urna eletrônica
Câmara aprova em segundo turno volta das coligações, e texto vai ao Senado
Apesar de Pacheco afirmar não ter visto apoio à medida entre senadores, ele se comprometeu com Lira a levar proposta a votação
Ranier Bragon e Danielle Brant / Folha de S. Paulo
A Câmara dos Deputados concluiu na noite desta terça-feira (17) a votação da reforma eleitoral que retoma a possibilidade de coligações nas eleições para deputados e vereadores, além de colocar na Constituição amarras ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O segundo turno da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foi aprovado por 347 votos a 135. Por se tratar de mudança na Constituição, era preciso haver votos de ao menos 308 dos 513 deputados. Agora, o texto segue para o Senado.
Para valer para as eleições de 2022, as mudanças têm que ser promulgadas até o início de outubro deste ano.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta terça ter obtido compromisso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de que a proposta não será engavetada.
"O Senado deve pautar [para votação], fez o compromisso de pauta. Agora, eu não posso, não devo e não vou me pronunciar sobre o que o Senado vai, no mérito, aprovar ou não. Os senadores decidem. Eu só pedi o respeito ao presidente Rodrigo Pacheco de, em a Câmara aprovando em segundo turno, pautar a PEC, mas sem compromisso nenhum de resultado", afirmou Lira.
Pacheco confirmou: "Em respeito à importância da matéria, vamos submetê-la à apreciação do Senado". Dias antes, o senador manifestou uma avaliação de que a proposta não será aprovada por lá.
A retomada das coligações entre os partidos para a eleição de deputados e vereadores está proibida desde o último pleito. Ela vai na contramão de regras que visam diminuir o leque das 33 siglas existentes hoje. O fim das coligações para a eleição ao Legislativo foi uma das medidas mais elogiadas pela ciência política nos últimos anos.
Partidos nanicos, sem representação significativa na sociedade e que funcionam muitas vezes como balcão de negócios, tendem a obter vagas no Legislativo apenas na união com siglas maiores.
Isso porque o sistema proporcional, hoje em vigor, distribui as cadeiras no Legislativo com base na votação total dada ao partido e aos seus candidatos. Um partido nanico ou pequeno tem chance maior de eleger representantes em conjunto do que isoladamente.
A proibição das coligações junta-se à cláusula de desempenho —que tira recursos das siglas com baixo desempenho nas urnas— na tentativa de dar maior racionalidade ao quadro político nacional.
Nas coligações, é comum também o eleitor votar, por exemplo, em um candidato defensor dos sem-terra e ajudar a eleger um ruralista, porque não raro siglas das mais diferentes ideologias se unem tendo em vista apenas as perspectivas de sucesso eleitoral.
As coligações foram aprovadas após acordo que sepultou, mais uma vez, a proposta de instituir o distritão nas eleições. Nesse modelo, são eleitos para a Câmara, Assembleias e Câmaras Municipais os candidatos mais bem posicionados. Os votos dados aos derrotados e os votos dados em excesso aos eleitos são desprezados.
O distritão fragiliza os partidos e tende a beneficiar políticos já bem posicionados ou celebridades.
Os deputados suprimiram um dispositivo que flexibilizava a cláusula de desempenho caso o partido conseguisse eleger ou tivesse pelo menos cinco senadores. Hoje, a regra prevê que é necessário eleger ao menos 11 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação.
Esse foi o caso da Rede em 2018, que teve uma votação muito ruim na Câmara, mas conseguiu eleger cinco senadores. Mesmo assim, ficou sem recursos e estrutura no Legislativo por causa da cláusula de barreira, que só leva em conta s votos dados aos candidatos a deputado federal.
A PEC aprovada em segundo turno nesta terça também altera a data de posse de presidentes da República (5 de janeiro) e de governadores e prefeitos (6 de janeiro), o que ocorre hoje no dia 1º de janeiro.
Um outro ponto da PEC estabelece que o voto dado a mulheres e negros terá peso duplo na definição da distribuição das verbas públicas —hoje o dinheiro é repartido de acordo com a votação que cada legenda tem na eleição para a Câmara dos Deputados.
A PEC impõe ainda amarras ao STF e ao TSE, colocando na Constituição a determinação que decisões suas que alterem regras eleitorais só podem valer na disputa se forem tomadas até um ano antes.
Esse trecho é uma antiga demanda dos congressistas, segundo quem o Judiciário tem extrapolado suas funções. Se esse ponto passar também no Senado, tende a ser judicializado.
O projeto ainda flexibiliza punições a partidos e dá mais liberdade para aplicação do dinheiro destinados por eles às suas fundações.
Além dessa proposta, a Câmara dos Deputados pretende votar projetos que visam alterar praticamente toda a legislação eleitoral e política do país, em uma reforma que, se entrar em vigor, será a maior da história desde a Constituição de 1988.
Projeto que pode ir a voto nas próximas semanas, relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), tem 372 páginas e 902 artigos.
Além de censurar a divulgação de pesquisas eleitorais até a antevéspera do pleito, a proposta enfraquece as cotas para estímulo de participação de mulheres e negros na política, esvazia regras de fiscalização e punição a candidatos e partidos que façam mau uso das verbas públicas e também tenta colocar amarras ao poder da Justiça de editar resoluções para as eleições.
O projeto de Margarete, aliada de Arthur Lira, pretende revogar toda a legislação eleitoral e estabelecer um único código eleitoral. Uma primeira tentativa de alteração nas regras eleitorais já foi rejeitada pela Câmara.
No dia 10 o plenário da Câmara rejeitou projeto de emenda à Constituição que pretendia exigir a impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica.
A medida era uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro. Desde antes de assumir, ele tem alimentado suspeitas contra as urnas eletrônicas, apesar de jamais ter apresentado qualquer indício concreto de fraude nas eleições.
Baseado nessas falsas suposições, e em um cenário de queda de popularidade e de maus resultados em pesquisas de intenção de voto, já ameaçou diversas vezes a realização da disputa do ano que vem.
O acordo para votação da PEC também incluiu a aprovação de projeto que permite a partidos políticos se organizarem em federação por ao menos quatro anos, o que representaria uma sobrevida a legendas pequenas, que correm risco de serem extintas por não alcançarem um percentual mínimo de votos nas eleições.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou a auxiliares que vetará o projeto. Acordo que está sendo costurado prevê que o Congresso mantenha o veto.
ENTENDA A VOLTA DAS COLIGAÇÕES
O que são Desde 2020 os partidos estão proibidos de se coligar para a eleição de deputados e vereadores. A coligação para as eleições majoritárias permanece. Na Câmara, a medida foi fruto de um acordo entre os defensores do distritão e a oposição
Por que as coligações foram proibidas" Objetivo foi sufocar agremiações de aluguel e reduzir o número de partidos hoje no país (33)
Por que podem voltar Partidos nanicos e médios tendem a obter vagas no Legislativo apenas em coligações com siglas maiores. Com isso, pressionam pela retomada do modelo
PRÓXIMOS PASSOS DA PEC
- No Senado, a PEC começa a tramitar pela Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovada, segue para votação em plenário (no Senado não há comissão especial)
- Para ser aprovada pelo Senado, é preciso o voto de ao menos 49 dos 81 senadores
- Se for aprovada sem modificação em relação ao texto da Câmara, a PEC é promulgada pelo próprio Congresso e passa a vigorar, sem sanção presidencial
- Para valer para as eleições de 2022, porém, as regras têm que entrar em vigor ao menos um ano antes, ou seja, no início de outubro de 2021
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/camara-aprova-em-segundo-turno-volta-das-coligacoes-e-texto-vai-ao-senado.shtml
Senado: ataque ao STF esgarça relação de Bolsonaro e ameaça pauta do governo
Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco apontou que matérias voltadas à recuperação da economia podem ser afetadas
Daniel Gullino e Julia Lindner / O Globo
BRASÍLIA - Ao reafirmar que enviará os pedidos de impeachmento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, ignorando conselhos de aliados e a sinalização de que o assunto não prosperará no Senado, o presidente Jair Bolsonaro pode agravar a má relação com a Casa que será palco de votações importantes para o governo nas próximas semanas. O Senado avaliará, por exemplo, a indicação do ex-ministro da AGU André Mendonça para o STF e receberá a reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara. A falta de interlocução com senadores também reduz as chances de Bolsonaro conseguir algum tipo de suavização do relatório final da CPI da Covid, previsto para o mês que vem.
