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BBC Brasil: Brasil é 4º país que mais se afastou da democracia em 2020, diz relatório

O Brasil é o quarto país que mais se afastou da democracia em 2020 em um ranking de 202 países analisados. A conclusão é do relatório Variações da Democracia (V-Dem), do instituto de mesmo nome ligado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia

Mariana Sanches, Da BBC News Brasil em Washington

Publicado em março de 2021, o documento é um importante instrumento usado por investidores e pesquisadores do mundo todo e do Brasil para definir prioridades de ações globalmente.

De acordo com o índice, no qual 0 representa um regime ditatorial completo e 1, a democracia plena, o Brasil hoje registra pontuação de 0,51, uma queda de 0,28 em relação à medição de 2010, que ficou em 0,79.

A queda do país só não foi maior do que as de Polônia, Hungria e Turquia. Os dois últimos, um sob regime do direitista Viktor Orban e outro sob comando do conservador Recep Erdogan, se tornaram oficialmente autocracias, na classificação do V-Dem.

"Quase todos os indicadores que usamos mostram uma drástica queda do Brasil a partir de 2015. O único ponto em que o país não perdeu de lá pra cá foi em liberdade de associação", disse à BBC News Brasil o cientista político Staffan Lindberg, diretor do Instituto Variações da Democracia.

O índice é formulado a partir da contribuição de 3,5 mil pesquisadores e analistas, 85% deles vinculados a universidades ao redor do mundo.

O resultado de cada país advém da agregação estatística dos dados para 450 indicadores diferentes, que medem aspectos como o grau de liberdade do Judiciário e do Legislativo em relação ao Executivo, a liberdade de expressão da população, a disseminação de informações falsas por fontes oficiais, a repressão a manifestações da sociedade civil, a liberdade e independência de imprensa e a liberdade de oposição política.

Onda autocrática global

De acordo com o relatório, o mundo vive o que os pesquisadores consideram uma onda de expansão das autocracias iniciada em 1994.

Essa seria a terceira onda desde 1900 (as duas primeiras aconteceram entre os anos 1920-1940 e entre o começo dos anos 1960 e o final dos anos 1970).

Se, em 2010, 48% da população mundial vivia sob regimes considerados não democráticos, em 2020 esse percentual subiu para 68% e retornou ao patamar observado no início dos anos 1990.

No grupo do G-20 - que agrega as maiores economias do mundo -, além de Brasil e Turquia, a Índia também apresentou uma queda nos parâmetros democráticos tão significativa que deixou de ser considerada a maior democracia do mundo e passou a ser classificada como autocracia com eleições pelo V-Dem.

Segundo os pesquisadores, os processos de Índia, Turquia e Brasil, apesar de estarem em estágios diferentes, seguem um mesmo roteiro. "Primeiro, um ataque à mídia e à sociedade civil, depois o incentivo à polarização da sociedade, desrespeitando os opositores e espalhando informações falsas, para então minar as instituições formais", diz o relatório.

"Estamos muito preocupados porque percebemos que Bolsonaro tem dado claros sinais que condizem com os padrões de comportamento de outros líderes autocráticos que vimos atuar antes, como Viktor Orban. São movimentos preocupantes para a sobrevivência da democracia brasileira", afirma Lindberg.

Ainda longe da autocracia

O índice V-Dem de 2021 foi finalizado antes da recente crise do presidente brasileiro com as Forças Armadas.

Em março, foi anunciada a saída do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o que desencadeou também a troca dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.

Em sua carta de demissão, Azevedo e Silva afirmou que "neste período (à frente da pasta), preservei as Forças Armadas como instituições de Estado", o que provocou questionamentos sobre uma possível tentativa de politização do Exército Brasileiro por Bolsonaro, que tem usado corriqueiramente a expressão "meu Exército" para se referir às Forças Armadas do país.

Antes disso, porém, o atual presidente brasileiro já atacou reiteradas vezes a imprensa, se mostrou elogioso à ditadura militar instaurada nos anos 1960 e endossou uma manifestação de apoiadores seus que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal.

Pouco antes de ser empossado, Bolsonaro chegou a afirmar que mandaria seus opositores para a "ponta da praia", uma aparente referência à base da Marinha na Restinga da Marambaia, no Rio, onde presos foram torturados e mortos durante o regime ditatorial brasileiro.

"Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês. Vocês não terão mais ONGs para saciar a fome de mortadela. Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil", disse o então presidente eleito em 2018.

Esses aspectos contribuem para os atuais resultados do país. Outros índices também apontam para um retrocesso da democracia brasileira nos últimos anos, embora a queda seja mais branda.

A ONG Freedom House avaliou que a democracia brasileira atingia 79 pontos, em uma escala de 0 a 100, em 2017. Atualmente, o índice recuou para 74.

Para Lindberg, embora os dados sobre Brasil sejam preocupantes, o país ainda está longe de ser enquadrado como uma autocracia, como aconteceu com Turquia e Índia, e isso se deve à qualidade do sistema eleitoral brasileiro.

"Embora ainda haja algumas irregularidades de votação, um pouco de intimidação eleitoral ou de compra de voto, as eleições no Brasil seguem sendo livres e justas, e é possível trocar o comando do país por meio delas", diz Lindberg.

Segundo ele, o sistema de voto eletrônico, como o usado no Brasil, tem se mostrado seguro e confiável. Bolsonaro, no entanto, tem feito uma campanha pelo voto impresso no Brasil e dito que o país pode repetir a história das últimas eleições americanas, quando Trump alegou fraude sem provas, se não mudar o sistema eleitoral.

E se a guinada autocrática atinge grandes populações ao redor do mundo, de outro lado, os processos de democratização, embora aconteçam, se concentram em países menores, como o Sri Lanka, Tunísia e Armênia.

Para os pesquisadores, isso se deve ao fato de que esses países estão relativamente mais distantes da influência de potências autocráticas, como Rússia e China, e parecem ter conseguido encaminhar suas dinâmicas políticas internas para um sistema mais livre.


Cristiano Romero: Erro capital

Por que sociedade não reconhece erros do II PND e avança?

Um dos temas mais quentes do debate nacional, desde sempre, é entender por que o país fracassou e continua fracassando. O diabo é quando aparece alguém sustentando que não houve fracasso algum, afinal, temos uma das maiores economias do planeta. Aos ufanistas é imperativo lembrar que, nesse quesito, estamos em plena derrocada. O Produto Interno Bruto (PIB) do país a que chamamos de Brasil há dez anos era o 6º do mundo, agora é o 12º. Ademais, o que significa para as dezenas de milhões de pobres e miseráveis deste território viver, do jeito que vivem, numa das 20 maiores economias?

