Universidade de Brasília
Com inspiração modernista, filme explora tipologia da classe média
Mar de Rosas será discutido em webinar na quinta-feira (19/8), a partir das 17h
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
Pontapé da trilogia da cineasta Ana Carolina Teixeira Soares sobre personagens femininas em desacordo com seu contexto social e o primeiro longa-metragem de ficção dirigido por ela, o filme Mar de Rosas (1977) explora a célula familiar e a tipologia da classe média brasileira. A obra, segundo a crítica, atribui ao patriarcado uma situação de completa falência.
O filme será discutido, na quinta-feira (19/8), em mais um evento online do ciclo de debates da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Biblioteca Salomão Malina, na programação de pré-celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna, com participação do crítico de cinema Sérgio Moriconi.
Assista!
A transmissão será realizada pelo portal e redes sociais da entidade (Facebook e Youtube), assim como pela página da biblioteca no Facebook. Todos os internautas interessados podem participar diretamente do evento, por meio da sala virtual do Zoom. Para isso, basta solicitar o acesso por meio do WhatsApp oficial da biblioteca (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web).
Enredo
O começo do filme mostra um casal em viagem, interpretado por Hugo Carvana (1937-2014) e Norma Bengell (1935-2013), acompanhado da filha, Cristina Pereira, em sua estreia no cinema. A personagem de Bengell, que ironicamente se chama Felicidade, discute com o marido sobre a insatisfação de ambos em relação ao casamento enquanto ele dirige pela Dutra, estrada que liga São Paulo e Rio de Janeiro.
Betinha (Pereira) vai no banco de trás, fazendo caretas e expressões debochadas. Ao chegar ao Rio, eles se hospedam num hotel. Felicidade e Sérgio (Carvana) têm uma violenta briga, e ela o fere com uma gilete. Acreditando ter matado o marido, ela foge do hotel com Betinha e pega a estrada novamente.
Um homem as persegue. Ele é Orlando (Otávio Augusto, 1945), que se aproveita de uma parada num posto de gasolina, momento em que Betinha tenta atear fogo à mãe, para se aproximar e oferecer ajuda e companhia. Ânimos um pouco mais calmos, os três passam a viajar no carro de Orlando. Fazem uma pausa numa cidadezinha, e enquanto Orlando vai dar um telefonema, Felicidade encontra um revólver debaixo do banco do carro.
Narrativa teatral
Ela esboça uma fuga, mas é atropelada por um ônibus. Um casal que mora perto, formado por Dirceu (Ary Fontoura) e a esposa Niobi (Myriam Muniz, 1931-2004), os acolhe (Betinha, Felicidade e Orlando). O consultório de Dirceu, dentista e poeta fracassado, funciona em um dos cômodos da casa, onde ocorre a parte mais teatral da narrativa. Enquanto Felicidade se recupera do susto provocado pelo atropelamento, Dirceu e Niobi começam a trocar insultos.
O clima de discórdia se instala e todos os personagens entram num jogo de revelações e agressões mútuas. Sem explicação aparente, Betinha faz com que um caminhão de terra despeje o conteúdo de sua caçamba dentro do consultório de Dirceu, quase soterrando Felicidade. O dia vai passando e Felicidade, Betinha e Orlando continuam na casa de Dirceu e Niobi. Betinha vai ao banheiro e esconde giletes num sabonete.
Dirceu cai na armadilha e usa o sabonete, cortando as mãos. Felicidade e Betinha fogem e vão para a estação ferroviária, mas são alcançadas por Orlando quando já estão dentro do trem para São Paulo. Orlando resolve revelar sua identidade: afirma que é uma autoridade e que tem ordens de levá-las para o Rio de Janeiro. Eles discutem e, inesperadamente, Betinha empurra a mãe e Orlando, que estão algemados um ao outro, para fora do trem em movimento, seguindo viagem sozinha.
Trilogia
Mar de Rosas deu início à trilogia de Ana Carolina sobre personagens femininas em desacordo com seu contexto social, que foi continuada em Das Tripas Coração (1982) e completada por Sonho de Valsa (1987).
O título do filme, decalcado de um dito popular, antecipa a ambiguidade que permeia a narrativa: a vida das personagens é tudo menos um mar de rosas, mas o relato passa pelo humor.
Além da sobrecarga quase exaustiva de provérbios e expressões populares (um verdadeiro inventário de frases feitas), os diálogos mobilizam rimas e repetições fonéticas, permitindo que as falas constituam um elemento estético em si.
