vacina
Valor: Anvisa defende imunização e manda recados ao governo federal
Em reunião de cinco horas, diretores destacam a autonomia e a competência do corpo técnico da agência
Por Estevão Taiar, Valor Econômico
SÃO PAULO - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem por unanimidade o uso emergencial das vacinas Coronavac e da AstraZeneca, em uma reunião de mais de cinco horas em que os diretores fizeram defesas enfáticas da importância da vacinação e da ciência. Uma pendência burocrática, entretanto, ainda pode atrapalhar a distribuição da Coronavac. A decisão foi tomada em uma reunião de mais de cinco horas, em que os diretores fizeram defesas enfáticas da importância da vacinação, deram recados ao governo federal e destacaram a autonomia e a competência do corpo técnico da Anvisa.
A autarquia condicionou a aprovação ao envio de um termo em que o Instituto Butantan se compromete a submeter mais dados sobre imunogenecidade - a capacidade que uma vacina tem de estimular a produção de anticorpos. Além disso, tanto o Butantan quanto a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável pela AstraZeneca, precisam continuar a realizar estudos e fornecer o dados para que as vacinas tenham registro definitivo.
Três gerências da Anvisa recomendaram a aprovação das duas vacinas: medicamentos e produtos biológicos; inspeção e fiscalização sanitária; monitoramento de produtos. A gerência de medicamentos e produtos biológicos fez questão de destacar que a recomendação estava baseada, entre outros fatores, na “ausência de alternativas terapêuticas”. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, vêm defendendo um tratamento precoce à base de medicamentos como a cloroquina - cuja eficácia não tem comprovação científica. Bolsonaro afirmou até mesmo não se vacinará. Também foi levada em conta pela Anvisa o crescimento recente do número de casos. Outro ponto importante é que a decisão vale apenas para os imunizantes importados, não para os produzidos no Brasil.
Na sequência, os cinco membros da diretoria colegiada da diretoria votaram a favor do uso emergencial das vacinas.
“Ressalvadas algumas incertezas, os benefícios conhecidos potenciais das duas candidatas à vacina superam os riscos potenciais”, disse em seu voto a diretora Meiruze Freitas, relatora dos pedidos de análise. Para ela, o tema é uma questão de "segurança nacional".
A defesa do método científico e da vacinação foi uma constante nos discursos da cúpula da Anvisa. No voto que definiu a autorização, o diretor Alex Campos chamou a atenção para a situação registrada em Manaus (AM) nos últimos dias, afirmando que a “tragédia da morte pela falta do tratamento mais simples” - os cilindros de oxigênio - mostra a ineficácia do poder público brasileiro. Ele também agradeceu o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido por Bolsonaro no começo da pandemia, pela sua nomeação.
Já o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, afirmou que as vacinas “certamente” serão “acrescidas de outras”. "É o que esperamos, buscamos", disse.
Ele chamou, porém, a atenção para a “mudança de comportamento social” necessária para combater a pandemia, orientando a população a manter o distanciamento social, o uso de máscaras e a higienização das mãos. “O lobo ainda ronda o nosso quintal”, afirmou.
No início da pandemia, entretanto, Torres esteve ao lado de Bolsonaro na frente do Palácio do Planalto para acompanhar manifestações com centenas de pessoas a favor do governo.
O uso emergencial aprovado ontem não permite a comercialização das vacinas. Para isso, a Anvisa ainda precisa conceder o registro sanitário definitivo. A gerência de medicamentos e produtos no caso das duas vacinas "o monitoramento das incertezas e reavaliação periódica".
Os índices de eficácia da Coronavac e da elaborada pela AstraZeneca ficaram respectivamente em 50,39% e 70,42%.
Entretanto, conforme antecipado pelo Valor no domingo, a autarquia considerou insuficientes as informações a respeito da imunogenecidade da Coronavac.
Bruno Carazza: Vacina contra a incompetência
Estamos condenados a conviver com a covid e a escassez
A aprovação da Anvisa para o uso emergencial das vacinas produzidas pelo Butantan e pela Fiocruz e a aplicação das primeiras doses na população trazem esperança e alívio, mas estão longe de colocar um fim à tragédia que já levou à morte quase 210 mil brasileiros.
A saga da vacinação contra a covid-19 é mais um reflexo do problema de coordenação gerado deliberadamente por Bolsonaro desde o início da pandemia por motivos políticos e ideológicos. Sem uma gestão unificada para o enfrentamento da crise e a busca de soluções, os governos federal, estaduais e municipais lançaram-se numa corrida na qual toda a população saiu perdedora.
Ao contrário de outras nações, que desde o princípio negociaram com diversos fornecedores para minimizar o risco, o Brasil errou na sua estratégia de apostar todas as fichas em apenas dois laboratórios. As 160 milhões de doses contratadas junto à AstraZeneca e à Sinovac não serão suficientes para atender, em duas rodadas, um país com 210 milhões de habitantes - mesmo que a Fiocruz alcance o objetivo de produzir outras 110 milhões de unidades entre agosto e dezembro.
Segundo o Plano Nacional de Vacinação, haveria ainda a intenção de adquirir 108 milhões de ampolas da Pfizer/BioNTech e da Janssen, mas os contratos sequer foram assinados, e há a promessa de receber outras 42,5 milhões do consórcio Covax Facility, mas sem um cronograma de entrega definido.
É verdade que poderíamos recorrer aos países que pecaram pelo excesso e contrataram além do que precisavam, mas isso seria um feito surpreendente para um corpo diplomático cuja cúpula se especializou em destruir pontes nos últimos dois anos.
Enfim, mesmo no melhor dos cenários, em função do tempo necessário para a entrega, distribuição e aplicação em duas etapas, é fato que teremos que conviver com uma oferta limitada de vacinas por um bom tempo.
‘Contágio’, filme de 2011 dirigido por Steven Soderbergh, tornou-se um caso raro de sucesso tardio de audiência. Ao imaginar uma pandemia que se dissemina rapidamente pelo mundo a partir de uma contaminação em um mercado de alimentos silvestres na China, a ficção fez sucesso no ano passado tamanhas eram as semelhanças com o momento em que vivemos.
Na obra, a tão esperada proteção foi decidida por sorteio, de acordo com a data de aniversário dos indivíduos. Mas a vida, principalmente por aqui, é muito mais complexa do que a arte.
Com uma baixa disponibilidade imediata de doses e uma doença que se alastra em ritmos diferentes tanto em termos regionais quanto em relação a estratos sociais e demográficos, enfrentaremos em breve dilemas difíceis de serem equacionados - e a incapacidade governamental de lidar com eles será exposta de novo.
O plano anunciado pelo Ministério da Saúde estabelece os grupos prioritários (trabalhadores da área de saúde, idosos, aldeias indígenas, ribeirinhos, quilombolas etc); porém, não define os critérios que devem nortear sua distribuição.
Com poucas doses, como será a logística da aplicação das seringas e o seu cronograma de alocação ao longo das próximas semanas e meses? Qual será a “taxa de risco” anunciada ontem pelo ministro Pazuello para priorizar cidades em situação de colapso, como Manaus? E dentro de cada localidade, a quem caberá determinar quem recebe primeiro a imunização no âmbito de cada grupo? Como serão definidas as prioridades entre os prioritários? São respostas para as quais a equipe de Bolsonaro até agora não deu resposta.
