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Bernardo Mello Franco: A nova UDN e a pipoca sem milho

O criador do novo partido que espera receber a família Bolsonaro confessa não saber muito sobre a velha UDN: ‘Puxei muito pela internet, entendeu?’

O Brasil tem 75 partidos políticos à espera de registro. Um deles já planeja nascer grande. É a nova UDN, que tenta ressuscitar uma sigla extinta há meio século para abrigar a família Bolsonaro.

O fundador da legenda, Marcus Alves de Souza, está animado. Ele diz que o clã ficou sem clima no PSL depois do escândalo do laranjal. A negociação foi noticiada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, mas o dirigente evita comemorar as filiações ilustres. “Não posso fazer a pipoca sem ter o milho”, explica.

Souza tem planos imodestos. Quer filiar 35 deputados, o que transformaria a nova UDN na quarta maior bancada da Câmara. Também planeja atrair 12 senadores e 12 governadores, mas se recusa a revelar seus nomes. “Não fica de bom tom, né?”, desconversa.

O dirigente confessa saber pouco sobre a velha UDN. “Era um partido conservador, de direita, né? A gente vai continuar com esse DNA”, promete. Ele disse ter lido sobre a história da sigla, mas não soube citar nenhum livro a respeito. “Puxei muito pela internet, entendeu?”. O bolsonarista se surpreendeu ao constatar que ninguém havia tido a ideia antes. “O nome estava lá guardadinho, esperando eu pegar”, festeja.

Fundar uma sigla requer investimento, mas Souza diz que sua pipoca saiu quase de graça. Ele afirma ter reunido “quase 400 mil assinaturas” sem pedir ajuda a grandes empresas. “Não tem empreiteira, não tem banqueiro e não tem bicheiro”, discursa.

Souza diz que a nova UDN será “o partido mais sério do Brasil”, e não uma sigla de aluguel. Em 2017, ele foi exonerado do governo capixaba, onde era subsecretário da Casa Civil, sob a acusação de embolsar o salário de um assessor. O dirigente diz ter sido vítima de armação. “Foi uma coisa raivosa contra mim”, defende-se.

Autora do clássico “A UDN e o Udenismo”, a socióloga Maria Victoria Benevides diz que a apropriação da sigla é uma falsificação da história. “A UDN era conservadora, mas as diferenças são enormes. Isso é o mais puro oportunismo”, sentencia.

O dono da nova UDN parece não se incomodar: “Se todo mundo gostasse da maçã, o que seria da pera?”.


O Estado de S. Paulo: Clã Bolsonaro negocia migrar para nova UDN

Filhos do presidente articulam deixar PSL e ingressar em sigla em formação que pretende reeditar antiga União Democrática Nacional, símbolo da centro-direita no País

Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, de O Estado de S.Paulo

Com o PSL em crise e sob suspeita de desviar verba pública por meio de candidaturas “laranjas” nas eleições de 2018, os filhos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) negociam migrar para um novo partido, que está em fase final de criação. Trata-se da reedição da antiga UDN (União Democrática Nacional).

Segundo três fontes ouvidas pela reportagem em caráter reservado, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) se reuniu na semana passada em Brasília com dirigentes da sigla para tratar do assunto. Ele tem urgência em levar adiante o projeto. Eleito com 1,8 milhão de votos, Eduardo teria o apoio de seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). Com esse movimento, a família Bolsonaro buscaria preservar seu capital eleitoral diante do desgaste do partido.

Enquanto ainda estava internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, Jair Bolsonaro acionou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, para que determinasse investigações sobre o caso.

As suspeitas atingiram o presidente da legenda, deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE), e foram pano de fundo da crise envolvendo o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, que foi chamado de mentiroso por Carlos Bolsonaro depois de afirmar que tratara com o pai sobre o tema. Após cinco dias de crise, Bebianno deve ser exonerado do cargo nesta segunda-feira, 18, por Bolsonaro.

Além de afastar a família dos problemas do PSL, a nova sigla realizaria o projeto político de aglutinar lideranças da direita nacional identificadas com o liberalismo econômico e com a pauta nacionalista e conservadora, defendida pelo clã Bolsonaro.

No começo do mês, Eduardo foi ungido por Steve Bannon, ex-assessor do presidente americano Donald Trump, como o representante na América do Sul do The Movement, grupo que reúne lideranças nacionalistas antiglobalização.