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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já deixou claro a aliados que não dará andamento aos pedidos contra os ministros do Supremo. Nesta terça, ele afirmou que pautas voltadas à recuperação da economia podem ser afetadas pelo “esgarçamento das instituições”. Pacheco disse ainda que a análise de eventuais pedidos de afastamento de magistrados não é “recomendável” no momento:
— Entendemos que precipitarmos uma discussão de impeachment, seja do Supremo, seja do Presidente da República, ou qualquer tipo de ruptura, não é algo recomendável para um Brasil que espera uma retomada do crescimento, uma pacificação geral, uma pauta de desenvolvimento, de combate à pobreza e ao desemprego. Essa pauta ficaria prejudicada com o esgaçamento das instituições.
Aliados
Os próprios aliados de Bolsonaro já o aconselharam a recuar, sem sucesso até aqui, argumentando que há muito a perder num embate com o Senado. No horizonte, a Casa aparece como uma trincheira estratégica para o Planalto. E o primeiro prejuízo já está sendo contabilizado. Como informou a colunista do GLOBO Bela Megale, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (AP-DEM), decidiu deixar em compasso de espera a sabatina de André Mendonça, indicado de Bolsonaro ao STF, na vaga deixada por Marco Aurélio Melo, aposentado no mês passado. A aliados, Alcolumbre tem dito que não pautará a indicação antes de setembro e que não descarta adiá-la para novembro.
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Também caberá aos senadores a decisão de reconduzir ou não Augusto Aras à cadeira da procurador-geral da República. Bolsonaro já enviou a mensagem pleiteando a manutenção de Aras no posto por mais dois anos. Ao contrário de Mendonça, cujo nome enfrenta forte resistência na Casa, o chefe do Ministério Público não deverá encontrar dificuldades para a aprovação.
Outro tema considerado prioritário pelo Planalto, a reforma tributária, não sairá do papel sem a chancela dos senadores. A matéria, no entanto, ainda tramita na Câmara, e sequer há consenso entre deputados e governo sobre o texto ideal. Ontem, a votação foi adiada pela segunda vez por falta de acordo.
O termômetro político-eleitoral também indica ao Executivo que uma cisão com Pacheco tende a ser prejudicial. O presidente do Senado chegou ao cargo com o apoio de Bolsonaro, de quem vem se distanciando, e hoje é cotado com uma das alternativas para disputar a Presidência da República no ano que vem como opção da chamada terceira via.
CPI DA COVID
Além disso, no Senado, a CPI da Covid caminha para a reta final. O relator do colegiado, Renan Calheiros (MDB-AL), deve apresentar seu parecer no dia 16 de setembro. A um mês da conclusão dos trabalhos, a comissão dá sinais de que o pedido de indiciamento do presidente é praticamente inevitável. Desde os primeiro movimento da CPI, o Planalto apresenta dificuldades para se articular e evitar derrotas aplicadas pelo colegiado.
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O novo ministro da Casa Civil e senador licenciado, Ciro Nogueira, reconhece nas conversas com ex-colegas que há sérios problemas na relação do governo com o Senado. Isso foi dito em reunião com parlamentares do PSD. O líder do partido, senador Nelson Trad (MS), presente à audiência, reverberou um sentimento comum a boa parte dos parlamentares da Casa.
— Fomos falar da ausência que estamos sentindo de uma interlocução melhor com o governo. Qual é o projeto do governo? Responde para mim. Como é que nós vamos defender ou ajudar uma coisa que a gente não sabe nem o que é? — queixou-se o líder da segunda maior bancada da Casa.
Pela manhã, Bolsonaro voltou a dizer que não recuaria do plano de dar andamento aos pedidos de impeachment de Moraes e Barroso.
— Eu vou entrar com um pedido de impedimento dos ministros no Senado. O local é lá. O que o Senado vai fazer? Está com o Senado agora, independência. Não vou agora tentar cooptar senadores, de uma forma ou de outra, oferecendo uma coisa para eles etc etc etc, para votar o impeachment deles — disse o presidente, à rádio Capital Notícia, de Cuiabá.
*Título original do texto foi alterado para publicação no portal da FAP
'Patriotas são aqueles que unem o Brasil, não os que querem dividi-lo', diz Pacheco
Presidente do Senado se manifestou diante das novas investidas de Bolsonaro contra o STF
Julia Lindner / O Globo
BRASÍLIA — Após novos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou, por meio de nota, que "patriotas são aqueles que unem o Brasil, e não os que querem dividi-lo". Sem citar nomes, Pacheco também disse que o Congresso "não permitirá retrocessos".
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"O diálogo entre os Poderes é fundamental e não podemos abrir mão dele, jamais. Fechar portas, derrubar pontes, exercer arbitrariamente suas próprias razões são um desserviço ao país. Portanto, é recomendável, nesse momento de crise, mais do que nunca, a busca de consensos e o respeito às diferenças. Patriotas são aqueles que unem o Brasil, e não os que querem dividi-lo", escreveu Pacheco nas redes sociais.
Em seguida, ele declarou que "os avanços democráticos conquistados têm a vigorosa vigilância do Congresso, que não permitirá retrocessos".
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No sábado, Bolsonaro anunciou que iria pedir ao Senado a abertura de processos de impeachment contra os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Os ataques foram feitos no momento em que o presidente da República é alvo de quatro inquéritos no STF e um no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por interferência na Polícia Federal, escândalo da Covaxin, ataques à urna eletrônica e vazamento de inquérito sigiloso da PF.
"De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal", escreveu Bolsonaro no último final de semana.
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Mais cedo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se manifestou em defesa da "harmonia e independência" entre poderes.
"O Brasil sempre terá no presidente da Câmara dos Deputados um ferrenho defensor constitucional da harmonia e independência entre os Poderes", disse Lira.
O deputado acrescentou ainda que a casa legislativa é "vigilante" e acompanha os desdobramentos do choque entre Executivo e Judiciário.
"Vigilante e soberana, a Câmara avança nas reformas, como a tributária que votaremos nessa semana, na certeza de que o país precisa de mais trabalho e menos confusão", registrou o parlamentar.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/patriotas-sao-aqueles-que-unem-brasil-nao-os-que-querem-dividi-lo-diz-pacheco-1-25157608
Exercício da Marinha não encerra a crise aberta por desfile em Brasília
General Brito diz que comandantes militares viraram 'artistas circenses' após desfile de tanques dos fuzileiros navais no Distrito Federal
Marcelo Godoy / O Estado de S.Paulo
Caro leitor,
Após ordenar o desfile dos fuzileiros pela Esplanada, em Brasília, Jair Bolsonaro se fará acompanhar, hoje, no campo de instrução de Formosa, em Goiás, dos comandantes militares para assistir ao que o Ministério da Defesa chama de "Demonstração de Manobra Tática para autoridades e imprensa". Lançadores de foguete, tanques e aviões usarão munição real. Segue-se uma tradição. Há quase 80 anos, o exercício era em Gericinó, no Rio. Lá também uma fileira de ministros compareceu ao lado de um presidente – Getúlio Vargas – que incentivava o desembarque militar na política.
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A cena de Vargas em Gericinó marcou o então coronel Humberto de Alencar Castelo Branco. Ele costumava chamar os militares que tinham um pé no quartel e outro na política de "anfíbios". Contou Luiz Viana Filho que, após Vargas, na mensagem de 15 de novembro de 1933, ter julgado "natural que, como qualquer cidadão, o militar exerça atividade política", Castelo decidiu manifestar-se. Assinou um artigo anônimo no jornal Gazeta do Rio, como "Coronel Y".
"O oficial do Exército, como qualquer cidadão, pode aspirar os cargos políticos. Seria odioso vedar-lhe o ingresso ao Parlamento e aos cargos administrativos, fechar-lhe as portas da política, que devem ser acessíveis ao militar que 'evidencie competência e pendores especiais' corno bem diz o chefe do governo em sua mensagem." E completou: "O que, porém, deve ficar assentado é em que situação o oficial fica, quando ingressa na política. O militar, antes de tudo, pertence a uma classe, faz parte de uma hierarquia, concorre em promoções e conta tempo de serviço em seu próprio benefício. Passando a desempenhar uma função civil, é militarmente lógico e individualmente honesto que ele se tome um egresso de sua classe."
