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Hélio Schwartsman: Ideólogos não hesitam em fazer pacto com o diabo

O diabo é que a realidade nunca se ajusta a nossas narrativas ideológicas

Um ideólogo em busca de um argumento não hesita nem em fazer pacto com o diabo. Durante décadas, a direita “laissez-faire” apontava a Suécia como uma espécie de capeta estatizado. O país, afinal, era o paradigma das social-democracias europeias, caracterizadas por governos grandes, por vezes intrusivos, altas cargas tributárias e generosos programas sociais cheios de regulações.

Depois da Covid-19, tudo mudou. A Suécia, muito por causa da influência e do prestígio de seu epidemiologista-chefe, Anders Tegnell, decidiu tomar um caminho diferente do da maioria dos vizinhos. Não determinou nenhum isolamento obrigatório, e quase todas as atividades foram mantidas. Apenas recomendou que todos fossem responsáveis. Foi o que bastou para que essa direita que flerta com o negacionismo esquecesse as críticas e abraçasse a Suécia como a nova terra dos livres, onde ninguém precisa usar máscaras e todos podem se aglomerar.

É claro que nenhuma dessas visões caricaturais retratava bem os suecos, que nunca se enxergaram nem como criptocomunistas nem como homens da terra de Marlboro. Eles apoiaram a estratégia de Tegnell enquanto acreditavam que ela funcionava, mas, sensíveis às evidências, não se recusaram a modificá-la quando confrontados com a segunda onda.

Os suecos ainda mantêm uma posição relaxada na comparação com outros países, mas aprovaram mudanças na lei que agora permite punições a negócios e pessoas que não seguirem as instruções do governo. A máscara passa a ser obrigatória, em algumas situações.

E o que as evidências dizem sobre a estratégia sueca? Com 101 mortes por cem mil habitantes, o país se saiu melhor do que outras nações europeias como o Reino Unido (135) ou a Espanha (115), mas bem pior do que outros nórdicos como a Dinamarca (31), a Finlândia (11) e a Noruega (10). O diabo é que a realidade nunca se ajusta a nossas narrativas ideológicas.


Alon Feuerwerker: Gastar e cortar

O fim do auxílio emergencial pago ao longo de 2020 por causa da pandemia é talvez a ameaça mais imediata à recuperação econômica ensaiada no final do ano passado. E a reinstalação de um auxílio emergencial com cara de permanente será sinal claro de fraqueza política do governo.

Daí que o ministro da Economia tenha aparecido hoje ao lado do presidente da República para defender que, se pensam em novas despesas, deem um jeito de cortar das já existentes (leia). E o presidente aproveitou para dizer que as reformas liberais vão andar, inclusive as privatizações.

Na luta de vida ou morte em torno do comando da Câmara dos Deputados, ninguém quer perder o apoio empresarial. Depois de definida essa refrega, o Congresso se verá às voltas com outro tipo de pressão, a popular. Se a economia sofrer nesta largada de 2021, essa pressão vai subir muito.

A economia depende de imunizar a população, já havia lembrado o ministro da Economia (leia). Se é assim, melhor ter cautela. Vamos esperar para ver que bicho dá na Câmara e como vai andar a vacinação. E mesmo se tudo der certo para o governo nas duas frentes ainda será um processo de, no mínimo, meses.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Wladimir Safatle: As Forças Armadas do caos

Militares brasileiros estão associados ao uso da força para o silenciamento das consequências da miséria e do descaso. Fazem isso mais uma vez na pandemia. Por isso, a única saída é o impeachment

Uma das maiores ilusões a respeito do Governo Bolsonaro é que ele seria composto por dois eixos em estado contínuo de antagonismo. De um lado, haveria o núcleo ideológico, com suas pautas de regressão social e isolamento internacional, enquanto no outro lado encontraríamos o núcleo militar. Se o primeiro seria impulsionado pela crença em ser o protagonista maior de uma revolução conservadora no Brasil, o segundo seria ainda pautado por certa perspectiva “moderada” e “racional”.

Na verdade, essa foi a melhor narrativa que as Forças Armadas poderiam encontrar para si mesmas. Isso lhes permitiu tomar de assalto o poder executivo, colocando milhares de seus membros da ativa e da reserva dentro da estrutura do poder, sem ter que assumir o ônus de agente fundamental do caos. Jogando a carta do corpo técnico que assume o Estado corrompido, procurando defende-lo de ideólogos que viriam de todos os lados, as Forças Armadas tentaram vender ao país a imagem de serem uma espécie de força de contenção indispensável e inevitável. Bastouuma pandemia com seus desafios reaispara que toda essa história ruísse.

Na verdade, o país viu, agora em escala catastrófica, a repetição do que sempre ocorre quando as Forças Armadas tomam a frente. O que está a ocorrer no Brasil atualmente é sim a implementação consequente do ideário que anima suas Forças Armadas. Pois longe de serem uma parte da solução, elas são historicamente o eixo fundamental do problema.

Faz parte das tomadas de poder das Forças Armadas criar essa imagem de serem animadas por um conflito interno, como se estivéssemos a todo momento a lidar com uma instituição dividida entre o bom policial e o mau policial. Já na ditadura militar havia a pantomima do conflito entre o núcleo duro e os moderados. Foi isso que permitiu aos militares fazer um duplo papel, entre o Governo e a oposição ao Governo delas próprias. Se a ditadura brasileira conseguiu durar inacreditáveis 20 anos é porque tal pantomima fazia parte do modo normal de governo. Para fazer o Governo funcionar, era fundamental que os opositores encontrassem, nas próprias Forças Armadas, a esperança de uma contenção das Forças Armadas. Da mesma forma, agora estamos a ver o pretenso conflito entre o grupo ligado a Bolsonaro e os generais mais sensatos. Sensatez essa que não foi capaz de influenciar em uma ação sequer que pudesse tirar o país do caminho em direção às mais de 200.000 mortes, isso a despeito de todo o esforço estatal de desaparecimento de corpos.