Em países como Inglaterra e Portugal, que têm sistemas universais de saúde com prontuários unificados, foi possível organizar a oferta levando em conta as situações de cada indivíduo, de forma que as pessoas estão recebendo por correio, SMS ou email informações com local, dia e hora em que receberão as agulhadas.
Como ao longo de décadas o SUS não recebeu os investimentos necessários para ter tal grau de organização, em breve viveremos os efeitos típicos de uma escassez extrema.
O mais comum deles é a fila. Há poucos meses vimos milhões de brasileiros se aglomerando diante das agências da Caixa Econômica e da Receita Federal tentando resolver problemas relacionados ao auxílio-emergencial. Da noite para o dia “descobriram-se” 40 milhões de “invisíveis” - pessoas que não constavam nos cadastros sociais e estavam à margem do mercado formal de trabalho.
Por não conhecer a imensa maioria de seus cidadãos (onde moram, qual seu histórico de saúde, quem possui comorbidades), a desorganização se repetirá com a vacinação. Como resultado, nas próximas semanas seremos expostos a uma reprise de cenas de pessoas dormindo em filas ou se acotovelando na frente de postos de saúde em busca da imunização.
Sem critérios claros para a distribuição individual, em alguns casos prevalecerá a lei do mais forte (ou do mais próximo). Categorias começam a se articular para pressionar institucionalmente por atendimentos prioritários, como já aconteceu com membros da elite do Judiciário e do Ministério Público. Quando as doses forem entregues aos municípios, é bem provável que muitos espertalhões consigam furar a fila na base de relações de parentesco, amizade ou influência junto a poderosos locais.
A falta de vacinas também gerará oportunidades de corrupção. No país da impunidade, os incentivos estão dados para quem quiser cobrar “por fora” ou condicionar agulhadas a promessas de votos.
Como sempre acontece quando o Estado falha na prestação de seus serviços, florescerá também um vantajoso mercado. Laboratórios e grandes empresas já se movimentam para obter autorização governamental. Com baixos estoques e uma longa espera na rede pública, o setor privado terá condições de discriminar a oferta para quem se dispõe a pagar o preço que for cobrado.
Millôr Fernandes dizia que “o grande erro da natureza é a incompetência não doer”. A gestão da pandemia do governo Bolsonaro comprova que ela não apenas dói, como asfixia e mata.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
Cacá Diegues: O quinto mandato
Na última pandemia, no terceiro para o quarto mandato, o presidente mandou todo mundo tomar vermífugo
Quem me lê sabe que não costumo publicar nem discutir na coluna mensagens de leitores. Prefiro fazê-lo pessoalmente, por e-mails que eles me indicam. Mas desta vez não posso deixar passar em brancas nuvens o que é dito aqui, vocês vão entender por quê. Para facilitar a leitura, fiz as devidas correções no português do texto original, que tanto podia ser arcaico quanto futurista. Como seu tema. Eis o e-mail que recebi semana passada:
“Prezado escriba. Ainda tenho comigo o jornal de ontem, onde se encontra sua coluna desta semana. Sou seu habitual leitor, mas não posso ver o Brasil maltratado sem me meter. Sou como o nosso presidente: Brasil acima de tudo (e, claro, Deus acima de todos)! O presidente é o homem mais incompreendido do planeta, e o senhor, como bom brasileiro, não devia colaborar com as injustiças de que ele é vítima.
Por exemplo, o desmatamento não é em absoluto a causa principal das queimadas na Amazônia. Quando o fogo chega lá, as árvores já estão no chão atraídas por lei natural. Essa é a narrativa do progresso: quando há um acidente, surge também uma oportunidade. Mas os índios e os caras que moram lá sabotam o progresso, não cedem um centímetro de terra para modesta mineração, nem um riozinho sem importância para uma hidrelétrica. A floresta fica interditada. Os índios, que eram uns 4 milhões quando Cabral aqui chegou, hoje são menos de 200 mil gatos-pingados. E nós é que vamos pagar pelo descaso deles com a descendência?
O governo luta pela sobrevivência do povo, senhor escriba. Na última pandemia, no terceiro para o quarto mandato, o presidente mandou todo mundo tomar vermífugo como precaução. Foi um sucesso, esgotaram-se os vidros de vermífugo nas farmácias, a indústria farmacêutica que os fabricava foi apedrejada pela população que queria mais. Graças ao tratamento precoce com vermífugo, morreram apenas cerca de 550 mil brasileiros, metade dos mortos nos Estados Unidos e na Índia no mesmo período.
Desde que a importação de armas foi liberada por decreto presidencial, a população vem se defendendo com entusiasmo de assaltos e tentativas de homicídio. A Polícia Militar se ocupa agora de tarefas mais graves, mantendo sob vigília oficiais ‘superiores’, como generais, almirantes e brigadeiros que perturbam a vida do governo. A PM foi liberada da servidão a esses oficiais e não depende mais de governadores e prefeitos, civis eleitos ninguém sabe por quem. A medida custou um pouco às finanças do Estado, já que o governo passou a arcar com o necessário desconto nas compras domésticas dos chefes policiais, descontos que foram cobertos pela UIF (ex-Coaf). Ficamos assim protegidos dos dias piores que o presidente teria que enfrentar (só Deus sabe como!), a exemplo de Donald Trump, sacrificado por causa de visita ao Capitólio norte-americano.
Outro dia fui ao cinema, num shopping na Praça Carlos Alberto Brilhante Ustra, recém-inaugurada, e vi com satisfação que não havia nenhum filme nacional programado. O governo parou de financiar esses comunistas, a Lei Olavo de Carvalho não financia mais o marxismo cultural, como fazia quando se chamava Rouanet. Agora ela apoia o apoio ao Brasil, como no caso da soja. Fizemos um trato com agricultores franceses, não perdemos mais tempo, dinheiro e terra arada com soja. Compramos da França, onde a família Le Pen controla o governo desde a sucessão de Macron e sua feia esposa. Os franceses nos vendem a soja com perfume inigualável, além de embrulho e embarque supervisionados por herdeiros de Pierre Cardin.
Nos anos 1930, Getúlio Vargas começou a modernizar o Brasil pela industrialização. Nosso presidente está levando o país de volta ao que sempre foi, uma ensolarada fazenda, onde todo mundo flana igual e ninguém tem pressa de nada. A Ford foi embora porque não se adaptou a esse novo Brasil do futuro. No dia D e na hora H, eles hão de entender que aqui um manda, e o outro obedece. O Congresso, hoje com sua maioria formada pela Aliança do Grande Centro, e o STF, fechado temporariamente para higiene interna, apoiam o presidente. Restam apenas os três meninos sumidos desde o Natal de 2020, que ainda estão escondidos por aí. O mais velho deles, Fernando Henrique, deve estar hoje com uns 25 anos de idade. Os meninos desaparecidos seguem mandando recados para suas comunidades, incentivando-as a resistir. Resistir a quê, meu Deus?!