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Bolsonaro e seus generais romperam com o ensinamento de Castelo. Não faltam Pazuellos nessa história. E essa foi apenas uma das exceções criadas por um governo que as produziu aos borbotões, 'cupinizando' o Estado e a democracia. Castelo, cujo retrato é exposto na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, preocupava-se com a ciência e a arte militar, com o profissionalismo dos que, em silêncio, treinavam em Gericinó, enquanto colegas compareciam à manobra ao lado de Vargas, trajando terno e gravata. A vida nos gabinetes e salões lhes parecia natural. Tentavam, sobretudo, disfarçar a corrupção dos modos sob a máscara da missão.
Bolsonaro não inventou nada neste País. Nem os generais que o apoiam. O capitão esteve no sábado, dia 14, ao lado do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, em uma solenidade da Academia das Agulhas Negras. E instigou ambição nos cadetes. Não a do compromisso de se preocupar com a Defesa Nacional, mas a do querer seguir seus passos. Bolsonaro quer ver os jovens na política, que tenham o desejo da Presidência e pensem no orgulho do exercício de um poder, que não é o militar.
A captura do Estado por uma corporação leva inexoravelmente à degradação. Não faltam exemplos no mundo. Da Venezuela a Mianmar. Aos cadetes, o presidente se mostrou como quem voltou a pôr os pés na Academia como comandante supremo das Forças Armadas, algo que, nas suas palavras, "não tem preço". Mas esse preço existe. Quem o paga é a democracia e sociedade brasileiras. Sua defesa ficará descurada e ineficaz, na medida em que a Presidência se transforma na ambição de seus futuros oficiais.
Depois da cerimônia na Aman, o comandante do Exército disse ao jornal O Globo que "não há interferência política na Força". E garantiu que o Alto Comando (ACE) está com o comandante. Ou seja. Não haveria divisões entre bolsonaristas e antibolsonaristas no ACE. Quando esteve há um mês no Rio Grande do Sul, o general Paulo Sérgio se encontrou com o governador Eduardo Leite (PSDB). Discutiam sobre a nova escola de sargentos que a Força estuda abrir, quando o general disse que o Exército tem compromisso com a legalidade e não se envolverá em aventuras.
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O problema seria então apenas Bolsonaro? E o papel dos demais? Quando as manobras e cerimônias militares viram provocações, o espetáculo do poder se transforma em violência simbólica, e a política, em circo. Bolsonaro fez isso em Brasília com a ajuda do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier. E quem afirma é um oficial general. Assim escreveu o general Francisco Mamede de Brito Filho, que participou do governo, mas dele se dissociou abertamente. "Com todo o respeito devido aos artistas de circo e teatro mambembe, o que vimos foi a ultrajante transmutação de comandantes militares em profissionais do gênero para oferecer um triste espetáculo de subserviência e anacronismo. Decepção, é o que sinto como militar da reserva."
Com todo o respeito devido aos artistas de circo e teatro mambembe, o que vimos foi a ultrajante transmutação de comandantes militares em profissionais do gênero para oferecer um triste espetáculo de subserviência e anacronismo.
Decepção, é o que sinto como militar da reserva. https://t.co/I3fU7wKHIC
— General Brito (@GeneralBrito) August 10, 2021
A subserviência apontada pelo general Brito é dos que dão mais importância às eleições futuras do que aos desafios do dia a dia. Jean-Paul Sartre escreveu em 1945 um artigo, publicado em Nova York: Qu’est-ce qu’un Collaborateur? O que é um colaborador começa com o relato do príncipe Olaf, o futuro rei Olaf V, da Noruega, que retornara ao país escandinavo após a ocupação alemã. Ele estimava que os colaboradores com o invasor seriam em torno de 2% da população. Quantos são os que apoiam o golpismo de Bolsonaro afinal? Seu número é maior do que os 45 cavaleiros húngaros da Guerra dos 30 anos?
Independentemente de sua dimensão, Sartre dizia que sempre houve colaboradores dissimulados em nossas sociedades. Na França de Vichy, nenhum deles acreditava na derrota da Alemanha, assim como nenhum dos que favorecem Bolsonaro acredita em uma futura derrota nas urnas. Não apenas a ambição e o interesse os movem. Dizem ser realistas; não podem lutar contra fatos. E é fato: Bolsonaro é o presidente. Nas Forças Armadas isso significa o dever de obediência ao comandante supremo.
Mas Garnier foi além. Conforme o relato de Eliane Cantanhêde, propôs a Bolsonaro o desfile dos tanques. E viu tudo como "coisa normal". Bolsonaro é presidente, e o exercício dos fuzileiros se prestaria a mostrar o preparo da Marinha. Seria um fato que tudo fora planejado antes de o Congresso marcar para o mesmo dia a votação da PEC do Voto Secreto. Muito barulho – e fumaça – por nada.
Os colaboradores – dizia Sartre –usam um certo realismo para dissimular o temor de assumir a tarefa dos homens, que consiste em dizer sim ou não de acordo com princípios, em "empreender sem esperança, perseverar sem sucesso". Preferem o cálculo, um certo "apetite místico por mistério, uma docilidade para o futuro, que se renuncia a forjar, limitando-se a desejar, a sonhar". A submissão aos fatos logo se torna submissão aos caprichos do líder. Contenta-se com um papel subalterno, pois, ao menos, haverá um papel a desempenhar na nova ordem. O colaborador é o inimigo que as sociedades democráticas trazem em seu interior.
"A democracia sempre foi um viveiro para os fascistas porque tolera, por natureza, todas as opiniões", disse. Sartre defendia uma política baseada em princípios e leis para que não houvesse liberdade de se agir contra a liberdade. A guerra havia acabado. O nazismo e o fascismo de Vichy foram derrotados. "A resistência mostra que o papel dos homens é dizer não aos fatos mesmo quando parece que a eles nós devemos nos submeter." Há coragem em dizer a verdade. E ela está ligada nas instituições militares à discordância leal. Não adianta culpar Bolsonaro por tudo o que acontece em Brasília quando não lhe faltam sócios e colaboradores.
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Escolhido por Aras para atuar no TSE é alvo de desconfiança no Ministério Público
Colegas dizem acreditar que Paulo Gonet adotará perfil semelhante ao do chefe, evitando ações contra Bolsonaro
Marcelo Rocha / Folha de S. Paulo
Designado pelo procurador-geral Augusto Aras para atuar no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o subprocurador-geral da República Paulo Gonet, 59, foi um dos poucos que se prontificaram para a missão.
Aras buscava perfil que pudesse replicar na corte eleitoral o alinhamento aos interesses do Palácio do Planalto que tem sido uma das marcas de sua gestão no comando do MPF (Ministério Público Federal). Não havia muitos nomes dispostos.
Tramitam no TSE assuntos que podem resultar na cassação da chapa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do vice, Hamilton Mourão (PRTB).
Integrantes da cúpula da PGR (Procuradoria-Geral da República) descrevem Gonet como um quadro de inegável preparo técnico, mas dizem acreditar que o colega será fiel às diretrizes de Aras.
O indício mais concreto desta avaliação ocorreu há poucos dias, quando Gonet se manifestou sobre um pedido de integrantes do Conselho Superior do MPF para que a Procuradoria-Geral Eleitoral apurasse as ameaças de Bolsonaro às eleições de 2022 e que o responsabilize pelas dúvidas que lança, sem provas, sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas.
Sob a alegação de que o TSE instaurou inquérito administrativo sobre o tema e que o presidente é alvo do inquérito das fake news no STF (Supremo Tribunal Federal), Gonet abdicou de apuração própria. Disse apenas que as informações "constituem subsídios de interesse".
Há pouco menos de um ano do pleito, o chefe do Executivo alimenta uma crise institucional ao desferir reiterados ataques a integrantes do TSE e ao sistema eleitoral.
A atuação no tribunal é uma das atribuições mais importantes de quem comanda o MPF. Tem por função propor ações contra candidatos aos cargos de presidente e vice-presidente da República, além de opinar em processos.
Em razão das atividades desempenhadas em diferentes órgãos, o procurador-geral delega a um colega o dia a dia da pauta eleitoral.
Aras assinou a portaria que designou Gonet para o TSE —o nome do cargo é o de vice-procurador-geral eleitoral— no dia 21 de julho, mesma data em que Bolsonaro enviou ao Senado a indicação para que o atual PGR seja reconduzido ao posto por mais dois anos.