Quem fizer uma pesquisa a respeito das propagandas louvando o “ideal de desenvolvimento” do regime militar encontrará essas campanhas narrando a vitória do homem (sim, eram sempre homens) sobre o “inferno verde” representado pela Amazônia. Vitória essa que se daria através da abertura de estradas como a Transamazônica ou de projeto absurdos e corruptos como o Projeto Jari. Fotos de grande troncos de árvores centenárias cortadas e empilhadas em caminhões ilustravam o canto do país que vencia suas “fronteiras internas” à base do fogo, do roubo, da posse e do desaparecimento dos corpos de ameríndios mortos. O que Bolsonaro fez foi simplesmente levar às últimas consequências o ideário que sempre moveu as Forças Armadas como ponta de lança da guerra do Brasil contra si mesmo. As chamas cuja fumaça chega agora até nossas grandes cidades não é fruto de um Nero tropical, mas a consequência lógica do espírito que suas Forças Armadas sempre representaram.

No entanto, essa guerra do Brasil contra si mesmo foi não apenas contra a natureza. Ela foi uma guerra contra sua própria população. A história das Forças Armadas brasileiras é a história de uma guerra interna, de uma guerra civil não declarada que vai de Canudos e Contestado até ouso do Exército como “força de pacificação” nas comunidades do Rio de Janeiro. Ela foi a história do uso da força e do extermínio contra movimentos populares de toda ordem desde o Império. Ela foi ainda a história perpetua da “caça ao comunismo” desde o aparecimento do primeiro líder popular da república brasileira, Luís Carlos Prestes: um militar que escolheu o lado das lutas populares e que antecipou as táticas que seriam usadas, de maneira vitoriosa, na grande marcha chinesa. Esse fantasma da “caça ao comunismo” é a razão de existência das Forças Armadas brasileiras, e Bolsonaro sabe muito bem disso. É ele que lhe levou a dizer: “Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”. “Comunismo” é o nome que as Forças Armadas brasileiras usam para se referir à figura de um povo insurreto.

Mas, principalmente, militares brasileiros estão associados ao uso da força para o silenciamento das consequências da miséria e do descaso. Faz-se necessário lembrar disso mais uma vez pois o que estamos a ver nessa pandemia, a catástrofe humanitária que a gestão das Forças Armadas produziu, não é um acaso. É a consequência necessária da maneira com que os militares sempre lidaram com a morte da sua própria população. Longe de procurar “proteger” as populações, suas ações sempre se deram no sentido de lembrar aos setores vulneráveis da população brasileira de que eles são matáveis sem dolo e sem imagem. É isso que as Forças Armadas estão a fazer mais uma vez com sua gestão criminosa e omissa em relação à pandemia.

Em menor escala, isso já ocorreu entre nós outras vezes. Que se lembrem dos espaços de silêncio da história brasileira. Lembremos, por exemplo, da natureza da violência estatal para confinar e deixar morrer populações em crises de seca. Foi no Ceará, entre 1915 e 1932, que o Brasil conheceu campos de concentração (sim, esse foi inclusive o termo usado à época) criados em cidades como Senador Pompeu, Ipu, Quixeramobim, Crato e Cariús, destinados a impedir que os flagelados da seca chegassem à capital. Campos nos quais se confinavam milhares de retirantes e se morria em massa por descaso, omissão e indiferença. E vejam que coincidência, o número de mortes é ainda hoje incerto (estimam-se só no Patu, em Senador Pompeu, até 12.000 mortes sem certidão de óbito e em vala coletiva). Ou seja, esse é de fato o modus operandi das Forças Armadas.

Contra a revolta de setores da sociedade diante de tal descaso, as Forças Armadas agora ameaçam o país com um estado de defesa, que suspenderia certas garantias institucionais, e que seria a forma efetiva de um autogolpe de Bolsonaro. No momento em que até tal carta é colocada sobre a mesa, o país não pode mais ser leviano em relação ao impeachment daquele que ocupa atualmente a presidência da república. Há sob sua responsabilidade direta uma somatória de crimes de omissão, de responsabilidade, de incentivo a comportamento que resultaram em um verdadeiro genocídio da população brasileira. Nenhum presidente da república tem tantas razões para ser afastado, julgado e encarcerado quanto o senhor Jair Bolsonaro.

Há um ano, vários foram os que insistiram que a única saída seria o impeachment. Naquela ocasião, não faltaram os que disseram que clamar por um impeachment era colocar a política à frente das exigências imediatas de gestão. Disseram que era importante obrigar o Governo a atuar contra a pandemia, ao invés de dispersar forças em um pedido de impeachment. A história demonstrou, no entanto, que não havia possibilidade alguma de levar Bolsonaro a gerir a pandemia. Ao contrário, ele não desprezou ocasião alguma para colaborar efetivamente para a situação na qual nos encontramos agora, com a população brasileira em estado de máxima vulnerabilidade, insuflando a indiferença em relação à morte e à ausência de proteção efetiva por parte do Estado.

Tudo isso demonstra como há de se lembrar, mais uma vez, que a única saída é o impeachment. E àquelas e àqueles que esqueceram, impeachment se conquista através da ocupação das ruas e do bloqueio das atividades. Os que têm privilégios ligados à segurança fornecida pelo acesso a serviços privados de saúde deveriam usar tal privilégio e forçar o fim deste Governo através da ocupação das ruas. Essa é a única coisa realmente concreta que podemos fazer para defender o país contra a pandemia. E só a certeza da existência dessa força popular que fará as Forças Armadas ocuparem seu único e verdadeiro lugar: esse caracterizado pelo afastamento da vida política nacional, o silêncio em relação à política e o retorno aos quartéis. Um pretenso Governo Mourão, por ser fruto da pressão popular, já nasceria natimorto. Isso até que consigamos enfim uma sociedade que não precise mais de Forças Armadas, pois se defende a si mesma.

Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.