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan pronunciou uma das frases mais geniais da história da Ilha de Vera Cruz: "No Brasil, até o passado é incerto". Malan, que ocupou o cargo de ministro nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), referiu-se na ocasião a decisões que a Justiça tomara, revendo integralmente o teor de leis e de jurisprudências firmadas pelo próprio Poder Judiciário.

O axioma de Malan é aplicável, também, a muitos outros aspectos da vida nacional. Um exemplo é justamente o debate, que já deveria ter sido concluído há décadas, quanto ao porquê do nosso fracasso econômico recente. Antes que o leitor pense que a coluna se refere ao desastre que vivemos desde 2014, quando se iniciou a maior e mais profunda recessão de nossa história, não é isso.

A referência aqui é à "mãe de todas as crises", aquela que ficou conhecida como a crise da dívida externa, cujo marco temporal foi 1982, mas que, na verdade, se instaurou entre nós pelo menos dois anos antes, quando foi deflagrada a segunda crise do petróleo.

De forma bem resumida, um rápido contexto. Por causa da primeira crise do petróleo, em 1973, o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) decidiu "isolar" o Brasil dos flagelos provocados pela alta do petróleo. A economia vivia os estertores do chamado "milagre econômico" (1967-1973), período em que cresceu a taxas superiores a 10% ao ano. Diante do aumento vertiginoso dos preços do petróleo _ o país importava na época 85% do óleo que consumia _, várias nações foram obrigadas a fazer ajustes para se adequar àquela realidade.

Geisel não foi eleito presidente pelo voto popular, mas agiu exatamente como se tivesse sido. Estávamos numa ditadura, que, instaurada desde 1964, passava por seu pior momento do ponto de vista de sua "popularidade". Filhos da classe média _ e esta deu apoio crucial ao golpe militar dez anos antes _ estavam morrendo nos porões da ditadura, que, desde 1968, com a assinatura do Ato Institucional nº 5, ampliaram-se ao incluir as polícias estaduais no aparato de repressão do regime.

Os anos de chumbo (1968-1975), como ficou conhecido o período mais autoritário da ditatura, coincidiram com o auge do "milagre". Este fato dificultou sobremaneira a defesa das liberdades e, portanto, a volta da democracia, interrompida em 1964 com a deposição ilegal do presidente João Goulart. Por outro lado, o regime militar começava a enfrentar naquele momento a sua crise hegemônica. Duas razões concorriam para isso.

A primeira foi o desgaste, junto à classe média, provocado pelo combate violento, principalmente com o uso da tortura, a grupos de guerrilha que decidiram pegar em armas para combater o regime e também a opositores políticos e da sociedade civil. Aquilo coincidiu com os primeiros impactos da crise do petróleo de 1973 na economia nacional, que, em meio a pressões inflacionárias, começou a desacelerar o ritmo de expansão.

Diante desse quadro, Geisel optou pela solução populista. O cálculo era o de que, se optasse pelo ajuste da economia, o regime perderia ainda mais apoio político e isso seria perigoso.

Numa democracia, governos são obrigados a fazer ajustes em duas situações: por causa do advento de uma crise internacional _ que, não nos iludamos, sempre nos atingirá _ ou decorrente de barbeiragens cometidas pelo próprio governo num dado momento, obrigando-o a corrigir o rumo de suas políticas. Do ponto de vista político, é melhor enfrentar crises externas porque estas, pode-se alegar, não estão sob o controle de nações como a nossa.

No caso de uma ditadura, a história mostra que esse tipo de regime tem seu ciclo e, portanto, sempre termina, e muitas vezes de forma ruinosa e violenta para todos os envolvidos _ ditadores e população. Ditaduras acabam porque os animais não sabem viver sem liberdade, o que, no caso do bicho homem, ser proibido de ir e vir é sinônimo de morte, uma vez que, dotado de inteligência, sabe o que é viver enclausurado.

As ditaduras, mesmo as longevas, e a "nossa" derradeira durou 21 anos, podem chegar ao fim de duas maneiras: por meio de um acordo que assegura uma transição pacífica no retorno à democracia ou de por meio de movimentos revolucionários, onde prevalecem a violência e o revanchismo (talvez, uma expressão mais branda para isso seja "aplicação da Justiça" com o objetivo de apuração de crimes cometidos durante o regime de exceção e aplicação respectiva de penalidades previstas nas leis).

Preocupado em como seria uma transição de regime em meio a uma crise econômica, Geisel lançou, com sua equipe econômica, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O objetivo era isolar o país dos efeitos da primeira crise do petróleo. O programa trancou a economia brasileira a sete chaves para "protegê-la" da concorrência estrangeira, fundou dezenas de empresas estatais, exponenciou o endividamento externo para financiar um sem-número de projetos de desenvolvimento e expandiu a dívida pública com o mesmo objetivo.

Com o II PND, Geisel traçou a longa transição "pacífica" do regime. Militares e torturadores envolvidos até o pescoço na repressão à ditadura não queriam ser julgados pelo novo regime e, assim, não o foram. É a política, estúpido!

Em 1979, veio a segunda crise do petróleo e, três anos depois, o II PND desmonta-se como um castelo de cartas. Mas, inúmeros aspectos daquele modelo econômico (um deles, o fechamento da economia), seguem mantidos porque, o que é espantoso, parte expressiva da opinião pública ainda não chegou à conclusão do mal que ele faz ao país.


Zeina Lafit: Que falta faz um bom líder

O resultado das incertezas é o desalento do setor privado. De nada adiantam jantares com empresários para corrigir os rumos do governo

A liderança política impacta a economia dos países. E não apenas pelas escolhas de políticas públicas, mas pelo efeito indireto sobre as expectativas dos agentes econômicos. Líderes inábeis alimentam incertezas e desconfiança, gerando menor crescimento. Na pesquisa acadêmica, há poucas evidências desse fenômeno, mas alguns resultados são interessantes.*

As eleições podem melhorar o humor do consumidor. Estes ficam mais confiantes quando há perspectiva de mudança de orientação política que venha a reverter um quadro econômico considerado desfavorável.

Foi o que aconteceu no Brasil em 2018. Os índices de confiança de consumidores e empresários (FGV) cresciam conforme se consolidava a eleição de Jair Bolsonaro, mas puxados apenas pela componente de expectativas, que chegaram a atingir patamares de otimismo entre o fim de 2018 e o início de 2019.

Enquanto isso, a componente associada à avaliação da situação corrente se mantinha praticamente estável, no campo pessimista. Em seguida, a expectativa cedeu, possivelmente reagindo ao início tumultuado do governo, com atitudes desastradas de Bolsonaro e seu entorno, e os conflitos com o Congresso.

Em momentos de maior incerteza, como agora, a palavra do líder tende a ganhar peso extra na formação das expectativas dos agentes privados. Assim, cabe aos líderes agir de forma a sustentar a confiança, com atitudes responsáveis e, ao mesmo tempo, com humildade e firmeza para navegar em tempos difíceis, guiando a sociedade.