Vou ter que parar de escrever, pois meu tempo é curto, e o seu, escasso. Preciso sair correndo para ir votar em Jair Bolsonaro, o Mito, para mais um período na Presidência, conforme a oportuna reforma constitucional de 2022, quando seu partido sugeriu ao Congresso permitir que se candidatasse a novos e seguidos mandatos de quatro anos. A pífia oposição ainda tentou argumentar que a inflação passara de 4,52% em 2020 a cerca de 452% esse ano. Mas nossos sólidos economistas argumentaram que inflação é bobagem, não serve para dizer o que acontece de fato no país. E deram como exemplo Juscelino Kubistchek, o criador de Brasília, presidente a partir de 1955, quando ainda não havia reeleição.
Depois desses 12 anos no governo, Bolsonaro vai se sacrificar mais uma vez.
Como ele tem dito a seus apoiadores, na saída do Alvorada, o Brasil ainda precisa do dobro desse tempo para se endireitar de uma vez. Até breve, meu caro escriba”.
Esse e-mail me foi enviado com a data de 10 de outubro de 2034. E agora?
Ana Maria Machado: Quebradeira, rachadinha e ruptura
A incompetência do governo passa dos limites. Outros países já vacinam há mais de um mês, enquanto aqui se enrola
‘O Brasil está quebrado, e eu não posso fazer nada’, afirmou o presidente. E jogou a culpa na mídia por exagerar a pandemia. Já se falou na leviandade e nas possíveis consequências econômicas dessas palavras. Não faltou quem, com todas as letras e dados numéricos, demonstrasse que, além de irresponsabilidade, trata-se de mentira pura e simples. Afinal, ele corta impostos de videogames, armas e igrejas, dá aumentos a policiais, anistia desmatadores e criminosos ambientais, multiplica privilégios a militares. Tudo em crescente aumento de gastos públicos e perda de arrecadação. E, ainda por cima, não faz nada para melhorar o ambiente de negócios ou diminuir o custo Brasil — o que ficou evidente com os anúncios da saída da Mercedes e da Ford do país, ou o PDV do Banco do Brasil.
No entanto a aparente besteira dita por Sua Excelência atinge seu objetivo — sempre o mesmo. O de criar polêmica, fazer discutir o irrelevante, distrair a plateia e desviar as atenções dos problemas de sua família na área criminal. Enquanto se discute a quebradeira, não se fala em rachadinha. E ele manobra para manter o cargo, ser reeleito e assegurar impunidade a todos os seus.
Entre quebras e rachaduras, adquire proporções nacionais o fenômeno da cidade partida. Na sociedade dividida deste país partido, de riqueza não repartida, multiplica-se a segregação, apartando privilegiados e ferrados. De quebra, o pessoal das quebradas se vira como pode, multiplicando quebra-galhos. Juntando os cacos. Ora caindo no papo furado, ora indiferente. Por quanto tempo mais vai funcionar esse lero-lero?
Os mortos da Covid-19 se aproximam de 210 mil. A incompetência do governo passa dos limites. Outros países já vacinam há mais de um mês, enquanto aqui só começou ontem. Até quando essa conversa para despistar ainda vai colar?
Chega uma hora em que os trincamentos viram ruptura, e os pés de barro não sustentam mais ídolos, mitos e mentiras. Então eles quebram a cara. Ou tudo se esfacela de uma vez.
Ricardo Noblat: Bolsonaro escolheu ser o coveiro dele mesmo
Doria fez barba, cabelo e bigode no presidente
Na medida em que se enfraquece, o presidente Jair Bolsonaro perde mais e mais o controle sobre os fatos produzidos ou não por seu governo. Dois episódios de ontem provam isso.
Os cinco diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nomeados por ele, anunciaram ao país que não existe tratamento preventivo contra a Covid-19.
Desmentiram Bolsonaro em transmissão nacional de rádio e de televisão. Até o ministro da Saúde, o general de peito estufado Eduardo Pazuello, também o fez com todo o cuidado do mundo.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) deu início à vacinação em massa, o que o Ministério da Saúde disse que só poderia acontecer depois de sua autorização.
Doria também reteve a cota paulista de doses da vacina fabricada pelo Butantan que o Ministério da Saúde esperava receber para em seguida devolver a São Paulo. Uma estupidez, por certo.
Foi um ato de rebeldia do governador que, ao ser acusado por Pazuello de promover um “golpe de marketing”, respondeu que há 11 meses Bolsonaro promove um “golpe de morte”.
O presidente da República vai fazer o quê? Processar Doria? Pressionar a Justiça para que mande prendê-lo por crime de desobediência civil? Se o fizer, perderá.
Vamos ao mantra adotado por 9 entre 10 estrelas da política: presidente pode muito, mas não tudo. Bolsonaro, por mais que diga o contrário aos berros, cada dia que passa manda menos.
A derrota que colheu com a aprovação emergencial das vacinas foi a maior derrota desde que acidentalmente se elegeu há dois anos e tomou posse da presidência sem estar preparado para isso.
Mais de 70% dos brasileiros queriam se vacinar. O percentual crescerá com o início da vacinação em massa. Bolsonaro sempre desacreditou a vacina e diz que não se vacinará.
Em todos os países onde começou, a vacinação foi festejada pelos chefes de Estado. Aqui, Bolsonaro não deu um pio. Desapareceu. Apareça, Bolsonaro! Livre-se do colete à prova de vacina. Não dói.
No passado, quando um time goleava o outro, dizia-se que fez dele barba, cabelo e bigode, lembrou o jornalista Ricardo Kotscho. Perfeito! Doria fez barba, cabelo e bigode em Bolsonaro.
O 7 x 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo de 2014 é pouco para dar a verdadeira dimensão da surra que Bolsonaro levou de Doria. Outras surras virão em breve.
Os bolsonaristas e seus cúmplices construíram a falsa narrativa da invencibilidade de Bolsonaro, fizesse ele o que fizesse. E que ele se tornara de alguns meses para cá um presidente normal.
Jamais Bolsonaro será um presidente normal porque como ser humano jamais foi normal. Não pode ser normal quem defende a tortura, tem fixação em armas, detesta gays e sabota a vida.
Aturá-lo por mais dois anos será insuportável, mas talvez sirva para ensinar os brasileiros a votar melhor.
Eliane Catanhede: Vacina é vitória do Brasil, derrota de Bolsonaro
Bolsonaro, que, em vez de se empenhar pela vacina, guerreia contra ela, saiu do ar e deixou o general Eduardo Pazuello na linha de frente contra Doria
Antes tarde do que nunca, o Brasil entra na lista de mais de 50 países que já imunizam suas populações contra a covid-19 e o domingo, 17/01/21, é “o dia da vitória, da vacina, da verdade e da vida”, como comemorou o governador de São Paulo, João Doria. Quanto mais isso é real, mais lamentável fica a guerra política, até no dia D, entre Doria, o vitorioso, e o presidente Jair Bolsonaro, o grande derrotado.