Ligia Bahia: Poucas vacinas na mão

Num contexto de esforços para o acesso universal, pega muito mal comprar um lote particular com valores sujeitos a ágio

Primeiro, a boa notícia. Os resultados de estudos realizados em Israel, que já vacinou 75% dos idosos e 25% da população, evidenciam que a chance para teste positivo para Covid-19 é muito menor entre os imunizados. O impacto positivo da vacinação permite prever a redução das internações e mortes. Ainda é cedo para prever a eficácia na prevenção da infecção. Vai demorar para determinar se as pessoas vacinadas deixam de transmitir o vírus, mas já dá para comemorar. A segunda informação é que foram detectadas variantes (mutações) do agente biológico que causa a doença, inclusive no Brasil. Há evidências de que as vacinas conseguem atuar sobre essas linhagens. Mas o país ainda conta com poucas vacinas e doses. A vacina funciona. Porém atrasos de entrega e escassez são obstáculos para o recuo da transmissão.

O Brasil tem duas vacinas e distribuiu 8, 8 milhões de doses (6,8milhões pelo Butantan e 2 milhões pela Fiocruz). Cada pessoa necessita de duas doses, e os produtos distintos não admitem intercâmbio. É possível alongar para três meses o tempo entre o recebimento da primeira e da segunda dose da vacina denominada Oxford-AstraZeneca. Incertezas sobre prazos e quantidades a ser entregues ocorrem em todo o mundo. Mas aqui estamos fazendo as contas de trás para frente. O rateio para estados e municípios, a cada remessa de cada vacina, impede a elaboração de um cronograma e a distribuição racional de cada vacina.

Somando 5.400 litros do insumo da CoronaVac (mais 5 a 8 milhões de doses) ainda nesta semana e 10 milhões de doses da Oxford ao longo de fevereiro, não dá para vacinar o primeiro grupo prioritário definido pelo Ministério da Saúde, 15 milhões de pessoas, com duas doses. A carência estimula improvisos e fura-filas. O cronograma de vacinação foi substituído pelo acompanhamento do embarque e desembarque de aeronaves com vacinas. A ausência de um plano de vacinas, incluindo pesquisas e investimentos na produção e compras antecipadas, também condiciona preços. Estamos pagando mais que a Índia e a União Europeia por vacinas testadas no país.

O governo federal, imerso em sua bolha de cloroquina, foi incapaz de inserir o país no cenário global de disputas por vacinas. Decidiu criticar “vendedores”, em vez de diversificar encomendas. Optou pela cota mínima da iniciativa Covax Facility, vinculada à Organização Mundial da Saúde. Assumiu posição contrária ao questionamento da Índia e da África do Sul sobre patentes de vacinas na Organização Mundial do Comércio. A nova bolha, a conformada pela propaganda do Brasil como país que mais vacina e tem menos óbitos, furou antes do lançamento. Empresários preocupados com a velocidade da vacinação duvidaram da veracidade do céu de general desenhado pelo ministro da Saúde.

Grandes empresas sugeriram doar para o SUS, a exemplo dos fundos internacionais; outro grupo propôs a aquisição de cerca de 30 milhões de doses repartidas em cotas-partes públicas e privadas. Entre a modernidade e a segmentação social, o Ministério da Saúde errou de novo, ao dar aval ao modelo cercadinho VIP, compra de primeiros lugares na fila. A tentativa de estabelecer duas portas de entrada para a vacinação por meio da aquisição de insumos por entes privados é anticientífica e imoral. A definição de quem será vacinado se apoia em critérios epidemiológicos. A capacidade direta ou indireta de pagamento por ações de saúde é um parâmetro inaceitável em crises sanitárias. Num contexto global de esforços para o acesso universal, pega muito mal comprar um lote particular com valores sujeitos a ágio.

Precisamos superar a ideia de que o único acordo que temos é estar em desacordo. Seria o máximo do fundamentalismo supor que nada diferente acontece durante e após mais de 215 mil mortes por Covid-19, que tudo está fixo, que as relações sociais, inclusive de propriedade, não podem estabelecer outras interações e adquirir novos significados. Está dentro de nossas possibilidades sair da pandemia com um sistema de saúde público vinculado a uma base científica e industrial que torne sustentável a prevenção de doenças e atendimento com dignidade aos pacientes.


Correio Braziliense: Lira crê em vitória no primeiro turno; Maia aposta em virada final

Aliados do candidato apoiador por Bolsonaro estimam que conseguirão aproximadamente 300 votos. Para isso, contam com diversas traições entre os partidos que apoiam Baleia Rossi

Jorge Vasconcellos e Wesley Oliveira, Correio Braziliense

Faltando menos de uma semana para a eleição da Mesa Diretora do Legislativo, aliados do deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato à presidência da Câmara, apostam na vitória no primeiro turno. A eleição ocorre em 1º de fevereiro e, para vencer, o postulante precisa reunir no mínimo 257 votos entre os 513 parlamentares.

O grupo do candidato do Progressistas e líder do Centrão estima ter 300 votos no primeiro turno. O bloco de Lira é composto por 11 partidos, que, juntos, somam 230 deputados. Seus aliados apostam nas “traições” contra Baleia Rossi (MDB-SP), principal adversário na disputa.

A maioria dessas dissidências, segundo apoiadores do deputado alagoano, deverá ocorrer na bancada do Democratas, partido do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), padrinho da campanha de Rossi. Dos 29 deputados do DEM, cerca de 18 já teriam sinalizado apoio a Lira. Entre eles, os deputados Elmar Nascimento (BA) e Luís Miranda (DF).

O presidente do DEM, ACM Neto, e a bancada de cinco deputados da sigla na Bahia estiveram, ontem, reunidos com Lira. Os parlamentares baianos sinalizaram que pretendem apoiar o nome do Centrão, o que foi visto como um atrito entre o ex-prefeito de Salvador e Maia dentro da cúpula do partido.

Apesar disso, o presidente da Câmara minimizou o encontro e, mais uma vez, reforçou que Lira é o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro. “Esse jogo que a candidatura patrocinada pelo presidente da República faz, é um jogo que nunca vi aqui na Câmara, de trabalhar para criar conflito interno dentro dos partidos. Todo mundo, aqui, tem maturidade. O DEM estará no bloco (de Baleia), é isso que o ex-deputado e ex-prefeito ACM Neto vai informar ao deputado Arthur Lira. Falei com ele mais cedo, que o partido vai formar parte do bloco do deputado Baleia”, disse Maia.

