vacina

Bruno Boghossian: Bolsonaro perde âncora entre os mais ricos e fica pendurado no pós-auxílio

Deterioração do apoio na pandemia deve expor o presidente a riscos significativos a partir de agora

No primeiro ano de mandato, Jair Bolsonaro já não ostentava uma popularidade notável. Ainda assim, apesar dos índices vacilantes, o presidente se escorava em sua famosa base ideológica e, especialmente, nos grupos mais ricos e escolarizados do país. Em 2020, algumas dessas âncoras foram perdidas.

Há pouco mais de um ano, Bolsonaro respirava tranquilo no topo da pirâmide de renda. Sua popularidade nesse grupo era o dobro da registrada entre os mais pobres, e a rejeição parecia estável em 30%. A conduta do governo na pandemia e decisões que frustraram esse eleitorado levaram a reprovação para 47%.

A conquista de apoio nos segmentos mais pobres, com o pagamento do auxílio emergencial, foi a grande salvação de Bolsonaro no primeiro ano do coronavírus. A deterioração dos índices positivos do governo entre os mais ricos, por outro lado, deve expor o presidente a riscos significativos a partir de agora.

Desde que o benefício começou a ser pago, em abril, Bolsonaro passou pelo que os analistas chamam de "troca de pele". Apoiadores de alta renda rejeitaram a demissão de Sergio Moro (um personagem popular nesse segmento) e se distanciaram ainda mais do governo com a omissão do presidente na pandemia.

Bolsonaro compensou essa perda com um avanço entre os mais pobres —em especial aqueles atendidos pelo auxílio. Na faixa de renda mais baixa, sua reprovação caiu de 43% em dezembro de 2019 para 27% em dezembro do ano seguinte. Agora, o índice voltou para 41%.

Graças ao rescaldo do benefício, Bolsonaro ainda é mais popular hoje entre os mais pobres do que era no primeiro ano de governo. A última pesquisa Datafolha, porém, mostra que esse apoio se esvai rapidamente.

Sem aquela estabilidade nos grupos de maior renda, a trajetória desses números deve ampliar a pressão pela retomada do auxílio, pendurando o futuro do governo principalmente na economia. Se os índices negativos se espalharem, a sustentação de Bolsonaro ficará mais frágil.


Ricardo Noblat: Imunizar o Brasil a galope é uma aposta arriscada do governo

À espera de avalanche de ofertas de vacinas

De duas, uma. Ou o presidente Jair Bolsonaro e seus ineptos auxiliares acreditam que o Brasil, em breve, estará sujeito a uma avalanche de ofertas de vacinas como em seus delírios prevê o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, ou pensam que continuarão a governar o país na base só do gogó.

Foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quem disse ter atravessado seu primeiro ano de governo levando o país na conversa, no que ele era bom de fato. Mas Bolsonaro, Pazuello e companhia limitada não se destacam pela oratória, nem pelo carisma. Tampouco pelo apoio que Fernando Henrique dispôs.

O número de pessoas por aqui que pretendem se vacinar contra a Covid-19 aumentou, ao mesmo tempo em que 62% da população afirmam que a pandemia está fora de controle. É o que mostra a pesquisa Datafolha aplicada nos últimos dias 20 e 21. Apenas 3% dos entrevistados acham que ela foi totalmente controlada.

A intenção de tomar a vacina cresceu seis pontos percentuais desde a última pesquisa, em dezembro. Agora, 79% dizem querer se imunizar, contra 73% há um mês. O número ainda é inferior à parcela de 89% da população que pretendia se vacinar contra o coronavírus em pesquisa feita em agosto do ano passado.

A rejeição às vacinas caiu, passando de 22% em dezembro para 17% agora. Cresceu de 73% para 77% o número de pessoas que admitem ter medo de se infectar pelo vírus. Tudo isso decorre do aumento de mortes que na próxima semana deverá ultrapassar a casa das 220 mil. Os infectados somavam 8.816.113 até ontem.

Embora o Ministério da Saúde tenha receitado drogas ineficazes contra a doença e Bolsonaro insista em desacreditar a Coronavac, a rejeição à vacina de origem chinesa caiu. Era de 50% em dezembro. Agora é de 39%. Aumentou também o grau de confiança nas demais vacinas, inclusive na Spunik V, da Rússia.

Por ora, o número de doses de vacinas que estão sendo aplicadas aqui é ínfimo. O governo, porém, lançará uma ambiciosa campanha de propaganda para vender a ideia de que o Brasil está sendo imunizado. E se a avalanche de ofertas antecipada por Pazuello não acontecer? Na Europa já falta vacina.

É muito perigoso brincar com vidas.

Pazuello subiu ao patíbulo para salvar a cabeça de Bolsonaro

Aras, o procurador que só procura o que quer

Augusto Aras, Procurador-Geral da República, escolheu o general Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde especialista em logística militar, para pagar o preço pela ineficiência do governo até aqui no combate à pandemia do Coronavírus.

Ninguém duvida que Pazuello tenha culpa no cartório. Mas ele não faria o que fez até aqui, nem deixaria de fazer o que tinha de ser feito sem o aval do seu chefe. Falta alguém em Nuremberg, e esse alguém atende pelo nome de Jair Messias Bolsonaro.

Diga-se em favor do general, por exemplo, que lhe custou muita saliva convencer Bolsonaro a comprar a Coronavac, a vacina do Instituto Butantã e de um laboratório chinês. Bolsonaro afinal cedeu, para no dia seguinte desautorizar a compra.

Para deixar Bolsonaro de fora do pedido de abertura de inquérito que encaminhou ao Supremo Tribunal Federal, Aras limitou o fracasso do governo no enfrentamento do vírus à falta de oxigênio que continua matando pessoas em hospitais de Manaus.

De fato, o general soube com antecedência que era iminente o colapso da rede de saúde pública em Manaus e fora dali, e que haveria mortes por asfixia. Visitou a cidade e receitou o “tratamento precoce” dos doentes à base de cloroquina.

Mas é impossível que ao voltar a Brasília não tenha informado o presidente da República sobre o que viu e ouviu, além do que havia recebido por escrito. Se Bolsonaro o mantém no cargo até hoje é porque está satisfeito com o seu trabalho.

Separar Bolsonaro de Pazuello no caso da pandemia é uma tentativa de Aras de salvar a cabeça do ex-capitão à custa da cabeça do general. Pazuello subiu ao patíbulo.


Cristovam Buarque: Nossos Bolsuellos

Este governo joga contra o Brasil

Um bom governo depende do presidente usar sua vontade política e contar com a competência de seus ministros, e realizarem os projetos que o país necessita para caminhar com coesão e rumo. Esta combinação da vontade política com a competência gerencial cria a sinergia necessária para fazer o país avançar deixando legados dos presidentes.

