sonhamos com a imunização do povo contra a Covid-19, quem recebe vacinas é Flávio Bolsonaro, filho do presidente, e os congressistas do Brasil. Flávio ganhou uma vacina contra a punição no caso das rachadinhas. Os congressistas foram mais longe e produziram um projeto que os vacina contra a prisão em flagrante.

Impressionante ver como o populismo de direita se associa aos políticos tradicionais para criar uma intransponível blindagem para toda sorte de crimes.

E logo eles, os populistas de direita, que afirmam a decadência de um mundo materialista, distante dos valores espirituais que pretendem restaurar.

Acabo de ler “Guerra pela eternidade”, um livro de Benjamin Teitelbaum. O livro fala do retorno do tradicionalismo e da ascensão da direita populista. Infelizmente, não posso fazer uma resenha aqui, senão meu espaço iria para o espaço, se me perdoam o jogo de palavras.

Teitelbaum é etnógrafo, e seu método de pesquisa consiste em observar e interagir com as pessoas que estuda. Dois personagens, entre outros, se destacam em seu livro: Steve Bannon e Olavo de Carvalho. A leitura do livro me ensinou alguma coisa sobre o pensamento da direita, embora a tese central não tenha me parecido muito sólida. Ele tenta enquadrar Steve Bannon e Olavo de Carvalho no figurino do tradicionalismo, mas algumas partes do corpo ficam do lado de fora, não cabem exatamente.

O tradicionalismo tem uma visão circular do tempo. As épocas se sucedem da Idade do Ouro, o tempo dos sacerdotes, passando pelos guerreiros e comerciantes, até o dos escravos, a decadência que se vive hoje no mundo material, globalizado, dominado por uma aliança entre o liberalismo e a China.

Steve Bannon e Olavo de Carvalho sonham com um novo mundo, em que os moradores das áreas rurais americanas e o povo religioso do Brasil (no caso de Olavo) aparecem como as forças novas que vão restaurá-lo.

É um pouco parecido, num outro plano, com a visão romântica dos comunistas, que viam a redenção na classe operária. O mais importante, no entanto, é que, assim como a velha extrema esquerda, Bannon quer implodir as instituições existentes.

Isso explica, no governo Trump, a escolha de uma secretária de Educação que distribuía vouchers para usarem em escolas particulares, anulando o ensino público. Ou mesmo a escolha de um diretor da agência ambiental cujo grande objetivo era acabar com seu ativismo.

Há correspondência dessas escolhas no Brasil. Ricardo Salles foi apontado para destruir o trabalho legal pelo meio ambiente. Ernesto Araújo, para realizar uma diplomacia que rompe com as práticas tradicionais.

Araújo não se importa que o Brasil se transforme num pária. Num mundo decadente, isso é um elogio: significa que há um papel na nova idade do ouro, em que os símbolos superam a razão.

Não tenho espaço para as contradições. Lembro apenas que Bannon se diz espiritualista, mas recebia um salário de US$ 1 milhão de um bilionário chinês e foi acusado de desviar dinheiro destinado a construir o muro na fronteira com o México.

O ponto central é que essas ideias influenciam o governo Bolsonaro. Ele mesmo é uma espécie de antipresidente, alguém destinado a explodir a instituição. O caos é algo promissor para quem julga antever a aurora de uma nova era.

É assim que entendo sua intervenção na Petrobrás e os decretos para armar o povo. Na verdade, foi assim que li as principais declaracões dos quadros da alt-right, a direita alternativa.A tática parece muito com as velhas teorias revolucionárias , só que com o sinal trocado.


Tasso Jereissati: ‘Pacheco terá teste com CPI da covid’

Senador tucano cobra do presidente da Casa a instalação de comissão para apurar a conduta do governo na pandemia

Daniel Weterman, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) pressiona o presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM-MG), a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a conduta do presidente Jair Bolsonaro na crise de covid-19. O senador é um dos autores do pedido para abertura da investigação no Congresso que vai apurar a condução do combate à pandemia por autoridades públicas, incluindo o chefe do Planalto.