Numa das frases rimadas, Myriam Muniz aproxima os termos "histórico" e "histérico", evocando um dos temas centrais do filme, a histeria. Praticamente todas as cenas em Mar de Rosas têm como ápice a confluência histérica das personagens (Das Tripas Coração se estruturará de maneira semelhante), trazendo a histeria como performance e jogo. (Com informações da Enciclopédia Itaú Cultural).
Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
14º online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Webinário sobre filme Mar de Rosas
Dia: 19/8/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira
Webinário destaca “A hora da estrela”, baseado em obra de Clarice Lispector
Obra de Oswald de Andrade foi ‘sopro de inovação’, diz Margarida Patriota
O homem de Sputnik se mantém como comédia histórica há 62 anos
‘Desenvolvimento urbano no Brasil foi para o espaço’, diz Vicente Del Rio
‘Mário de Andrade deu guinada na cultura brasileira’, diz escritora
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‘Semana de Arte Moderna descontraiu linguagem literária’, diz escritora
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Filme premiado de Arnaldo Jabor retrata modernismo no cinema brasileiro
Lúcio Costa marca revolução do ensino da arquitetura no Brasil
Avaliação é do professor da UnB Andrey Schlee, que vai discutir o assunto em webinar da Biblioteca Salomão Malina e da FAP
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Autor do projeto do Plano Piloto de Brasília, o arquiteto e urbanista Lúcio Costa representou uma revolução no ensino da arquitetura no Brasil, a partir de iniciativas inovadoras, ainda nos anos 1930, consideradas absolutamente modernistas.
“Lúcio Costa deu o pontapé para a renovação da arquitetura brasileira, assim como a Semana de Arte Moderna representou inovação para as artes e a literatura”, disse o professor de história da arquitetura na Universidade de Brasília (UnB) Andrey Schlee.
Assista!
Em sala virtual que também terá presença de Vicente Del Rio, Schlee vai discutir o assunto, na quinta-feira (12/8), a partir das 17 horas, em mais um evento online do ciclo de debates da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Biblioteca Salomão Malina, nas atividades de pré-celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna.
A transmissão será realizada pelo portal e redes sociais da entidade (Facebook e Youtube), assim como pela página da biblioteca no Facebook. Todos os internautas interessados podem participar diretamente do debate, por meio da sala virtual do Zoom. Para isso, basta solicitar o acesso por meio do WhatsApp oficial da biblioteca (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web).
Ainda em 1929, Lúcio Costa conheceu a Casa Modernista de São Paulo, do arquiteto russo-brasileiro, Gregori Warchavchik. Após a Revolução de 1930, a convite de Rodrigo Melo Franco, ele foi nomeado diretor da Escola Nacional de Belas Artes, com o objetivo de implantar um curso de arquitetura moderna.
Por isso, convocou Warchavchik para dirigir o ensino de arquitetura e criou o salão livre de artes plásticas, que coordenou, oficialmente, as experimentações artísticas. Sua ação provocou reação violenta de professores e acadêmicos, que culminou com seu afastamento após uma grave que durou por oito meses.
“Houve reação muito grande de professores conservadores contra Lúcio Costa e também reação pró-Lúcio Costa por parte de alunos”, diz Schlee, ressaltando que as ideias e propostas dele foram vitoriosas e contribuíram de forma fundamental para a renovação do pensamento arquitetônico no país.
Nos anos seguintes, em 1937, houve a construção de primeiros edifícios, de fato, modernistas no Brasil de influência francesa. “A construção do edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública, no Rio, absolutamente modernista, notadamente por essa turma que emerge da Reforma de 30”, comenta o professor da UnB.
Na avaliação de Schlee, Lúcio Costa representa, sem dúvida alguma, o esforço para modernizar o país, “seguindo a ideia de renovar com gente nova, com cabeças novas”. “A grande revolução que ele fez foi convidar professores modernistas para dar aula na Escola de Belas Artes. Teve coragem de contratar”, afirma.
Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
13º online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Webinário sore Lúcio Costa e a revolução no ensino da arquitetura
Dia: 12/8/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira
Webinário destaca “A hora da estrela”, baseado em obra de Clarice Lispector
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Obra de Oswald de Andrade foi 'sopro de inovação', diz Margarida Patriota
Escritora participa de evento on-line nesta quinta em pré-celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
A escritora Margarida Patriota diz que a obra Memórias Sentimentais de João Miramar, romance escrito por Oswald de Andrade e publicado em 1924, representou “um sopro de inovação” para a criação literária à época. Ela discute o assunto nesta quinta-feira (29/7) em mais um webinar da Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em pré-celebração do centenário da Semana de Arte Moderna.