Aliados do emedebista e do presidente da Câmara no DEM afirmam que as dissidências na bancada devem chegar a oito, incluindo os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Tereza Cristina (Agricultura), que pedirão exoneração dos cargos para a votação. Ambos são deputados licenciados de seus mandatos.

Além do DEM, o PSDB é outro partido que está no bloco de Baleia, mas que poderá render uma boa quantidade de votos para o candidato do PP. O partido soma 33 votos, mas Lira deverá receber a chancela de 15 parlamentares tucanos. Além disso, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) lançou seu nome na disputa de forma independente.

Tebet expõe compromisso para gestão do Senado

Os candidatos à Presidência do Senado Simone Tebet (MDB-MS) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) aprofundaram as articulações para atrair apoios. Ela protocolou, ontem, uma carta-compromisso dirigida aos colegas em que prega a união de forças no apoio ao plano nacional de vacinação contra a covid-19 e defende a aprovação de reformas importantes para o país enfrentar a crise. A parlamentar também se comprometeu a “assegurar a soberania do plenário, com a participação democrática de cada uma das senadoras e dos senadores” e “democratizar a deliberação das pautas, com implantação efetiva e representativa do Colégio de Líderes”. Até o momento, Pacheco, que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, é apontado como favorito na disputa, contando com o apoio de nove partidos (DEM, PSD, PP, PL, PT, PDT, Republicanos, Pros e PSC), que reúnem 41 parlamentares. Tebet, por sua vez, conta com apoios do MDB, Podemos, Cidadania e PSB, que somam 28 senadores.

Enquanto os aliados do deputado Arthur Lira (PP-AL) estão otimistas com a vitória no primeiro turno, o grupo de Baleia Rossi (MDB-SP) acredita na vitória no segundo turno. O bloco do emedebista conta com 11 partidos, que somam 238 votos, mas estima-se que ele deverá receber cerca de 220 votos.

Mesmo sem o número mínimo para vencer a disputa, a pulverização de candidatos –– nove nomes estão na disputa até o momento –– deverá fragmentar as escolhas no primeiro turno, fazendo com que Lira não alcance os 257 votos necessários. Com isso, os aliados afirmam que será possível virar contra o deputado do PP. O PSol, que lançou Luiza Erundina (SP) na disputa, se juntaria às demais legendas da oposição na campanha por Baleia.

Segundo aliados de Rossi, muitos deputados que estão no bloco partidário de Lira pretendem votar em Baleia, no entanto, não pretendem declarar voto por medo de represálias por parte do governo. Durante a campanha, a articulação do Palácio Planalto sinalizou liberação de emendas e distribuição de cargos para os parlamentares que embarcassem na candidatura de Lira.

“Nossas projeções caminham para um segundo turno, no qual Baleia termina o primeiro turno em primeiro lugar. Acho que, hoje, pelas nossas projeções, Baleia já passou a ser favorito”, estimou Rodrigo Maia. Ele projeta que seu candidato tem, atualmente, 230 votos e disse que Lira teria menos de 200, perdendo espaço para o candidato avulso Fábio Ramalho (MDB-MG).

O presidente da Câmara voltou a criticar a decisão dos aliados de líder do Centrão de fazer a eleição de forma presencial. Ele disse que deputados de grupo de risco da covid-19 estão preocupados, mas que não há mais tempo para preparar o pleito para um sistema híbrido.

“Alguns deputados que estão no grupo de risco me mandaram mensagem, questionando, preocupados. Qualquer servidor ou deputado que esteja no grupo de risco, e venha a ser contaminado saindo da sua cidade para cá, e tenha algo mais grave, quero deixar claro que essa responsabilidade não é minha e não será minha porque votei contra”, salientou.

Maia também criticou a decisão de fazer a eleição para a Presidência da Câmara em 1º de fevereiro –– defendia que fosse dia 2. Para ele, isso fará com que a votação ocorra por volta das 21h30, já que os blocos partidários devem ser registrados no mesmo dia.


O Estado de S. Paulo: Líderes religiosos reforçam pressão por impeachment de Bolsonaro

Representantes católicos e evangélicos decidem formalizar na Câmara um pedido de afastamento do presidente, por negligência na condução da pandemia de covid-19

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Líderes evangélicos e católicos vão aumentar a pressão pela abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Em um movimento que será apresentado como uma “frente de fé”, um grupo de religiosos formalizará nesta terça-feira, 26, na Câmara dos Deputados, um pedido de afastamento de Bolsonaro, sob o argumento de que ele agiu com negligência na condução da pandemia de covid-19, agravando a crise. É a primeira vez que representantes desse segmento encaminham uma denúncia contra o presidente por crime de responsabilidade.

pedido de impeachment é assinado por religiosos críticos ao governo. Na lista estão padres católicos, anglicanos, luteranos, metodistas e também pastores. Embora sem o apoio formal das igrejas, o grupo tem o respaldo de organizações como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, a Comissão Brasileira Justiça e Paz da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e a Aliança de Batistas do Brasil.

“Uma parcela da igreja deu um apoio acrítico e incondicional ao Bolsonaro independentemente do discurso que ele defendia. Queremos mostrar que a fé cristã precisa ser resgatada e que a igreja não é um bloco monolítico”, disse ao Estadão/Broadcast o teólogo Tiago Santos, um dos autores do pedido de impeachment.

As falhas do governo durante a crise do coronavírus, na esteira de idas e vindas sobre a importação de vacinas da China e da Índia, elevaram a temperatura política. Partidos de esquerda como PT, PDT, PSB, PSOL e PCdoB, além da Rede, também vão protocolar na Câmara, nesta quarta-feira, 27, um outro pedido de afastamento de Bolsonaro, desta vez com o mote “Pelo impeachment, pela vacina e pela renda emergencial”. As siglas adiaram a formalização da denúncia, antes prevista para esta terça-feira, justamente a pedido dos religiosos, que temiam confusão entre os dois movimentos.

“A palavra é ‘emergencial’. O que é emergencial? Não é duradouro, vitalício. Não é aposentadoria. Lamento muita gente passando necessidade, mas a nossa capacidade de endividamento está no limite”, afirmou Bolsonaro, nesta segunda-feira, 25, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada.