Filho de Francisco de Salles Mourão Branco, ex-procurador-geral do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) entre os anos de 1984 e 1993, Gonet ingressou no MPF em 1987. É professor universitário.
O atual vice-PGE e o ministro Gilmar Mendes, do STF, foram sócios no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa). A instituição de ensino superior foi criada no final dos anos 1990. Gonet vendeu sua participação em 2017.
A agenda oficial da Presidência registrou um encontro de Gonet com Bolsonaro em agosto de 2019, quando o mandatário avaliava nomes para chefiar a PGR. Aras foi o escolhido.
Quem levou Gonet ao Planalto foi a deputada Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC (proposta de emenda à Constituição) que previa a instituição do voto impresso.
A proposta foi derrotada na semana passada. Precisava de 308 votos, mas teve o apoio de 229 deputados.
Gonet estava desde o fim de 2019 à frente da ESMPU (Escola Superior do Ministério Público da União), outro cargo de confiança de escolha do procurador-geral da República.
Na Procuradoria Eleitoral, substituiu Renato Brill, que pediu dispensa do cargo dias depois de entrar com representação contra Bolsonaro por propaganda eleitoral antecipada.
Brill é um crítico do voto impresso defendido pelo bolsonarismo. Em entrevista à Folha, ele afirmou que a proposta é "teoria da conspiração aliada a negacionismo da tecnologia".
Na primeira oportunidade que teve para se manifestar sobre o assunto, quando estreou na corte eleitoral na primeira sessão do semestre, Gonet afirmou que a Procuradoria seguirá atuando de maneira firme e imparcial na defesa da democracia e da igualdade de oportunidade nas eleições.
A intervenção repercutiu mal na PGR. Foi considerada genérica, bem ao estilo da postura que Aras vem adotando sobre os questionamentos em relação ao sistema eleitoral.
Naquela ocasião, foi aberto inquérito administrativo para investigar Bolsonaro no TSE e o envio de uma notícia-crime ao STF, com pedido para incluir o mandatário entre os alvos do inquérito das fake news, que tramita no Supremo desde 2019 e mira aliados do chefe do Executivo. Relator do inquérito das fake news, o ministro Alexandre de Moraes acatou o pedido.
Em nota enviada pela assessoria de imprensa da PGR nesta sexta-feira (13), o órgão afirmou não acreditar que seja de interesse público opinião pessoal de cidadão de Gonet sobre qual o melhor sistema eleitoral entre os vários constitucionalmente possíveis.
A PGR disse que, como sempre fez em sua trajetória no MPF, Gonet atuará para garantir que as normas em vigor sejam observadas.
A Folha pediu ao vice-procurador-geral eleitoral uma opinião sobre as urnas eletrônicas, questionadas atualmente por Bolsonaro e aliados.
"[Gonet] está comprometido a dar o seu empenho pelo funcionamento do sistema eleitoral, da forma como estiver definido constitucional e legalmente, com total isenção político-partidária", afirmou o órgão na nota.
A Procuradoria disse que, na quinta-feira (12), o vice-procurador-geral eleitoral foi convidado pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, a integrar a Comissão de Transparência das Eleições e aceitou fazer parte dela.
O grupo acompanhará todo o procedimento de concepção, montagem e aplicação e apuração do voto pelo sistema em vigor.
A respeito das investigações que envolvem a chapa de Bolsonaro e Mourão, a PGR afirmou que Gonet começou a atuar perante o TSE no início do mês e que está tomando ciência dos procedimentos.
A Folha perguntou o que foi conversado entre Gonet e o procurador-geral da República sobre a atuação junto ao TSE.
A PGR afirmou que a preocupação de ambos é atuar em todos os processos que tramitam no tribunal "sempre com o intuito de fazer prevalecer os comandos constitucionais e normativos pertinentes".
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/escolhido-por-aras-para-atuar-no-tse-e-alvo-de-desconfianca-no-ministerio-publico.shtml
Governadores de 13 estados e do DF assinam nota em apoio ao Supremo
Gestores estaduais e distrital divulgaram nota pública “em face de constantes ameaças e agressões aos ministros do STF e suas famílias”
Flávia Said / Metrópoles
Governadores de 13 estados e do Distrito Federal divulgaram, nesta segunda-feira (16/8), uma nota pública em solidariedade ao Supremo Tribunal Federal (STF), aos ministros e às famílias, citando “constantes ameaças e agressões” à Corte.
“O Estado Democrático de Direito só existe com Judiciário independente, livre para decidir de acordo com a Constituição e com as leis. No âmbito dos nossos estados, tudo faremos para ajudar a preservar a dignidade e a integridade do Poder Judiciário”, diz a nota, que também pede serenidade e paz ao país.
Assinam o documento os governadores do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB); da Bahia, Rui Costa (PT); do Maranhão, Flávio Dino (PSB); de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB); de São Paulo, João Doria (PSDB); do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); do Ceará, Camilo Santana (PT); da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania); do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB); do Piauí, Wellington Dias (PT); do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT); de Alagoas, Renan Filho (MDB); de Sergipe, Belivaldo Chagas (PSD); e do Amapá, Waldez Goés (PDT).
A nota não faz menção explícita a qualquer autoridade, mas os governadores que a assinam são críticos da postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tem subido o tom nas declarações em desaprovação à Corte.PUBLICIDADE
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No sábado (14/8), Bolsonaro disse que pedirá abertura de processo contra os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O anúncio do mandatário da República foi publicado nas redes sociais e causou reações negativas de políticos.
Segundo Bolsonaro, o pedido será encaminhado esta semana ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
A afirmação do titular do Executivo federal veio um dia após o ministro Alexandre de Moraes determinar a prisão do ex-deputado e dirigente nacional do PTB, Roberto Jefferson, por suposta participação em uma organização criminosa digital montada para atacar a democracia.
“Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pedido para que instaure processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal”, tuitou Bolsonaro no sábado.
O artigo 52 da Constituição dá ao Senado Federal poder para “processar e julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral da República e o advogado-geral da União, nos crimes de responsabilidade”.
O clima entre Bolsonaro, o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esquentou nos últimos dias, após ataques do presidente da República às urnas eletrônicas. Esta semana, Moraes abriu investigação contra o chefe do Executivo nacional por ele ter divulgado nas redes sociais inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre a invasão de um hacker ao sistema de computadores da Corte eleitoral.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/governadores-de-13-estados-e-do-df-assinam-nota-em-apoio-ao-supremo
Alon Feuerwerker: A urna e as pesquisas
Alon Feuerwerker / Análise Política
Uma expressão usada pelo presidente da República é “jogar dentro das quatro linhas da Constituição”. O problema de Jair Bolsonaro: quem interpreta o que a Constituição quer dizer não é ele. É o Supremo Tribunal Federal.
E, no processo histórico de construção do nosso “bonapartismo distribuído”, as diversas forças políticas gastaram as décadas recentes estimulando o STF a adotar interpretações cada vez mais elásticas da Carta, conforme a conveniência do momento.
E as decisões passaram a depender mais da correlação momentânea de forças e menos do texto.
E voltamos à inevitável citação do Conselheiro Acácio: as consequências vêm sempre depois.
Foi a oposição de esquerda que inaugurou, nos anos 90, o hábito de recorrer ao Supremo quando perdia votações no Congresso, ou quando não gostava de alguma decisão do governo e faltavam-lhe votos no Legislativo para reverter.
Basta procurar nos arquivos da imprensa a profusão de episódios com a foto dos principais líderes da oposição protocolando recursos no tribunal.
Nos anos recentes, a direita incorporou-se à caravana e passou a liderá-la, especialmente no período de glória da Lava Jato.
Talvez o episódio mais agudo desse último movimento tenha sido o STF aprovar a prisão após condenação em segunda instância. Tempos depois, a decisão foi revertida, mas o estrago estava feito.
No passar dos anos, esse ativismo judicial passou a ser anunciado como tendo vindo para melhorar a República. Alguns veem também a oportunidade de “refundar” a dita cuja, e por outros meios que não o cansativo caminho de convencer o eleitor a dar os votos para construir a hegemonia no Executivo e Legislativo.
O ativismo judicial é um vetor da “nova política”, ou política de novo tipo. Agora parece termos enveredado por uma política de tipo inteiramente novo.