O atual presidente não demonstra vontade política nem conta com ministros que permitam deixar um legado para o Brasil. Ele não se preparou para deixar legado e se rodeou de ministros que se dedicam a bajular e atrapalhar. Estamos sem propostas, sem liderança e sem competência.

O melhor exemplo é a saúde. Bolsonaro não se preparou. Não tinha projeto para superar as dificuldades que recebeu, e não sabe o que fazer diante da epidemia. Ele usa sua vontade política para negar o problema, para recusar o uso da ciência e substituiu os ministros competentes por um que deseja apenas agradar ao chefe e sem competência técnica, nem gerencial.

Em vez de se ajudarem, se atrapalham, porque são atrapalhados. Em vez de sinergia temos uma entropia: um governo autofágico e que engole o Brasil.

Para ameaçar ainda mais o futuro do Brasil, esta situação não é apenas na saúde. Nas relações exteriores tem um ministro antidiplomático, despreparado, capaz de dificultar, no lugar de ajudar, inclusive com BRICS, aliança criada pela vontade do presidente Lula e a competência do ministro Celso Amorim, que agiam com a sinergia de um time Lulamorim, quando agora temos a entropia do Bolsuello. Na economia, o Guedes diz coisas que não deveria e é obrigado a se desdizer, ou a corrigir o presidente depois do estrago feito. No meio ambiente, o ministro é anti-ecológico. Além de fazer o contrário do que o país precisa, agrava as relações internacionais.

Este governo joga contra o Brasil, tropeçando no presente, em vez de caminhar para o futuro. Pior, aue não se vislumbra luz, nem sinergia no lado da oposição, onde o Brasil também tem seus bolssuelos. No final do regime militar, assistiu-se sinergia entre os líderes da época. Ulisses, Arraes, Brizola, Tancredo jogavam com a vontade certa e a competência necessária. Apesar de visões e interesses próprios, jogaram unidos a favor da democracia no país.

Nossos líderes atuais ainda não demonstraram esta vontade, nem competência para o diálogo. Não vemos Ciro, Marina, Lula, Huck, Dória, Dino lutando de forma combinada para livrar o Brasil do governo entrópico dos bolsuellos. Cada um é candidato a ser o próximo presidente, não a barrar os desastres do atual. O resultado é que dificilmente o Brasil conseguirá o impeachment e possivelmente a oposição chegará dividida no primeiro turno, repetindo 2018 e reelegendo um governo sem vontade nem competência para deixar um Brasil melhor.

*Cristovam Buarque foi ministro, governador e senador


O Estado de S. Paulo: Juristas já veem motivos para abertura de impeachment de Bolsonaro

Para advogados e professores ouvidos pelo ‘Estadão’, presidente pode ser enquadrado em crime por violar direito à saúde

Breno Pires, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Diante do agravamento da pandemia de covid-19, os entraves à vacinação e a insistência em tratamentos sem comprovação científica são apontados por juristas como fatores que podem levar ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Advogados e professores ouvidos pelo Estadão citam diversos trechos da lei federal que trata de crimes de responsabilidade, entre eles a violação ao direito e à garantia à saúde, como motivos para o Congresso remover o presidente do cargo.

Os pedidos de impeachment contra Bolsonaro se multiplicaram desde o início da pandemia de coronavírus. Na terça-feira, 26, o PT, PDT, PSB, Rede e PCdoB também vão protocolar uma ação que pede a saída do chefe do Executivo, tendo como um dos argumentos o fato de que ele não agiu para conter a tragédia no Amazonas e no Pará, onde pacientes morreram em hospitais por falta de oxigênio.

Desde o início do mandato de Bolsonaro, 61 pedidos de impeachment contra ele foram protocolados na Câmara. Cabe ao presidente da Casa dar andamento ou arquivar as solicitações. Esse é um dos motivos pelos quais Bolsonaro está empenhado em eleger o novo presidente da Câmara, já que o atual, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixa o cargo em 1.º de fevereiro. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente da Câmara dos DeputadosBaleia Rossi, candidato de Rodrigo Maia, e Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro, lideram corrida pela presidência da Casa; siga distribuição de votos por deputado, partidos e Estados

Lei dos Crimes de Responsabilidade, de 1950, também prevê outras condutas que podem levar ao impeachment, como “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” e “intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais”. A Constituição também descreve como crime de responsabilidade atos que atentem contra o texto constitucional e o exercício dos direitos sociais da população, entre os quais está incluído o da saúde.

O professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP, disse que Bolsonaro violou o direito à saúde, quebrou o decoro e agiu para intervir na atuação dos Estados e municípios contra a covid-19. Na sua avaliação, o presidente transformou as medidas recomendáveis para o enfrentamento da pandemia, como distanciamento social, uso de máscara e vacinação, em tema de disputa com adversários políticos.

“O presidente deixou claro preferir que pessoas morram sem vacina a dar o braço a torcer e dar um prêmio a adversários, que poderão dizer que, desde o começo, estavam certos. É um cálculo político que ele (Bolsonaro) faz: oferecer a vida dos brasileiros ao perecimento e ao risco por razões políticas suas”, afirmou Mafei ao Estadão.

De acordo com o professor, Bolsonaro quebra o decoro ao propagar desinformação sobre o tratamento contra covid-19 e fazer propaganda de remédios sem eficácia comprovada. “Ele mente e tem consciência disso”, disse. Além disso, Mafei disse que o presidente sabotou uma tentativa de campanha nacional de vacinação. Citou como exemplo as idas e vindas do governo federal em relação à compra de imunizantes de vários países.

“Não é só o abuso do poder retórico, mas abuso do poder legal de proibir o Ministério da Saúde de tomar medidas”, observou Mafei. “Como vai fazer campanha nacional de vacinação com um governo que sabota compra de vacina, faz campanha antivacina, engana a população sobre tratamento precoce?”, indagou. PARA ENTENDERVeja o placar da eleição para presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM), Simone Tebet (MDB), Major Olímpio (PSL) e Jorge Kajuru (Cidadania) são os candidatos à presidência da Casa; saiba como estão distribuídos os votos para a sucessão de Davi Alcolumbre por Estado e por partido

O professor de Direito Ivar Hartmann, do Insper, disse ao Estadão que o impeachment de Bolsonaro é “questão de urgência” em função do número de mortes no País. No seu entender, o presidente faz uso da administração pública para promover tratamento que, sabidamente, não é eficiente, provocando até mesmo riscos de efeitos colaterais.

“Embora as práticas e os ilícitos que ele está cometendo não tenham começado só agora, pois esse crime está sendo cometido há diversos meses, apenas agora os efeitos estão mais fortes”, destacou Hartmann, um dos mais de 60 ex-alunos da Universidade de Harvard que assinaram um manifesto a favor do impeachment de Bolsonaro.