Em uma aliança que juntou partidos de esquerda à centro-direita, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também tomou a frente de um movimento que pode ser a prévia da nova articulação para tentar derrotar Bolsonaro em 2022, quando ele pretende disputar a reeleição.

A decisão de dar ou não o pontapé inicial no impeachment cabe ao presidente da Câmara, que também pode engavetar os pedidos – desde o início do mandato de Bolsonaro foram protocoladas 61 ações desse tipo contra ele, das quais 56 estão ativas.

O Palácio do Planalto faz campanha para emplacar o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão, na cadeira de Maia, com a expectativa de que, nesse cenário, uma denúncia contra ele não avançará no Congresso. Adversário de Lira, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo presidente da Câmara, promete analisar “com equilíbrio” os pedidos de afastamento de Bolsonaro se vencer a disputa. A eleição que vai renovar as cúpulas da Câmara e do Senado está marcada para 1º de fevereiro. 

No pedido que será formalizado nesta terça, os líderes religiosos acusam o presidente de agravar a crise do coronavírus e, consequentemente, o número de mortes. Para eles, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e desrespeitou princípios constitucionais e o direito à vida e à saúde. Mais de 200 mil pessoas já morreram em decorrência de covid-19.

Declarações de Bolsonaro durante a pandemia, como chamar o novo coronavírus de “gripezinha”, são citadas no pedido de impeachment a ser apresentado pelos religiosos. “As ações e omissões de Jair Bolsonaro, que seguem em repetição e agravamento, levaram e seguem levando a população brasileira à morte e geraram danos irreparáveis. Isso é crime de responsabilidade. Crime contra os direitos e os princípios constitucionais mais primários: à vida e à saúde”, diz a peça.

O bispo primaz da Igreja Anglicana do Brasil, Naudal Alves Gomes, a presidente da Aliança de Batistas do Brasil, Nívia Souza Dias, e os teólogos Lusmarina Campos Garcia, Leonardo Boff e Frei Betto também estão entre os signatários da ação. 

A posição desses líderes vai na contramão de pastores evangélicos que defenderam a eleição de Bolsonaro, em 2018, e integram a base de apoio ao governo. Entre os defensores do chefe do Planalto estão Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, José Wellington Bezerra da Costa, da Assembleia de Deus Belém, Edir Macedo, da Universal do Reino de Deus, e R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus.

Durante a crise, Bolsonaro chegou a ser cobrado por esses aliados para reagir a decretos de prefeitos e governadores que determinaram o fechamento de igrejas, em função do isolamento social necessário para evitar a covid-19. 

Pastores pediram ao presidente que investisse na vacinação em massa para que o País voltasse às atividades econômicas. Sem cultos nos templos, que estão fechados, a arrecadação também cai para essas igrejas.

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Alon Feuerwerker: Lacrou

Agora, quando a pandemia dá sinais de pretender durar mais tempo que o inicialmente projetado, e quando os efeitos globais mais abrangentes da vacinação estão previstos apenas para o final deste ano, governos e sociedades veem-se às voltas com a pergunta clássica: o que fazer?

No cenário utópico, a vida social seria congelada até atingir-se a taxa de imunes que inviabilizaria a circulação viral. Porém, dado ser uma impossibilidade prática, governantes são empurrados a fazer algo, qualquer coisa, mesmo que apenas para dizer que estão fazendo.

Por enquanto, quem lidera a corrida dos factoides é o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, que enfrenta em março (mais) uma dura eleição. Na era da lacração, ele literalmente decidiu lacrar o país por uma semana. Ninguém entra. Para evitar a chegada de novas variantes do SARS-CoV-2, diz (leia).

Como não há estudo científico que preveja o desaparecimento delas daqui a algumas semanas, depreende-se que o movimento de Bibi (apelido dele) é para dar uma freada que lhe permita chegar no dia da urna com números não tão ruins.

Israel é líder mundial em vacinação, mas o resultado não é imediato. Nem seria sensato esperar uma solução instantânea. E Israel acaba de passar o Brasil na taxa de novas mortes proporcionalmente à população.

Depois de ultrapassada a eleição, aí será menos custoso dar a real ao eleitor, como aliás fez estes dias Joe Biden. Na campanha, ele dissera "ter um plano" (sempre lembro do filme "Parasita" quando alguém diz ter um plano). Agora informa que nada pode mudar a trajetória da pandemia nos EUA nos próximos meses (leia). 

E isso porque lá se está vacinando em massa. Como aliás deve mesmo ser feito. Mas sem enganar o povo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Luiz Carlos Mendonça de Barros: A covid 19 contra-ataca

No curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres

Confesso ao leitor do Valor que meu otimismo estrutural com a ação do ser humano diante de uma crise grave que atinge, de tempos em tempos, nossa sociedade está sendo fortemente questionado neste início de 2021. Esperava eu que com o início da vacinação em grande número de países, a crise da saúde - e sua derivada econômica - poderiam continuar a ser enfrentadas com as armas hoje à disposição de governos e sociedade. Com a redução das medidas de afastamento social testadas ao longo de vários meses e as medidas de natureza keynesianas implantadas na maioria das economias de mercado, a profunda recessão que se seguiu foi controlada e, nos últimos meses de 2020, iniciamos a volta de um ciclo econômico de normalidade.

Os dados econômicos conhecidos até o mês de novembro mostram uma recuperação em V com o braço ascendente da curva da atividade econômica na maioria dos países chegando quase ao mesmo nível de março passado, quando a crise chegou aos mercados mais importantes do mundo. Apenas os indicadores das atividades do setor de serviço - principalmente as de refeições fora do domicílio e mobilidade aérea - tiveram uma recuperação mais lenta e terminaram 2020 bem abaixo de antes do início da crise.

Meu otimismo com 2020/2021 vinha exatamente da abrangência das medidas econômicas implantadas pelos governos nacionais e da certeza que as reações dos agentes econômicos diante de tantos estímulos fiscais que chegaram a mais de 10% do PIB e uma postura altamente expansionista dos Bancos Centrais seria a de acelerar seus negócios.