Margarida, que lecionou por 28 anos Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura Francesa no Departamento de Letras da Universidade de Brasília (UnB), afirma, porém, que o romance não emplacou por ser muito fragmentado e de difícil compreensão. “Pelo fato de ser tão radical, é uma obra pouco lida, mas vale como tentativa de renovação das bases da criação literária”, analisa.
Confira o vídeo!
O livro, que relata a infância, a adolescência, a vida adulta e a velhice de João Miramar, é composto por 163 fragmentos, os quais são escritos em diversos estilos: missivas, poemas, citações, diálogos, fórmulas-padrão, impressões, relatos de viagem, cartões-postais, entre outros.
A sequência dos fatos não é direta, como na prosa tradicional à qual se contrapõe o livro, mas subliminar, que trespassa os diversos fragmentos, mesmo os que não se referem diretamente à história pessoal do protagonista.
“O romance colocou em prática a criação literária. Ela representa uma narrativa de vanguarda, toda fragmentada, ilustra o que seria na época a ambição de compor uma narrativa livre de fórmulas e de tradição literária discursiva que existia no Brasil até então. Uma tentativa realmente de mostrar a prática do que seria a nova proposta de criação literária”, analisa Margarida.
A escritora observa que poucas pessoas conseguem ler a obra. “O caráter muito fragmentário é difícil, é composta de pequenos fragmentos. Os capítulos tem extensão de um parágrafo. Usa versos e palavreados incomuns na língua até hoje”, acentua ela, que também é tradutora.
Margarida Patriota
Margarida tem a expressiva marca de 28 livros publicados, entre eles o juvenil Uma voz do outro mundo, agraciado com o Prêmio João de Barro em 2006, e o romance Enquanto aurora, que levou o Prêmio Ganymedes José de Literatura Juvenil da União Brasileira dos Escritores (UBE) em 2011.
Em 2003, recebeu também o prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) por sua tradução, para a FTD, de O Fantasma da Ópera. Sua vasta obra reúne ficção, ensaios, romances, contos e narrativas para o público juvenil com expressivas vendas para o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).
Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
Evento online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Data: 29/7/2021
Transmissão: a partir das 17 horas
Onde: Portal e redes sociais (Youtube e Facebook) da Fundação Astrojildo Pereira e página da Biblioteca Salomão Malina no Facebook.
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira
O homem de Sputnik se mantém como comédia histórica há 62 anos
‘Desenvolvimento urbano no Brasil foi para o espaço’, diz Vicente Del Rio
‘Mário de Andrade deu guinada na cultura brasileira’, diz escritora
Influenciado pelo Cinema Novo, filme relaciona conceito de antropofagia
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Um dos marcos do Cinema Novo, filme Macunaíma se mantém como clássico
Filme premiado de Arnaldo Jabor retrata modernismo no cinema brasileiro
Filme Ganga Bruta teve pioneirismo, mas foi alvo de críticas
Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP
Marcado pela desenvoltura e autenticidade na predileção de seu diretor Humberto Mauro por temas brasileiros, o filme Ganga Bruta permanece como o primeiro longa nacional a usar conscientemente proposições da psicanálise, como símbolos fálicos. À época, o cineasta fez chacotas da crítica e foi chamado de Freud de Cascadura, em alusão ao bairro suburbano carioca.
Assista!
Na quinta-feira (8/6), o filme será analisado no oitavo evento online do ciclo de debates em pré-celebração à Semana de Arte Moderna, que ocorreu de 13 a 17 de fevereiro de 1922 e segue como marco artístico-cultural brasileiro. O webinário será realizado pela Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ambas em Brasília, a partir das 17 horas.
Considerado um dos cem melhores filmes brasileiros de todos os tempos em votação da Abraccine em 2016, Ganga Bruta é a história de um jovem que, na noite do casamento, ao saber que foi enganado pela noiva, mata-a, alucinado. Absolvido, vai a uma pequena cidade, para serviços de construção. Lá encontra outra linda mulher, mas Sônia é noiva de Décio.
O jovem apaixona-se por ela, bebe para esquecer e a bebida lhe dá uma covarde força. Agora, o desespero é de Décio, ao saber que perdeu Sônia. E ele procura o outro, para um desforço a fim de que reste apenas um para o amor de Sônia, como observa texto da especialista Alice Gonzaga.
A palavra ganga significa rotineiramente impureza, mas, no jargão dos garimpeiros das Minas Gerais, é a cobertura áspera, bruta e feia que envolve a pepita de ouro ou diamante. A ganga enganaria o observador desatento.
O filme utiliza, entre outras locações, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e a Fábrica de Cimentos Portland, então em construção, e atualmente localizada no município de São Gonçalo-RJ. Na época, a atriz Dea Selva tinha 14 anos quando foi selecionada para viver a protagonista feminina, e os vestidos usados por ela exploram motivos modernistas e art-déco.
