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José Casado: Um lobby de alto risco

Bolsonaro interferiu em disputa da Universal em Angola

Jair Bolsonaro deu impulso a um lobby assumindo o risco de criar uma crise nas relações com Angola.

Ele pediu a interferência do presidente João Lourenço na disputa local da Igreja Universal do Reino de Deus, uma sociedade angolana de direito privado. Lourenço respondeu-lhe na semana passada: “(O caso) terá o tratamento cabível na Justiça”.

A Universal enfrenta um cisma em Angola. Mês passado 85 templos foram assumidos por pastores angolanos em rebelião contra a liderança brasileira. Há sete meses 320 deles justificaram a separação com denúncias de delitos da hierarquia brasileira. As investigações seguem.

Rupturas fazem parte da paisagem da Universal nos EUA, Reino Unido, Bélgica e Zâmbia. Ela emergiu no Rio no vigor do movimento evangélico, que cresceu 540% em três décadas, para 42,2 milhões (Censo de 2010). Floresceu no televangelismo da teologia da prosperidade, num amálgama de interesses entre igreja, partido, banco e rede de rádio e televisão.

Aportou em Angola há 28 anos, na expansão africana iniciada por Marcelo Crivella, prefeito do Rio, coordenador do partido Republicanos e visto como herdeiro do tio, Edir Macedo, líder nos negócios da igreja. Candidato à reeleição, trouxe ao partido da Universal um par de filhos de Bolsonaro. O pai, sem partido, hesita na adesão por incerteza sobre a reação de outras alas evangélicas como a Assembleia de Deus.

Bolsonaro usou o cargo e o Itamaraty para intervir no cisma da Universal. Justificou a Lourenço sua “preocupação” — legítima —com 65 brasileiros. Mas foi além. Tomou parte na briga da sociedade privada angolana. Classificou a disputa nos templos como “invasões” e qualificou dissidentes como “ex-membros” da igreja.

Inflou um lobby em Brasília, que já prepara uma comitiva do Senado a Luanda em defesa dos interesses da Universal. Desta vez, ao usar organismos de Estado para defender negócios de aliados, Bolsonaro pôs em risco um legado diplomático de 45 anos na África, consolidado pelo Itamaraty no regime militar, quando o Brasil foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola.


Julianna Sofia: O jetom da Universal

PF precisa investigar pagamentos do bispo Edir Macedo a chefe da Secom

A Comissão de Ética da Presidência da República liberou o chefe da comunicação do governo Jair Bolsonaro para receber dinheiro, por negócios privados, de emissoras de TVs e agências publicidade que são contratadas pela própria secretaria comandada por Fabio Wajngarten.

Mesmo diante de evidente conflito de interesses, o colegiado arquivou a denúncia, sem investigar.

Sabe-se agora que entre os clientes da empresa da qual Wajngarten detém 95% das cotas está a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo —dono da TV Record, também freguesa do chefe da Secom. Sabe-se ainda que, depois de nomeado para o cargo no governo, o secretário obteve um aumento de 36% nos ganhos mensais da igreja por meio de um aditivo.

O contrato com a Universal foi informado pela defesa de Wajngarten no dia do julgamento na comissão, que fechou os olhos para o fato.

Em 2019, mais de um terço do faturamento mensal da FW Comunicação proveio dos préstimos ao bispo. Sua emissora está entre as mais bem aquinhoadas com verbas federais desde que o bolsonarismo instalou-se no Palácio do Planalto. Tanto prestígio também se reflete na agenda do presidente e do secretário —ele viajou a Israel para participar de um evento da Record em maio do ano passado; Bolsonaro já foi abençoado por Edir Macedo no Templo de Salomão (SP).

A Iurd afirma que os serviços foram prestados pela FW e que o reajuste faz parte de cláusula contratual. Para Wajngarten, contratos, valores e datas revelados pela Folha são informações sigilosas descontextualizadas. O secretário diz haver uma campanha persecutória em curso.

Se acredita ser vítima de uma cruzada, por que o secretário chegou a propor à Comissão de Ética deixar a condição de sócio da FW, transferindo suas cotas na sociedade para a mulher? —hipótese que o colegiado dispensou solenemente.

Caberá agora ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao TCU investigar o jetom da Universal.