Além de apontar a violação ao direito à saúde, a advogada constitucionalista Vera Chemim afirmou que Bolsonaro retardou intencionalmente as ações do Executivo no combate à pandemia, “primeiro em relação às medidas médicas adequadas e agora no tema da vacinação”.

Para Chemin, a prática pode ser enquadrada no artigo 9, inciso I, da Lei de Crimes de Responsabilidade. Na sua opinião, o presidente também cometeu o crime de “servir-se de autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua” (Art. 7º da Lei de Crimes de Responsabilidade).

Os crimes de responsabilidade de Bolsonaro, segundo a constitucionalista, vão além da pandemia. “Há que se reconhecer igualmente condutas e atos que remetem, por exemplo, ao artigo 9.º, inciso 5, da Lei de Crimes de Responsabilidade, que é ‘infringir, no provimento de cargos públicos, as normas legais’. Não se pode olvidar as tentativas de nomeação e nomeações de pessoas para determinados cargos, que foram flagrantemente inconstitucionais. As referidas nomeações foram efetivadas de acordo com interesses e objetivos pessoais e políticos, afrontando os princípios constitucionais elencados no caput do artigo 37 da Carta Magna”, disse ela, citando, como exemplo, a nomeação de diretor da Polícia Federal, Alexandre Ramagem.

Com ela concorda o professor Diogo R. Coutinho, da USP, para quem Bolsonaro cometeu uma série de crimes de responsabilidade que não se limitam ao comportamento adotado na pandemia. No seu diagnóstico, porém, foi durante a crise sanitária que Bolsonaro violou mais claramente direitos e garantias, bem como direitos sociais, previstos no art. 7 da Lei dos Crimes de Responsabilidade.

“A política de saúde, um direito social, foi vilipendiada e sabotada constantemente pelo negacionismo e pelo obscurantismo. Os efeitos disso já podem ser vistos e a responsabilidade direta do Planalto será apurada e registrada pela história. Não se pode dizer, a não ser com muita desfaçatez, que não há razões para o impeachment. As condições jurídicas para o impeachment de Bolsonaro estão sendo dadas em abundância e de forma inequívoca”, disse Coutinho.

Rafael Mafei, por sua vez, avalia que um eventual processo de impeachment deveria se centrar na atuação de Bolsonaro na pandemia, para que não se perca o foco. Mesmo assim, ele enxerga outras infrações à Lei de Crimes de Responsabilidade. “Seria possível até fazer um bingo da Lei 1.079 com cada crime de responsabilidade cometido”, disse.

Professor da FGV Direito SP, Carlos Ari Sundfeld afirmou que as omissões e ações diretas de Bolsonaro, bem como de seu governo, para sabotar medidas de prevenção e tratamento têm sido sistemáticas. “É um comportamento continuado, que atenta contra o direito social à saúde, garantido pelo art. 196 da Constituição. É possível ao Congresso Nacional enquadrá-lo como crime de responsabilidade, por atentado contra o direito social à saúde. A punição é o impeachment”, declarou.

No entender de Sundfeld, a abertura de um processo assim pode ser importante mesmo que não resulte no afastamento. “A passividade do Congresso está fazendo mal ao próprio governo porque, de certa forma, o Congresso está estimulando as condutas inadequadas do presidente da República, que não encontram barreiras políticas”, argumentou ele. “Abrir o processo permite que o presidente receba uma mensagem jurídica forte. Existem fundamentos jurídicos e o presidente está precisando de um cutucão político”.

Bolsonaro também poderia ser acusado de crimes comuns, dizem juristas

Além dos crimes de responsabilidade, há no meio jurídico a visão de que o presidente também poderia ser acusado de crimes comuns. Enquanto a análise de crimes de responsabilidade é de atribuição do Congresso, a investigação e eventual denúncia de crimes comuns de presidentes são atribuição do procurador-geral da República. Também caberia ao Congresso, no entanto, autorizar a abertura de eventual ação penal, o que levaria ao afastamento do presidente.

Nesta terça-feira, o procurador-geral Augusto Aras — indicado ao cargo por Jair Bolsonaro — emitiu uma nota dizendo que todas as medidas cabíveis, com relação ao combate à pandemia de covid-19, vêm sendo tomadas. A manifestação de Aras foi vista como desastrosa por integrantes do Supremo e interpretada no meio político como um sinal de que ele não pretende investigar Bolsonaro por crimes comuns.

Para juristas ouvidos pelo Estadão, no entanto, há indícios de que Bolsonaro também cometeu crimes comuns na condução da pandemia. Um dos artigos do Código Penal citados é o que criminaliza expor a vida ou a saúde de pessoas a perigo direto e iminente. Outro é “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, na medida em que o presidente desencorajou as medidas de isolamento determinadas por Estados e municípios e recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. Um terceiro crime seria o de prevaricação: “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

O que diz a legislação

Crimes de responsabilidade

Na Constituição:

Art. 85. “Atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) III. O exercício dos direitos (...) sociais.”

NA LEI DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE:

Art. 4º. “Atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: (...) IV - A probidade na administração.”

Art. 6º. “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados: (...) nº 8 - Intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais.”

Art. 7º. nº 9. “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais (...) violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição.”

Art. 9º. “São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: (...) 3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; (...) 4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição; (...) 7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.”

Crimes comuns

Código Penal:

Art. 131. “Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”

Art. 132. “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.”

Art. 268. “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.”

Art. 319. Prevaricação. “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.”


Marcus Pestana: Vacina, estupidez e desenvolvimento

As redes sociais vieram para ficar. Todos nós, ou quase todos, somos usuários ou até mesmo escravos do Facebook, do Instagram, do Youtube, do WhatsApp, do Tik Tok e do Google. Nas redes sociais, é possível assistir belíssimos shows, interessantes debates, a fantástica entrevista de Muhammad Ali sobre racismo ou rememorar jogadas geniais de Pelé, Zico ou Ronaldinho Gaúcho. Por outro lado, é possível também ser vítima da mais radical estupidez e da mais profunda ignorância.

Confesso que não sou especialista nas tramas e nos segredos da internet. E que também não tenho paciência para responder, um a um, cada comentário provocado. Mas as tempestades de sandices, como a da última semana, sobre a posse de Joe Biden, o livro de Chico Buarque, “Essa Gente”, e a vacina do Butantã, me fazem publicar, vez ou outra, frases de pensadores de várias épocas, que traduzem meu espírito diante de afirmações assertivas de que Biden é comunista, que a vacina de Dória é ineficaz, só marketing e uma trama diabólica da China, e que Chico é terrorista e deveria estar preso, além de centenas de postagens impublicáveis.     Claro que as reações violentas e mal educadas em muito partem dos conhecidos robôs e algoritmos dos “engenheiros do caos”. Mas, muitos dos fanáticos ideológicos são de carne e osso, alguns até amigos próximos ou ex-eleitores decepcionados. A eles dedico algumas citações que postei ao longo dos últimos dois anos: “As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis” (Umberto Eco), “A estupidez é infinitamente mais fascinante do que a inteligência. A inteligência tem seus limites, a estupidez não” (Claude Chabrol), “A ignorância é a maior multinacional do mundo” (Paulo Francis), “O ignorante afirma, o sábio duvida e reflete” (Aristóteles). Pode parecer arrogante, e de certa forma, é. Mas do jeito que as coisas vão, estamos caminhando celeremente para o império da ignorância e suas “verdades” instantâneas, incultas e alternativas. Minha geração foi criada na boa literatura. E, feliz ou infelizmente, crescemos para ter mais dúvidas do que certezas e, por consequência, sermos mais tolerantes e abertos.