Doria foi quem planejou, se dedicou obstinadamente à Coronavac, é o primeiro a vacinar um brasileiro no Brasil e não desperdiçou seus 15 minutos de glória, com direito a emoção e choro. Bolsonaro, que, em vez de se empenhar pela vacina, guerreia contra ela, saiu do ar e deixou o general Eduardo Pazuello na linha de frente contra Doria. E Pazuello não disfarçou a dor de cotovelo.
Enquanto Inglaterra, França, Alemanha, EUA, Chile, Argentina, México... já vacinam seus cidadãos, o Brasil uniu indigência e guerra política. Sem estratégia, sem rumo, o Ministério da Saúde não negociou nas diferentes frentes e pendurou-se numa única vacina, a Oxford/Astrazeneca, que até agora ninguém sabe, ninguém viu no Brasil.
Além de não mexer uma palha para garantir imunização, Bolsonaro atacou a Coronavac como “vacina do Doria” e “vacina da China”, atiçou sua tropa de internet contra a vacina, bateu no peito ao dizer que não se vacinaria. Com que cara fica agora? A foto da primeira vacina é do Doria. E Pazuello só consegue anunciar o início da vacinação nacional na quarta graças à Coronavac. Nesta segunda, às 7 da manhã, ele vai fazer o que acusou Doria de fazer: “golpe de marketing”. Ops! E com a vacina do Doria...
A derrota de Bolsonaro arrasta os bolsonaristas de internet. Eles, que comemoraram a quebra do lockdown em Manaus e agora se calam diante do resultado, compararam as vacinas com a talidomida, desmoralizaram a Coronavac, ironizaram a China e, no próprio Dia D, antes do aval da Anvisa, postavam que idosos doentes se vacinaram e morreram na Noruega. Privilegiaram a guerra ideológica, desdenharam da guerra pela vida. Mas o Brasil vai sobreviver à pandemia. E a eles.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Contrariando Bolsonaro, diretores da Anvisa refutam remédios ineficazes e defendem a ciência
- 'A vacina é uma lição para vocês, autoritários que desprezam a vida', diz Doria após aprovação 'A vacina é uma lição para vocês, autoritários que desprezam a vida', diz Doria após aprovação
- Mulher, negra e enfermeira é a primeira a receber dose da Coronavac contra covid-19
O Estado de S. Paulo: Pazuello autoriza vacinação; saiba quantas doses cada Estado irá receber
Vacinas serão transportadas para as capitais por aviões da Força Aérea Brasileira; distribuição para os municípios será de responsabilidade dos governos estaduais
Gonçalo Junior e Carla Menezes, O Estado de S.Paulo
O Ministério da Saúde vai iniciar a vacinação contra o coronavírus nesta segunda-feira, às 17h. A decisão foi divulgada no ato simbólico de recebimento dos imunizantes com os governadores de Estado nesta segunda-feira, 18, em evento no Centro de Distribuição Logística do Ministério da Saúde, localizado em Guarulhos (SP), nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cumbica. A partir desse centro de distribuição, essas vacinas partirão para os Estados, que então iniciam as imunizações. Oficialmente, a vacinação começaria na terça-feira, 19, mas o ministro Eduardo Pazuello autorizou que os governadores iniciem a vacinação ainda nesta segunda.
"Depois de ouvir os governadores, chegamos à decisão de que estamos distribuindo hoje as vacinas aos Estados. A gente pode colocar a ideia de que hoje no final do expediente os Estados começarão a vacinar no município principal. Acho que a gente pode começar hoje no final do expediente", afirmou o ministro.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia autorizado por unanimidade o uso emergencial das vacinas Coronavac e da Universidade de Oxford contra a covid-19. A campanha de vacinação será iniciada com a Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantã em parceria com o laboratório chinês Sinovac. “Este é o marco inicial da vacinação ocontra o coronavírus no País”, afirmou Pazuello. “Hoje, nós distribuiremos todas as vacinas aos Estados”, completou.
Com o início oficial da vacinação nesta terça-feira, o governo federal antecipa em um dia o início da campanha nacional de imunização. O convite aos governadores para a entrega dos imunizantes foi feito depois de a primeira vacina ter sido dada em São Paulo pelo governador João Doria, neste domingo.
Governadores criticam vacinação antecipada em São Paulo
Governadores presentes à distribuição simbólica da vacina contra a Coronavac criticaram a iniciativa do governo paulista de iniciar a vacinação no domingo. A primeira vacinada do País foi a enfermeira Mônica Calazans, que trabalha no Hospital Emilio Ribas. “É um gesto que coloca os outros governadores em situação de segunda categoria. Um gesto que envolve a saúde pública não pode ser transformado em campanha eleitoral. A solidariedade precisa ser respeitada e não o foi ao se iniciar a campanha quando os outros governadores não tinham sequer vacina em seu Estado”, criticou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO).
O governador do Piauí, Wellington Dias (PT-PI), reforçou as críticas ao governo paulista. “Foi uma decisão ruim. O Programa Nacional de Imunização é um programa nacional, que envolve todos os Estados. Deveria haver igualdade entre todos”, afirmou.
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), evitou comentar a aplicação da primeira dose em São Paulo. Por outro lado, ainda na reunião com os governadores, a chefe do Executivo estadual afirmou que "houve muito tumulto e descoordenação ao longo do período [pandemia]".
Governadores e seus vices de 19 Estados comparecerem ao ato simbólico de entrega das vacinas. Depois de participarem de uma reunião no Centro de Distribuição Logística do Ministério da Saúde, localizado em Guarulhos (SP), nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cumbica, eles foram até a Base Aérea de Cumbica para acompanhar o embarque dos primeiros lotes das vacinas em uma avião da Força Aérea Brasileira (FAB). O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informou que a aeronave se destinaria para Goiás e Teresina. Questionado sobre o início da vacinação em São Paulo, Pazuello desconversou. “Ontem é passado. Ontem é para historiador. Quero saber do futuro”.
O governador João Doria não participou do evento. Ele foi representado pelo vice-governador Rodrigo Garcia. "A vacinação em São Paulo já começou. Nesta segunda-feira, as vacinas começam a ser distribuídas para as cidade dos interior do Estado", afirmou Garcia.
Distribuição da vacina por Estado
A distribuição das doses disponíveis da vacina será feita com o apoio de aviões da FAB e das companhias aéreas Azul, Gol, Latam e Voepass. A distribuição, segundo o ministro, será feita para “pontos focais” já previamente definidos em cada Estado. Idosos que vivem em asilos, indígenas e profissionais de saúde da linha de frente são os primeiros a receber o imunizante. O Ministério da Saúde reservou 907,2 mil doses para os indígenas que vivem aldeados.
O País dispõe de 6 milhões de doses da Coronavac. O governo paulista pretende manter no Estado cerca de 1,4 milhão, um volume que não cobre as prioridades. Outras duas milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, fabricada na Índia, estão com a compra acertada pelo ministério, mas ainda sem data para chegar ao Brasil. Além disso, o aval da Anvisa só vale para essas 8 milhões de doses, mas não para as demais a serem produzidas já no Brasil.