Ator protagonista, Durval Bellini era remador do Flamengo e participou das Olimpíadas de Los Angeles em 1932, interrompendo as filmagens. Na condição de Polícia Especial, conforme observa a especialista, foi o carcereiro de Luis Carlos Prestes, após sua prisão em 1935.
Confira os eventos já realizados – Pré-celebração Semana de Arte Moderna
“O afamado diretor de fotografia Edgar Brasil faz uma ponta na cena do bar, e o produtor Adhemar Gonzaga faz uma participação na cena do açude. Em algumas cenas, o ator Durval Bellini, de tão forte que era, carrega o câmera nos ombros”, afirma Alice.
Inicialmente, Humberto Mauro comandou um dos mais importantes ciclos regionais cinematográficos do país, o de Cataguases, assinando cinco filmes: “Valadião, o Cratera”; “Na Primavera da Vida”; “Thesouro Perdido”; “Brasa Dormida” e “Sangue Mineiro”.
Logo depois, iniciou o ciclo carioca, com inúmeras produções, entre elas, as aqui analisadas, “Lábios sem Beijo” e “Ganga Bruta” e, por fim, seguimos com o estudo do último longa-metragem produzido por Humberto Mauro no retorno para casa, em Volta Grande.SERVIÇO
Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
8º evento online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Webinar| O modernismo no cinema brasileiro: Ganga Bruta, de Humberto Mauro
Dia: 8/7/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira
Observação: Para solicitar participação diretamente do debate online, envie solicitação para o WhatsApp oficial da Biblioteca Salomão Malina – (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web).Leia também:
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RPD || Marcelo Aguiar: 50 anos sem Anísio Teixeira
Perseguido pelo golpe de 1964 e morto em 1971 em circunstâncias nunca esclarecidas, Anísio Teixeira foi educador, escritor, jurista e um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB). Nos anos 1930, lançou as bases da escola pública, gratuita, laica e universal
No final da manhã de uma ensolarada quinta-feira no Rio de Janeiro, Anísio Teixeira saiu a pé da sede da Fundação Getúlio Vargas, em Botafogo, para visitar o amigo Aurélio Buarque de Holanda, que morava ali perto e com quem almoçaria e pediria voto. Era candidato à Academia Brasileira de Letras. Nunca chegou ao almoço. Aquele 11 de março de 1971 ficaria marcado na história da educação brasileira como o dia em que a ditadura eliminava mais um intelectual que lutava por uma educação pública para todos, gratuita, laica e de qualidade.
No outro dia, a família recebeu a notícia, pelo acadêmico Abgar Renault, que soube do então comandante do Exército, Sizeno Sarmento, que Anísio estava “detido para averiguações” nas dependências da Aeronáutica. Dois dias depois o educador foi encontrado no fosso do elevador do edifício onde residida Aurélio Buarque de Holanda, com duas grandes lesões no crânio, incompatíveis com a suposta queda. Ao lado do corpo, um taco de madeira, causador das lesões.[1]
Defensor de uma educação que atendesse a todos, independente de raça, credo ou condição financeira, e que olhasse para os interesses da comunidade em que estava, Anísio Teixeira queria uma escola que deixasse de ser feita para a elite e desse início a uma sociedade mais justa. Para ele, a educação era a verdadeira geradora de mudanças. Considerado americanófilo pela esquerda e comunista pela direita, era membro do movimento “Escola Nova”, que visava a renovação do modelo de educação e, logo, da escola. Um verdadeiro “escolanovista”, herdeiro da influencia do filósofo americano John Dewey, de quem foi aluno nos EUA.
Para ele, as novas responsabilidades da escola eram a de educar em vez de instruir, formar homens livres em vez de homens dóceis, preparar para um futuro incerto em vez de transmitir o passado claro, e ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. Defendia que, numa escola democrática, professores e alunos devem trabalhar em liberdade, desenvolvendo a confiança mútua. “Estamos passando de uma civilização baseada em uma autoridade externa para uma baseada na autoridade interna de cada um de nós”, dizia em seu livro Pequena Introdução à Filosofia da Educação.
Como intelectual orgânico que era, não somente defendia suas idéias, mas concretizou diversas delas. Em 1961, como Secretário de Educação da Bahia, criou a primeira Escola Parque, modelo de Educação Integral, em Salvador. Logo depois, nomeado diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, que viria a ser o INEP de hoje, inicia o projeto de construção de 28 Escolas Parque em Brasília, recém-inaugurada. Não conseguiu. Foram construídas apenas cinco unidades do projeto, todas no Plano Piloto da Capital. Com o golpe de 1964, foi afastado do cargo de Reitor da Universidade de Brasília, que havia criado junto com Darcy Ribeiro, e passou a dar aulas em universidades americanas.