Fato é que “Essa Gente” do Chico é uma boa leitura, embora prefira do autor “Budapeste”; o esforço gerencial hercúleo de João Dória e do Governo de São Paulo frutificou na única vacina disponível para a imunização da população brasileira; e, o experiente, moderado e conciliador Joe Biden tomou posse para pacificar os espíritos nos EUA e retomar a cooperação global, inicialmente retornando a OMS e ao Acordo de Paris.       

De tudo, ficam lições. É preciso a eterna vigilância para garantir a liberdade. Nossa política externa terá que tomar novos rumos. Teremos que repensar nossa inserção no mundo globalizado, visto que ficou evidenciada a nossa total dependência para obtenção de medicamentos, equipamentos médicos, insumos farmacêuticos, vacinas. Teremos que fortalecer o SUS e o desenvolvimento científico e tecnológico. Não poderemos nos contentar passivamente em sermos apenas produtores de commodities (soja, café, proteína animal, minério de ferro).

Eu bem sei que não é fácil ser um “iluminista” na era das redes sociais, com suas “verdades” superficiais e lacradoras. Mas as trevas não são uma boa opção para o Brasil. As trevas passam. Trump, sua arrogância e intolerância, passaram.  

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Demétrio Magnoli: Na nossa fila de privilégios e direitos, as crianças ocupam o último lugar

Por que todos os sindicatos de profissionais que trabalham presencialmente não impetram ações judiciais, como o dos professores?

Raphaela dos Santos, 5, de Paraisópolis, esqueceu como escrever seu nome e os números. Ana Júlia, 5, quase vizinha, ainda escreve seu primeiro nome, mas não o segundo. A Prefeitura de São Paulo não definiu data para reabertura das escolas, mas garante que aplicará medidas de recuperação de conteúdos que “eventualmente foram perdidos” (Folha, 27/12). 2020 ficará na memória como o ano em que o Brasil tirou a máscara, evidenciando que, na nossa fila de privilégios e direitos, as crianças ocupam o último lugar.

“Não venha comparar as nossas escolas com as da Europa!” Benin, Chade, Burkina Faso, Guiné Equatorial, República do Congo, Serra Leoa e Cabo Verde —anote esses nomes, professor. São alguns dos países africanos que, em outubro, já tinham retomado aulas presenciais. Sugiro uma atividade para o dia distante da volta à escola: colori-los no mapa. Título: onde sobrevive o direito à educação.

 “A vida primeiro! As crianças infectarão os professores e seus próprios familiares.” A ciência diz coisa diferente. Crianças não são grupo de risco e não participam significativamente da cadeia de transmissão. Mas, ao que parece, o consenso científico vale apenas quando não colide com os interesses corporativos. E, de mais a mais, sempre haverá algum “especialista” de rede social disponível para afirmar o que se quer ouvir.

“Só depois da vacina —e da reforma física dos edifícios escolares.” A Apeoesp, que recusa o retorno antes da Volta do Messias (o Jesus, não o Jair), solicitou ao STF a vacinação dos professores na “primeira etapa”, antes da maioria dos idosos. Não está só: junta-se a entidades de promotores e ao próprio STF, que pediram à Anvisa o mesmo privilégio. De qualquer modo, as vacinas não foram testadas em crianças, justamente porque não pertencem aos grupos de risco. Assim, por enquanto, nem mesmo se planeja a imunização de crianças. O álibi perdurará.

“Ação judicial em defesa da vida.” A Apeoesp impetrou um mandado de segurança no TJ de São Paulo “para que as aulas presenciais não retornem em plena pandemia”. Na prática, se os juízes cederem à chantagem sindical, a rede estadual de escolas públicas permanecerá fechada ao longo de todo o primeiro semestre. É missão dos professores ensinar a lição da igualdade de direitos. Por que todos os sindicatos de profissionais que trabalham presencialmente não impetram ações judiciais similares?

 “Bolsonarista genocida!” Bolsonaro é como um relógio quebrado, que marca a hora certa duas vezes por dia. São “genocidas” os pediatras que apelam pela volta às aulas? A Unicef? A OMS? A linguagem boçal da extrema direita encontra espelho perfeito na linguagem pilantra do sindicalismo docente. A segunda, aliás, reforça a primeira, tecendo os fios das insistentes taxas de aprovação do presidente negacionista entre os pobres.

 “Greve geral, pela vida!” Médicos e enfermeiros não fizeram paralisação. Motoristas, comerciários, entregadores compareceram todos os dias. Trabalhadores dos setores essenciais circularam em ônibus, trens e metrô. A quarentena de uns depende da aglomeração de outros. Mas a chantagem funciona: políticos espertos, como Covas, sempre temem a ira santa dos sindicatos de professores.

No site da Apeoesp aparece um mapa colorido com os 320 municípios paulistas que “rejeitam o retorno precoce das aulas presenciais”. A peça cartográfica foi atualizada em meados de outubro, precisamente quando completou-se a reabertura escolar naqueles sete países africanos. É uma ilustração sem igual da escala de prioridades, da mendacidade e do oportunismo de nossa elite política, da qual faz parte a aristocracia sindical docente.

O mapa deve ser guardado —e não só para os cursos de ciência política. Algum dia, a Raphaela aprenderá a ler. Saberá, então, quem sabotou a vida dela, em nome da vida.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Hélio Schwartsman: Cuidado com a caça às bruxas na fila de vacinação

A vacinação será um processo longo, difícil e sujeito a falhas

Como era previsível, multiplicam-se os relatos de casos de pessoas que estariam furando a fila da vacina. Não há dúvida de que desrespeitar a ordem de prioridades constitui grave violação ética e, em algumas situações, se houver a participação de autoridades, pode caracterizar também irregularidade administrativa e até delito, mas é preciso cuidado para não transformar o justo sentimento de indignação numa caça às bruxas.Uma parte considerável das "furadas" que vêm sendo descritas se deve mais à falta de detalhamento dos grupos prioritários do que a uma intenção deliberada de passar outros para trás.
"Profissionais de saúde que atuam na linha de frente" pode parecer uma descrição precisa, mas ainda deixa muita margem a dúvidas. O dermatologista que trabalha em consultório particular e passa visita uma vez por semana na UTI está ou não na linha de frente?