Veja a quantidade de doses que será distribuída
Região Norte - 296.520 doses
- Rondônia - 33.040
- Acre - 13.840
- Amazonas - 69.880
- Roraima - 10.360
- Pará - 124.560
- Amapá - 15.000
- Tocantins - 29.840
Região Nordeste - 1.200.560 doses
- Maranhão - 123.040
- Piauí - 61.160
- Ceará - 186.720
- Rio Grande do Norte - 82.440
- Paraíba - 92.960
- Pernambuco - 215.280
- Alagoas - 71.080
- Sergipe - 48.360
- Bahia - 319.520
Região Sudeste - 2.493.280 doses
- Minas Gerais - 561.120
- Espírito Santo - 95.440
- Rio de Janeiro - 487.520
- São Paulo - 1.349.200
Região Sul - 681.120 doses
- Paraná - 242.880
- Santa Catarina - 126.560
- Rio Grande do Sul - 311.680
Região Centro-Oeste - 415.880 doses
- Mato Grosso do Sul - 61.760
- Mato Grosso - 65.760
- Goiás - 182.400
- Distrito Federal - 105.960
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Anvisa aprova, por unanimidade, uso emergencial das vacinas Coronavac e Oxford
- Campanha de vacinação em SP começa na segunda com foco nos profissionais de saúde
- Ministro promete começar campanha nacional de vacinação contra covid-19 na quarta
Míriam Leitão: O dia da vitória da máquina pública
Depois de um dia histórico, a discussão de quem ganhou a briga política é menos importante. É importante pensar no acerto da máquina pública brasileira. Instituições centenárias, Butantan e Fiocruz que, ao longo de suas vidas, ampliaram a expectativa de vida do brasileiro que e lutaram contra o obscurantismo para implantar fazer uma medicina sanitária e preventiva no Brasil.
Uma grande vitória do país e muitos recados para Bolsonaro
Contra a Covid-19, venceram porque foram atrás de parceria com a China, contra a visão do presidente de ficar contra o país asiático. O Butantan fez parceria com gigante farmacêutica chinesa Sinovac, e a Fiocruz negociou com a AstraZeneca, que depois de receber dois milhões da India, que ainda aguarda, vai preparar as próximas doses importando o IFA, que também será mandada pela China. Com a transferência de tecnologia por parte da Astrazeneca deve começar a produzir no segundo semestre ou no primeiro ano que vem.
Outra visão positiva da máquina pública foi a reunião da Anvisa. Havia temor no resultado porque houve aparelhamento político na agência, o contra almirante que presidente o órgão foi indicado pelo presidente Bolsonaro depois de ter participado de ato antidemocrático sem máscara ao lado do presidente. Portanto eram temores fundados. Mas a máquina pública, a agência foi autônoma.
Ao longo dos votos, defenderam a ciência e uso da máscara e combateram remédios ineficazes como o que o governo denomina de “tratamento precoce”. O Brasil tem seis milhões de doses. E mais quatro milhões prontas no Butantan à espera de autorização. É preciso lutar para termos mais. Poderíamos estar em outra situação se o negacionismo do presidente não tivesse contaminado o governo. O comando do Itamaraty, por exemplo, não participou dos esforços de trazer a vacina.
O Globo: Vacinação contra Covid-19 é antecipada para esta segunda no Brasil
Ministério da Saúde entrega doses da CoronaVac aos estados e autoriza começo da imunização em todo o país após encontro com governadores no aeroporto de Guarulhos
Dimitrius Dantas, O Globo
SÃO PAULO — O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou durante evento que marcou o início da distribuição da CoronaVac aos estados e que a vacinação poderá começar já a partir desta segunda-feira, às 17h. O ministro participou de um evento conjunto com governadores antes do envio das doses da vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan.
Teste: Quem é você na fila da vacina?
A antecipação da vacinação, que estava prevista para começar na quarta-feira, era um pedido dos governadores ao Ministério da Saúde.
— Hoje ainda distribuiremos todas as vacinas aos estados e hoje ainda podemos colocar a ideia de, ao final do expediente, os estados começarem no município principal do estado, a vacinar. Cada dia é importante. — disse o ministro durante o evento.
Vacinas: Saiba a distribuição de doses da CoronaVac por estado no Brasil
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que no domingo realizou um evento que marcou a primeira vacinação no Brasil, não foi ao evento e foi representado pelo seu vice, Rodrigo Garcia (DEM).
Durante o evento, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), também cobrou o Ministério da Saúde para que se comprometa com a reposição das doses da vacina e a possibilidade de utilização do primeiro lote para outros públicos. Até o momento, o Instituto Butantan não possui autorização para distribuir as doses que são produzidas no Brasil, apenas as vacinas importadas da China.
Imunização: Saiba tudo sobre os efeitos colaterais, eficácia e plano de vacinação
Em sua resposta, o ministro da Saúde afirmou que a antecipação das outras fases da vacinação não seria possível.
Neste evento, foram distribuídas 4,5 milhões de doses aos estados, divididos de acordo com a população de cada unidade federativa. Outras 1,5 milhão de doses, proporção que pertence a São Paulo, ficaram no estado e já começaram a ser aplicadas neste domingo.
Ao todo, as 6 milhões de doses permitem a vacinação de 3 milhões de pessoas, já que cada pessoa precisa ser vacinada duas vezes.
Após o evento, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, destacou que, no momento, ainda há poucas doses.
— Agora depende de disponibilidade de vacinas, que o Ministério vai definir. O importante é a sociedade entender que existem poucas doses — afirmou.
Governadores comemoram início da vacinação
Nas redes sociais, governadores celebraram o começo da campanha de imunização com a distribuição das doses da CoronaVac, mas também cobraram a autorização e produção de mais doses da vacina.
Segundo o governador do Maranhão, Flávio Dino, o objetivo deve ser começar a fabrigação de mais doses no Brasil no Instituto Butantan, no caso da CoronaVac, e na Fiocruz, no caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca.
— O início da vacinação é uma grande conquista. Mas é fundamental a viabilização urgente de mais vacinas, pois o número inicial é muito pequeno. Alternativa mais viável é a fabricação no Brasil, pelo Butantan e pela Fiocruz. Foco deve ser esse agora — escreveu o governador do Maranhão, Flávio Dino.
A maioria dos governadores, entretanto, apenas comemoram o envio das doses para seus respectivos estados. Cláudio Castro, por exemplo, governador em exercício do Rio reafirmou que as cidades do estado já poderão começar a sua campanha de vacinação. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, afirmou que a primeira vacina será aplicada aos pés do Cristo Redentor.
— Dia de esperança! O estado do Rio recebe hoje as doses da vacina contra Covid-19. Toda a preparação para a imunização está pronta e as cidades fluminenses poderão começar a proteger a população! — escreveu.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, também confimou o início da vacinação no estado para esta segunda-feira.
—Recebendo as primeiras doses da vacina contra a covid-19 para Minas Gerais. A vacinação pode começar ainda hoje, a partir das 17h — disse.