Outro resultado de pesquisa é que a confiança dos consumidores reage positivamente a posturas brandas de líderes políticos. As experiências mais bem-sucedidas, no controle da Covid-19, de países com líderes de perfil democrático e participativo — notadamente mulheres — reforçam esse ponto.

Passado mais de um ano desde o surgimento da pandemia, a postura de Bolsonaro mostra que ele nada progrediu. O presidente insiste em ataques e falas inconsistentes, equivocadas e, pior, com muitas doses de autoengano. Ele demonstra acreditar que fez tudo certo; não parece mera retórica. O problema seriam sempre os outros.

Suas declarações sobre a saúde são constrangedoras, como quando afirma que o governo federal fez sua parte na compra de vacinas — apesar de o Instituto Butantan ser responsável por 83% da vacinação até o momento —, e atribui as dificuldades na aquisição tempestiva à falta de aprovação pela Anvisa e à postura de alguns produtores.

 Enquanto isso, faltam informações e estudos sobre qual o verdadeiro quadro da saúde do país e o cenário para a reversão da curva de óbitos.

Na economia, mais constrangimento. Bolsonaro julga a agenda bem encaminhada e culpa o IBGE pela elevada taxa de desemprego, cuja metodologia “atendia ao governo da época”. Em que pesem as dificuldades técnicas das pesquisas em meio à pandemia, atacar o órgão é um desserviço que concorre com seu corte de verbas.

Ao mesmo tempo, é coerente com a falta de zelo com o desenho de políticas públicas, que, antes de mais nada, depende da qualidade das pesquisas.

O problema não fica na retórica e tampouco restrito ao presidente. O autoengano também acomete seu entorno e impede a necessária correção de rumos.

O governo errou muito na gestão fiscal e isso se reflete nos preços de ativos e no quadro econômico mais instável. Mesmo assim, houve displicência na elaboração do Orçamento deste ano. Assunto sério demais para ser tratado como foi.

Como se não bastasse, agora não sabem consertar. Os desdobramentos recentes sugerem novos furos no teto de gastos, e sem medidas compensatórias. Mais combustível para a deterioração do ambiente econômico.

É curioso que, mesmo assim, alguns analistas defendam o aumento de gastos públicos, sob inspiração do (controverso) pacote de Joe Biden. Temos um Estado sem capacidade de planejamento, uma crise fiscal que alimenta o risco inflacionário e um governo que gasta mal os recursos públicos. Alimentar o Leviatã fiscal nas atuais circunstâncias seria um grande erro.

O resultado desse quadro de incertezas e falta de perspectivas, agravado pelo presidente, é o desalento do setor privado, como revelam as novas quedas dos índices de confiança. De nada adiantam jantares com empresários para corrigir os rumos do governo.

*Para uma breve resenha e mais detalhes, ver Georg Müller e Steffen Osterloh (2018), “How do politics affect economic sentiment? The effects of uncertainty and policy preferences”.


Vinicius Torres Freire: A geração dos jovens que não verão país nenhum

Na vida adulta, geração que chega aos 30 só viu país empobrecer e se barbarizar

As projeções de crescimento da economia para o ano que vem começam a cair para a casa do 1%. É apenas chute vagamente informado, mas essa bola deve cair mesmo no pântano em que vivemos faz tempo. Em 2022, bicentenário da Independência, serão nove anos de pobreza piorada. Ainda estaremos colonizados pelos nossos piores monstros.

Imagine-se uma brasileira que teve a boa sorte de terminar a faculdade no último ano antes da catástrofe, em 2013, nos seus 21 anos. “Boa sorte” porque apenas 1 de cada 4 jovens de 18 a 24 anos está no ensino superior ou concluiu este curso. Há quem tenha largado a escola muito antes e terá vida pior. No ano que vem, essa brasileira fará 30 anos. Terá passado a primeira parte de sua vida adulta em um país em destruição. É apenas um símbolo de uma catástrofe duradoura, uma de várias gerações perdidas.

No ano que vem, o país ainda será mais pobre do que era em 2013: a renda (PIB) per capita deve ser ainda 7,5% menor. Pelas estimativas atuais, voltaremos a 2013 apenas em 2027. Mas chute econômico não é destino. Assistir bestificado à presente destruição vai nos garantir futuro tenebroso.

Mal ou bem, países do centro do mundo planejam a reconstrução depois da epidemia. São grandes projetos de economia verde e pesquisa científica e tecnológica, como biotecnologia e inteligência artificial.

Qual o lugar do Brasil nesse futuro? Uma zona de catástrofe ambiental e sanitária, talvez por isso objeto de sanções econômicas e políticas.

Nossos produtos industriais logo serão ainda mais obsoletos em termos tecnológicos e ambientais. Talvez não queiram também nossos grãos, ferro e petróleo, por prevenção ambiental ou porque a China passou a plantar soja na África ou porque o país é infecto ou avilta o trabalhador. Com o troco que nos sobrar, compraremos produtos “verdes” ou máquinas inteligentes reais e virtuais etc. inventados com pesquisa subsidiada no mundo rico.

O plano Bolsonaro é o avesso podre dos planos de reconstrução: é devastação ambiental e da Educação, sob mando de um adepto do espancamento de crianças. São tempos de dr. Jairinho e dr. Jairzinho.

Desmontam-se agências e a participação democrática nos conselhos de Estado, avilta-se ou se assedia o corpo técnico de servidores, perseguem-se professores, acelera-se a destruição da pesquisa científica. Capangas oficiais e paramilitares, milícias, talvez colaborem para a implantação de um autoritarismo temperado por farisaísmo, fundamentalismo religioso, patriotada militaresca e ignorância lunática.

Nos acostumamos aos quase nove anos de catástrofe econômica assim como nos acostumamos agora aos 3 mil mortos por dia ou aos crimes de responsabilidade semanais de Jair Bolsonaro. Resta força apenas para combater o regresso autoritário. O Brasil se acostumou a não ter futuro.

É pior do que nos anos perdidos para o horror social e a inflação dos 1980/90. Então se tentava reconstruir um país: Constituição, estabilidade econômica, alguns direitos sociais.

Ainda assim, nossos desastres vêm de longe, pelo menos desde a recessão que começou em 1981, desatino final da ditadura militar. Desde então até 2019, o PIB per capita do Brasil cresceu 36%. O dos países já ricos (OCDE), 85%. O do mundo, 75%. É o aspecto econômico de um fracasso longo e maior. A diferença agora é que morreu ou está para morrer, sem UTI, a ideia de sucesso ou de progresso.

“Não Verás País Nenhum”, dizia o título do romance presciente de Ignácio de Loyola Brandão (aliás de 1981). Tratava de um Brasil em que a Amazônia se tornou um deserto, em que São Paulo fede a cadáveres e em que militecnos comandam um governo autoritário.