Outra fonte de ruídos tem a ver com a forma de alocação das doses.

Um hospital que tenha recebido biofármacos para cobrir 50% de seu pessoal vacinará funcionários administrativos antes de uma instituição que tenha obtido imunizantes para apenas 5% ter terminado de inocular os profissionais das UTIs e pronto-socorros. Dá par ver aí uma ineficiência, mas não um crime.

Nossos pressupostos também podem ser um problema. Parece absurdo um médico que esteja em home office receber a vacina antes de alguém que lide diretamente com o vírus. Mas e se a imunização permitir que esse profissional, talvez um intensivista experiente, volte a atuar na linha de frente? Aí teríamos uma vacina muito bem aplicada. Sem dispor de toda a informação, é arriscado tirar conclusões.

A vacinação será um processo longo, difícil e sujeito a falhas. Haverá, também, sacanagens. Mas, até prova em contrário, é psiquicamente mais saudável imaginar que a maioria das pessoas se comportará de forma decente, esperando a sua vez.


El País: Nelly e Erik, as inquietantes mutações do coronavírus em Manaus

Três novas variantes do vírus poderiam ser mais contagiosas e capazes de reinfectar graças a uma combinação semelhante de alterações em seu genoma

Manuel Ansede, El País

Os cientistas que vigiam a evolução do novo coronavírus estão inquietos. Depois da aparição no final do ano de duas variantes aparentemente mais contagiosas, detectadas no Reino Unido e África do Sul, um grupo de pesquisadores publicou em 12 de janeiro a descrição de uma terceira variante suspeita em Manaus, relativamente similar às duas anteriores. Os autores sugerem uma possibilidade preocupante: a evolução convergente, o mesmo fenômeno que fez os morcegos e aves desenvolverem asas de maneira independente, milhões de anos atrás. O coronavírus também poderia estar mudando na mesma direção em diferentes lugares do mundo: rumo a versões mais transmissíveis e inclusive capazes de reinfectar algumas pessoas que já tiveram covid-19, conforme adverte a equipe que descobriu a variante brasileira, encabeçada pelo epidemiologista Nuno Faria, do Imperial College de Londres.

A nova variante brasileira apresenta uma combinação singular de mutações, mas duas delas são velhas conhecidas. Alguns geneticistas as denominam Nelly e Erik, pela semelhança com seus nomes técnicos: N501Y e E484K. Nelly e Erik são duas mutações que afetam a espícula do coronavírus, a chave com a qual o vírus entra nas células humanas. A mutação Nelly está presente nas três variantes inquietantes, e Erik se soma a ela na sul-africana e brasileira.

O virologista espanhol Rafael Delgado expressa sua “preocupação” com essa possível evolução convergente, envolvendo combinações de mutações que talvez se repitam porque representam uma vantagem para o vírus. Um estudo preliminar do bioquímico norte-americano Jesse Bloom sugeriu há algumas semanas que a mutação E484K multiplica a capacidade do coronavírus de escapar dos anticorpos do plasma sanguíneo de alguns doadores que já superaram a covid-19. E outro estudo publicado nesta terça-feira sustenta que “a maioria” das pessoas que foram naturalmente infectadas pelo novo coronavírus e se recuperaram poderiam se contaminar novamente com a variante sul-africana. O trabalho, ainda um esboço pendente de revisão, foi assinado pela virologista Penny Moore, do Instituto Nacional de Doenças Contagiosas da África do Sul.

A variante britânica —com Nelly, mas sem Erik— surgiu aparentemente no Reino Unido, em setembro, e já foi registrada em 40 países. As autoridades britânicas calculam que é entre 30% e 50% mais transmissível. Na Espanha, foi identificada pela primeira vez na época do Natal, no Hospital 12 de Octubre, em Madri. “Estamos detectando atualmente entre 2% e 3% [de variantes britânicas com relação ao total de casos]. A porcentagem é pequena, por enquanto, mas claramente vem crescendo”, explica Rafael Delgado, chefe do Serviço de Microbiologia desse hospital. Na Dinamarca, a variante britânica representava 2,4% das amostras analisadas há duas semanas, e agora já chega a 7%.

variante britânica não produz uma forma mais grave da doença, mas é mais contagiosa, segundo todos os indícios, de modo que o resultado final seria também um maior número de mortos. “Os hospitais lotam antes, Portanto, é um perigo, sobretudo na situação em que estamos agora, que já de ruim. É preocupante”, opina o biólogo Iñaki Comas, codiretor do consórcio que sequencia os genomas do coronavírus na Espanha. Comas calcula que a variante britânica só alcança atualmente uma frequência de 1% a 5% em todo o território espanhol.

A variante sul-africana já apareceu em 13 países, entre eles a França e a Alemanha. A de Manaus só foi identificada no Brasil, Japão e Coreia do Sul. Em outros países, como a Espanha, a atual onda da pandemia é causada por versões anteriores do SARS-CoV-2. “A atual onda na Espanha não se deve a nenhuma dessas variantes, e sim às que já tínhamos”, salienta Comas. Pode ser questão de tempo. Os Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças (CDCs) calculam que a variante britânica será a dominante nos EUA em março.

Alguns especialistas, como o norte-americano Trevor Bedford, acreditam que estas novas variantes surgiram em pessoas com uma infecção crônica, um processo em que as defesas lutam contra o coronavírus durante meses, até que aparece um mutante que invade melhor as células humanas e consegue escapar. Bedford, do Centro de Pesquisas Fred Hutchinson, baseia-se no caso de um homem de 45 anos que, por um problema em seu sistema imunológico, passou cinco meses internado com covid-19 no Hospital Brigham and Women’s, em Boston (EUA). Os médicos que o trataram relataram “uma evolução acelerada do vírus” até que o paciente acabou morrendo. Entre as mutações detectadas figuravam Nelly e Erik.

É muito raro que uma única mutação mude o rumo de um vírus, mas há precedentes. Uma só mudança no vírus do chikungunya o tornou capaz de se instalar em uma nova espécie de mosquito, aumentando assim seu potencial epidêmico, segundo um estudo da Universidade do Texas. O que mais preocupa os cientistas, entretanto, é o efeito sinérgico de várias mutações relevantes. Delgado, do 12 de Octubre, teme sobretudo a coincidência de Nelly e Erik nas variantes sul-africana e brasileira.

Um estudo preliminar com 20 voluntários, publicado nesta terça, também sugere que os anticorpos gerados por vacinas (nesse estudo, as da Pfizer e Moderna) sejam ligeiramente menos eficazes contra as novas variantes com as mutações Nelly e Erik. “É possível que seja necessário atualizar periodicamente as vacinas para evitar uma potencial perda de eficácia clínica”, concluem os autores, encabeçados pelo imunologista Michel Nussenzweig, da Universidade Rockefeller (EUA). Os pesquisadores salientam que o efeito observado é “modesto”.

