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'Cultura deveria funcionar dentro do Ministério da Educação’, diz Caio de Carvalho
Diretor executivo do Canal Arte 1 do Grupo Bandeirantes de Comunicação concedeu entrevista exclusiva à nova edição da revista Política Democrática online
“Penso que a cultura não deveria estar em um ministério à parte. Deveria funcionar dentro do Ministério da Educação, para que se pudesse fazer um trabalho de base, junto às escolas, à garotada, isto é, de forma que a gente pudesse ter um processo realmente na base da pirâmide”. A afirmação é do diretor executivo do Canal Arte 1 do Grupo Bandeirantes de Comunicação, Caio de Carvalho, em entrevista à 12ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.
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Com acesso gratuito pelo site da FAP, a revista traz em sua nova edição a entrevista exclusiva com doutor em comunicação social e advogado formado pela USP (Universidade de São Paulo). Ele acredita que, se fosse feito um trabalho de base, seria possível influenciar, em um país com imensos problemas educacionais e culturais, a TV aberta a usar sua força para ajudar a educar e levar cultura a todos os brasileiros, e não medir com réguas de pesquisas programação centrada em alegria, entretenimento, como se o povo preferisse o banal.
“Um escritor conservador, como Mario Vargas Llosa, já questionou tudo isso que está acontecendo na televisão de nossos dias”, comentou ele, durante a entrevista concedida ao diretor da FAP Caetano Araújo, com colaboração de Vladimir Carvalho e Martin Cézar Feijó. Segundo ele, o Arte1 surgiu, justamente, por causa de legislação, que dispõe a obrigatoriedade de reservar três horas por dia para produção nacional.
“É uma missão do canal. Nessas três horas, temos de apresentar, no mínimo, de 22 a 23 horas por semana de produção nacional, que é fruto de produção independente e de produção própria nossa”, afirma. “Quanto à produção estrangeira, minha equipe, integrada por jovens muito competentes, circula por feiras e amostras no exterior, em busca de materiais novos que valham a pena. A tarefa se facilita porque nossos parceiros internacionais sabem já o que nós queremos”, conta.
Carvalho, que também é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), considera-se um cinéfilo. “Daí ter trazido para o Arte1 os filmes chamados clássicos, para não mencionar produções próprias, como a entrevista que fizemos com Ettore Scola, uma obra prima, um mês de sua morte. Outro dia eu peguei o Giancarlo Gianinni – que nem sabia que ele quase veio trabalhar no Brasil aqui, antes de ser cineasta – para falar de toda a história de seus filmes”.
Ele também foi ministro de Estado de Esportes e Turismo. Foi presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), do Conselho Executivo da Organização Mundial de Turismo (OMT) e da São Paulo Turismo S/A. É membro dos Conselhos da Japan House, do Museu de Arte Moderna e do Museu da Língua Portuguesa.
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Diretor Executivo no Grupo Bandeirantes de Comunicação e coordenador do Canal Arte 1, Caio Luiz de Carvalho critica qualquer tentativa de impor, de volta, a censura nos meios de comunicação em nosso país, onde a liberdade de expressão foi conquistada a duras penas
Por Caetano Araujo e com a colaboração de Vladimir Carvalho e Martin Cezar Feijó
Doutor pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2009), graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (1976) e professor extra carreira da Fundação Getúlio Vargas, o diretor geral da ENTER-Entertainment Experience, empresa de eventos do Grupo Bandeirantes de Comunicação, Caio Luiz de Carvalho, há 12 anos é responsável pelo Canal Arte 1, que nasceu com o objetivo de levar arte e cultura a todos os brasileiros. Ferrenho defensor da liberdade de expressão em nosso país, ele é o entrevistado especial desta edição da Revista Política Democrática Online.