Me ajudou muito, na compreensão do que iria acontecer, o acompanhamento da crise vivida pelos Estados Unidos em 2008 e que, posteriormente, se transformou em uma depressão mundial que durou quase dez anos. A recessão da covid-19, pelas suas características particulares, me parecia ser ainda mais fácil de ser superada pelas ações de política fiscal e monetária tomadas rapidamente pelas autoridades econômicas. Em 2008, pelas circunstância das eleições americanas e de um novo governo democrata, apenas em 2010 é que as primeiras medidas para enfrentamento da recessão foram implantadas. Além disto, em 2008 tivemos uma crise bancária de grandes proporções nos Estados Unidos o que sempre torna muito mais difícil a volta da confiança aos mercados e a recuperação da atividade econômica.

Este modelo de recuperação da recessão econômica que tracei em função da teoria econômica disponível e do acompanhamento por vários anos dos acontecimentos vividos entre 2008 e 2020 tinha, entretanto, uma falha grave. Não incorporava os riscos associados a uma pandemia como vivíamos, por falta de conhecimento meu e da grande maioria dos analistas que serviam como referência para seu acompanhamento. Não tínhamos conhecimento de uma pandemia da natureza que estamos vivendo e as referências já conhecidas como a da Saar em 1997 - e que provocou a crise econômica conhecida como “crise da Asia” - se revelaram enganosas pela rapidez como foi superada.

Em 1998 a economia mundial já tinha se recuperado da curta recessão vivida e os negócios no mundo tinham voltado à plena atividade. Dou aqui um exemplo marcante deste fato pois fui o responsável pela maior privatização já realizada na América Latina - 12 empresas do sistema Telebrás - em junho de 1998 pelo valor de US$ 20 bilhões.

Esta diferença entre uma pandemia geograficamente mais localizada como foi a Saar - embora da mesma natureza viral como a covid-19 - e a que estamos vivendo é um alerta grave para o potencial destruidor que as crises provocadas pela Natureza podem ter sobre a Humanidade. Mesmo com o potencial cientifico que acumulamos hoje, o arsenal de uma natureza agredida pode se revelar muito maior.

A violência como o vírus da covid-19 contra-atacou uma sociedade acostumada com uma liberdade quase sem limites para organizar suas cadeias de negócios, como se a distância entre mercados e empresas espalhadas pelo mundo não existisse, foi a arma mais poderosa que a covid-19 encontrou para se espalhar pelo mundo. Por outro lado, a incrível capacidade que mostra o vírus para mudar sua natureza é uma advertência vigorosa para a dimensão de seu potencial destruidor.

Hoje a dúvida se uma vacina identificada e testada vai servir para qualquer nova mutação do vírus assusta a todos, mas principalmente os cientistas do setor. A mensagem a toda a humanidade está feita e cabe agora aos governos nacionais o desenvolvimento não só de programa de vacinações com o material que temos hoje, mas, principalmente, de um sistema logístico com um protocolo protetor de outra natureza.

No curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres para acomodar uma nova rodada de isolamento social, talvez até mais intenso do que já vivemos entre março e junho de 2020. Mesmo que isto cause calafrios nos economistas que formam hoje o pensamento dominante nos mercados financeiros.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Andrea Jubé: As pedras no caminho para 2022

Rachados, DEM e PSDB serão fiéis da balança na Câmara

À medida que se aproximam “o dia D e a hora H” da eleição para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, fica claro como o espelho d’água do Congresso o vínculo entre a disputa no Legislativo e a sucessão presidencial.

O empecilho ao sucesso dessas articulações temporãs é a pedra no meio do caminho, para usar uma metáfora de Drummond. Atiraram a pedra no espelho d’água, e agora a turbulência pode afundar o barco das alianças para 2022, num cenário em que PP, DEM, PSDB e MDB querem ser os timoneiros.

O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), já expressou o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro em uma coligação precoce que agrega o PL de Valdemar Costa Neto. O enlace é o pano de fundo do apoio do Palácio do Planalto à candidatura do líder do PP, Arthur Lira (AL), à presidência da Câmara.

Nogueira armou-se até os dentes para eleger Lira, enquanto em paralelo blinda Bolsonaro de um hoje remoto avanço do impeachment.

No último domingo, Nogueira, que não é ativo nas redes sociais, foi ao Twitter para interferir em um debate entre Lira e Baleia Rossi (MDB-SP) sobre a disposição do vencedor da eleição em pautar o impeachment.

Lira acusa Baleia de prometer ao PT a abertura do processo, se for eleito. E o emedebista questiona Lira quanto a um eventual compromisso com o Planalto de engavetá-lo.

“Seria bom que o candidato Baleia Rossi afastasse mais uma das inúmeras dúvidas que o cercam: existe de fato um compromisso dele em pautar um pedido de impeachment, ou ele pode chamar isso claramente de mentira da Gleisi [Hoffmann], presidente do PT?”, cobrou Nogueira, advogando para Bolsonaro.

No campo adversário, no entorno do governador de São Paulo, João Doria - pré-candidato do PSDB à sucessão de Bolsonaro - a percepção é que prioridade máxima agora é arregaçar as mangas para eleger Baleia. O projeto de Doria contempla uma coligação de apoio à sua candidatura liderada por DEM e MDB.

Para aliados de Doria, a eleição de Lira ampliaria exponencialmente a influência de Bolsonaro no Legislativo, com hegemonia das pautas de seu interesse nas duas Casas. Nessa contabilidade, o Senado já aparece comprometido com o Planalto sob Davi Alcolumbre (DEM-AP). E assim permaneceria sob Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - se o favoritismo do mineiro se confirmar.

Na Câmara sob Lira, a reforma tributária, bandeira do MDB, DEM e PSDB, perderia o protagonismo para outras pautas anunciadas pelo progressista, como a PEC Emergencial e a reforma administrativa.

Além disso, o comando da Câmara é estratégico pela atribuição pela abertura do impeachment. Ainda que o julgamento ocorra no Senado, na verdade, se os deputados afastarem o presidente do cargo, dificilmente ele reassume a cadeira.