O geneticista Fernando González Candelas, codiretor do consórcio espanhol, recorda o excessivo alarme gerado no ano passado com outras mutações, como a D614G, apontada em meados de 2020 como talvez mais contagiosa, e hoje absolutamente dominante em todo o mundo. González Candelas, catedrático da Universidade de Valência, é muito cético quanto à hipótese de que o coronavírus esteja evoluindo em uma mesma direção. “É preciso ter muito cuidado com os vírus. Mesmo que a mesma mutação apareça várias vezes, não significa que haja uma evolução convergente. A probabilidade de aparecer uma mesma mutação de forma independente é muito alta”, argumenta. “Há muito alarme antecipado a respeito”.

González Candelas acredita, no entanto, que poderiam estar se formando as condições para o surgimento de cepas avantajadas do vírus. “À medida que vai aumentando o número de pessoas vacinadas ou com imunidade gerada por uma infecção prévia, favorece-se a infecção por aqueles vírus que podem evitar essas defesas imunológicas”, explica. O comitê de emergências da Organização Mundial da Saúde afirmou em 15 de janeiro que o risco é “muito alto” e fez um apelo aos países para que dediquem mais recursos a vigiar as mutações do coronavírus. Quase ninguém contempla a possibilidade de que as vacinas deixem de funcionar repentinamente, e sim que perca progressivamente sua eficácia atual, em torno de 95%, até que seja necessário atualizá-las, como ocorre todos os anos com a vacina da gripe.

“O problema é que muito do que sabemos sobre os efeitos das mutações procede de experimentos com mutações individuais: você coloca uma mutação [em uma réplica do vírus em laboratório] e vê o que acontece. Mas nos falta muita informação experimental sobre como todas estas mutações interagem entre si: qual é o impacto de pôr Nelly e Erik juntos”, explica Iñaki Comas, do Instituto de Biomedicina de Valência, ligado ao CSIC (agência espanhola de pesquisa científica).

Comas, no entanto, se diz otimista. “Talvez, tanto a variante da África do Sul quanto a do Brasil tenham algum efeito sobre a imunidade devido a essa mutação E484K, mas não esperamos que nenhuma destas variantes, tampouco a britânica, afete as atuais vacinas. A imunidade que conseguimos com as vacinas é muitíssimo maior que a imunidade natural depois de uma infecção”, tranquiliza. O próprio Jesse Bloom, um dos cientistas que mais estudaram a mutação E484K, declarou que confia em que “as atuais vacinas serão úteis durante bastante tempo”.

“O mais importante agora em relação às vacinas não é nos preocuparmos com as variantes, e sim com a vacinação: que chegue a todas as populações em todas as partes do mundo”, opina Comas. Quanto às novas variantes, o pesquisador espanhol recorda a estratégia básica para freá-las: “Ainda não se inventou uma variante que seja capaz de saltar uma máscara”.


Elena Landau: Bolsonaro falou, Bolsonaro avisou

O que esperamos para impedir o avanço do mal que o presidente representa?

Bolsonaro é um mentiroso contumaz. Ele sabe que mente quando diz que o STF o impediu de agir na pandemia. Mente também quando compara a covid-19 a uma gripezinha. Mente quando fala que defende o meio ambiente. Mente quando alega que houve fraudes nas eleições de 2018. Mente quando nega usar órgãos do governo para proteger seu filho. Mente o tempo todo, sem enrubescer.

A mentira contagiou o ministro da Saúde. Os dois tiveram que engolir a vacina do Doria. Irritados, inventaram um apoio financeiro ao Butantan – que não existiu. O governo boicotou como pôde. Em ato falho, o presidente chegou a lamentar a aprovação da Anvisa ao falar: “Apesar da vacina”, em uma entrevista.

Dizem até que apagou de suas contas a defesa da propaganda da cloroquina. Eu não o sigo. Mas os prints não mentem, são eternos.

Há método na sua suposta loucura, burrice ou negacionismo. Tratar seus atos como coisa de maluco é tudo que ele quer. Como no Brasil não temos a emenda 25 para apear incapazes do comando, a vida segue.

Ele mentiu na campanha quando disse que não iria tentar a reeleição. Desde o primeiro dia de seu mandato, ela é sua obsessão. Já avisou que se perder em 2022 vai melar o jogo. O que aconteceu no Capitólio há duas semanas pode ser tentado aqui em maior escala. A militarização de seu governo, os privilégios concedidos aos policiais e militares, o desmonte dos mecanismos de controle de armas e munições são sinais de sua intenção.

Não consegue esconder sua irritação com o sucesso do Butantan e o fiasco da gestão de seu governo na compra e distribuição de vacina. E, previsivelmente, subiu o tom dizendo que as Forças Armadas é que decidem se temos democracia ou não. A sorte dos brasileiros é que, se depender da competência dos “pazuellos” em sua volta, o golpe fracassará por questões de logística.

Diante de tudo isso, é inexplicável a passividade dos nossos parlamentares. Maia comandou a pauta reformista, a começar pela mudança na Previdência, e sua gestão será marcada positivamente por isso. Mas também será lembrada pelo engavetamento de dezenas de pedidos de impedimento de Bolsonaro. Notas de repúdio não adiantaram nada. Às vésperas de entregar o cargo, é tarde demais para espernear.

Crime de responsabilidade é o que não falta. É só escolher. Quando o vírus começou a se espalhar no Brasil, muitas vozes se colocaram contra o impeachment porque poderia agravar a crise sanitária. Pois é, hoje são mais de 210 mil mortes, que continuam crescendo. Nem os melhores modelos estatísticos conseguem fazer prognósticos, porque a incompetência do ministro da Saúde e de seu chefe é fora de qualquer padrão.

No futuro, quando a história cobrar as responsabilidades, Pazuello, como Eichmann, vai alegar que estava só obedecendo ordens. Bolsonaro é um simples capitão reformado, quando deveria ter sido expulso do Exército, mas, como presidente da República, é o comandante em chefe das Forças Armadas.

Afastar o presidente é a mais importante ação de combate à pandemia e redução de mortes potenciais, sem contar os riscos à democracia.

Dizer que impeachment é ato político deixa nossos deputados em uma zona de conforto. Muitos usam Collor e Dilma para justificar sua inação. Só foram afastados quando perderam apoio. Mas quem retira esse apoio senão o próprio Congresso? Não temos certeza do número de parlamentares favoráveis à abertura do processo de afastamento. Indiferente a isso, as redes sociais iniciaram a contagem de votos e começam a pressionar seus deputados. Mesmo sem passeatas, podemos nos manifestar.