Política em que o Judiciário é arrastado a um papel equivalente ao dos outros dois protagonistas da Praça dos Três Poderes. E na qual o Executivo flerta com trazer as Forças Armadas para desequilibrar (ou equilibrar) o jogo. A parada em 2022 será decidida nessa moldura.
A raiz das tensões políticas, como costuma acontecer na História do Brasil, é a sucessão presidencial. No cenário de hoje, Jair Bolsonaro iria ao segundo turno e perderia para Luiz Inácio Lula da Silva. E o desempenho da “terceira via” ainda engatinha.
Se fosse um político convencional, o presidente estaria 100% concentrado em melhorar sua popularidade por meio de ações governamentais no combate à pandemia e no relançamento da economia.
Decidiu, porém, ir por outro caminho. Insistir que só perderá a eleição se for roubado. Mas quem decidirá se a eleição foi ou não limpa não vai ser ele, será a Justiça Eleitoral, que ele não controla. E quem vai resolver qualquer imbroglio na última instância é o Supremo Tribunal Federal, onde tampouco o presidente tem maioria.
E ambos os tribunais têm também como buscar apoio planetário. E o Brasil se candidata a ser mais uma “photo op” para os tais “observadores internacionais”.
O método brasileiro de coleta de votos pode ser aperfeiçoado, como todo método de coleta de votos. Mas talvez Bolsonaro devesse ter aberto esse debate em janeiro de 2019, e não só quando a má condução das políticas na pandemia e a elegibilidade de Lula fizeram notar que a reeleição tinha subido no telhado.
Abrir esse debate quando na prática não há mais tempo hábil para mudanças radicais pode fazer desconfiar que o problema do presidente não é tanto com a urna eletrônica, mas sim com as pesquisas.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-urna-e-as-pesquisas.html
Militares bolsonaristas aceitam sugestões sobre novo golpe
Como justificar uma intervenção militar no ano que vem caso o atual presidente da República não se reeleja?
Ricardo Noblat / Blog do Noblat / Metrópoles
O golpe militar que pôs fim em 1945 à ditadura comandada por Getúlio Vargas teve como justificativa restaurar o regime democrático interrompido com a chamada Revolução de 1930 – por sinal, apoiada por eles, que apoiaram também o golpe do Estado Novo de Vargas em 1937.
O suicídio de Getúlio em 1954, que retornara ao poder como presidente democraticamente eleito, adiou a ameaça de um novo golpe militar que só foi aplicado em 1964 sob o pretexto de livrar o país do comunismo e de defender a democracia. Pelos 21 anos seguintes, o país viveu sob uma ditadura militar.
Agora, militares da ativa e da reserva que apoiam Bolsonaro dão tratos à bola à procura de um discurso que sirva de desculpa ao golpe que gostariam de dar caso o atual presidente acabe derrotado nas eleições do ano que vem. A defesa da democracia é um mote gasto. E se Bolsonaro perder, mas não para Lula?
O comunismo? Por mais que Bolsonaro e seus comparsas digam que o comunismo segue vivo, ninguém parece temer seus efeitos, pelo contrário. O agronegócio depende da China, o maior parceiro comercial do Brasil no mundo. Não vai querer romper relações com ela. Comunista já não come criancinhas, come graus.
Sugestões que possam resolver o dilema enfrentado por militares golpistas deverão ser remetidas para os seguintes endereços:
Ministério da Defesa, aos cuidados do general Braga Neto; Térreo QGEx Bloco B, Brasília – DF, 71200-055;
Clube Militar, aos cuidados do general Eduardo José Barbosa; Av. Rio Branco, 251 – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20040-009
Fonte: Metrópoles / Blog do Noblat
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/militares-bolsonaristas-aceitam-sugestoes-sobre-novo-golpe
O Brasil está em guerra pela democracia. E o Congresso, cadê?
O País está no pior dos mundos, com mais de 560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional; e o Congresso, onde está?
Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo
Primeiro, o Congresso triplicou o fundo eleitoral para escandalosos R$ 5,7 bilhões em plena pandemia de covid-19 e de desemprego. Depois, tratou de reduzir os mecanismos de controle sobre essa dinheirama, propondo um código que tira a Justiça Eleitoral da frente e praticamente deixa a “fiscalização” do fundo e das campanhas por conta dos... partidos.
O País está no pior dos mundos, com mais de 560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional de um presidente da República que ameaça rasgar a Constituição contra o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e os próprios ministros, que resistem bravamente em nome da democracia. E o Congresso, onde está?
STF, TSE, milhares de empresários, intelectuais e líderes religiosos, sociedades de ciência e direitos humanos, entidades profissionais e religiosas, subprocuradores da República e grupos de parlamentares cerram fileiras contra os ataques de Bolsonaro à Constituição e às eleições. A resistência, porém, não encontra o devido eco na “casa do povo”, onde a maioria está mais preocupada com a própria reeleição e com o próprio bolso do que com a democracia.
O Congresso está nas nuvens, cuidando dos próprios interesses, ampliando seus privilégios. Na Câmara, com apoio explícito do presidente Arthur Lira (PP-AL). No Senado, com a atitude excessivamente, digamos, elegante do presidente Rodrigo Pacheco (quase exDEM-MG). É preciso mais. É preciso gritar e articular uma defesa enérgica das instituições, da democracia.
E é urgente, depois que o líder do Centrão Ciro Nogueira abocanhou a “alma do governo” e tem de pagar com a alma do Congresso. Nogueira é unha e carne com Arthur Lira, fiel guardião do cofre onde estão em torno de 130 pedidos de impeachment, e acaba de ignorar a derrota do voto impresso na Comissão Especial. Vai tentar ressuscitar a proposta – atual obsessão de Bolsonaro – no plenário. O regimento permite, mas nunca se viu.
Há, porém, focos de resistência democrática também no Parlamento, ativos e ruidosos. No Senado, a CPI da Covid confirma o quanto o governo, sob o descaso ou a inspiração de Bolsonaro, virou uma casa da mãe Joana aberta a picaretas e picaretagens na pandemia. Na Câmara, a união de 11 partidos pela urna eletrônica e de parlamentares de diferentes orientações ideológicas pró Supremo, democracia e eleições.
Num único dia, Bolsonaro sofreu tripla derrota: o presidente do Supremo, Luiz Fux, rompeu o diálogo com ele; o PIB e a inteligência brasileira finalmente deram as caras pela democracia e as eleições; e, por 23 votos a 11, a Comissão Especial da Câmara rejeitou a volta do famigerado voto impresso. Com 11 partidos contrários, a proposta deve sofrer nova derrota em plenário. Se passar, vai enfrentar uma muralha no Senado, como o presidente Pacheco anuncia.
Nada disso, porém, consegue disfarçar o esforço parlamentar para criar o “distritão” e um Código Eleitoral obscurantista. Pelo “distritão”, só terão chance de vitória para a Câmara as celebridades, os pastores de almas, os muito ricos, os que já têm mandato e... as milícias. E a proposta de Código Eleitoral reduz as cotas da diversidade e o poder de fiscalização e punição da Justiça Eleitoral, com as raposas tomando conta do galinheiro.
Logo, a poderosa resistência que ganha corpo no Brasil deve não apenas mirar nas ameaças contumazes do presidente da República à democracia, mas também nas “boiadas” no Congresso contra a moralidade pública, a lisura das campanhas eleitorais, o meio ambiente. Bolsonaro não dá bola para nada, mas deputados e senadores são suscetíveis à opinião pública e aos setores responsáveis da sociedade. O grito deve ser: sim à democracia, não às “boiadas”!
Fonte:
O Estado de S. Paulo
Nem como farsa
Merval Pereira / O Globo
O embate em processo entre o presidente Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) é o caso exemplar de um fato histórico que aconteceu no Brasil como tragédia, e hoje se repete como farsa, para confirmar a frase famosa de Karl Marx. No dia 16 de janeiro de 1969, em decorrência do AI-5 assinado em dezembro de 1968, foram aposentados compulsoriamente os Ministros Victor Nunes Leal, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva.
Em solidariedade aos cassados, renunciaram em seguida o então Presidente, Ministro Gonçalves de Oliveira, e o decano da Corte, Ministro Lafayette de Andrade. Em outubro de 1965, o governo, através do AI-2, ampliara de 11 para 16 os ministros do Supremo. Após as cassações, com a nomeação de mais cinco ministros, o governo militar, garantida a maioria, fez retornar o formato original de 11 ministros, que persiste até hoje.