Caio de Carvalho foi ministro de Estado de Esportes e Turismo, presidente da Embratur, presidente do Conselho Executivo da OMT –Organização Mundial de Turismo e presidente da São Paulo Turismo S/A. De acordo com ele, que também é membro dos Conselhos da Japan House, Museu de Arte Moderna e Museu da Língua Portuguesa, no Arte 1 não existe nenhuma forma de censura. "Os produtores dispõem de espaço totalmente aberto para criar nas mais diversas linguagens", afirma Caio de Carvalho. "O Arte 1 continua cumprindo seu papel, de ser um canal que nasceu com o objetivo de levar arte e cultura a todos os brasileiros. Censura não passa pela porta do canal, nem do grupo Bandeirantes", completa
Na entrevista especial, Caio de Carvalho comenta o papel do Arte 1 na difusão da cultura em todo o país, bem como a questão da democratização do acesso à cultura em nosso país e o avanço das novas tecnologias e plataformas digitais, como o streaming. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Revista Política Democrática Online (RPD): O Arte 1 tem um formato clássico de televisão pública, a exemplo do que se passa na Europa e nos Estados Unidos. E, no entanto, o Arte 1 é levado por empresa privada. Como foi essa mágica?
Caio de Carvalho (CC): Tenho de esclarecer que não foi mágica minha. Quando saí do governo, em 2002, fui para Oxford e lá tomei contato e me apaixonei pelo projeto dos ingleses das indústrias criativas. Mais de dez anos depois, em 2011, veio o convite para assumir um posto no grupo Bandeirantes de Comunicação. Era, na realidade, um posto na área de seminários, eventos e tudo mais. Só que estava em gestação uma legislação na área de audiovisual, que abriria espaço para o surgimento de canais de espaços qualificados. No grupo Bandeirantes, o presidente, João Carlos Saad, o Johnny Saad, é um apaixonado por arte, ele mesmo sendo colecionador de obras. Seu sonho era atuar nessa área. A ele, juntaram-se outros amantes de arte, Paulo Saad Jafet e Salomão Schwartz, infelizmente falecido há pouco, além de Rogério Galo, que ainda hoje continua em televisão. Ao surgir a oportunidade de um canal cultural, a Bandeirantes conseguiu tornar realidade o sonho da família, e o Arte1 foi lançado, em 2011.
Assumi em fins de 2012 a direção executiva do que hoje é considerada a obra prima da televisão brasileira. Inspirou-se, sem dúvida, no exemplo da França, mas nos esforçamos para encontrar nosso próprio caminho. O canal “Artè” francês, de certa forma, se popularizou um pouco, ou seja, sua curadoria se abriu para permitir tipos de conteúdo mais light. O Arte1 se pauta por pesquisas que nos indicam estarmos com melhores conteúdos na comparação com os outros canais com programação semelhante. Atingimos o público classe A e B, mas, de certa forma, o canal nasceu com o objetivo de levar arte e cultura a todos os brasileiros. Pode parecer um paradoxo, porque nós estamos na TV paga, mas teve de ser assim. Não temos propriamente anúncios comerciais convencionais; temos, sim, bons parceiros, que querem estar com suas marcas associadas a conteúdos especiais, como é o caso daquilo que exibimos no canal Arte1. Ainda assim graças a esses parceiros e aos assinantes somos um canal autossustentável.
Estamos celebrando o sétimo aniversário, com cerca de 12 milhões e meio de assinantes. É um canal de sucesso. Já tivemos, é verdade, 13 milhões e 200, redução que acompanhou, no entanto, a queda dos assinantes das operadoras, no rastro de novas estratégias de mercado, como o streaming, plataformas diversas como Netflix, plataformas independentes etc. Os assinantes vêm migrando das operadoras para essas plataformas. De olho nisso, nós já estamos no streaming também com o Arte1 Play, que, para nós, é um desafio e é motivo de enorme orgulho. Arte1 está-se firmando como um produto de conteúdo, com mais de 40, 50 produtoras parceiras independentes. Ao longo desses sete anos, o canal já tem cerca de 800 horas de produção de conteúdo próprio, atemporal.
RPD: Em algum momento, vocês enfrentaram problemas com a censura?