Nasci em Brasília e cresci ouvindo que o sistema educacional da cidade foi inspirado nos ensinamentos de Anísio Teixeira. Estudar nas famosas Escolas Parque, onde os alunos tinham Ensino Integral e desenvolviam no contraturno atividades culturais, esportivas e aprendiam línguas, era o sonho de toda criança naquela época. Sonho para poucos. Aluno da escola pública e morando na periferia de Brasília, numa das chamadas Cidades Satélites, nunca tive esse privilégio.
Já adulto, como Secretário de Educação do DF, tive a honra de implantar, em 2014, as duas únicas novas Escolas Parque abertas 54 anos após a inauguração da Capital. Fiz questão que fossem fora do Plano Piloto, nas cidades de Ceilândia e Brazlândia, periferia de Brasília. A primeira, a maior cidade do Distrito Federal, surgida a partir de um programa de erradicação de invasões, e a segunda, a mais rural e distante cidade do centro da capital. Em Brazlândia, chama-se Escola Parque da Natureza; já em Ceilândia, Escola Parque Anísio Teixeira.
Foi a forma de homenagear o pensador, não só dando seu nome a uma das unidades, mas também seguir seus ensinamentos. Estão perto dos mais pobres e oferecem a esses alunos acesso a toda a grandeza, complexidade e resultados que uma proposta como essa proporciona. Hoje, 50 anos após sua morte, seu legado segue vivo, pulsante e ainda à frente de seu tempo.
[1] Informações constates no Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília, Brasília: FAC-UnB, 2016.
* Marcelo Aguiar é arquiteto, foi secretário de Educação no Governo do Distrito Federal por duas vezes, em 2010 e 2013/2014, e de Ensino Integral em 2009. Também foi secretário executivo do Ministério do Trabalho em 2012 e secretário Nacional do Bolsa Escola no MEC em 2003. Foi consultor do Unicef para educação na África entre 1999 e 2000 (Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e América Latina entre 2001 e 2002 (Equador, Bolívia, El Salvador e México). Autor dos livros “Educação para enfrentar a pobreza” (2002) e “Educação pós-Covid-19” (2021).
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
- *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Paulo César Nascimento: A economia da velocidade e a política
Que o mundo contemporâneo se caracteriza cada vez mais pela velocidade com que a realidade muda é algo palpável para toda e qualquer pessoa, não importa o país ou a região que habite. Este ritmo acelerado de mudanças atinge todas as instâncias da sociedade, e é, em larga medida, impulsionado pela economia, onde a velocidade se manifesta de forma mais clara, com consequências importantes para a política.
Alguém poderia argumentar, contudo, que não há nada de intrinsecamente novo na dinâmica do mundo moderno, e que mudanças são uma constante desde o surgimento do homo sapiens e suas civilizações. Já no século V a.C., por exemplo, filósofos pré-socráticos assinalaram a mutabilidade do mundo. O caso mais notório é o de Heráclito de Éfeso, cujo conhecido fragmento – “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio: suas águas não são nunca as mesmas e nós não somos nunca os mesmos” – parece atestar que não era indiferente, para os antigos, a ideia de que o mundo estava em constante mutação.
O pensamento de Heráclito, no entanto, se refere ao sempiterno ciclo da natureza, onde tudo se encontra em contínuo movimento. Nas sociedades, ao contrário, mudanças são causadas pela mão humana, sendo que a característica do mundo moderno, especialmente na atual era digital, não é tanto a mutabilidade em si, mas seu ritmo alucinante, sem precedentes na história.
Como o historiador israelense Yuval Noah Harari ilustrou muito bem em seu livro Sapiens: “Se, por exemplo, um camponês espanhol tivesse adormecido no ano 1000 e despertado 500 anos depois, ao som dos marinheiros de Colombo a bordo das caravelas Niña, Pinta e Santa Maria, o mundo lhe pareceria bastante familiar. Apesar das muitas mudanças na tecnologia, nos costumes e nas fronteiras políticas, esse viajante da Idade Média teria se sentido em casa. Mas se um dos marinheiros de Colombo tivesse caído em letargia similar e despertado ao toque de um iPhone do século XXI, ele se encontraria em um mundo estranho, para além de sua compreensão”.