É nessa conjuntura que a eventual vitória de Baleia Rossi aquece as articulações pela consolidação de um bloco que reúna PSDB, DEM e MDB em 2022. O MDB se comprometeria a não lançar candidatura própria. Em troca, teria o respaldo de DEM e PSDB à recondução do emedebista à presidência da Câmara.

A pedra - quiçá, paralelepípedo - no caminho desses planos é o racha interno no DEM e no PSDB. Por causa dessa divisão, as duas bancadas despontam como fiéis da balança na disputa pelo comando da Câmara. Estimam-se 20 votos de dissidentes para lá, ou para cá. A depender da destinação desses apoiamentos, o embate pode ir para o segundo turno.

Ontem os times de Baleia e Lira celebraram vitórias relevantes. Baleia comemorou o compromisso da bancada petista de entregar todos os 57 votos, zerando a dissidência concentrada nos paulistas.

Mas a festa do líder do PP teve gosto de fel para o grupo de Baleia e de seu maior cabo eleitoral, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Ontem Lira foi recebido em Salvador (BA) pelo presidente do DEM, ACM Neto, expondo um racha na cúpula partidária. Segundo apuração dos repórteres Raphael di Cunto e Marcelo Ribeiro, seis deputados baianos declararam apoio a Lira: cinco do DEM e um do PSDB.

Essa agenda implica, em contrapartida, os sete votos do PP no Senado no candidato do DEM, Rodrigo Pacheco.

A leitura desse movimento nos bastidores é de que ACM Neto investiu todas as fichas na eleição do Senado, para garantir a permanência do comando do Senado na cota do DEM.

É nesse contexto que as planilhas dos grupos de Baleia e Lira se debruçam com atenção redobrada sobre os votos do DEM e PSDB. No time de Lira, a expectativa ontem era de 19 defecções a seu favor dos 33 deputados tucanos. Na planilha de Baleia, as traições no PSDB não passam de dez.

No DEM, o time de Lira contabiliza 22 deputados com ele, dos 32 da bancada de Rodrigo Maia. Em contrapartida, Maia e Baleia somam 29 votos do DEM, com quatro dissidentes.

Essa divisão conturba os planos para 2022, porque um grupo de deputados tucanos que apoia Lira prefere o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), em um projeto presidencial - na cabeça de chapa, ou como vice em uma chapa competitiva.

Doria, revigorado pela entrega da CoronaVac, mesmo assim, tem praticamente uma avalanche no caminho do projeto. Além do racha no próprio partido, há o projeto de poder do DEM.

Com três governadores, o partido de ACM Neto e Rodrigo Maia foi o que mais cresceu na eleição municipal entre os seis maiores (MDB, PP, PSD, PSDB, PT e PSL), e elegeu prefeitos de quatro capitais. Por isso, o DEM resiste a repetir o papel de vice do PSDB, e articula uma candidatura própria.

O plano A do DEM é filiar Luciano Huck. Se não prosperar, há o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta no radar, em uma aliança que reuniria MDB, Podemos e Cidadania.

Mas a pedra no caminho do DEM é o projeto de eleger o atual vice-governador Rodrigo Garcia como sucessor de Doria em 2022 - hoje, a prioridade zero de ACM Neto. Uma articulação que pode degringolar se não contar com o apoio de Doria a Garcia.


Cristina Serra: Pandemia e barbárie

Solidariedade. É disso que mais precisamos

A tragédia humanitária e sanitária em que estamos mergulhados nos confronta com uma crise ética e civilizacional de igual gravidade. Estamos todos perdendo com a negligência criminosa do governo. Mas quem tem dinheiro acha que pode contornar a demora na imunização passando à frente dos que deveriam estar em primeiro lugar: profissionais de saúde, idosos e quem tem comorbidades.

No começo deste mês, soube-se que clínicas privadas negociavam diretamente com uma farmacêutica na Índia a compra de vacinas, alegando tratar-se de ação complementar ao SUS. Agora, a coluna Painel informa que grandes corporações negociam com o Ministério da Saúde a compra de doses no exterior.Metade seria entregue ao SUS, metade ficaria para funcionários das empresas e seus parentes.Cientistas renomados tem insistido que vacinação é estratégia coletiva, que só dá resultados quando aplicada em larga escala. Ninguém está a salvo do vírus individualmente ou em pequenos nichos. No Império, o voto era "censitário", de acordo com a renda do cidadão. Agora, estaríamos diante da vacina "censitária". Uma ilusão que só agravaria a desigualdade realçada pela pandemia.

Do ponto de vista ético, a generosidade de Albert Sabin deveria ser o nosso norte neste momento. O cientista renunciou aos direitos de patente da gotinha contra a poliomielite, o que permitiu proteger milhões de crianças no mundo inteiro. Solidariedade. É disso que mais precisamos.

Não se trata de demonizar o setor privado, que pode ajudar de muitas outras formas, como em logística, armazenamento e transporte. Desde que suas ações reforcem a política pública e não concorram com ela. As empresas não confiam na capacidade do governo federal? Procurem os governos estaduais, que podem e devem mobilizar suas estruturas e capilaridade.

Contra o coronavírus, já temos vacinas. Precisamos, desesperadamente, de um antídoto contra a barbárie.


Hélio Schwartsman: O ponto de virada pelo impeachment

Os próximos dias dirão se a mudança de humor veio para ficar

Na última coluna em que defendi o impeachment de Bolsonaro, dia 11, eu pregava para convertidos. Em duas semanas, a maré virou, e a possibilidade de afastamento do presidente se tornou o grande tema nacional. O que houve nesses 15 dias?

A mudança não se deu no panorama geral. A inadequação do presidente e de seu governo, consubstanciada na sucessão de eventos passíveis de enquadramento como crime de responsabilidade, já estava presente.

Também já estavam em curso fenômenos que sabíamos que afetariam negativamente a popularidade da gestão, como o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da epidemia. Ainda que tenham contribuído para a mudança, esses fatores não são bons candidatos a "tipping points" (pontos de virada).