Jamil Chade: Vacina chega após arrogância e erros homéricos de uma diplomacia limitada
Brasil deixou de aderir inicialmente a uma coalizão global pelas vacinas em abril, que daria prioridade aos brasileiros com vacinas. Optou por uma política que minava a confiança na Coronavac e investiu num pacote negacionista que explica o colapso de Manaus e a dor de milhares de famílias
Aqui jaz os restos conceituais da política externa do governo de Jair Bolsonaro, responsável por isolar o país do grupo das grandes democracias do mundo e destruir a reputação de uma nação. Na lápide da diplomacia do Brasil, essa bem poderia ser a descrição para quem um dia for visitar o memorial dedicado às ideias, projetos e políticas que não sobreviveram à pandemia.
Entre 2020 e 2021, o Brasil foi vítima de um vírus que desconhecia ideologia, a noção de soberania e zombava de fronteiras. Mas só nas últimas semanas, o Governo descobriu que o país está de joelhos diante de uma pandemia que ganha força. Descobriu que está sem imunizante, sem oxigênio, sem plano e sem alternativas. Nada disso, porém, é culpa exclusiva do Sars-Cov-2. Depois de ter politizado a origem do vírus, a máscara e tratamentos, o governo tomou a decisão deliberada de repetir esse roteiro com o imunizante.
A demora e indefinição para começar a vacinação não foram acidentes de última hora. Trata-se de o resultado dramático de decisões políticas adotadas ao longo de meses. O primeiro passo nesse longo processo foi o de não aderir inicialmente ao projeto de uma coordenação global. Em abril de 2020, a OMS iniciou a construção de um sistema que permitiria uma distribuição equitativa da vacina pelo mundo. Uma espécie de fundo de vacinas que permitiria que, uma vez autorizados os produtos, a coalizão garantiria a distribuição do imunizante para todos os países, atendendo inicialmente a 20% das populações de cada nação.
A ideia era simples: se for deixado às forças do mercado ou ao sistema internacional, os países emergentes e pobres poderiam ficar para o fim da fila na vacinação. Exemplos já existiam disso. Quando o H1N1 se abateu sobre o mundo, países ricos foram os primeiros a imunizar suas populações. Quando a vacina chegou aos países pobres, o surto já tinha terminado.
A Aids também trouxe uma história similar. Por anos, as economias mais pobres ficaram sem acesso aos tratamentos, enquanto o coquetel já era uma realidade nos EUA e Europa. Quando os remédios finalmente desembarcaram na África, os países mais pobres já somavam 9 milhões de mortes.
Na OMS, técnicos e diretores estavam convencidos de que, na atual pandemia, esses erros não poderiam se repetir. Mas a ordem no Itamaraty era a de não permitir que, durante a pandemia, os organismos internacionais ganhassem força ou fossem os locais de coordenação de uma resposta global. Mergulhado em seu combate contra o “globalismo” que destruiria as identidades nacionais, o Itamaraty ficou de fora de reuniões internacionais e, quando participou, fez questão de usar o palanque para rejeitar qualquer ideia que significasse um reconhecimento da necessidade de um plano global contra o vírus.
Naquele mês de abril de 2020, o Ministério da Saúde informaria que não faria parte da aliança, batizada de Covax. Sua explicação: temos outros acordos bilaterais sendo costurados. Nunca explicaram quais eram esses planos. Pressionado, porém, o Brasil acabou cedendo alguns meses depois e aderiu ao projeto, mas sem grande entusiasmo. Ao fazer seu pedido por vacinas no fundo global, solicitou o mínimo que poderia ser comprado: o equivalente a 10% de sua população. Pelas regras, países poderiam ter solicitado até 50% de sua população.
Hoje, sem apoio internacional suficiente, sem recursos e diante de governos pseudo-nacionalistas como o do Brasil, a aliança sofre para começar a distribuir vacinas. Em Genebra, não são poucos os negociadores que acreditam que um envolvimento mais direto do Brasil no projeto poderia ter convencido outros a aderir e teria transformado a aliança numa realidade imediata.
Se a via multilateral não interessava, a escolha por acordos bilaterais também se mostrou inapta e permeada por considerações ideológicas. Tentando frear a expansão da influência da China no mundo e mais preocupado em atacar o “comunavírus”, o Governo optou por promover uma campanha contra as vacinas chinesas. Diversas empresas, nos últimos meses, relataram como entregaram propostas ao Governo e se surpreenderam com respostas frias por parte do Planalto. No governo federal, a ideia era de apenas a vacina da AstraZeneca seria suficiente.
Enquanto isso, pelo mundo, países tomaram a decisão de evitar a todo custo colocar todas suas apostas em apenas uma ou dois fornecedores de vacinas. Em Bruxelas, por exemplo, a União Europeia fechou acordos com seis empresas diferentes. Nos EUA, mesmo o governo de Donald Trump decidiu estabelecer acordos com seis fornecedores.
Na Coreia do Sul, o país garantirá seu abastecimento com três empresas, além de desenvolver projetos de uma vacina nacional com outros 15 laboratórios nacionais. Na China, além de ter quatro vacinas já em negociações com a OMS para conseguir uma aprovação global, o governo fez questão de fechar um acordo com os alemães da BioNTech para um abastecimento extra de 100 milhões de doses. Outros também estão sendo negociados com empresas ocidentais.
Sim, existe uma profunda escassez de vacinas no mundo. Mas é justamente num momento de crise que a capacidade de um país navegar e recorrer a aliados se mostra vital. No caso do Brasil, a aposta se mostrou desastrosa. Quando precisou de ajuda, descobriu que seus parceiros nacionalistas eram, de fato, nacionalistas.
Num dos episódios mais reveladores do amadorismo do Itamaraty, o governo preparou um avião para ir buscar os insumos da Índia, necessários para a vacina da AstraZeneca. Com pires na mão, Bolsonaro escreveu ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Mas, por enquanto, Nova Delhi rejeitou fazer a entrega ao Brasil, dando (obviamente) prioridade para o início de sua campanha nacional de vacinação.
Opções começam a ser buscadas em Israel e mesmo nos EUA. Mas, ao apagar das luzes do Governo Trump e o desembarque de Joe Biden, o Governo já começa a descobrir a tradução da palavra pária. As opções para pedir ajuda ainda são limitadas. Afinal, a chancelaria fez questão de dedicar parte de seu tempo, esforço e dinheiro dos contribuintes brasileiros nos últimos anos para ofender líderes estrangeiros e queimar pontes que tinham sido construídas por décadas com parceiros internacionais.
O mais irônico e trágico disso tudo é que a história poderia ter sido radicalmente diferente. O Brasil é um dos únicos países do mundo com uma capilaridade no sistema de saúde, experiência, conhecimento científico e capacidade de mobilização para vacinar milhões de pessoas por dia. A crise brasileira, não por acaso, chama a atenção internacional. Nos bastidores da OMS, diretores não escondem o espanto sobre a situação do Brasil. “Vocês são um país com ótimos cientistas, orgulhosos de seu passado de saúde pública. O que ocorreu?”, perguntou um dos líderes da agência no esforço contra a pandemia.
A resposta não se limita à dimensão da incompetência daqueles no poder. O fracasso é um resultado direto de uma política externa que tem como pilar a ideologia, e não os interesses dos cidadãos.