Na realidade, esta velocidade que o mundo moderno experimenta não passou despercebida por diversos pensadores ainda na aurora da revolução industrial e do desenvolvimento capitalista, seja para criticá-la ou enaltecê-la. “Tudo que é sólido desmancha no ar” talvez seja uma das mais famosas frases do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, que veio à luz em 1848. Assinalando que “a burguesia não pode sobreviver sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e com eles as relações de produção”, os autores constatam ainda a “contínua perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação” que este processo estaria gerando. E define a moderna sociedade burguesa como um “feiticeiro incapaz de controlar os poderes ocultos que desencadeou com suas fórmulas mágicas”.
Por volta de um século mais tarde, o influente economista austríaco Joseph Schumpeter também se refere, em sua obra Capitalismo, Socialismo e Democracia, ao dinamismo da economia capitalista, que se manifestava no que ele denominou de “destruição criativa” – a inovação constante que o empresário é forçado a buscar para expandir seus negócios e gerar mais lucros, em um movimento que tornava obsoleto e inútil os produtos e os modos de produção que existiam anteriormente. Para Schumpeter, portanto, um capitalismo que fosse estático seria uma contradição em termos, já que para ele o sistema econômico exige contínua destruição e renovação, criando riqueza e novos negócios, ainda que nesse processo cause a ruína daquelas empresas que não souberam inovar.
Mais recentemente, vários sociólogos também constataram a peculiaridade do ritmo veloz da era moderna, analisando suas consequências para além da economia. É o caso do polonês Zigmunt Bauman, que caracterizou as sociedades modernas como “líquidas”, no sentido de que nelas tudo é fluido e passageiro. As constantes inovações tecnológicas, as mudanças súbitas nos valores e na economia acarretam, segundo Bauman, uma sensação generalizada de insegurança, com consequências que se estendem até ao relacionamento entre as pessoas e suas identidades. Já o sociólogo alemão Ulrich Beck vê a perda de controle sobre a aplicação rápida e massiva de novas tecnologias e a destruição do meio-ambiente como algumas das características das sociedades modernas, que ele denominou de “sociedades de risco”.
Outra corrente contemporânea de pensamento, o chamado “aceleracionismo”, também dedica-se a estudar o caráter dinâmico do capitalismo dos séculos XX e XXI. Inspirado em obras de ficção científica, e na filosofia de Deleuze e Guattari, o aceleracionismo desenvolveu-se de forma bastante eclética, mas tendo como ponto comum o diagnóstico de que, sendo impossível eliminar a dinâmica capitalista, trata-se então de acelerá-la ao máximo, seja para otimizar o processo produtivo e a inteligência humana - em uma versão tecnomaterialista -, seja para alcançar uma socialização mais coletiva que libere o ser humano, em uma versão aceleracionista mais à esquerda.
Os diversos autores e correntes de pensamento aqui sintetizados são apenas alguns exemplos de uma miríade de constatações sobre a formação do que poderíamos chamar de “economia da velocidade”. Com a revolução técnico-científica, a partir da segunda metade do século XX, e o advento da era digital, logo em seguida, eventos estes que envolveram diversas áreas do conhecimento como informática, robótica, telecomunicação, biotecnologia e engenharia genética, todas incentivadas e subsidiadas por grandes corporações, o mundo sofreu alterações ainda mais gigantescas. Estas alterações constituem o que o alemão Klaus Schwab, diretor do Fórum Econômico Mundial, denominou de “Quarta Revolução Industrial”, e que foram acompanhadas pelo desenvolvimento da nanotecnologia, da inteligência artificial e da “internet das coisas”. Estes saberes e instrumentos, aplicados à prática e levados a todas as regiões do planeta pela globalização, constituem uma revolução não só na produção, comércio e serviços, mas também nos valores e comportamento humanos.
A economia da velocidade tem ideologia própria: o desenvolvimento sem limites, atualmente defendido ferrenhamente pelos neoliberais, e presente também no marxismo sob a forma de “desenvolvimento das forças produtivas”. Mas desenvolvimento ou crescimento de que e para quê? Esta questão nunca é explicitada a fundo nas modernas democracias liberais, e no turbilhão da vida cotidiana, nem mesmo é levantada. Desenvolver, contudo, significa expandir e aprofundar algo que “já está ali” in statu nascendi. E o que “já está ali”, na origem da economia da velocidade, é a cultura do consumo, que o crescimento econômico tem que suprir em escalas cada vez maiores e mais rápidas.
O impacto da economia da velocidade na política é enorme e abarca diferentes dimensões. Uma de suas primeiras vítimas é o Estado-nação, cujas fronteiras tradicionalmente serviam para delimitar a cultura, a ordem política e as leis de uma comunidade, garantindo sua segurança e soberania. Nesta era de globalização, que na realidade nada mais é que a expansão mundial da economia da velocidade, o Estado-nação se vê invadido implacavelmente por atividades econômicas e financeiras internacionais, perdendo a capacidade de administrar seu território e elaborar políticas econômicas e sociais com alguma autonomia.