Benito Salomão: Novas perspectivas para a taxa de juros

Na última reunião do COPOM (Comitê de Política Monetária) o Banco Central (BC) decidiu fixar a meta da taxa Selic em 2,75% ao ano, um movimento de elevação da referida taxa em 0,75 pontos percentuais. Tal elevação veio em boa hora, uma vez que a inflação está caminhando rapidamente para o dobro da meta fixada para 2021 cujo centro é de 3,75% ao ano. Os modelos que estimei preveem que a inflação atinja as proximidades de 7,25% em maio, ou talvez junho. Se o BC ignorasse este dado e mantivesse a Selic nos 2% de antes, chegaríamos no meio do ano com uma taxa real de juros (descontada a inflação) negativa de aproximadamente -5,25% (Ver Gráfico 1).

Gráfico 1 – Taxa Selic, Taxa de Inflação e Taxa Real de Juros no Brasil entre 2011 e 2020 (Mensal em % ao ano)

Fonte: Banco Central

Isto seria um completo desequilíbrio, nem países desenvolvidos como Estados Unidos e Europa Ocidental têm taxas reais de juros negativas neste patamar. Em boa parte destes países que estão em situação de zero lower bound, isto é, taxas nominais de juros próximas de 0% ao ano, tem também inflação acumulada em 12 meses variando entre 1% e 1,5% ao ano. Isto os confeririam a estes países, taxas reais de juros próximas a -1% ao ano. Portanto, o Brasil apresenta no curtíssimo prazo, mesmo diante da elevação da Selic anunciada pelo COPOM, taxas reais de juros menores do que os países desenvolvidos. Isto explica parte da desvalorização da taxa de câmbio verificada no país que pode alimentar o prolongamento de níveis elevados de inflação por todo o ano de 2021.

Alguns economistas muito respeitados, no entanto, mostram sua preocupação para com o ciclo de alta da taxa Selic em um momento e os seus efeitos sobre a atividade e o mercado de trabalho. Para eles, uma contração monetária neste momento pode inibir a já enfraquecida atividade econômica e aumentar a já elevada taxa de desemprego involuntário da economia brasileira. Para discorrer sobre isto, entretanto, é preciso olhar para o formato da Curva de Phillips CPh (grosso modo é o nome dado para a curva de oferta da economia). De acordo com a melhor literatura desta área, ela pode assumir vários formatos e isto está relacionado com a forma como os agentes formam suas expectativas de inflação na economia. Há modelos que assumem que os agentes formam expectativas adaptativas projetando a inflação futura, a partir do comportamento passado da mesma. Nestes modelos, há um evidente trade off na CPh entre inflação e desemprego e o BC faz política monetária escolhendo entre mais inflação e menos desemprego, ou menos inflação e mais desemprego.

Isto, no entanto, é macroeconomia do final dos anos 1960. De lá para cá os modelos passaram por ajustes em seus pressupostos e a noção de que a política monetária se resume a uma escolha entre inflação e desemprego ficou ultrapassada e nada garante que elevações da taxa Selic como a do último COPOM piorem a situação da atividade e do emprego. Isto porque, se os agentes são racionais e com base nas informações disponíveis sabem que comportamento da inflação tende a se acelerar, eles se antecipam à decisão do COPOM de elevar os juros e passam a tomar decisões de investimento e produção tomando como dado o novo contexto de alta dos juros. Neste caso, elevações de taxa de juros não afetam o lado real da economia.

A passagem das expectativas adaptativas para expectativas racionais vai determinar o formato do CPh e o quão a política monetária pode influenciar o lado real da economia. Como é de conhecimento de todos, desde o final de 2020 as expectativas de inflação já estavam difundidas entre os que acompanham o dia a dia da economia brasileira. Isto solidificou a expectativa, no começo de 2021, de que a taxa de juros iria iniciar um ciclo de alta. De forma que a decisão da última reunião do COPOM já era esperada pelo corpo majoritário dos agentes econômicos no país.

Neste sentido, os efeitos do aumento da taxa de juros sobre o lado real tendem a ser bastante limitados por duas razões: i) porque esta alta de juros praticada pelo BC já era esperada pela ampla maioria dos operadores na economia, ii) porque a taxa real de juros, que é a que importa para as decisões de investimento, tende a permanecer negativa durante todo o ano de 2020.

* Benito Salomão é mestre e doutorando em Economia pelo PPGE – UFU.


Gil Alessi: Governadores preparam carta a Biden para driblar protagonismo negativo de Bolsonaro

Com presidente e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alvo de críticas pelo aumento do desmatamento no país, chefes dos executivos estaduais querem acesso aos recursos dos EUA

Em meio à lentidão do processo de imunização contra a covid-19 no Brasil, e com o pedido feito por ONGs para que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não negocie “a portas fechadas” questões ambientais com Jair Bolsonaro, governadores brasileiros lançarão nos próximos dias iniciativas nestas duas frentes em busca de protagonismo —e de resultados concretos. Chefes de 23 Executivos estaduais formaram um bloco chamado “Coalizão Governadores Pelo Clima”, que assina uma carta endereçada ao mandatário americano.

O documento será entregue ainda este mês ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Na mensagem de três páginas eles divergem de Bolsonaro ao defender o Acordo de Paris —que o presidente já falou em abandonar— e “o cumprimento do Código Florestal para a conservação das florestas e da vegetação nativa” —outro contraste com o Planalto, cujo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defende a flexibilização das leis para “passar a boiada”.

A carta é assinada por governadores de oposição a Bolsonaro, como João Doria (SP), Flávio Dino (MA) e Fátima Bezerra (RN), mas também por simpatizantes do presidente, como Romeu Zema (MG) e Cláudio Castro (RJ). Na mensagem eles se dizem preocupados com a situação e “conscientes da emergência climática global”. Também se colocam como atores capazes de contribuir com a solução caso tenham acesso aos recursos necessários, preenchendo um certo vácuo diplomático deixado pelo Governo Federal. “Nossos Estados possuem fundos e mecanismos criados especialmente para responder à emergência climática, disponíveis para aplicação segura e transparente de recursos internacionais, garantindo resultados rápidos e verificáveis”, diz o texto.

A articulação acontece às vésperas da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, que será realizada de forma virtual em 22 e 23 de abril e para qual o Governo Joe Biden convidou Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral em 2020 Biden chegou a dizer que poderia aplicar sanções contra o Brasil caso o país não controlasse o desmatamento. Depois de eleito, o tom de ameaça foi suavizado apesar dos recordes de devastação da floresta, e o enviado especial do Clima da Casa Branca, John Kerry, chegou a realizar uma videoconferência com o ministro Ricardo Salles e o então chanceler Ernesto Araújo para tratar do tema.