Aqui entre nós, na atualidade, a tentativa de Bolsonaro e seus militantes de emparedar o STF está encontrando resistências democráticas vigorosas. O advogado Flavio Carvalho Brito, que trabalhou com Victor Nunes Leal e herdou seu espólio profissional, descobriu recentemente uma carta em que, no dia 16 de junho de 1964, pouco mais de dois meses depois do golpe militar, o então ministro escreve a um amigo de nome Mario, não identificado, dizendo que o preocupou a “notícia, que você me deu, de haverem falado ao Marechal Castelo Branco de um pretenso trabalho de três ministros do Supremo Tribunal - entre os quais eu - no sentido de aqui se formar um bloco hostil ao governo. (...)”.
Quatro anos e sete meses depois, a cassação dos membros do Supremo mostrou que a preocupação de Victor Nunes não era vã. O que se segue é exemplar do seu espírito democrático, e uma lição para os dias de hoje: “Quem chega ao Supremo Tribunal tem um passado pelo qual zelar, na advocacia, na magistratura, no magistério, em funções administrativas e políticas, e está atento ao julgamento dos seus contemporâneos e da posteridade. O juiz, mormente no Supremo Tribunal, não recompensa benefícios, mas exerce uma elevada função que exige espírito público e dignidade. (...)
“Não é de se estranhar, pela incompreensão da política, que homens com esse tirocínio sejam julgados com parcialidade, porque ao longo de sua carreira , nem sempre tranquila, tiveram que contrariar interesses ou viver situações e problemas polêmicos. (...) Enquanto os outros poderes fazem as leis, imprimindo frequentemente novo rumo à coisa pública, o dever do juiz é cumpri-las, em confronto com a Constituição.
“De certo, essa delicada tarefa não é um trabalho mecânico. Valemo-nos de nossa formação profissional e da observação da realidade econômica, social e política. Mas, nessa busca, por vezes tormentosa, nossa lealdade é para com a Constituição, as leis, e o interesse coletivo, e a uma consciência, porque , sem a independência, que é ônus e prerrogativa do juiz, não se pode falar em autêntico poder judiciário. (...)
“Cada um de nós é cioso da sua responsabilidade pessoal, da sua reputação, do seu compromisso com o país, da sua autonomia de julgamento. Quando rumores de todos os lados inquietavam nosso espírito e nos perturbavam o trabalho, era natural que nos preocupássemos o destino de nossa instituição, que é fiel do equilíbrio federativo, da harmonia dos poderes, dos direitos individuais, e, portanto, chave do regime democrático-representativo em que vivemos. (...)
“Assumir posições políticas, num ou noutro sentido, seria totalmente contrário à missão constitucional do Tribunal, prestigiado por sensível tradição constitucional, que todos estamos empenhados em preservar”.
O constitucionalista Gustavo Binemboin, que me deu acesso à carta, diz que a razão principal para considerar que a repetição não se dará “nem como farsa”, é o surgimento de uma “consciência democrática, um genuíno sentimento constitucional, que impõe aos governantes os respeito às instituições republicanas. Não há maioria que apoie uma ruptura do Estado de direito e da continuidade da vida democrática. Criticar a democracia para aprimora-la, mas sem destruí-la”. (No blog o fac-símile da carta).
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/nem-como-farsa.html
Urna eletrônica: 'Fraude é denunciar fraude inexistente', afirma analista
Para o argentino Daniel Zovatto, pressão por voto impresso é descabida e é ‘inoportuno e perigoso’ mudar regras a um ano das eleições
Daniel Bramatti, O Estado de S.Paulo
O argentino Daniel Zovatto nunca foi candidato a nada, mas de eleições ele entende, e muito. Diretor para a América Latina do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (Idea Internacional), ele conhece a fundo as instituições e autoridades que organizam votações em toda a região. Também monitora, com muita preocupação, o estado de saúde da democracia em todo o mundo.
Para Zovatto, a pressão pela implantação do voto impresso no Brasil é descabida. Ele considera que é “inconveniente, inoportuno e perigoso” mudar as regras das eleições quando falta pouco mais de um ano para os brasileiros irem às urnas.
Na entrevista abaixo, na qual manifesta opiniões pessoais, e não da instituição que representa, o doutor em Direito Internacional analisa, entre outros pontos, a estratégia dos políticos que buscam deslegitimar eleições em caso de risco de derrota.
Como analisa o conflito em relação ao sistema de votação no Brasil?
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) traçou uma linha vermelha oportuna e necessária ao abrir uma investigação sobre o presidente Jair Bolsonaro e ao emitir uma nota assinada por todos os ex-presidentes do TSE em defesa da urna eletrônica, que tem sido atacada quase diariamente pelo chefe do Executivo. Bolsonaro, por sua vez, reagiu dizendo que não aceitará intimidação e que continuará a exercer seu direito à liberdade de expressão, a criticar, a escutar e a atender, acima de tudo, à vontade do povo. E, fiel à sua palavra, ele continuou com seus ataques e denúncias. Como resposta, o ministro Luiz Fux, presidente do STF, cancelou uma reunião de chefes de Poderes. Diante do atual clima de tensão, seria desejável abrir um espaço para o diálogo respeitoso entre o Executivo, o STF e o TSE, visando desescalar o conflito, mas sem abandonar a abordagem básica em defesa da independência do TSE, da credibilidade da urna eletrônica e da defesa do sistema democrático.
O que está por trás da pressão pela adoção do voto impresso?
Na minha opinião, houve uma ameaça muito forte à democracia brasileira quando a realização das próximas eleições foi condicionada à adoção do voto impresso. Diante desta grave ameaça, o TSE agiu corretamente, mostrando que tem poder suficiente para defender o processo eleitoral. Isto representa uma mudança muito importante. Se até a semana passada Bolsonaro agia como se não tivesse nada a perder, após a ofensiva do TSE o presidente é alvo de um risco triplo: pode perder a cadeira presidencial se o TSE encontrar irregularidades na campanha de 2018; pode sofrer impeachment; e pode ser impedido de ser candidato nas eleições de 2022.
Considera que o TSE deu uma resposta institucional, em nome de todo o Judiciário?
O TSE tem uma composição única na América Latina, pois seu presidente e parte de seus ministros também são do Supremo Tribunal Federal, e por concentrar tanto funções administrativas quanto judiciais. Estas características fazem do TSE uma instituição muito poderosa. Existem outros órgãos eleitorais sendo atacados na América Latina pelo Executivo – o INE no México –, por deputados do partido no poder – o TSE na Bolívia – ou pela oposição que perdeu as eleições – a JNE no Peru –, mas nenhum dos três tem a capacidade de reagir como o TSE brasileiro. Conheço o TSE desde 1990. Desde então, tenho colaborado com vários programas de cooperação técnica e com a maioria de seus presidentes. Tenho grande respeito e admiração por esta instituição, suas autoridades e equipes por seu profissionalismo, independência e transparência; respeito e admiração que é compartilhado por todos os órgãos eleitorais da América Latina. Também tenho grande confiança e admiração pela urna eletrônica brasileira. Tive a honra de acompanhar sua implementação e melhoria graduais desde 1996 até hoje. É um instrumento seguro, transparente e auditável. Nesses 25 anos de existência, nenhuma fraude foi provada. Por todas estas razões, não vejo razão para justificar sua reforma, e muito menos neste momento em que as eleições de outubro de 2022 estão a apenas 14 meses de distância. Fazer a reforma proposta é inconveniente, inoportuno e perigoso.
Quando reformar os processos eleitorais a fim de aperfeiçoá-los?
O sistema presidencial é baseado na divisão de Poderes, que exige respeito pela independência de cada Poder, um sistema de freios e contrapesos, diálogo para resolver de forma respeitosa e responsável as tensões que surgem. Na concepção, implementação e melhoria do sistema eleitoral, em sentido amplo, é aconselhável que cada poder faça a contribuição estabelecida na Constituição e que exista um diálogo frutífero entre eles, baseado no reconhecimento da independência dos Poderes, no respeito recíproco e na responsabilidade que vem com o exercício do cargo.
Como autoridades responsáveis pela organização de eleições devem responder a ataques à urna eletrônica?