Bom lembrar também que não afastar um presidente por medo das ruas, pode torná-lo mais ousado. Lula foi reeleito após o Mensalão, e terminamos com o Petrolão, escândalo muito maior.

Não é admissível que um presidente não seja sequer cobrado por suas atitudes. Bolsonaro escapou impune de atos contra segurança nacional, ameaças de morte a presidentes, elogios à tortura e crimes de homofobia e misoginia. Se acha invulnerável. Sem limite, vai radicalizando. Com sua campanha contra vacina e uso de máscaras, e o estímulo à aglomeração, comete crime continuado de responsabilidade contra a saúde dos brasileiros.

Penso em meu pai neste momento. Sou filha de pai judeu e mãe católica. Meu pai, ateu, nem sequer fez seu bar mitzvah. O judaísmo para ele não tinha relação com religião. Quando dei a ele o livro da Hannah Arendt, sobre o julgamento de Eichmann, vi meu pai se transformar. Pela culpa de ter conseguido fugir da Romênia, cobrava internamente de seus parentes não terem ficado para lutar contra o nazismo, de terem visto o antissemitismo crescer sem reagir, pensando que “não vai acontecer comigo” ou “alguém vai parar esse monstro”.

Pois é como me sinto agora. O que estamos esperando para impedir o avanço do mal que Bolsonaro representa.

*ECONOMISTA E ADVOGADA 


Merval Pereira: O país do privilégio

Nada mais ignominioso do que as notícias que pipocam dando conta de que em diversos estados brasileiros está havendo fraude na vacinação contra a COVID-19. Pessoas que não fazem parte da primeira leva dos grupos de risco furam a fila para garantirem para si ou familiares o privilégio de serem vacinadas, numa pandemia que testa a nossa solidariedade como humanos e que depende da atitude de cada um para que o conjunto dos cidadãos possa sobreviver à crise sanitária.

No Brasil fragilizado pela desorganização de um governo incompetente, que deveria ser responsabilizado pelo retardamento do programa de imunização nacional, há alguns muitos mais iguais que os outros. O atraso na chegada das vacinas e dos insumos, devido a problemas causados por uma política externa nula, e uma ação descoordenada do ministério da Saúde entregue a um General que nem sabia o que era o SUS quando assumiu,  cada dia cobra o pedágio em mais de mil vidas, e é esse número alarmante de mais de 200 mil mortes que deveria fazer com que o governo fosse culpado pela negligência no trato da pandemia e os “espertos” de sempre fossem punidos vigorosamente.

O Ministério Público está investigando casos acontecidos em pelo menos 11 estados, em que o privilégio foi concedido a filhos, amigos, parentes de autoridades locais, sem falar nos prefeitos que furam a fila afirmando que estão dando o exemplo. Com o número ínfimo de  doses de vacina enviado para cada município, a valorização  do imunizante fez com que se criasse um criminoso mercado paralelo de prestígio, e logo veremos denúncias de pessoas que subornaram para serem vacinadas à frente das que estão na lista de prioridades.

Uma lista, aliás, que terá que ser refeita, pois não há vacinas para todo o grupo, e alguns municípios estão distribuindo literalmente meia dúzia de doses para os postos de vacinação. Centro da crise humanitária mais grave dessa pandemia, Manaus teve que suspender a vacinação para reorganizar as prioridades.  As doses de Coronavac que chegaram ao estado nesta semana são suficientes para vacinar somente 34% dos profissionais de saúde que atuam no estado, que sofre há dias com a falta de oxigênio e de insumos para vacinação. Mas as filhas do dono de uma das maiores universidades privadas de Manaus, no Amazonas, já estão protegidas pela primeira dose, pois não apenas furaram a fila, como exibiram seus troféus nas redes sociais. Médicas, foram contratadas pela Secretaria de Saúde na véspera da vacinação começar.

Não foi nem preciso investigar, elas, como várias outras pessoas em diversos estados, foram reveladas pelo próprio narcisismo, pois publicaram suas fotos nos “Insta” da vida sem nem mesmo notar que estavam se autodenunciando por um crime que deveria ser duramente castigado, assim como os responsáveis pela liberação de tal privilégio.

A perda da noção de pertencimento a uma comunidade, que deveria vir sempre antes da escolha individual, é um fenômeno da pós-modernidade, segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, e no Brasil ela é exacerbada pela síndrome do “você sabe com quem está falando”, sobre o que escreve com maestria o antropólogo Roberto DaMatta, que se espanta até hoje como os sinais de trânsito não são respeitados nas ruas do país.  

DaMatta escreve ensaios sobre nossas autoridades e celebridades que promovem “um espetáculo deprimente de racismo, machismo, ignorância, arrogância e injustiça por se considerarem superiores aos demais e, portanto, dispensados de obedecer às leis e às normas da boa convivência social”. O livro, ampliado e reeditado, continua contemporâneo, prova de nossa falência como sociedade.


Míriam Leitão: O ministro dos conflitos exteriores

 ‘Alívio’ era a palavra que se ouvia ontem na Fiocruz pela notícia de que a Índia embarcará hoje para o Brasil o lote de dois milhões de doses. Também nesta sexta-feira a Anvisa deve liberar as 4,8 milhões de doses a mais da CoronaVac. Isso não apaga os erros do ministro Ernesto Araújo, que nos levou a uma situação surreal, em que a diplomacia bloqueia os canais, apesar de ela existir para limpar os caminhos. As agressões à China foram muitas, azedou o diálogo, e o preço a pagar por esse erro é em vidas humanas.

Até o ex-presidente Michel Temer se mobilizou ontem para falar com autoridades chinesas. O ministro da Saúde falou com o embaixador e depois disse que não havia problemas diplomáticos. Segundo ele, é a burocracia que explica a demora do envio do IFA. Ora, o embaixador não iria admitir que os problemas são “diplomáticos”. O pretexto é sempre outro. Evidentemente os expedientes burocráticos podem ser mais rápidos ou mais lentos dependendo do contexto.

O fato em si de estarem tantas autoridades tentando fazer diplomacia — Michel Temer, Hamilton Mourão, Tereza Cristina, Rodrigo Maia — é o atestado do colapso da diplomacia de Ernesto Araújo. Neste caso, a demissão dele seria até um passo óbvio. Se o ministro, em vez de fazer seu trabalho, cria impasses e conflitos que outros têm que resolver, não deveria ficar no cargo até por uma razão prática.

O Brasil está na seguinte situação: paga o custo de manter os salários de pessoas altamente qualificadas, e elas não podem exercer as habilidades para as quais foram treinadas no serviço público. Nenhum país perde da noite para o dia um ativo desses, que é ter um corpo de diplomatas eficientes, reconhecidos no mundo inteiro. E por que os bons diplomatas, e eles são inúmeros, não conseguem fazer seu trabalho? A gestão caótica e delirante de Ernesto Araújo não os deixa. Um embaixador, por exemplo, aguarda instruções para agir. Ernesto Araújo ou não dá instruções ou elas não têm lógica, nem ganho palpável para o Brasil. Porque o ministro vive em luta contra inimigos imaginários, como o “globalismo” e o “comunismo” que estariam ameaçando, como escreveu outro dia, os valores dos Estados Unidos.