Todo o interesse não é em vão. A proteção dos biomas brasileiros é um negócio que movimenta bilhões de dólares. Desde o início do Governo Bolsonaro diversos fundos europeus ameaçaram suspender repasses destinados à preservação da floresta até que o Brasil mostrasse comprometimento com a redução do desmatamento e das queimadas na Amazônia e também em outros biomas. Noruega e Alemanha, por exemplo, bloquearam no final de 2019 o envio de recursos para o Fundo Amazônia, um dos principais do setor. Até o acordo comercial entre União Europeia e o Mercosul, assinado em junho de 2019, tem sua implementação arrastada à medida em que países como França e Áustria resistem a que ele saia do papel alegando preocupações ambientais.

O anúncio do contato dos governadores com Biden também ocorre uma semana após um grupo com mais de 200 ONGs ligadas a questões ambientais ter enviado ao presidente americano uma carta na qual criticam eventuais negociações “a portas fechadas” feitas entre os dois mandatários sobre a Amazônia sem a inclusão da sociedade civil. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo [Bolsonaro]”, afirmam em um trecho da mensagem, que também defende a participação dos Estados e comunidades locais nas tratativas. “Bolsonaro (...) compromete os Acordos de Paris ao retroceder na ambição da meta climática brasileira. Negacionista da pandemia, transformou seu país num berçário de variantes do coronavírus, condenando à morte parte da própria população”, conclui o texto.

Novos focos de atrito entre governadores e Planalto

A iniciativa dos governadores de contactar diretamente Biden tem potencial para provocar ainda mais atrito entre eles e o presidente. Ambas as partes já vivem uma relação bastante conturbada, erodida desde o início da pandemia quando Bolsonaro passou a atacar os executivos estaduais por tentarem controlar a crise sanitária com isolamento e restrições. Posteriormente, acusou os governadores de fazerem uso político da covid-19 e desviar recursos do Governo Federal destinados à Saúde.

Indagado sobre a possibilidade de conflitos com o Planalto, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), um dos signatários da carta, é taxativo: “Não estamos defendendo uma posição política individualista, e sim a posição do Brasil. Ela não foi alterada, apesar de verbalização [de Bolsonaro] no sentido diferente, as regras continuam as mesmas, não houve alteração da Constituição ou no Legislativo e Judiciário com relação à necessidade de proteger o Meio Ambiente”. Segundo ele, a ideia é que “Biden atente ao fato de que a posição no Brasil precisa ser uma posição que envolva os três poderes, e não apenas um”.

A carta dos Governadores pelo Clima não é a única iniciativa destes políticos que pode afrontar Bolsonaro. Nesta sexta-feira integrantes do Fórum Nacional de Governadores irá realizar por videoconferência uma reunião com a secretária-geral adjunta da Organização das Nações Unidas, Amina Mohammed. Na pauta, o pedido por “ajuda humanitária ao Brasil” em função da situação de descontrole da pandemia do novo coronavírus no país. “Queremos a sensibilização da ONU para que a Organização Mundial da Saúde agilize a entrega de vacinas para o Brasil”, afirmou Dias, referindo-se às doses do consórcio capitaneado pela entidade.

O protagonismo dos governadores na pandemia é uma questão crucial para Bolsonaro. Até o momento o Planalto ficou a reboque de iniciativas estaduais quando o assunto é imunização: boa parte das doses aplicadas nos mais de 23 milhões e brasileiros até esta terça-feira foi produzida no Instituto Butantan, em uma iniciativa do Governo paulista. Desde fevereiro outros governadores já iniciaram tratativas com laboratórios estrangeiros em busca de mais vacinas —algumas ainda sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, como é o caso do imunizante russo Sputnik V, adquirido por Camilo Santana (CE) e Flávio Dino (MA).


Piauí: Os números chocantes da desigualdade vacinal

Imunização brasileira é lenta e discriminatória. País é o 73º em proporção de vacinados. E regiões pobres, com menos idosos, ficam no fim da fila. Em SP, distritos mais protegidos são 8 vezes mais ricos que os com menos doses aplicadas

 

Por Antonio S. Piltcher, Amanda Gorziza e Renata Buono, na Piauí

A vacinação contra a Covid-19 no Brasil caminha a passos lentos. Em relação à proporção da população vacinada, o país está na 73ª posição do ranking mundial. Alguns locais do Brasil são mais impactados pela falta de vacinas e pela distribuição desigual do imunizante. Na cidade de São Paulo, os distritos mais vacinados têm renda média oito vezes maior e vacinam quatro vezes mais que os distritos menos vacinados. Na cidade do Rio, um morador do Baixo Leblon tem três vezes mais chance de ter recebido a primeira dose da vacina contra Covid que um morador do Vidigal. Municípios com maior proporção de população indígena estão com taxas de vacinação maiores. Na Paraíba, uma cidade de maioria indígena aplicou quinze vezes mais doses que o município vizinho. Para realizar as comparações, foram utilizados os microdados do Open Data SUS, que permitem mapear a imunização dentro dos municípios, pois incluem os primeiros cinco dígitos do CEP de cada pessoa vacinada. Assim, foi possível estimar a proporção de habitantes imunizados em cada bairro. Os números foram compilados pelo Pindograma, site de jornalismo de dados.

O Mato Grosso do Sul é o estado que mais aplicou doses de vacina contra a Covid-19 proporcionalmente à sua população – 18 doses a cada 100 habitantes até 9 de abril. O ideal é que se tenham 200 doses a cada 100 indivíduos, já que são necessárias duas aplicações para a completa imunização. Por outro lado, o Mato Grosso, estado vizinho, aplicou metade das doses – apenas 9 a cada 100 pessoas. Ambos têm proporções semelhantes de idosos em sua população: MS com 13% e MT com 12%.

No Rio Grande do Sul, 14% da população recebeu a primeira dose da vacina contra Covid-19, enquanto o Acre vacinou apenas 8% de seus habitantes até o dia 9 de abril. No entanto, a proporção de gaúchos idosos é de 19%, enquanto a de acrianos é de 8%, ou seja, a população do Acre é majoritariamente jovem. O PIB per capita dos estados também difere: R$ 15 mil no Acre e R$ 37 mil no Rio Grande do Sul.

Dois municípios com porte parecido, Santos e Carapicuíba, no estado de São Paulo, têm níveis distintos de vacinação contra a Covid-19. Em Santos, 13% dos 433 mil habitantes já tomaram a primeira dose da vacina. Já em Carapicuíba, na região metropolitana, apenas 3% dos 403 mil habitantes foram vacinados. Os PIBs per capita dos municípios são bastante desiguais: aproximadamente R$ 52 mil em Santos e R$ 14,4 mil em Carapicuíba.