Poder-se-ia esperar que aqueles que se opõem ao status quo – as forças de esquerda, liberais humanistas, etc. – corressem em defesa do Estado-nação contra uma globalização que, tanto a organização global Oxfam como o Fórum Econômico Mundial de Davos reconhecem, não fez mais que acentuar as desigualdades sociais e reforçar a assimetria tecnológica e econômica entre países centrais e periféricos. Mas estas forças parecem sonhar com outro tipo de globalização, enquanto a defesa do Estado-nação tornou-se monopólio da extrema-direita, que prega um nacionalismo xenofóbico contra imigrantes e minorias étnicas e religiosas.
No plano doméstico de cada país, instituições políticas, organizações e agências estatais sofrem diretamente com a velocidade do mundo moderno. Este é o caso do legislativo nas democracias modernas, que não consegue acompanhar o ritmo da sociedade. Corporações, bancos, movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos apresentam reivindicações e exigem a aprovação de leis que o legislativo, com seu burocrático processo decisório, não consegue atender com a rapidez desejada.
É certo que este é um problema quase tão antigo como a humanidade. Basta lembrar que Platão, ainda no século IV a.C., já apontava, no diálogo O Estadista, o descompasso entre as leis escritas e a dinâmica da realidade. E, em fins dos anos 50 do século passado, cientistas políticos da escola behaviorista, como David Easton, assinalaram que os sistemas políticos modernos entram em desequilíbrio quando as crescentes demandas ou inputs vindos da sociedade não recebem o número adequado de outputs ou respostas de parte do sistema político. No acelerado século XXI, contudo, este gap entre demandas e legislação se tornou ainda mais acentuado.
É preciso assinalar, por outro lado, que o Estado viu-se obrigado, historicamente, a multiplicar suas funções para atender à crescente complexidade da economia e à competição cada vez mais desenfreada das empresas no mercado interno e internacional, criando uma infinidade de órgãos de fiscalização, serviços sociais, agências reguladoras, etc. É certo que esta imensa burocracia acabou por comprometer a eficiência da administração, além de gerar crescentes déficits fiscais. Mas os filisteus neoliberais que colocam a culpa de todos os males do mundo no Estado esquecem que boa parte dos problemas deste tem origem justamente no tipo de economia e sociedade que defendem.
Além de enfraquecer o poder do Estado e suas instituições, a economia da velocidade afeta também o mercado de trabalho. Inovações ligadas à biotecnologia, informática, inteligência artificial, automação e disseminação do uso de algoritmos têm eliminado um número imenso de profissões, substituindo trabalhadores tanto em atividades físicas como cognitivas. Na realidade, o crescimento econômico já não expande o mercado de trabalho significativamente, e os postos criados são aproveitados apenas por aqueles poucos trabalhadores capazes de acompanhar as novas exigências das profissões especializadas.
Nesta situação, a grande maioria dos trabalhadores desempregados é obrigada a sobreviver de seguro social, ou tornam-se terceirizados, autônomos ou informais, com pouco ou nenhum direito trabalhista. As desigualdades sociais e a precariedade do trabalho aumentam, surgindo uma situação potencialmente explosiva que pode gerar distúrbios sociais e instabilidade política.
Além disso, na economia da velocidade, informação é tudo. A disputa desenfreada por fatias de mercado e consumidores faz com que empresas desenvolvam imensos arquivos de Big Data, através da tecnologia da informação e algoritmos, capazes de armazenar dados sobre as opções de consumo de populações inteiras. Pior ainda, sistemas biométricos que permitem o monitoramento do comportamento humano estão sendo desenvolvidos por governos e empresas, reforçando um tipo de sociedade tendencialmente totalitária, como a descrita por George Orwell, em 1984.
Todas estas facetas do mundo moderno - economia veloz fomentando um consumo desenfreado, esgotamento dos recursos naturais e colapso do meio-ambiente, enfraquecimento do Estado e suas instituições, difusão de tecnologias que restringem o mercado de trabalho, advento de uma sociedade de vigilância - variam evidentemente de acordo com a história, a economia, a cultura e a situação política de cada país. Mas não deixam de tornar sombrias quaisquer previsões a respeito do futuro da humanidade, e levantam a questão sobre qual seria a melhor política para combatê-las.
Em um primeiro momento, poderia parecer que, se os problemas gerados pela economia da velocidade advêm da estrutura econômica e da arraigada cultura de consumo da contemporaneidade, somente uma mudança radical, uma verdadeira revolução política, poderia colocar as sociedades sobre novos trilhos. Extremistas míopes e radicais de salão compartilham dessa visão, achando que é possível organizar uma resistência popular voltada para a derrubada de tal sistema, quando chegar o inevitável momento da crise econômica e instabilidade social.