O projeto do novo partido é tratado com discrição no entorno do presidente. Em 2018, a UDN foi um dos partidos – embora ainda em formação e sem registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – sondados por interlocutores do presidente para que ele disputasse a eleição, mas a articulação não avançou. Depois de anunciar a adesão ao Patriota, Jair Bolsonaro acabou escolhendo o PSL.

Assinaturas. A nova UDN é um dos 75 partidos em fase de criação, conforme o TSE. Segundo seu dirigente, o capixaba Marcus Alves de Souza, apoiadores já reuniram 380 mil assinaturas – são necessárias 497 mil para a homologação da legenda. O partido já tem CNPJ e diretórios em nove Estados, como exige a legislação eleitoral para a homologação. Ela tem em Brasília um de seus principais articuladores, o advogado Marco Vicenzo, que lidera o Movimento Direita Unida e coordena contatos com parlamentares interessados em aderir ao novo partido. A articulação envolveria ainda o senador Major Olímpio (PSL-SP), que nega.

Souza prefere não comentar as tratativas do partido que estão em curso. Ele, porém, admitiu que a intenção é criar o maior partido de direita do País. Como se trata de uma sigla nova, a legislação permite a migração de políticos sem que eles corram o risco de perder seus mandatos. “O único partido que tem o DNA da direita é a UDN. A gente não pode ter medo de crescer, mas com responsabilidade”, afirmou.

Souza deixou o Espírito Santo, onde atuou na Secretaria da Casa Civil do ex-governador Paulo Hartung, e mudou-se para São Paulo para concluir a criação da nova UDN, que adotou o mesmo mote de sua versão antiga: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. “Nosso sonho é que a UDN renasça grande e se torne o maior partido do Congresso”, afirmou seu presidente. Ele disse ainda que a legenda pretende apoiar o governo Bolsonaro e está aberta “para receber pessoas sérias do PSL e de qualquer partido”.

Palácio. Procurada pelo Estado, a assessoria do Palácio do Planalto informou que não ia se manifestar sobre o assunto. A reportagem procurou ainda as assessorias do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), do deputado Eduardo Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro, mas nenhuma delas se manifestou.

Bivar, presidente da legenda, também foi procurado, mas não respondeu ao Estado.

‘Sigla tem forte apelo popular’, diz historiador

Em processo de homologação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a UDN, sigla que pode abrigar o clã Bolsonaro, foi inspirada no partido que nasceu em 1945 para aglutinar as forças que se opunham à ditadura de Getúlio Vargas.

Com o discurso de moralização da política e contra corrupção, a frente unia originalmente desde a Esquerda Democrática – que romperia um ano depois com a sigla e fundaria o Partido Socialista Brasileiro – a antigos aliados de Vargas, como o general Juarez Távora e o ex-governador gaúcho Flores da Cunha, rompidos com o ditador.

Em 1960, o partido apoiou a eleição de Jânio Quadros, eleito presidente, e, em 1964 , a deposição do governo de João Goulart. “O PSL é um partido de aluguel, já a UDN tem um apelo histórico e popular. Os Bolsonaros podem usar isso”, disse o historiado Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Líderes. Ele lembra que a antiga UDN, embora “muito ideologizada”, tinha um perfil heterogêneo. O mesmo pode acontecer com a nova versão do partido. Enquanto a versão original da UDN tinha líderes como o brigadeiro Eduardo Gomes, o jurista Afonso Arinos e os ex-governadores Carlos Lacerda (Guanabara), Juracy Magalhães (Bahia) e Magalhães Pinto (Minas), a nova legenda tem potencial para atrair lideranças do DEM ao PSDB, passando pelo MBL.

Entre os políticos que são vistos como “sonho de consumo” da UDN em 2019 está o governador de São Paulo, João Doria, que descarta a ideia de deixar o PSDB.


Ruy Fabiano: A gangorra do destino

Lula e Jair Bolsonaro, os dois fenômenos contemporâneos da política brasileira – um em declínio, outro em ascensão -, foram forjados por vias opostas, que, no entanto, os levaram a resultado equivalente: tornaram-se lideranças populares e populistas, quebrando convenções, protocolos e padrões de conduta do meio.

A semelhança finda aí. Lula teve, desde o início, ainda na década dos 70, trajetória marcada pela simpatia da mídia, dos artistas e intelectuais, que, em conjunto, compuseram um personagem romanesco: o retirante que vence barreiras sociais e, de líder operário, chega a chefe de partido e presidente da República.

Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, protagonizou narrativa inversa, marcada por vaias, insultos e processos judiciais. O mesmo universo que incensou Lula depreciou-o num grau extremo, que o tornou uma espécie de anticristo da política brasileira.

Nazista, fascista, homofóbico, racista, machista são apenas alguns dos apodos com que foi brindado ao longo de sua carreira.

Nada indicava que tal trajetória desembocaria em popularidade. Desde sua matriz profissional, colecionou problemas. Em 1986, capitão do 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, foi preso por quinze dias após publicar artigo na revista Veja, reclamando dos salários dos militares.

A mesma postulação o levaria, um ano depois, a se meter em outra encrenca, acusado de participar de ação subversiva que previa até o uso de bombas nos quartéis. Foi absolvido pelo STM, mas a agitação que provocou comprometeu sua carreira.

Estava mais para sindicalista que militar. Como sua categoria não é sindicalizável, migrou diretamente para a política em 1988, passando à reserva do Exército. Elegeu-se vereador no Rio de Janeiro – e, desde então, não mais cogitou em voltar ao quartel.

Jamais, porém, perdeu os vínculos com seus antigos companheiros de farda e deve em parte a eles as sucessivas reeleições à Câmara. Foi sempre o candidato da Vila Militar do Rio.

Aos 62 anos – é dez anos mais novo que Lula -, está no seu sexto mandato de deputado federal. Sua carreira parlamentar não foi mais tranquila que a militar. Pelo contrário, teve ali espaço para dar expansão a um temperamento impulsivo e explosivo, que não mede palavras, o que o levou a colecionar inimigos e processos.

É classificado ideologicamente como de direita; Lula como de esquerda. Mas ambos frequentemente violam as respectivas ortodoxias e escandalizam os próprios seguidores. Lula já elogiou o governo Médici, enquanto Bolsonaro certa vez elogiou Hugo Chávez.
Seus aliados, no entanto, absorvem essas heresias em nome de um culto que está para além do meramente racional.

As mutações do Brasil, a partir da Era PT, em 2003, inverteriam o destino de ambos. Lula encontrou-se com a vaia e a desonra, enquanto Bolsonaro passou a conhecer o aplauso e a admiração. A chave dessa mudança é uma palavra simples, historicamente corrente na política brasileira: corrupção.

No poder, Lula, que construiu sua ascensão a partir de um discurso fortemente moralista (Brizola chegou a chamá-lo de “a UDN de macacão”), associou-se a ela de tal modo que hoje, além de condenado em um processo, é réu em mais seis.

Tenta se defender acusando a Justiça de criminalizar a política, mas o que faz, na prática, é investir na politização do crime. “O que o PT fez é o que todos fazem”, disse certa vez, como se a vulgarização de um delito o revogasse. Como Sérgio Cabral, quer rebatizar a corrupção, chamando-a de “contribuição de campanha”.

Corre o risco de findar sua carreira na cadeia - e não só ele, mas correligionários e aliados, e até os que posavam de adversários, como o PSDB. Todos, em graus variados, estão hoje às voltas com a Lava Jato. E foi exatamente esse o universo político que se opôs desde o início a Bolsonaro e lhe esculpiu a imagem de pervertido.

O strip-tease moral dos adversários inverteu a equação, conferindo ao capitão da reserva – e pré-candidato à Presidência da República - foros de herói político. É, de fato, um dos raros parlamentares ficha limpa no atual Congresso, condição ressaltada até por gente que nenhuma afinidade ideológica tem com ele, como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, ao tempo do Mensalão.

Bolsonaro hoje é saudado triunfalmente onde chega. Na quinta-feira, uma multidão paralisou o aeroporto de Manaus para recebê-lo. Tem sido uma rotina. Sua crescente popularidade, atestada em pesquisas, associa-se à sua origem militar e, segundo recente manifestação do general Mourão, é bem vista nos quartéis.

Honestidade, matéria escassa na vida pública, converteu-se em patrimônio político, capaz de compensar limitações e deficiências de outra ordem. Foi por essa via que Lula ascendeu - e, ao profaná-la, caiu. Na gangorra da política, está neste momento no chão, enquanto seu antípoda, Bolsonaro, o contempla do alto.