Na cidade de São Paulo, a vacinação dos distritos mais ricos e mais pobres difere significativamente. Nos cinco locais mais vacinados até 25 de março – Pinheiros, Jardim Paulista, Alto de Pinheiros, Campo Belo e Vila Mariana –, a primeira dose foi aplicada em 17% da população, e a renda média é de R$ 9.230. Já nos cinco menos vacinados – Anhanguera, Parelheiros, Jardim Ângela, Perus e Cidade Tiradentes –, apenas 4% dos habitantes foram vacinados, e a renda média de R$ 1.167.

Até 25 de março, Marcação, na Paraíba, administrou 73 doses de vacina contra Covid-19 a cada 100 habitantes. A vizinha Cuité de Mamanguape distribuiu apenas 5 doses a cada 100 habitantes. Ambas as cidades têm PIB per capita baixo, R$ 10 mil em Cuité de Mamanguape e R$ 9 mil em Marcação, que tem população majoritariamente indígena, o que não é o caso de Cuité.

Na região do Parque Bom Jesus, na periferia de Goiânia, 2% dos moradores foram vacinados até 25 de março. Nessa região, 70% das pessoas se autodeclaram negras. Já no Setor Marista, no centro da cidade, onde menos de 20% da população é preta e parda, foram vacinados 13% dos habitantes com a primeira dose até a mesma data.

A desigualdade na vacinação também está presente dentro da favela. Na cidade do Rio de Janeiro, no CEP 22452, que cobre metade da favela do Vidigal, apenas 4% dos moradores foram vacinados com a primeira dose. A renda média dos habitantes do Vidigal é de R$ 1.789. Já no Baixo Leblon, 13% da população recebeu a primeira dose, e 4%, a segunda dose. A renda média dos moradores do bairro Leblon é de R$ 11.311.

Nota metodológica:  As comparações do Open Data SUS limitam-se a dados de ao menos duas semanas antes da data de publicação do =igualdades e não comparam UFs distintas, pois há atraso na importação das informações das secretarias estaduais de Saúde para a plataforma federal, o que gera distorções para datas mais recentes.

 

Fonte: Dados do Open Data Sus, IBGE, Bacen e Secretarias Estaduais de Saúde via coronavirusbra1/Giscard, compilados pelo Pindograma

 


Vera Magalhães: Ilhados com Bolsonaro

E aí, amigo, onde serão suas próximas férias? A depender do andar da carruagem global do pós-pandemia, por aqui mesmo. Estamos condenados a ficar ilhados com Jair Bolsonaro e seu séquito de negacionistas, ressentidos e cafonas, já que, cada vez mais, seremos proscritos de um mundo que quer superar uma pandemia na qual resolvemos chafurdar indefinidamente.

Você aí que botou fé na cloroquina, fez uma festinha “só” para 50 pessoas no réveillon, foi no grupo de WhatsApp da sala do filho divulgar abaixo-assinado pelo impeachment do governador que decretou esse ab-sur-do de manter escolas fechadas enquanto a média móvel chegava a 3 mil mortos por dia, onde vai fazer suas “compritchas” quando todo este pesadelo passar?

Melhor já ir pensando num destino por aqui mesmo, uma vez que que Paris e suas lojas de alta costura não são uma opção viável no momento para a “cepa” de brasileiros, esses que acham por bem contrariar o bom senso, a razoabilidade, os conceitos mínimos de solidariedade e empatia durante uma crise sanitária — e ainda dão algo como 24% de menções de “ótimo ou bom” ao pior presidente da face da Terra plana.

A decisão do governo da França de proibir voos do Brasil é um indicativo concreto, que atinge justamente a elite mais egoísta, aquela que está louca para que as lojas Havan vacinem logo seus funcionários e para que a vida “volte ao normal”, porque mostra a ela um espelho duro de encarar: somos vistos fora daqui como a imagem e semelhança do “Mito” que alguns ainda insistem em cultuar, alheios às evidências abundantes de desgoverno absoluto em todas as áreas da vida nacional.

Mas nossa classe mais abastada segue anestesiada e fazendo seus planos cada vez mais excludentes e alheios à realidade que atinge o país. Começam a abundar relatos de quem vai tirar férias para fazer uma conexão Cancún-Miami (sim, porque os Estados Unidos também não estão dando mole para deixar brasileiro entrar lá sem uma escala prévia que funcione como quarentena).

Aqueles que chamam os prefeitos de ditadores por não ter academia aberta acham que tudo bem ficar de 10 a 14 dias trancados em quartos de hotéis em países que, vejam só!, adotam distanciamento social, só para ter acesso a imunizantes que o governante para o qual passam pano se negou a comprar para o conjunto da população. O que é restrição à liberdade individual em casa vira chique e civilizado nos cada vez mais escassos lugares do mundo que ainda aceitam passaporte brasuca.

Involuímos. Em tudo. E o resultado é que chegaremos muito depois do resto do planeta ao mundo pós-covid. Na economia, na educação, nos indicadores sociais (que, ademais, demoraremos a conhecer, porque Bolsonaro conseguiu a façanha de demolir o Censo Demográfico!), na recuperação dos sequelados pelo vírus, no estabelecimento dos protocolos que terão de ser seguidos daqui para a frente diante da evidência de que outras pandemias virão cedo ou tarde, no compartilhamento de informações científicas oriundas de um esforço histórico por vacinas e medicamentos, de que fomos apenas espectadores letárgicos.

Estamos fadados a trocar essas discussões do nosso tempo, as que definirão os rumos do trabalho, das relações afetivas, das artes, do turismo, do comércio global num mundo paralisado pelo vírus por outras só nossas, como as jabuticabas: se posso comprar 2 ou 6 armas, se o Senado pode fazer uma CPI para investigar estados ou municípios, se devemos usar máscaras (que ano é hoje?), se viraremos jacarés depois de tomar vacina, se teremos voto impresso em 2022. Estamos na Idade da Pedra do mundo pós-covid, trancados em casa e condenados a um convívio forçado com o vírus e com Bolsonaro, sem que saibamos qual deles é mais letal para o futuro do Brasil, nem sequer que futuro será esse.


O Estado de S. Paulo: Pacheco admite unir CPIs e avisa que não vai pautar impeachment de ministros do STF

Nesta terça-feira, 13, o presidente do Senado deve ler o requerimento para instalação da CPI da Covid na Casa; comissão foi motivo de reclamação de Bolsonaro em ligação telefônica com o senador Jorge Kajuru

Apesar do pedido do presidente Jair Bolsonaro ao senador Jorge Kajuru (Cidadania-SP), o presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM-MG), não tem planos de pautar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal(STF).  Nesta terça-feira, 13, Pacheco deve ler o requerimento para instalação da CPI da Covid no Senado. A comissão foi motivo de reclamação de Bolsonaro na conversa com Kajuru. Segundo Pacheco, pedidos de impeachment “não podem ser banalizados em atos de revanchismo ou retaliação”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico. Como antecipou o Estadão, ontem, Pacheco já vinha sendo aconselhado a arquivar os pedidos.