CC: É um absurdo pensar em censura no mundo de hoje e num país como o nosso, cuja liberdade de expressão foi conquistada a duras penas. O Arte 1 continua cumprindo seu papel. Aqui não existe nenhuma forma de censura. Os produtores dispõem de espaço totalmente aberto para criar nas mais diversas linguagens. Censura não passa pela porta do canal, nem do grupo Bandeirantes. Adotamos, porém, alguns critérios de classificação etária para alguns programas, como se vê, aliás, no universo dos filmes comerciais.
RPD: A seu juízo, existe alguma relação entre a programação cultural, num sentido amplo, e a democratização do acesso a bens culturais? Caberia falar-se de uma questão paralela, o fortalecimento de uma política cultural democrática?
CC: O tema é extremamente complexo. Penso que a cultura não deveria estar em um ministério à parte. Deveria funcionar dentro do ministério da Educação, para que se pudesse fazer um trabalho de base, junto às escolas, à garotada, isto é, de forma que a gente pudesse ter um processo realmente na base da pirâmide. Talvez assim fosse possível influenciar, em um país com nossos imensos problemas educacionais e culturais, a TV aberta a usar sua força para ajudar a educar e levar cultura a todos os brasileiros, e não medir com réguas de pesquisas programação centrada em alegria, entretenimento, como se o povo preferisse o banal. Um escritor conservador, como Mario Vargas Llosa, já questionou tudo isso que está acontecendo na televisão de nossos dias. [1] Canais do tipo Arte1 se preocupam em fazer uma programação de qualidade para todo o público.
Você fez uma relação entre democracia e cultura. Acho que uma não existe sem a outra. Discutimos muito se tudo que é arte é cultura, se tudo que é cultura é arte. Mas o fato é que não são temas, conceitos, devidamente valorizados hoje pelos governos municipais, estaduais ou federal. A cultura é uma coisa muito séria, e eu só vejo essa questão da cultura a partir da educação. Não adianta termos ministérios frágeis, sem recursos. Reforço: a cultura é fundamental para qualquer país que queria tornar-se civilizado, um país que queira cuidar de suas gerações futuras.
RPD: Você se referiu à tendência à banalização das mensagens da televisão. No entanto, o Arte 1 populariza sem vulgarizar. Como conciliar entretenimento e arte?
CC: Acho que é possível. Eu mesmo fui atrás de um projeto francês de música clássica, proibido para maiores de 50 anos. Fiz de tudo para comprá-lo e consegui. Trata-se de um projeto maravilhoso, destinado a educar a criança sobre como se constitui uma orquestra, como se faz uma composição, a história dos grandes clássicos da música e tudo mais. É, sem dúvida, uma forma de entretenimento.
Há outro projeto no Arte 1, que é vitorioso. Estamos partindo para a quarta temporada. É sobre a arte da fotografia, que, na verdade, é um reality, sem ser uma competição, mais uma aula de fotografia. É conduzido por dois profissionais experientes, Claudio Feijó e Herbert Nogueira, que não ensinam apenas fotografia, ensinam a questão do olhar. É um projeto que está dando certo, num canal fechado, e é, também, de entretenimento.
Estamos explorando, agora, outro programa: uma batalha de pianos com a participação de jovens talentos de piano. Acreditamos, pois, que é possível trabalhar no Arte 1 mais para o lado do entretenimento, sem deixar o objetivo principal que é educar para a arte, educar para aquilo que é o objetivo do canal. Estamos convencidos de que esse é o caminho.
RPD: Como o Arte1 distribui a programação entre material produzido no Brasil e no exterior?
CC: O Arte1 surgiu, justamente, por causa de legislação, que dispõe a obrigatoriedade de reservar três horas por dia para produção nacional. É uma missão do canal. Nessas três horas, temos de apresentar no mínimo de 22 a 23 horas por semana de produção nacional, que é fruto de produção independente e de produção própria nossa. Quanto à produção estrangeira, minha equipe, integrada por jovens muito competentes, circula por feiras e mostras no exterior, em busca de materiais novos que valham a pena. A tarefa se facilita porque nossos parceiros internacionais já sabem o que nós queremos.