Primeiro: expor todos os falsos argumentos que denunciam supostas fraudes. Demonstrar, com provas claras, que a verdadeira fraude é a denúncia de uma fraude inexistente. Realizar investigações e auditorias que demonstrem a robustez do sistema eleitoral, a solidez da urna eletrônica e a independência e profissionalismo das autoridades eleitorais. E, como o TSE vem fazendo, exercer ao máximo as competências e poderes que lhe são conferidos pela Constituição e pelas leis. A recente nota do TSE assinada por todos os antigos e pelo atual presidente do TSE desde a Constituição de 1988 e os discursos dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux são uma contribuição muito valiosa neste sentido. Segundo: buscar, no país, o apoio do maior número possível de partidos políticos, acadêmicos, especialistas eleitorais, ex-membros do TSE, associações profissionais, ONGs e jornalistas e, internacionalmente, convidar instituições e órgãos eleitorais de renome internacional para que visitem o Brasil, realizem investigações e, se as conclusões forem positivas, contribuam para proteger o TSE, a urna eletrônica e a condução do processo eleitoral. Terceiro: convidar missões de observação eleitoral de prestígio (ONU, OEA, UE, entre outras) a ir ao Brasil para acompanhar o processo ao longo de suas diferentes etapas e fazer observações e recomendações.
De um ponto de vista técnico, é possível melhorar a segurança do voto eletrônico. Como esta discussão deve ser conduzida?
Cada país é soberano ao decidir os mecanismos de votação que deseja utilizar. Globalmente, existem vários mecanismos. Os mais comuns são a cédula única em papel, em várias formas, e o voto eletrônico, em suas várias formas, incluindo o voto pela internet. Há também várias formas de votar: votar somente no dia da eleição; votar pessoalmente; votar antecipadamente pelo correio; levar a urna de votação para a casa do eleitor etc. Alguns países até combinam vários mecanismos e várias formas de votação.
Mas o mais importante é que os mecanismos de votação que cada país escolher devem gerar certeza, segurança, transparência, serem auditáveis e, sobretudo, gozar de muita credibilidade e legitimidade entre os cidadãos. Se o mecanismo de votação em vigor em um país goza de altos níveis de confiança, legitimidade e credibilidade, é aconselhável mantê-lo, sem prejuízo de fazer ajustes periódicos para melhorar seu desempenho e eficácia. Por outro lado, quando o mecanismo sofre de debilidades que poderiam comprometer a confiança e credibilidade do público, é aconselhável realizar um processo de reflexão e revisão, baseado em evidências concretas e demonstráveis, com o objetivo de identificar as possíveis causas do problema e as opções mais adequadas para solucioná-lo.
Como consequência, qualquer proposta de reforma eleitoral, especialmente no caso do mecanismo de votação, deve ser bem fundamentada, e as opções propostas para substituir o mecanismo atual devem demonstrar solidez técnica e viabilidade política. Outros fatores que devem ser cuidadosamente analisados são: demonstrar que o saldo líquido da reforma – benefícios menos efeitos negativos – é positivo; determinar seu custo econômico; basear-se num consenso político o mais amplo possível; e determinar, com o parecer técnico do corpo eleitoral, se há tempo suficiente para sua implementação sem assumir riscos sérios para a conclusão bem sucedida do processo eleitoral. A experiência comparativa sugere que, a fim de reduzir os riscos, mudanças no mecanismo de votação devem ser implementadas gradualmente, ou seja, em etapas sucessivas, como foi o caso com a implementação da urna eletrônica no Brasil.
BOLSONARO EM SANTA CATARINA
Donald Trump, como presidente, atacou a legitimidade das eleições nos Estados Unidos. Que influência isso tem sobre os países com tradições menos democráticas, especialmente na América Latina?
Muito forte, infelizmente. Acabamos de ver exemplo disso no Peru, na fase pós-eleitoral do segundo turno das eleições, com as múltiplas alegações de fraude, nunca provadas, feitas por Keiko Fujimori e seu partido Fuerza Popular, e os graves ataques realizados contra as autoridades. Também vimos isso nas recentes eleições no México, de junho e o referendo do último domingo, quando o presidente Lopez Obrador e seu partido Morena acusaram repetidamente o INE de ser o órgão eleitoral mais caro do mundo e de ser um obstáculo à democracia. E nesta semana, na Bolívia, um deputado do partido governista MAS apresentou uma queixa criminal contra quatro magistrados do Tribunal Supremo Eleitoral.
Uma tendência semelhante parece estar ocorrendo no Brasil com os ataques e denúncias de Bolsonaro contra a urna eletrônica e o presidente do TSE, a quem ele chamou de "idiota" e "imbecil" em julho. Deve-se lembrar que Bolsonaro, nas eleições de 2018, já havia ameaçado não reconhecer os resultados se ele não ganhasse.
Qual é o objetivo de quem busca o descrédito dos processos eleitorais?
A estratégia é semelhante na maioria dos países onde este fenômeno ocorre. Com bastante antecedência, com mentiras e falsas alegações, procuram gerar confusão, semear dúvidas sobre a credibilidade do processo eleitoral, a independência das autoridades eleitorais e a segurança do sistema de votação, criando uma realidade paralela que procura deslegitimar completamente o processo eleitoral no caso de uma derrota. Se eu perco, dizem eles, é porque houve fraude. Os danos que causam ao processo eleitoral, às autoridades eleitorais, às instituições e à democracia são enormes, e seus efeitos se estendem além do processo eleitoral.
Quando alguém analisa se um país está no caminho de se tornar menos democrático, em que se deve prestar mais atenção?
A experiência comparativa, global e regionalmente, identifica quatro luzes amarelas que indicam que estamos enfrentando um perigoso processo de deterioração democrática. Quando não se aceita as regras democráticas ou se joga permanentemente em seus limites. Quando não se reconhece a oposição como um ator legítimo – a oposição é desconsiderada, desqualificada e difamada. Quando se ataca constantemente a imprensa e se impõem restrições ao exercício da liberdade de expressão. E quando se promove o ódio e a violência, física ou verbal, de maneira expressa ou sutil, polarizando a sociedade o máximo possível. Há outros indicadores que normalmente acompanham estes quatro: 1) ataques frontais à divisão de poderes, especialmente às instituições que restringem propostas autoritárias, seja o Congresso, quando não se tem controle sobre ele, o Judiciário, os órgãos de controle, os tribunais eleitorais etc; 2) redução do espaço de ação da sociedade civil; e 3) aumento dos níveis de polarização ao extremo, com a divisão da sociedade em amigos e inimigos, e uso abusivo das redes sociais para atingir este objetivo.
De acordo com analistas e cientistas políticos, atualmente os autocratas atacam a democracia de forma lenta e gradual, e não tanto de maneira abrupta. Concorda com esse ponto de vista?
Concordo plenamente. Embora os golpes não tenham desaparecido completamente, como mostram Honduras em 2009 e Mianmar em 2021, a experiência comparativa indica que os principais e mais perigosos ataques à democracia hoje são realizados por atores que chegaram ao poder através de eleições e que, uma vez eleitos, enfraquecem gradual e permanentemente a democracia de dentro do poder. A maioria dos ataques à democracia em nosso tempo não ocorre por golpes de Estado, mas por quem está no poder e em câmera lenta, como é demonstrado em nossa região pelos regimes autoritários da Venezuela e da Nicarágua.
Como a democracia deve ser defendida quando seu processo de corrosão é gradual e muitas vezes não perceptível pela maioria da população?
Uma estratégia ampla tem de ser implementada, tanto a nível interno como a nível regional e global. A democracia está sitiada em muitos países. As tendências autoritárias estão ganhando terreno, como evidenciado por muitos relatórios de prestígio, incluindo a Economist Intelligence Unit, o projeto V-DEM, os relatórios da Freedom House e o relatório da International IDEA sobre o estado global da democracia. Precisamos estudar com mais profundidade este novo tipo de autoritarismo que está atualmente em construção, a fim de confrontá-lo de forma mais rápida e eficaz. Precisamos estar conscientes da fragilidade da democracia e dos riscos crescentes que ela enfrenta, bem como dos processos de retrocesso que estão ocorrendo em muitos países ao redor do mundo. Nenhum país é vacinado contra o vírus autoritário. Também é necessário rever e atualizar os mecanismos para a defesa regional da democracia, incluindo os estabelecidos pela Carta Democrática Interamericana, que completa 20 anos em 11 de setembro e se tornou ultrapassada diante do novo tipo de ameaças que a democracia enfrenta hoje. A Idea Internacional tem feito um duplo apelo: por um lado, para defender a democracia durante este período tão turbulento em nossa região, agravado pelo impacto da pandemia, e, por outro lado, para repensá-la a fim de avançar para uma nova geração de democracia, mais resistente e de melhor qualidade, com a capacidade de responder de forma oportuna e eficaz aos novos desafios do século 21.