Outro pedido de Bolsonaro na ligação, o de que a CPI não tenha apenas seu governo como foco, mas também as ações de governadores e prefeitos, será parcialmente acatado por Pacheco. Mas não em um formato que deva agradar o Planalto. Isso porque o presidente do Senado planeja anexar ao requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que será lido hoje, o requerimento protocolado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que inclui chefes dos Executivos estaduais e municipais na investigação.

Apenas a destinação de verbas federais a Estados e municípios será objeto da investigação, já que a apuração da atuação de governadores é tema das assembleias legislativas, e dos prefeitos, das câmaras municipais.

"Uma CPI não pode apurar fatos relativos a Estados. Isso incumbe às Assembleias Legislativas. O que cabe a uma CPI do Senado ou da Câmara dos Deputados é a apuração dos fatos no governo federal e os desdobramentos desses fatos que envolvem recursos federais encaminhados a Estados e municípios. Os fatos relacionados às verbas federais podem ser alvo de inquérito, mas não se pode investigar necessariamente Estados e municípios numa CPI federal", disse Pacheco.

Segundo Pacheco, o pedido de CPI protocolado por Girão é conexo ao original, feito em fevereiro por Randolfe, por isso, serão reunidos numa só tramitação. "Não é que estejamos acolhendo esse requerimento. Na verdade, o requerimento de uma nova CPI promovido pelo senador Girão já conta com as assinaturas suficientes e o fato determinado é conexo a um requerimento feito pelo senador Randolfe, portanto devem ser apensados. Me parece que o novo pedido visa a apurar a destinação das verbas para Estados e municípios. Isso é plenamente possível de se fazer numa CPI do Senado", afirmou.

Impeachment

Em relação aos pedidos de impeachment contra ministros do STF, segundo o senador mineiro, que foi eleito para o comando da Casa com apoio de Bolsonaro, tais ações não podem ser transformadas em atos de “revanchismo ou retaliação”. A encomenda de Bolsonaro veio a público após Kajuru divulgar uma ligação entre ele e o presidentee; a conversa, segundo Kajuru disse ao Estadão foi realizada e divulgada no último domingo, após o senador alertar o presidente de que revelaria o diálogo.

 "Os pedidos de impeachment tanto de ministros do Supremo quanto do presidente da República devem ser tratados com muita responsabilidade, não se pode banalizar o instituto. Não podem ser usados por revanchismo ou retaliação", avaliou Pacheco.

Na chamada, Bolsonaro pressiona o senador do Cidadania a ingressar com pedidos de impeachment contra membros da Corte. O desejo é de dar uma resposta à decisão tomada na última quinta-feira, 8, pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ordenou a instalação da CPI da Covid, que vai investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia. Na própria conversa, Kajuru disse a Bolsonaro que já havia apresentado um mandado de segurança para que o STF obrigue o presidente do Senado a abrir um processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF. 

Segundo o presidente do Senado, não é o momento de discutir impeachment, seja no Executivo ou no Judiciário do País. No entanto, ele afirma que é preciso avaliar "aspectos, sobretudo, de juridicidade, de insatisfação com um ministro ou com o presidente da República", disse. "É preciso identificar se há uma narrativa adequada, justa causa, elementos probatórios mínimos, se há tipicidade do fato em relação à lei de 1950, portanto é algo que deve ser analisado com bastante juridicidade. Não é o momento de se discutir impeachment no Brasil" afirmou.

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Alon Feuerwerker: Eficácia

O correspondente do Globo na China traz uma atualização sobre a polêmica da eficácia das vacinas criadas naquele país (leia). Os resultados obtidos onde a CoronaVac vem sendo aplicada têm sido semelhantes. Em torno de 50% para eliminação dos sintomas. E entre 80% e 100% para casos que requerem assistência médica. E a vacina atua melhor se a segunda dose demorar um pouco mais (leia).

E parece que funciona contra as novas cepas. O que é uma notícia e tanto. Aliás, já era esperado que vacinas criadas a partir do vírus inteiro funcionassem bem contra as variantes, pois o vírus não se transforma completamente quando entra em mutação.

Vacinas têm dois papéis: servem para proteger as pessoas individualmente e a coletividade. No caso dos indivíduos, se a vacina reduz de modo radical a possibilidade de adquirir a forma grave da doença, ela está valendo a pena. Já na esfera das sociedades, o desafio é diminuir a um mínimo, se possível interromper, a circulação viral. O que acontece quando se atinge uma certa taxa (alta) de imunizados. 

Pelo vírus ou pela vacina.

A aplicação das vacinas mundo afora ainda está no começo. Números definitivos só estarão garantidos mais na frente. Por enquanto, o melhor é se vacinar o mais rapidamente possível, com a primeira vacina que estiver disponível. Pode ser a diferença entre estar vivo ou não quando esse debate, sobre que vacina protege mais, finalmente puder ser feito com dados mais consolidados.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Jamil Chade: E se Gagarin tivesse pousado no Brasil?

Que a data deste 12 de abril seja despida de sua batalha ideológica que marcou a Guerra Fria e que seja lembrada como a vitória da ciência e da conquista da humanidade

Há exatos 60 anos, Yuri Gagarin se transformava no primeiro homem a ir ao espaço. Muito se falou da preparação de sua viagem, de sua conquista e o que ela significou para a manipulação do poder soviético, em plena Guerra Fria.

Mas o que ocorreu quando ele caiu de volta e desembarcou no planeta?

A história conta que seu local de pouso foi amplamente equivocado. Gagarin caiu perto da cidade de Smelovka, centenas de quilômetros do ponto onde os cientistas tinham planejado.

Na terra, literalmente, estavam duas pessoas. Uma avó e uma menina de cinco anos, ambas plantando batatas.

A garota conta que havia visto um objeto vermelho despencando do céu. Mas sua avó estava ocupada demais com as batatas e tentando evitar que as vacas as comessem.

Instantes depois, a menina viu um objeto laranja caminhando em sua direção, com um capacete. Assustada, a avó deu a mão para sua neta e começou a rezar. Tentaram correr, quando ouviram de dentro do capacete uma voz em russo gritando: “esperem, sou russo!”

Sem entender nada, a avó perguntou de onde ele teria vindo, apenas para ouvir uma resposta ainda mais estranha. “Do céu”. A região não tinha luz elétrica e ninguém sabia que Moscou tinha mandado um homem para o espaço.

A história ampliou o mito de Gagarin, amplamente usada pelo Kremlin e sua propaganda comunista.

Mas e se o cosmonauta tivesse pousado no Brasil de 2021?