O trabalho diplomático tem vários códigos. Uma embaixada não deixa uma autoridade ligar diretamente para o seu correspondente em outro país para ouvir um não. Para evitar constrangimentos, ela faz uma ação antecipada para sentir o terreno e desatar os nós antes que eles apareçam. O ministro Eduardo Pazuello ligou na primeira semana do ano para o ministro da Saúde da Índia pedindo o envio das doses compradas pela Fiocruz, e o indiano, que é diplomata de carreira, teve que avisar, delicadamente, que o Brasil precisava pagar antes, dado que o Serum é uma empresa privada. Depois veio o vexame de anunciar a ida do avião já adesivado sem combinar com os indianos. O amadorismo está em cada iniciativa, simplesmente porque existem regras do jogo diplomático que não são seguidas. Ernesto virou o ministro dos conflitos exteriores. E paralisa o corpo de funcionários do Itamaraty. Ontem finalmente anunciou-se a vinda.

A boa política externa antecipa-se aos problemas, como um xadrez bem jogado. E desde o começo desta pandemia estava claro que o Brasil precisaria se posicionar estrategicamente no mercado de compra de vacinas. Como contei na coluna “Diplomacia sem pé nem cabeça”, do dia nove, houve um episódio em que Araújo foi procurado pelo ministro das Relações Exteriores de um país grande desenvolvedor de vacinas, meses atrás. A conversa tinha um interesse comercial, mas o nosso ministro preferiu discorrer sobre o “globalismo da Organização Mundial da Saúde”. Nada foi adiante. 

Quando Araújo escreveu uma sucessão de tuítes sobre o ataque ao Capitólio, praticamente endossando o movimento extremista, rasgando todo o manual da boa diplomacia e do bom senso, houve uma reação da Associação dos Diplomatas. Nas mensagens coletivas que trocaram por um aplicativo, um integrante da carreira escreveu que a defesa da Casa não pode ficar apenas sobre os ombros dos aposentados.

A chegada dos dois milhões de doses da vacina importadas pela Fiocruz da AstraZeneca da Índia é excelente, a liberação pela Anvisa do uso dos 4,8 milhões de doses do Butantan é outra boa notícia. O país terá a partir deste fim de semana mais 6,8 milhões de doses. Mas o fundamental agora é fabricar aqui, nos dois institutos, com os IFAs que virão da China. Quanto mais cedo, melhor.


Rogério F. Werneck: Compromisso com o erro

Governo agride a China enquanto o Brasil se tornou crucialmente dependente de insumos chineses para a fabricação de vacinas

Entre as incontáveis deficiências do governo, uma lhe tem sido fatal. Faltam-lhe mecanismos eficazes de correção de erros. Bolsonaro é capaz de persistir meses a fio em linhas de ação equivocadas, ao arrepio dos seus melhores interesses, sem que isso deflagre as correções requeridas no seu processo decisório.

O Brasil levou 38 dias para reconhecer a vitória de Joe Biden, sem que houvesse, em Brasília, uma boa alma capaz de demover o presidente de tamanho despropósito. E, mesmo assim, o Planalto não se deu por satisfeito. Há não mais que 15 dias, ao comentar a brutal invasão do Capitólio, Bolsonaro se permitiu voltar a insinuar que a eleição presidencial nos EUA fora fraudada.

Pouco depois de Trump ter sido banido do Twitter, do Facebook e do Instagram, Bolsonaro saiu do seu caminho para aconselhar seus milhões de seguidores a passar a usar aplicativo alternativo, mais tolerante com a proliferação de fake news e a pregação da violência, em linha com o que já vinham disseminando as piores hostes trumpistas.

Tudo indica que o governo continua completamente despreparado para a guinada que Joe Biden promoverá nas relações dos EUA com o resto do mundo. E que será atropelado pela súbita restauração do compromisso norte-americano com o multilateralismo, sobretudo pelo realinhamento da postura dos EUA quanto ao aquecimento global e ao controle ambiental de forma geral.

Bolsonaro continua aferrado aos delírios de seu ministro das Relações Exteriores. E certo de que poderá enfrentar o que está por vir com Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente. Ainda não há sinais críveis de que, nessas áreas, o Planalto esteja contemplando correção significativa de rumo.

Os segmentos mais lúcidos do agronegócio brasileiro têm agora razões redobradas para se alarmar com o discurso destrambelhado do governo sobre a preservação da Amazônia. Ao desgaste crescente que já vinha sendo observado com países da União Europeia, deverão se somar desavenças com o governo Biden, advindas de pressões da ala ambientalista do Partido Democrata, desta vez, alegremente reforçadas pelo velho lobby agrícola norte-americano. O que está em jogo é nada menos que o promissor projeto de expansão desimpedida das exportações agropecuárias brasileiras.

Já às voltas com um contencioso potencial preocupante com os EUA e a União Europeia, o governo continua propenso a abrir novos pontos de atrito com a China, país que já absorve um terço das nossas exportações e dá sinais cada vez mais claros de alinhamento com as preocupações ambientalistas do mundo desenvolvido. Excessos verbais do entorno familiar do presidente Bolsonaro têm sido fonte recorrente de agressões gratuitas à China. Tudo isso num momento em que o Brasil se tornou crucialmente dependente de insumos chineses para a fabricação de vacinas.

É um desvario a mais a marcar não só a política externa, como a obstinada inconsequência com que o governo tem conduzido o combate à pandemia e, ao que parece, conduzirá a campanha de vacinação.

O surgimento de vacinas contra a covid-19 abriu a Bolsonaro a oportunidade de compensar, ao menos em parte, os desatinos que, por longos meses, perpetrou no enfrentamento da pandemia. Era o momento de tentar dar a volta por cima e criar condições para que o governo federal assumisse a liderança que dele se esperava na coordenação do colossal esforço requerido para levar adiante uma campanha eficaz de vacinação, num país mais de 200 milhões de habitantes com as dimensões territoriais do Brasil.

Mais uma vez, contudo, faltou a Bolsonaro a estatura requerida para promover a mudança de rumo requerida. Como já vinha fazendo no combate à pandemia, o presidente preferiu insistir no discurso negacionista e obscurantista e fazer da vacinação mais um palco para a pequena política, marcada por atritos tolos com os governos subnacionais. Tampouco há, nessa área, sinais de correção de erros. Bolsonaro continua apegado ao patético pau-mandado a quem, há oito meses, entregou o Ministério da Saúde.

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de economia da PUC-Rio