O problema com essa estratégia é que, mesmo que ocorra uma situação de ruptura política, o novo governo que subir ao poder se confrontará com a mesma estrutura anterior que forma a base da economia da velocidade e sua cultura de consumo que, por sua vez, já faz parte do modo de vida da população e é por esta legitimada. Nesses casos, abre-se um abismo intransponível entre a nova elite dirigente e a população. Este foi o caso da revolução russa e de outros movimentos revolucionários que fracassaram em construir um novo modelo de sociedade.
Outra estratégia, de longa tradição na política, defendida por forças de centro-esquerda, é a de introduzir reformas paulatinas no sistema político, social e econômico, em um contexto de aprofundamento da democracia, de forma que essas mudanças sejam acompanhadas de uma conscientização da população sobre a necessidade de um novo modelo de sociedade, mais igualitário e solidário. Esta política foi levada a cabo pela socialdemocracia europeia, que obteve êxito em construir um “Estado de bem-estar social” na Europa, principalmente nos países escandinavos.
Ainda assim, seu êxito foi limitado. A acusação algo simplista que os comunistas dirigiam à socialdemocracia – que esta não fazia mais que “administrar o capitalismo”, acabou, ironicamente, revelando-se verdadeira, pois o ethos consumista nunca foi seriamente combatido pelos governos socialdemocratas, e a expansão do mercado acabou por desequilibrar a relação entre desenvolvimento e bem-estar, enfraquecendo os sindicatos e fortalecendo a mentalidade consumista.
A socialdemocracia foi também perdendo sua identidade política na medida em que enfrentou as sucessivas ondas neoconservadoras e neoliberais que surgiram desde os anos 80 do século passado com um discurso adaptado ao ideário liberal. Essa mudança na visão da socialdemocracia recebeu tratamento programático e teórico na ideia de “terceira via” do Partido Trabalhista britânico sob a liderança do então primeiro-ministro Tony Blair (1997-2007). Desde então, o Estado de bem-estar social vem sendo desmontado por políticas de ajuste fiscal e cortes orçamentários, comprometendo o nível de vida dos trabalhadores.
Para a centro-esquerda dos países periféricos, a questão da exclusão social é especialmente grave. O aprofundamento da democracia, nesses casos, tem como objetivo principal a inclusão social, e não poderia ser diferente. Alguns obstáculos, contudo, aparecem no caminho dessa estratégia. Operar reformas em contexto democrático exige apoio popular e respaldo político. Daí a tendência da centro-esquerda de formar amplas alianças com forças políticas muito diversas, de forma a garantir um apoio mais consistente tanto na sociedade como no governo. Tal política de alianças, por sua vez, sempre exige distribuição de poder entre aliados pouco ou nada comprometidos com mudanças políticas e sociais, o que acaba enfraquecendo o projeto de reformas, além de gerar constantes crises políticas.
Outro problema diz respeito ao aprofundamento do sistema democrático enquanto tal. Uma radicalização da democracia, que incorpore as camadas sociais excluídas, certamente irá reforçar a cultura do consumo e o sistema da economia da velocidade. Os excluídos, naturalmente, vão querer se atirar aos produtos e às bugigangas eletrônicas que simbolizam a aquisição de status social. Não vão ouvir apelos ao “desenvolvimento sustentável” nem sermões de teóricos do “decrescimento” sobre a necessidade de conter o consumo. E quem poderia condená-los, se este é o comportamento das elites que lhes servem de modelo e a realidade da cultura dominante da sociedade?
Pode ser que o teórico marxista Frederic Jameson estivesse certo quando disse que “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”. Mas pesando os prós e contras, a estratégia de reformas é mais sensata e promissora que o “assalto aos céus” preconizado pelos extremistas. É difícil, no contexto das atuais democracias modernas, imaginar outra política de mudanças que não esteja baseada em uma estratégia reformista. Mas analisando a experiência nesse sentido, é preciso enfrentar o que parece ser um dos seus grandes desafios: como promover reformas que não se percam no emaranhado de alianças políticas, e que, ao amenizarem as consequências da economia da velocidade, não mantenham, paradoxalmente, o sistema que a sustenta.
*Professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)
Convite: Sessão Especial destinada a comemorar os 55 anos de fundação da Universidade de Brasília - UnB
A presente comemoração se realiza em virtude da aprovação, pelo Plenário do Senado, de requerimento dos Senadores Cristovam Buarque, Hélio José e Reguffe.
27/04/2017 Às: 9h
Local: Plenário do Senado Federal
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