Em primeiro lugar, haveria o risco real de cair em uma zona na qual sua explicação de que “veio do céu” seria denunciada por um insulto e blasfêmia. Uma vigília seria organizada, enquanto a pasta de Damares Alves seria acionada.

Não faltariam questionamentos sobre seu capacete. “Onde já se viu um exagero desse contra um vírus que nem existe”, diria algum vereador local. “Marica”, declararia um presidente.

Ao responder que era russo, a história daquele cosmonauta poderia ter sido de uma vez por todas golpeada: “Comunista!”, gritaria outro. “Nossa bandeira jamais será vermelha!”, completaria um colega, perguntando em voz baixa ao vizinho qual a diferença entre russo, esquerdista e soviético.

Para além da propaganda que ele representou, Gagarin é mais uma testemunha, ator e porta-voz do avanço da ciência e de que, para a genialidade humana, não existem fronteiras.

Há 60 anos, a história dava mais um passo nessa fascinante direção. Provavelmente, sem ele, os americanos não teriam acelerado seu programa espacial. Foi essa concorrência e a conquista do espaço que nos trouxe avanços reais para nossas vidas cotidianas, inclusive ajudando a manter uma vida mais saudável no planeta.

Painéis solares, monitores de batimentos cardíacos, tratamentos contra o câncer, sistemas de purificação de água e, claro, os computadores que hoje lidamos com uma realidade são frutos dessa aventura.

Mas a ciência também tem seu papel filosófico. Ao termos a possibilidade real de explorar o espaço, as perguntas se multiplicam: podemos sobreviver de outra maneira?

A mudança e a ciência ―ao lado do amor― certamente são alguns dos aspectos mais misteriosos da humanidade. Quando um primeiro homem inventou um primeiro instrumento, buscava facilitar seus dias, construir um futuro melhor. Ela era a aposta de que o amanhã seria melhor do que hoje, de que a vida vencerá.

Há uns meses, perguntei para Greta Thunberg se ela teria alguma mensagem a enviar a Jair Bolsonaro. Ela me olhou, sorriu e lançou: “escute a ciência”. Hoje, o nosso desafio é o de implementar uma mudança para salvar o planeta. E, mais uma vez, a resposta também estará na ciência.

A pandemia está nos dando, talvez, um último e sério alerta. Ela também mostra que quem apostou na ciência viu os resultados para suas populações. Quem a minimizou, esnobou ou preferiu adotar o caminho da charlatanice acumula corpos.

Que a data deste 12 de abril seja despida de sua batalha ideológica que marcou a Guerra Fria e que seja lembrada como a vitória da ciência e da conquista da humanidade, num momento em que o obscurantismo é uma ameaça tão real quanto o próprio vírus.

Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.


Luiz Carlos Azedo: A CPI não sabe como começar

CPIs bem focadas promovem ampla exposição de fatos até então encobertos por silêncio, dissimulações e fraudes. Algumas CPIs fracassaram por má condução

Um velho jargão parlamentar, atribuído a Ulysses Guimarães, sustenta que todos sabem como começa uma comissão parlamentar de inquérito, mas ninguém sabe como termina. A CPI da Covid-19 do Senado, porém, nem sabe ainda como vai começar, embora já esteja no centro das tensões entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, em razão da divulgação de uma gravação da conversa entre o senador Kajuru (Cidadania-GO) e o presidente da República.

Na conversa, o presidente Jair Bolsonaro orienta o parlamentar a protegê-lo e direcionar a investigação contra governadores e prefeitos. De quebra, pede para Kajuru pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a decidir sobre seu pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Quem mais se beneficia dessa confusão é o presidente Bolsonaro. A Executiva do Cidadania, partido envolvido na polêmica, apoia a instalação da CPI e saiu em defesa do senador Alessandro Vieira(SE), mas não endossa que se investigue governadores e prefeitos. Além disso, repudiou a conversa de Kajuru com Bolsonaro e solicitou que o parlamentar deixasse a legenda.

CPIs bem focadas promovem ampla exposição de fatos até então encobertos por silêncio, dissimulações e fraudes. Algumas CPIs fracassaram por má condução, como a do Futebol (2007) e a dos Cartões (2008). Outras foram bem-sucedidas, como as CPIs da Corrupção (1988), do PC Farias (1992), dos Anões do Orçamento (1993), do Judiciário (1989), do Banestado (2003), dos Correios (2005), dos Bingos (2006), dos Sanguessugas (2006), do Apagão Aéreo (2007) e do Cachoeira (2012). Às vezes, são algozes de seus protagonistas.

A CPI do Orçamento acabou cassando os mandatos do presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (MDB-RS), injustamente, e do líder do MDB, Genebaldo Correia (BA), entre outros. A CPI dos Correios, em 2005, fruto de uma denúncia do presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), resultou na sua própria cassação, e de outros parlamentares, como o então deputado José Dirceu (PT- SP). Desfecho surpreendente teve a do Judiciário, em 1989. Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), no segundo mandato como presidente do Senado, protagonizou a abertura da CPI, contra a corrupção, o tráfico de influências, a má gestão
e o nepotismo no Judiciário.

Renúncias
Alguns senadores à época, como Marina Silva (PT), Geraldo Melo(PSDB) e Roberto Freire (PPS), temiam o risco de confronto entre os Poderes. Para o ministro Carlos Velloso, então vice-presidente do STF, “uma CPI desse tipo, generalizando acusações contra juízes, simplesmente expõe o Judiciário à execração pública, levando o descrédito às suas decisões”. A própria OAB, que defendia desde a Constituinte a criação de mecanismos de controle externo do Judiciário, repeliu a iniciativa. Para então presidente, Reginaldo de Castro, estaria “se criando no Brasil um tribunal de exceção”.

A CPI não desmoralizou o Judiciário nem provocou abalos institucionais. Apurou denúncias de crimes e corrupção que impactaram a opinião pública, com destaque para a ligação do senador Luiz Estevão (MDB-DF, cujo mandato foi cassado em 2000) com o desvio de R$ 169 milhões das obras de construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, onde pontificava a figura do “Juiz Lalau”: Nicolau dos Santos Neto, presidente da Corte, que foi condenado a 26 anos de prisão pelos crimes de peculato, estelionato e corrupção passiva.

ACM emergiu da CPI do Judiciário como paladino do combate à corrupção, porém não conseguiu manter a presidência do Senado em 2001, sendo substituído por Jader Barbalho (MDB). Os dois senadores viviam se digladiando e acabariam envolvidos no escândalo do Painel do Senado. ACM havia revelado a lista de todos que votaram contra e a favor de Luiz Estevão na sessão secreta que resultou na cassação do mandato do ex-senador, em junho de 2000. A crise culminou com as renúncias de Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, na época líder do governo no Senado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-cpi-nao-sabe-como-comecar/