O que surgiu de novo na última quinzena foram os relatos de pacientes morrendo por asfixia em Manaus, devido à incompetência do governo em assegurar estoques adequados de O2, e a constatação de que, também por culpa do governo, o Brasil só conseguiu uma quantidade mínima de vacinas.

Enquanto países que se prepararam, como Israel e o Reino Unido, já imunizaram coortes importantes da população e podem estar colhendo os frutos em termos de redução das hospitalizações, no Brasil não conseguimos doses nem para inocular os profissionais de saúde que lidam diariamente com a doença.

Ambas as "novidades" reúnem atributos de "tipping points" poderosos, que falam diretamente a nossos cérebros. A história de Manaus cutuca nosso medo ancestral de morrer por asfixia. A das vacinas apela a uma realidade alternativa muito desejada que só não se concretizou porque alguém (Bolsonaro) fez uma terrível besteira.

Os próximos dias dirão se a mudança de humor veio para ficar ou se não passa de um soluço. De qualquer forma, erra quem acredita que o apoio do volúvel centrão é proteção suficiente contra uma virada genuína da opinião pública.


Rubens Barbosa: Notas sobre a carta de Bolsonaro a Biden

Importante entender as entrelinhas. Não vai ser fácil o diálogo entre os dois governos

A carta do presidente Bolsonaro enviada a Joe Biden por ocasião da posse como presidente dos EUA, na forma, parecia ter sido escrita pelo velho Itamaraty ao descrever a relação entre os dois países. Os comentários sobre os valores compartilhados, as coincidências e os avanços recentes refletem as posições do atual Itamaraty durante o governo Trump e estão longe de poder ser associadas ao governo Biden, a menos que o texto indique uma bem-vinda correção de rumos na política externa brasileira… Importante é entender o que está nas entrelinhas da correspondência presidencial.

Uma primeira observação esclarecedora diz respeito à referência de que o atual governo “corrigiu os equívocos de governos brasileiros anteriores, que afastaram o Brasil dos EUA, contrariando o sentimento de nossa população e os nossos interesses comuns”. Como embaixador em Washington nos governos FHC e Lula (1999-2004), devo dizer que recebi diretamente dos dois presidentes instruções precisas para manter e ampliar as relações bilaterais, o que foi feito com resultados muito concretos para o Brasil durante os cinco anos em que lá permaneci. O posterior predomínio de considerações partidárias a partir de certo momento no governo Lula e no governo Dilma realmente afetou o relacionamento entre os dois países, como tive ocasião de prever e registrar em meu relatório final de gestão. A normalidade e o tratamento construtivo na relação entre os dois países foram retomados em seguida, com o governo Michel Temer.

A afirmativa de que “os empresários de nossos dois países têm interesse em um abrangente acordo de livre-comércio” exagera a vontade empresarial quanto a esse acordo amplo (como se vê pela relutância em avançar as negociações com a Coreia do Sul em decorrência da baixa competitividade brasileira), bem assim quanto à disposição do governo de Washington, que não tem nem mandato do Congresso, nem interesse em abrir negociações com o Brasil.

Nas organizações econômicas internacionais, a carta diz que “o Brasil está pronto para continuar cooperando com os EUA para a reforma da governança internacional. Isso se aplica, por exemplo, à OMC, onde queremos destravar as negociações e evitar as distorções de economias que não seguem as regras de mercado”. Essa ação proposta por Trump, e que deverá ser mantida por Biden, visa a atingir a China, não considerada pelos EUA como economia de mercado. Apoiada pelo Brasil até aqui, com base na coincidência com as políticas de Trump, vai continuar agora à luz da dependência do suprimento de vacinas e insumos chineses para combater a pandemia? O governo brasileiro vai mudar sua percepção negativa sobre o multilateralismo e seus efeitos maléficos sobre as nações e passar a apoiar a nova linha do governo Biden?

Resta saber se a afirmação de que “necessitamos também continuar lado a lado enfrentando as graves ameaças com que hoje se deparam a democracia e a liberdade em todo o mundo e que se tornam mais prementes no mundo pós-covid” será suficiente para justificar, apesar de tudo, convite ao Brasil para participar da grande conferência sobre democracia que Biden convocará neste ano.

O aspecto mais importante da correspondência se refere à “disposição a continuar nossa parceria em prol do desenvolvimento sustentável e da proteção do meio ambiente, em especial a Amazônia, com base em nosso Diálogo Ambiental, recém-inaugurado”. Em relação ao Acordo de Paris, “nota que o Brasil demonstrou seu compromisso com a apresentação de suas novas metas nacionais” e que, “para o êxito do combate à mudança do clima, será fundamental aprofundar o diálogo e aumentar a cooperação na área energética, visto ter o Brasil sido escolhido país líder para o diálogo de alto nível da ONU sobre Transição Energética”. A relevância desse trecho reside no fato de o Brasil ter dado o roteiro às demandas do governo Biden para que sejam apresentados resultados concretos na preservação da Amazônia (combate ao desmatamento, queimadas, garimpo ilegal e proteção das comunidade indígenas), conforme previsto pelo recém-firmado Diálogo Ambiental; para cobranças no aprofundamento das metas nacionais sobre redução de emissão de gases de efeito estufa, pois, contrariando o compromisso de 2015, ao invés de ampliar as metas, o governo promete emitir mais CO2 até 2030 e as condicionou a recursos externos, o que acarretou a exclusão do Brasil da Cúpula de Ambição Climática sobre mudança de clima; ao aceitar participar do Diálogo sobre Transição Energética, o Brasil será cobrado a apresentar propostas ambiciosas em políticas climáticas

O Congresso americano, com o novo governo, começou a rever o sistema geral de preferências para países em desenvolvimento, em que se prevê a exclusão de países que não implementarem políticas relacionadas às leis ambientais nacionais ou compromissos internacionais. Caso o Brasil seja excluído, empresas nacionais deixarão de exportar com tarifa zero mais de US$ 2,2 bilhões. Será mantida a decisão de o Brasil acompanhar os EUA e aprovar os princípios da política de rede limpa (clean network) para excluir empresas chinesas da concorrência para a instalação da plataforma 5G?

Não vai ser fácil o diálogo entre os dois governos.

*Presidente do IRICE