Qual é o papel da desinformação, e sua ampliação nas redes sociais, na atual crise da democracia?
Novas tecnologias de informação e comunicação estão aqui para ficar e apresentar novos e difíceis desafios para a política, a integridade das eleições e a qualidade da democracia. As redes sociais e sua relação com as eleições, a política e a democracia têm, como o deus Jano, duas faces, Por um lado, essas ferramentas, quando utilizadas adequadamente, têm um efeito positivo no desenvolvimento de processos eleitorais legítimos, melhoram a qualidade da democracia, garantem o pleno exercício da liberdade de expressão, contribuem para um debate público informado e promovem a participação cidadã.
Mas, por outro lado, quando mal utilizadas, elas representam novas e sérias ameaças. As bolhas de filtragem ideológicas e as câmaras de eco geradas pelas redes sociais podem fomentar o ódio, aumentar perigosamente a polarização e facilitar a ação dos movimentos pós-verdade. Também podem contribuir para a viralização de notícias falsas e de campanhas de desinformação, afetando a condução normal das campanhas eleitorais, minando a confiança no processo e nas instituições eleitorais e manipulando o comportamento eleitoral dos cidadãos.
Como as plataformas e redes sociais devem responder aos ataques à democracia, sem restringir a liberdade de expressão?
Após o escândalo da Cambridge Analytica, as plataformas adotaram e continuam a adotar uma série de medidas destinadas a combater notícias falsas e desinformação durante os períodos eleitorais, incluindo códigos de conduta para reforçar a transparência e garantir informações confiáveis. Em um número significativo de países, dentro e fora de nossa região, os Legislativos também adotaram novas e melhores regulamentações sobre esta questão para preencher as lacunas legais existentes em muitos países da região.
Por sua vez, numerosos órgãos eleitorais, incluindo o TSE do Brasil, o INE do México e o TE do Panamá, tomaram uma postura proativa diante deste importante fenômeno e implementaram várias medidas e mecanismos, entre eles: desenvolver suas próprias capacidades institucionais e habilidades em assuntos digitais; promover debates on-line; assinar pactos éticos digitais com uma ampla coalizão de atores, como partidos políticos, organizações da sociedade civil e meios de comunicação tradicionais; chegar a acordos de colaboração – formais ou informais – com plataformas digitais; incentivar o uso responsável de redes; implementar mecanismos de verificação de fatos em colaboração com meios de comunicação tradicionais, universidades, grupos de reflexão e organizações da sociedade civil; implementar campanhas de educação digital para os cidadãos e sobre conteúdos educacionais sobre o processo eleitoral; e fomentar a cooperação horizontal entre os órgãos eleitorais e compartilhar boas práticas e lições aprendidas em relação a este fenômeno, tudo com o objetivo de mitigar os excessos e efeitos negativos das redes sociais durante as campanhas eleitorais e, ao mesmo tempo, maximizar seus efeitos positivos, sempre tomando cuidado para que estas medidas não afetem o pleno gozo da liberdade de expressão. Mas a liberdade de expressão não deve e não pode ser mal utilizada ou manipulada para propagar com impunidade notícias falsas ou campanhas de desinformação destinadas a deslegitimar um processo eleitoral ou atacar as instituições ou a própria democracia.
Qual deveria ser a posição de um presidente democrata em relação à oposição? Em que ponto se passa da crítica aceitável para os ataques que procuram deslegitimar a oposição?
Democracia é sinônimo de pluralismo, diálogo, respeito, tolerância. A oposição deve ser racional e jogar limpo. O Executivo também deve. Ambos devem reconhecer e respeitar um ao outro como jogadores legítimos no jogo democrático. Um presidente democrático deve defender seu programa e suas propostas com firmeza, mas sempre com respeito, reconhecendo a oposição como um jogador-chave no jogo democrático. Deve ser evitado um nível excessivo de polarização que leva a um jogo de soma zero, e a uma desqualificação e difamação da oposição que implica não reconhecê-la como um ator legítimo no jogo democrático. Em alguns casos, tais como Nicarágua e Venezuela, vemos como o Executivo desqualifica ou prende partidos e líderes da oposição. Em outros, como no caso de Bukele em El Salvador, adjetivos difamatórios são usados quando se refere à oposição. Sem uma oposição autêntica, não há democracia
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Democracia em erosão: Sob Bolsonaro, a corrosão do Estado e das liberdades individuais
Fonte: O Estado de S. Paulo
Alon Feuerwerker: A raiz da instabilidade
Já havia sido bastante descrito e dissecado que o (primeiro?) mandato presidencial de Jair Bolsonaro seria uma disputa de bonapartismos. A fraqueza terminal dos governos Dilma Rousseff e, depois, Michel Temer trouxe pelo vácuo a anabolização de múltiplos polos de poder em Brasília. Especialmente no Ministério Público, Polícia Federal e Poder Judiciário. Mas também, por exemplo, no Tribunal de Contas da União. Sem falar do Congresso Nacional.
Daí que, para governar, o presidente eleito em 2018, qualquer que fosse, veria pela frente uma batalha morro acima pela retomada de poder. Inclusive o Moderador, que formalmente foi revogado com a República mas na prática permaneceu em vigor na mão do Executivo até bem pouco tempo atrás. A Constituição de 1988 deu mais músculos ao Legislativo, mas pelo menos até o primeiro mandato de Dilma os presidentes vinham submetendo deputados e senadores.
Bolsonaro estava manobrando com alguma eficiência nesse teatro de operações. Um exemplo? Livrou-se do até então dito superministro Sergio Moro sem maior custo político imediato. E emplacou com alguma facilidade os indicados ao Supremo Tribunal Federal, à Procuradoria Geral da República e ao TCU. E viu a vitória de um aliado para comandar a Câmara dos Deputados. Mas em Brasília não dá para deixar flanco desprotegido. E assim estava o Senado Federal, como se viu na hora complicada.
E vieram a pandemia, e os lapsos de avaliação e condução de Jair Bolsonaro. Algum dia talvez se explique como e por que o presidente conseguiu distanciar sua imagem o máximo possível, e simultaneamente, do isolamento e afastamento sociais, do uso de máscaras e da vacinação. Podia ter escolhido esta última, e teve a deixa quando o STF empoderou governadores e prefeitos. Não fez. E nesse ínterim Luiz Inácio Lula da Silva teve a elegibilidade devolvida pelo STF.
E explodiu o número de mortos pelo novo coronavírus. E instalou-se naquele flanco frágil, o Senado, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.
E a maioria da Câmara que bloqueia o impeachment não é de incondicionais, tem um custo orçamentário inédito.
A correlação de forças resultante dos fatores objetivos e subjetivos acabou ilhando o presidente no núcleo mais fiel dos eleitores dele e nos políticos menos condicionais. A ideia de que a popularidade de Bolsonaro está derretendo é falsa, ele mantém cerca 30%, a maior parte disso dispostos a votar nele no primeiro turno e o restante no segundo. O problema (dele) é que os não incondicionais estão se agrupando contra. E isso parece cristalizar-se. E aumenta o custo político de manter uma base.
Mas o jogo não está jogado. O governo aposta na retomada da economia, nos novos benefícios sociais aos mais pobres e na contenção da Covid-19. A dúvida está em quanto a adesão a Bolsonaro será elástica em relação a cada uma dessas variáveis, e ao conjunto delas. Isso só o futuro dirá, mas por agora a eleição está configurada de modo amplamente desfavorável ao presidente.
Mais ou menos como no judô, quando você está imobilizado e precisa dar um jeito de sair da imobilização antes de o tempo regulamentar esgotar-se.
Na análise política, uma pergunta sempre útil é: “Se nada acontecer, acontece o quê?” Claro que é remota a possibilidade de na política brasileira faltando um ano e dois meses para a eleição nada se passar de relevante pró-governo até lá. Mas a raiz de toda a instabilidade política e, no limite, institucional, é o fato de, se nada acontecer de muito diferente, o presidente estar apontado para entrar na temporada eleitoral pressionado pelos números e precisando ele próprio alterar o cenário.
Pois, no momento, a inércia joga do outro lado.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-raiz-da-instabilidade.html