Além disso, tenho minhas preferências, que cultivo desde a universidade. Sou um cinéfilo. Daí ter trazido para o Arte1 os filmes chamados clássicos, para não mencionar produções próprias, como a entrevista que fizemos com Ettore Scola, uma obra prima, um mês antes de sua morte. Outro dia eu peguei o Giancarlo Giannini – que eu nem sabia que quase veio trabalhar aqui no Brasil, antes de ser cineasta – para falar de toda a história de seus filmes. Temos mais de 30 filmes brutos aqui, produções nossas, que estamos editando para passar em seu momento no canal, filmes atemporais e muito especiais.
RPD: Esses vídeos estão à venda?
CC: Temos o Arte1 Play que está no ar. Tanto em plataforma iOS da Apple quanto Android de Samsung e outros aparelhos nesse formato. É um produto barato, R$ 7,99 por mês, que dá direito a conteúdos os mais diversos possíveis e que podem ser acessados não só por televisores grandes, mas também por smartphones e tablets. Tenho uma série que é a paixão de muita gente. Já comprei a segunda temporada, num total de 30 programas, se chama This is Opera. É uma maravilha. É conduzido por um catalão que estou pensando em trazer para fazer uma apresentação aqui no Brasil. Esse programa é outro exemplo de que é possível conjugar arte e entretenimento.
RPD: Arte1 trabalha com grande diversidade de programas: música, cinema, filmes, artes plásticas, fotografia, dança. A seu ver, quais são, hoje, as principais frentes de atuação do Arte1 e quais serão em futuro próximo?
CC: Desde 2013, usamos o horário das 10 e meia da noite para programas com a diversidade a que você se refere. Sabemos que há amplo leque de idade em nosso universo de telespectadores, e que, naquela hora, as novelas já se encerraram, dando início à prática do zapeamento de canais. Decidimos nos concentrar aí em nosso prime time. Às segundas, é dia de concertos; às terças, artes visuais; às quartas, dança; às quintas, séries de arte; às sextas, filmes clássicos; aos sábados, Magazine Arte 1 com o New York Times, que é a única parceria fora da mídia impressa feita no mundo pelo New York Times; e aos domingos, literatura, com o Manoel da Costa Pinto, ComTexto, programa que já estamos renovando, graças ao apoio do Itaú Cultural.
A questão da literatura é para nós a mais complexa, porque envolve programas densos, em torno da obra de um escritor convidado e o Manoel. Mas, para nossa boa surpresa, em termos de audiência, nem tanto. Em termos de audiência, os filmes clássicos, as séries, os próprios concertos ganham, mas, na questão de tempo de permanência, Comtexto está bem à frente.
Isso reforça nossa proposta de programação cultural: interessar o público pelos caminhos das artes, como acontece em Arte na Fotografia e Thisis Opera. Não vulgarizamos e nem diminuímos a seriedade do canal; apenas permitimos que novos públicos também se interessem de uma maneira mais lúdica pela arte e pela cultura.
RPD: Arte1 sempre pergunta aos artistas da atualidade cultural sua definição de arte. Chegou sua vez: o que você entende por arte?
CC: Ferreira Gullar dizia que a arte existe porque a vida não basta. Acho que as definições de arte estão ligadas muito à questão da criatividade e do talento. Arte é fundamental para a gente sobreviver, pensar, refletir. Fico muito feliz de ter hoje a condição de dirigir uma equipe de jovens talentos, apaixonados pelo canal, que, embora sem receber grandes somas, vestem a camisa do canal, brigam por ele, porque têm esse prazer de saber que estão contribuindo para fazer uma obra prima na televisão. De certa forma, eles também estão fazendo arte, trabalhando no Arte1.
[1] Caio de Carvalho refere-se à obra La civilización del espetáculo, Santillana Ediciones Generales, S. L., Madrid, España, 2013.