A instalação depende de Pacheco, apoiado por Bolsonaro na eleição para o comando da Casa e também pela oposição. “Esse vai ser o grande teste do Rodrigo, se ele realmente é independente como está dizendo ou se para ganhar se comprometeu até à alma com o Bolsonaro” afirmou o tucano em entrevista ao Estadão.

Na sexta-feira passada, Bolsonaro visitou as obras de duplicação da BR-222, em Caucaia (CE), e, mais uma vez, cumprimentou simpatizantes sem respeitar as medidas de contenção da covid-19, na semana em o que País atingiu novo recorde diário de mortes pela doença. “É preciso parar esse cara”, disse Tasso. A aglomeração ocorreu após o governador do Estado, Camilo Santana (PT), decretar toque de recolher e reduzir o funcionamento de atividades em função do avanço do novo coronavírus. Confira os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia a recente visita do presidente Jair Bolsonaro ao Ceará?

Dois dias antes, o governador e o secretário da saúde anunciaram toque de recolher e outras medidas. Tudo isso porque estamos pertinho do colapso e com tendência de crescimento da pandemia muito grande. Chega o presidente aqui e vai a um município, junta gente, aglomera gente sem máscara, depois vai para outro e conclama a população a sair de casa. Além de conclamar, joga uma ameaça: aquele governador que fechar agora tem que pagar o auxílio emergencial. É um esforço enorme para conscientizar a população e o cara vem e conclama o contrário. 

Por que o senhor defende a instalação da CPI no Senado?

Estou pedindo ao Senado, com receio de que teremos dificuldade porque não sei qual vai ser a posição do presidente Rodrigo Pacheco, que instale a CPI da covid-19. Ele colocou meio na gaveta, fez aquela audiência com Pazuello, que foi um desastre, para empurrar com a barriga. É preciso parar esse cara (Bolsonaro). O intuito da instalação da CPI não é nem para punir, mas é para pelo menos parar essa insanidade. Por ser presidente da República, não pode conclamar a população inteira a correr risco de morte sem nenhum tipo de punição.

Que medida prática a CPI faria? Pode encaminhar uma denúncia ao Ministério Público?

Denúncia ao Ministério Público. Primeiro, há crime contra a saúde pública, isso é claro. Segundo, há crime contra a federação, porque está conclamando a população a fazer o contrário do decreto de um governador do Estado e ainda ameaçando governadores que fizerem isso. 

O senhor advoga a tese do impeachment?

Eu só quero parar com isso, que o presidente caia em si. Acho que impeachment vai criar uma crise sem tamanho. E, outra coisa, ele tem seguidores. Vai piorar a coisa. Temos que conscientizar o presidente pelos seus puxa-sacos que isso tem consequências legais e ele vai ter que pagar por isso um dia. Não é assim. Dentro da CPI da covid-19, vamos levantar quem é responsável. 

O presidente do Senado está segurando a CPI. Qual é a viabilidade de ele autorizar?

O pedido de CPI está na mesa do presidente do Senado com as assinaturas. O que eles podem fazer é pedir que senadores retirem assinaturas. Se não, vai ser mais cedo ou mais tarde obrigado a implantar. Esse vai ser o grande teste do Rodrigo, se ele realmente é independente como está dizendo – e eu espero que seja – ou se para ganhar se comprometeu até à alma com o Bolsonaro.

O senhor acredita que Pacheco será independente? A comissão de acompanhamento que ele autorizou é para empurrar com a barriga?

Estamos com a possibilidade enorme de ter um caos no Brasil inteiro. Eu acredito que o presidente do Senado é um homem que tem consciência disso. A comissão de acompanhamento funciona bem, mas não tem consequência nenhuma. CPI é que mostra que tem consequência. O objetivo da CPI não é criar crise, é mostrar que o presidente da República não pode fazer e dizer o que quer, que tem consequências e que vai ser responsabilizado. 

O funcionamento remoto do Senado em função da covid-19 pode servir como justificativa para não instalar a CPI?

Justificativa não, pode servir de desculpa. Vai ter argumentação de que é difícil fazer virtualmente. A instalação tem de ser já, mesmo remotamente. Não podemos ficar quietos. Não estamos funcionando remotamente para outras coisas de muita responsabilidade? Não tá a PEC Emergencial aí agora? Não tá a PEC da imunidade na Câmara?