Quando for iniciada, nesta quarta-feira, a maior campanha de vacinação da história do país dependerá num primeiro momento de uma vacina chinesa, justamente aquele que havia sido desprezada, ironizada e evitada pelo governo federal. Independente da ironia de uma cena digna do realismo mágico, a demora do país em começar a vacinação e a falta de imunizantes suficientes não são acidentes. Mas consequência de uma diplomacia que mostrou todos os seus limites e fracassou ao ser confrontado por seu maior teste. Gestos como o de minar a confiança em uma vacina apenas por sua origem ou se negar a promover uma resposta global fazem parte de um pacote negacionista que explica o colapso de Manaus e a dor de milhares de famílias brasileiras. Nesse caso, o impeachment seria insuficiente.
*Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.
El País: Vacinas trazem alento ao Brasil em dia de redenção para a ciência e revés político para Bolsonaro
Aprovação de uso emergencial de imunizantes pela Anvisa coroa triunfo simbólico dos cientistas sobre negacionismo, mas vacinação ainda tem obstáculos logísticos e políticos pela frente
Breiller Pires e Carla Jiménez, El País
A decisão da Anvisa, que, neste domingo, aprovou por unanimidade o uso emergencial das vacinas de Oxford e AstraZeneca no Brasil, é celebrada não apenas como um alento diante do recrudescimento da pandemia de coronavírus, mas também como uma vitória do aparato científico sobre o negacionismo e os discursos antivacinas que ecoam até mesmo no Governo federal. Decisiva para o desenvolvimento dos imunizantes contra a covid-19, a ciência foi aclamada, sobretudo, nas análises técnicas e justificativas de votos favoráveis ao aval para o início da vacinação em território brasileiro.
“No nosso vocabulário, não há espaço para negação da ciência nem para a politização das vacinas. Verdadeiramente, não há”, disse Alex Machado Campos, ex-chefe de gabinete de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde, ao proferir o voto que decretou maioria para a aprovação das vacinas. Antes, o diretor da Anvisa elogiou o rigor científico do parecer conduzido pela relatora Meiruze Freitas, que, ao esmiuçar seu relatório, cobrou que autoridades e governos sensibilizem a população sobre a importância de se vacinar. “A vacinação contra a covid-19 ajudará na proteção individual e coletiva. Uma vacina só é eficaz se as pessoas estiverem dispostas a tomá-la”, discursou. Ela ainda criticou a prescrição de medicamentos sem comprovação científica.
Durante a apresentação técnica da análise das vacinas, o gerente geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, Gustavo Mendes, destacou que o panorama de “muita tensão pela falta de insumos necessários para o enfrentamento da doença” no Brasil justifica a autorização para o início de aplicação dos imunizantes. Ao longo da reunião, a Anvisa deixou claro que um dos motivos que embasaram a decisão de liberar o uso emergencial é a “ausência de alternativas terapêuticas” para o vírus, contrapondo a tese de “tratamento precoce” —sem comprovação científica— defendida pelo Governo Bolsonaro.
Miguel Nicolelis, colunista do EL PAÍS e coordenador do projeto Mandacaru, um coletivo de pesquisadores voluntários no combate à pandemia, encara a aprovação em caráter de emergência das vacinas no Brasil como um marco para a ciência global. “É um ponto de partida muito importante, uma vitória da ciência em termos gerais”, diz o neurocientista. “Presenciamos uma ampla colaboração entre a ciência chinesa, que desenvolveu a tecnologia das vacinas com uma agilidade sem precedentes, e a ciência brasileira. Se Butantan e Fiocruz não tivessem sido capacitados ao longo de décadas, não viveríamos esse momento. É uma prova de sucesso do método de colaboração científica sem fronteiras, e de que as instituições de Estado devem ser sempre apoiadas, independentemente de quem governa o país.”
Nas redes sociais, a autorização da Anvisa também foi comemorada sob ares triunfais pela comunidade científica. “Estamos vendo a história ser escrita e transparência é fundamental. Assim como critérios técnicos”, escreveu o pesquisador Atila Iamarino ao elogiar a exposição minuciosa da agência reguladora. “Nós temos a solução que a ciência nos trouxe: vacinas seguras e eficazes.” Segunda pessoa a ser vacinada no Brasil, logo após a enfermeira Mônica Calazans, o também enfermeiro Wilson Paes de Pádua, 57, exaltou o trabalho científico por trás da batalha contra o coronavírus. “Nós temos de lutar pela vacina, lutar pela ciência, para melhorar a saúde e sair dessa pandemia. Eu me sinto muito orgulhoso de fazer parte desse momento histórico.”
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) acompanhou a reunião da Anvisa ao lado de uma comissão científica, congregando, segundo ele, “alguns dos mais renomados cientistas do país”. Assim que foi anunciada a aprovação, Doria publicou um vídeo para comemorar o início da imunização de profissionais da saúde no Estado. “Dia histórico para ciência brasileira”, afirmou o governador. “A vacina do Butantan é uma vitória da ciência. Vitória da vida. Vitória do Brasil.” Para ele, particularmente, uma vitória política sobre o presidente Jair Bolsonaro, com quem passou a travar corrida para exibir a primeira foto de uma pessoa vacinada no país.
O baque do espetáculo midiático protagonizado por Doria, que chegou ao fim do dia com mais de 100 pessoas imunizadas em São Paulo, foi rapidamente acusado pelo Governo. Enquanto o governador paulista posava para as câmeras com a enfermeira Mônica Calazans, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, abria uma coletiva de imprensa irritado com o que qualificou como “jogada de marketing” do rival de Bolsonaro. “Nós poderíamos iniciar a primeira dose em uma pessoa hoje mesmo, num ato simbólico. Em respeito a todos os governadores, não faremos isso. Não podemos desprezar a lealdade federativa”, disse o ministro.
Pazuello ainda fez uma espécie de desabafo, em que cobrou do Instituto Butantan, ligado ao Governo de São Paulo, exclusividade sobre as 6 milhões de doses atualmente disponíveis da Coronavac. Para o ministro, a aplicação de doses neste domingo “está em desacordo com a lei” e acusou “movimentos políticos e eleitoreiros” de capitalizarem com a pandemia. “Ouço calado, o tempo todo, a politização da vacina. A produção do Butantan, por exemplo, foi bancada com recursos do Ministério da Saúde.” Doria, por sua vez, rebateu o ministro, afirmando que não houve investimento da pasta nem nos testes nem na fabricação da Coronavac. “Não há um centavo do Governo Federal na produção da vacina”.
De acordo com o Ministério da Saúde, a distribuição proporcional das vacinas aos Estados começará a partir das 7h desta segunda-feira, e a data inicial da vacinação segue mantida para quarta, 20 de janeiro, apesar do atraso na remessa de 2 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca e do embate político com São Paulo pelo estoque de 6 milhões da Coronavac. Por enquanto, Doria só assegura o envio de 4,7 milhões de doses, pois 1,3 milhão ficam em São Paulo. O governador dedicou grande parte do tempo de coletiva de imprensa para criticar o Governo Bolsonaro e identificá-lo como afeito à morte, uma característica cruel em plena pandemia.
Pazuello, por sua vez, também fará seu ‘marketing’ num ato simbólico às 7 da manhã em Guarulhos, na grande São Paulo, para marcar a distribuição das doses da Coronavac. O ministro espera que, até o fim da semana, a Índia libere o lote retido dos insumos produzidos pelo Serum Institute. O Ministério da Saúde não detalhou como pretende distribuir o percentual de cada Estado nem como será a logística de entrega das vacinas. A única sinalização do Governo é de que o Ministério da Defesa auxiliará o transporte por via aérea.
Ainda na entrevista coletiva, o ministro Eduardo Pazuello afirmou que a China não tem dado celeridade aos trâmites burocráticos para fornecimento de matéria-prima das vacinas ao Brasil. Remessas de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), necessário para a produção tanto do imunizante de Oxford quanto da Coronavac, ainda não chegaram à Fiocruz. Segundo o ministro, o ministério está mapeando essas “resistências” para avançar na produção.O ministro só esqueceu que o Governo Bolsonaro, os filhos do presidente e seus seguidores, tem se notabilizado por ataques à China, inclusive com deboches ao composto desenvolvido pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, pejorativamente chamado de “vachina” pela tropa de choque bolsonarista.
Neste domingo, o esforço de bolsonaristas em assumir a paternidade do imunizante era escancarado. “Governo Bolsonaro bancou a vacina do Butantã!”, escreveu em letras maiúsculas o senador Flavio Bolsonaro, filho do mandatário. Uma ironia aos brasileiros que viram seu pai questionar até os efeitos nos sistema imunológico de quem tomasse a Coronavac, incluindo virar “jacaré”.
Para além da vitória de Doria neste domingo, a guerra pública entre ele e Bolsonaro até mesmo durante o dia de uma boa notícia nacional deixa claro que o caminho para a vacinação tem percalços políticos pela frente. O tucano anunciou que enviaria diretamente 50.000 doses da Coronavac a Manaus por não confiar no ministério numa provocação explícita. As frases causam desconforto em quem conhece as engrenagens da saúde pública por entender que não há benefício numa relação tensa entre um Estado que vai responder pela produção de vacinas e o governo federal.
Em que pesem as barreiras políticas e logísticas para a distribuição dos lotes, a vacinação em massa da população brasileira tem pela frente processos ainda mais complexos que a autorização de uso emergencial. Vacinas como a de Oxford e a Coronavac ainda precisam requisitar a aprovação definitiva na Anvisa, algo que não ocorrerá de imediato, já que a agência reguladora informou que há pendências de documentação para a manutenção do aval provisório votado neste domingo. Por outro lado, o país observa um crescimento alarmante dos números de casos e mortes por coronavírus em todas as regiões.
Para Nicolelis, a aprovação das vacinas não pode gerar a ilusão de que o Brasil está próximo de superar a pandemia. “A decisão da Anvisa é uma vitória a ser celebrada, mas existem ações em paralelo que precisam ser tomadas imediatamente”, afirma o cientista, que defende que o país deveria adotar um lockdown nacional, de duas ou três semanas, para frear a onda de novas infecções e ganhar tempo para a imunização gradual, citando o drama vivido pelo Reino Unido —onde a vacinação começou em dezembro, mas o número de contágio ainda não desacelerou de maneira significativa. “O impacto desse avanço sincronizado do vírus pelo Brasil tende a ser pior que o da primeira onda. A vacina vai demorar meses para fazer efeito por aqui e neste momento, temos um percentual mínimo de doses. É hora de reimplementar as medidas restritivas. Não podemos abandonar o barco enquanto a vacina está longe de contemplar a maioria da população.”
MAIS INFORMAÇÕES
- Anvisa autoriza o uso emergencial das vacinas Coronavac e de Oxford
- Enfermeira é a primeira vacinada no Brasil, e ministério anuncia campanha na quarta
- “Aqui em Manaus não é segunda onda, é o tsunami inteiro. Não deixem isso acontecer no resto do país”
Alon Feuerwerker: A urgência faz a diferença
A pandemia da Covid-19 está demorando mais a passar do que inicialmente se previa, ou sonhava. A gripe espanhola durou mais de dois anos. Nessa hipótese, estamos a meio caminho no ciclo. E se a duração projetada está mudando, ou se a ficha está caindo (tanto faz), mudam junto os cenários políticos. Alguns personagens entram em zona de risco e outros veem abrir-se a janela de oportunidade. E na política não tem mercê.
Se olhados só os números, uma bela quantidade de países estão mal na foto, ou ficando mal. Quem ainda navega bastante bem é a Nova Zelândia, sempre lembrada como exemplo positivo. Mas é uma pequena ilha, ou um conjunto de pequenas ilhas. Fácil controlar a entrada e a saída. Claro que não é só isso, há muitas outras ilhas sem os mesmos bons resultados. Mas ajuda bem.
O Brasil nunca esteve bonito nos números da Covid-19. Porém algumas estrelas na largada agora também sofrem. Um exemplo é a Argentina, do lockdown mais longo e rígido (pelo menos no papel). Quase um ano depois, os vizinhos estão numericamente acima do Brasil em mortes por milhão de habitantes e terão registrado ano passado uma recessão mais que o dobro da nossa. A notícia boa? Os números da pandemia ali parecem estar caindo. Sorte aos hermanos.
Um país em que a curva de mortes vai firme para cima é a Alemanha, cuja chanceler é um prodígio global de construção de imagem, pois vai passando incólume por este último grande teste de management e popularidade do seu longo reinado. Outro ex-exemplo de eficiência é Portugal, que nas taxas proporcionais de mortes pela Covid-19 anda junto com seu irmão maior e mais poderoso da União Europeia.
O que Argentina, Alemanha e Portugal têm em comum, além dos números ruins e de seus governantes estarem apesar disso atravessando a borrasca só com escoriações leves, até agora? Claro que as simpatias político-ideológicas explicam em parte, mas creditar só a isso teria algo de teoria da conspiração. Melhor procurar outras razões. Uma? Seus líderes costumam exibir na pandemia um sentimento de urgência, até quando erram.
Na véspera das festas de fim de ano, a chanceler alemã fez um apelo dramático para as pessoas não confraternizarem presencialmente com os entes queridos de mais idade. Nunca se saberá se foi atendida, mas pelo menos mostrou estar preocupada. Mesmo quem não a atendeu - e os números destes dias podem ser um indicador de que muitos não deram mesmo pelota - notou que Angela Merkel estava sinceramente preocupada. Ou pelo menos parecia.
Se além de mostrar preocupação o líder também consegue agir, aí já sobe para outro patamar. Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu enfrenta crises políticas sucessivas provocadas por acusações seriais de corrupção e precisa sobreviver mostrando serviço. A Covid-19 para ele foi um achado. É lockdown atrás de lockdown, e agora opera a maior (proporcionalmente), mais rápida e mais bem propagandeada vacinação do planeta.
Ninguém está certo o tempo todo, e errar é humano. Mais que provar que estão com a razão, governos precisam mesmo é mostrar nas grandes crises que têm senso de urgência e estão tomando providências. Do contrário, viram alvos fáceis para o inimigo. E a política, de novo, é como a guerra: quem pode mais chora menos.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação