TSE

Congresso promulga reforma eleitoral nesta terça-feira (28/9)

Câmara e Senado realizaram sessão solene, às 15h30, para promulgar a EC 111/21. Alterações já vão valer para 2022

O Congresso Nacional promulga nesta terça-feira (28) a Emenda Constitucional (EC) 111/21, que acrescenta dispositivo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e altera a Constituição Federal, para fins de reforma político-eleitoral. A sessão conjunta está marcada para as 15h30.

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Entre as alterações que já vão valer para as próximas eleições estão a contagem em dobro de votos dados a mulheres e pessoas negras para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030, para fins de distribuição, entre os partidos políticos, dos recursos do Fundo Eleitoral.

Ficou mantida a perda do mandato dos deputados (federais, estaduais ou distritais) e vereadores que se desfiliarem do partido pelo qual foram eleitos, mas foi criada uma exceção para a manutenção do mandato: quando o partido concordar com a filiação.

Além disso, a partir das eleições de 2026, a posse do presidente da República será em 5 de janeiro, e a posse dos governadores será no dia 6. Atualmente, ambas são no dia 1º de janeiro.

Veja as alterações aprovadas, que deverão vigorar nas eleições do ano que vem:

Mulheres e negros
Votos dados a mulheres e pessoas negras, para a Câmara dos Deputados, nas eleições de 2022 a 2030, serão contados em dobro para fins de distribuição, entre os partidos políticos, dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral).

Essa contagem em dobro será aplicada apenas uma vez, ou seja, os votos para uma candidata negra, por exemplo, não poderão ser contados em dobro duas vezes (por ser mulher e por ser negra).

Um dos critérios para a distribuição dos recursos desses fundos é exatamente o número de votos obtidos, assim a ideia é estimular candidaturas desses grupos.

Fidelidade partidária
O texto aprovado mantém a regra atual, que prevê a perda do mandato dos deputados (federais, estaduais ou distritais) e vereadores que se desfiliarem do partido pelo qual foram eleitos, mas cria uma exceção para a manutenção do mandato: quando o partido concordar com a filiação.

Ficam mantidas as hipóteses de desfiliação por justa causa já estipuladas em lei. Atualmente, a Lei 9.096/95 considera como justa causa o desligamento feito por mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição (seis meses antes do pleito).

Em nenhum dos casos a mudança de partido será contada para fins de distribuição de recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e de acesso gratuito ao rádio e à televisão.

Posses do presidente e governadores
A partir das eleições de 2026, a posse do presidente da República será em 5 de janeiro, e a posse dos governadores será no dia 6. Atualmente, ambas são no dia 1º de janeiro.

  • Veja o que foi rejeitado pelo Senado

1) volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais (deputados federais, estaduais e distritais e vereadores). Segundo a relatora, senadora Simone Tebet (MDB-MS), as coligações distorcem a vontade do eleitor, ao eleger candidatos com orientações políticas diferentes daqueles escolhidos, além de aumentar a fragmentação partidária e dificultar a governabilidade. As coligações em eleições proporcionais estão proibidas desde a promulgação da Emenda Constitucional 97, de 2017, e já não valeram nas eleições municipais de 2020.

2) fundações partidárias: o Senado rejeitou dispositivo que permitia às fundações partidárias de estudo e pesquisa e educação política desenvolverem atividades amplas de ensino e formação. Segundo a relatora, a ampliação do escopo de atividades das fundações partidárias é matéria a ser regulada em lei e não deve, portanto, ser incluída na Constituição.

3) Iniciativa popular: o Senado rejeitou alterações nas regras de apresentação de projetos de lei por cidadãos. Para a relatora, a questão precisa ser debatida com mais profundidade. O texto aprovado na Câmara estabelecia que 100 mil eleitores poderiam apresentar um projeto de lei à Câmara dos Deputados com assinatura eletrônica. Pelas regras atuais, um projeto de lei de iniciativa popular deve ter a assinatura em papel de no mínimo 1% do eleitorado nacional, distribuído em pelo menos cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.

O texto também definia que os projetos de lei de iniciativa popular tramitariam em regime de prioridade e deveriam ser apreciados conforme regras específicas a serem incluídas nos regimentos do Senado e da Câmara dos Deputados.

4) Anterioridade: o Senado rejeitou a exigência de anterioridade de um ano para que as regras eleitorais definidas pelo STF ou TSE fossem aplicadas. Para a relatora, colocar essa regra na Constituição poderia inviabilizar a interpretação e adequação das normas vigentes pelos tribunais, já que é frequente que as leis eleitorais sejam modificadas no limite do prazo, o que deixaria os tribunais sem tempo para adequar as regras à nova lei.

Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/810280-congresso-promulga-reforma-eleitoral-nesta-terca-feira/


Andrea Jubé: Previsão do tempo aponta dias de sol na política

Planalto pressiona por sabatina logo após 12 de outubro

Andrea Jubé / Valor Econômico

Por ironia, a cena política desanuviou justamente quando o tempo fechou em Brasília, com o início das chuvas. O clima de deserto adicionava um ingrediente a mais à longeva crise de nervos dos atores políticos na capital.

Na primeira de semana do mês não bastasse a tensão com o imprevisível 7 de setembro, o calor era de secar o espelho d’água do Congresso.

Com as entranhas expostas, auxiliares presidenciais e líderes da cúpula do Centrão não disfarçavam a irritação com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que na avaliação do grupo, não agia para distensionar o ambiente político.

“Ele é candidato a presidente [da República] e está misturando propostas de interesse do Brasil com política”, reclamou à coluna, em caráter reservado, um importante líder do Centrão.

Na véspera, 1º de setembro, o Senado havia rejeitado a Medida Provisória (MP) 1.045, que promovia uma minirreforma trabalhista. Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acusaram os senadores de descumprir acordo para aprovar a matéria.

Visivelmente contrariado, Lira avisou, após o resultado no Senado, que o projeto que reabre o programa de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis), de autoria de Rodrigo Pacheco, iria para o fim da fila na Câmara. “Vem primeiro CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços, que reformula o PIS/Cofins]. Sobre Refis, vamos esperar o Senado votar a reforma do Imposto de Renda”, desafiou.

Para agravar a tensão entre os Poderes, no dia 14 de setembro, Pacheco devolveu ao Palácio do Planalto a medida provisória que dificultava a remoção de conteúdo pelas plataformas de redes sociais. A matéria havia sido publicada na véspera do Dia da Independência como um aceno às bases bolsonaristas.

A devolução da MP foi o estopim para obrigar a ala política do Planalto, capitaneada pelos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações), a entrar em campo para afinar o diálogo com Pacheco e colocar um fim ao cabo de guerra.

Os fatos políticos recentes atestam que a movimentação surtiu efeito. Há tempos, Pacheco e o Planalto não se mostravam tão alinhados.

A sintonia é tão fina que o presidente do Senado foi eloquente na cobrança pública ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (DEM-AP), seu fiel aliado, para que agende a sabatina do ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado por Bolsonaro para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

“Ele [Alcolumbre] tem ciência da sua responsabilidade e da necessidade de cumprir essa missão”, cobrou Pacheco na sexta-feira, após reunião com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), liderança evangélica que apoia Mendonça.

No Planalto, com a intervenção de Pacheco, a expectativa é que Alcolumbre marque a sabatina para os dias seguintes ao feriado de 12 de outubro.

Foram explícitos os gestos do Planalto na semana passada para acalmar e reconquistar Pacheco. No dia 22 de setembro, os senadores aprovaram a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), que terá sede em Minas Gerais. A proposta contempla duplamente o presidente do Senado, porque atende pleito da bancada mineira e do segmento jurídico - base eleitoral de Pacheco.

Essa votação somente se viabilizou após o compromisso do Planalto de que Bolsonaro não vetará a matéria. De iniciativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o projeto arrastava-se desde 2019 nos escaninhos do Congresso. Na Câmara, foi aprovado em agosto do ano passado, com o compromisso de que a instalação do novo TRF ocorrerá somente ao fim da pandemia.

No dia 23 - um dia depois da aprovação do TRF-6 -, Lira finalmente anunciou o relator do Refis na Câmara: o deputado André Fufuca (MA), aliado de primeira hora do alagoano e de Ciro Nogueira. Fufuca assumiu a presidência interina do Progressistas (PP) quando Nogueira se licenciou para se tornar ministro. O projeto terá tramitação célere e vai direto para o plenário.

O Planalto também espera que Pacheco ajude a convencer o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) a não atrasar a votação da reforma do Imposto de Renda na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Nos bastidores, a bancada da Bahia cobra o aval do Tesouro Nacional a um empréstimo de centenas de milhões para o governo estadual.

Faz sol na política, mas as cigarras estão cantando furiosas em Brasília. O canto delas atrai mais chuva, e, via de regra, relâmpagos e trovões.

Cunha faz escola

Se não compor, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, vai encostar no recorde do ex-deputado Eduardo Cunha em protelar assuntos de interesse máximo do Planalto no Congresso. Há 41 dias Alcolumbre cozinha o governo em banho-maria ao não agendar a sabatina de André Mendonça.

Em 2007, ascendendo na carreira, Cunha foi designado relator da proposta de emenda constitucional (PEC) que prorrogava a CPMF e a desvinculação de recursos da União, a DRU - prioridade zero do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Cunha levou 45 dias para apresentar, em 13 de julho, um parecer desfavorável ao governo, que previa que a arrecadação de cerca de R$ 40 bilhões com o imposto fosse dividida pela União com Estados e municípios.

Nos bastidores, Cunha cobrava o cumprimento de acordo celebrado com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). No livro de memórias “Tchau, querida!”, o ex-líder do MDB conta que em troca do apoio da bancada à sua eleição, o petista assegurou que a bancada do MDB do Rio de Janeiro indicaria o presidente de Furnas.

Diante do impasse, em 1º de agosto, Lula convidou o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, filiado ao MDB, para assumir a presidência de Furnas. Finalmente, em 15 de agosto - 78 dias após a nomeação de Cunha para a relatoria - ele alterou o parecer e a PEC foi aprovada sem prejudicar o governo. Depois, contudo, o governo acabou derrotado no Senado.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/previsao-do-tempo-dias-de-sol-na-politica.ghtml


Paulo Baía: Percepção do Brasil em 24 de setembro

candidatura do senador Rodrigo Pacheco pelo PSD para presidente da república deve ser levada a sério e entrar no radar de observação

Paulo Baía / Política e Cidadania

Depois de ouvir com atenção bons e velhos analistas políticos.

Gente testada, com trajetórias intensas de vida política no Brasil dos últimos 50/60 anos.

Gente com letramento especializado e vivência.

Ou, como nossa magistral Conceição Evaristo define, com escrevivências.

Gente que não coloca seus desejos e querências ao avaliar as conjunturas e os cenários psicossociais para a eleição de presidente da república em outubro de 2022, mesmo não gostando do que percebem.

A candidatura do senador mineiro Rodrigo Pacheco pelo PSD para presidente da república deve ser levada a sério e entrar no radar de observação.

Bem a sério, não é um factóide ao estilo do prefeito César Maia.

Forma-se uma maioria política significativa no complexo e muitiplural estado de Minas Gerais, tendo Alexandre Kalil candidato ao governo do estado, uma sólida e diversificada base de apoio no Estado de São Paulo, com Geraldo Alkmin liderando como candidato ao governo paulista.

A senadora Simone Tebet, de Mato Grosso do Sul, com ativa vida institucional no estado de São Paulo, compondo a chapa presidencial como vice-presidente.

A chapa Rodrigo Pacheco/Simone Tebet não é, nem quer ser, essa fabulação quase histérica de "Terceira Via", de "Ném Néns" da polarização Lula/Jair Bolsonaro. É uma chapa para participar da disputa, com desassombro, com identidade própria em relação a todas as demais candidaturas hoje postas nas mesas de articulações.

Uma chapa para vocalizar uma proposta de Brasil em uma democracia liberal burguesa moderna, com viés participativo, social liberal, social democrata, ambientalista, com portas abertas para demandas políticas e de reconhecimento das "minorias majoritárias" como mulheres, populações negras, milhões de favelados, pessoas e famílias religiosas, pobres históricos/estruturais, herdeiros da brutal e secular desigualdade escravista, novos e irreversíveis desalentados e desocupados, no campo e nas cidades, pela rapidez das tecnologias da informação formatando os sistemas produtivos em todos os segmentos da vida humana, da inteligência artificial como base de diagnósticos, planejamentos e decisões, do 5G da telefonia universalizado, da internet das coisas automatizando o cotidiano e a intimidade, da produção em escala e ritmo industrial cibernético de proteínas animais, pescados e vegetais, via células tronco.

Sem cair ou submeter-se aos cercadinhos identitários e suas armadilhas segmentárias, mas respeitando-os em suas querências por reconhecimento cidadão e protagonismo como minorias legítimas por direitos civis e fundamentais, como os movimentos LGBTQIA+ , populações Indígenas, refugiados políticos, climáticos e religiosos.

Uma chapa para "botar a cara a tapa", a "bunda na janela", sem "chorumelas" , no mundo da vida urbano/rural brasileiro, face a face e nas convivências digitais.

Uma chapa para enfrentar o populismo contemporâneo, que na verdade não sabemos definir bem o que é, mas que está presente na mente e emoções de milhões de nossa imensa população residente no Brasil.

Uma chapa para disputar o voto da maioria da população vocalizando teses democráticas, de proteção social, de participação cidadã e alteridades individuais e societais.

Paulo Baía é sociólogo, cientista político, professor da UFRJ.

Fonte: Facebook
https://www.facebook.com/109159557445316/posts/398935068467762/


Bruno Carazza: Muita água a passar por debaixo da ponte

Pesquisas a um ano das eleições dizem muito pouco

Bruno Carazza / Valor Econômico

Em 4/12/1988, Fernando Collor sequer aparecia nas pesquisas para as eleições presidenciais que iriam se realizar no ano seguinte. Nesse dia o Datafolha apontava Brizola na liderança, seguido de perto por Lula ou Silvio Santos, a depender do cenário.

A um ano da disputa de 1994, Lula ocupava confortavelmente a primeira colocação (31%), com quase o dobro das intenções de voto de José Sarney (16%). Fernando Henrique àquela altura amargava o quinto lugar, com 7%, atrás ainda de Maluf (12%) e Brizola (8%).

Com a emenda da reeleição aprovada, FHC surfava na onda do Plano Real e apareceu, em setembro de 1997, com ampla folga em relação a Lula: 37% a 22%. Maluf tinha 13%, Sarney 11% e o estreante Ciro Gomes apenas 5%.

Quatro anos depois Lula já surgia com chances de finalmente vencer uma eleição presidencial: com 30%, o petista estava bem à frente de Ciro (14%), Roseana (12%), Itamar (11%) e Garotinho (9%). Serra, que seria derrotado por Lula no segundo turno um ano depois, tinha apenas 7% da preferência dos entrevistados.

Como todos sabem, Lula chegou ao Planalto em 2003, mas em 23/10/2005 ele vivia seu inferno astral. No auge do escândalo do mensalão, sua popularidade despencou a ponto de ficar tecnicamente empatado com Serra (30% a 27%), causando a impressão de que sua reeleição estaria ameaçada. No fim das contas, Serra não disputou o pleito de 2006, e Lula acabou derrotando Geraldo Alckmin (que àquela altura tinha 16% nos levantamentos do Datafolha).

Sem Lula no páreo, em dezembro de 2009 as pesquisas indicavam a liderança de Serra (37%), bem à frente de Dilma (23%), Ciro (13%) e Marina (8%). Deu Dilma.

E quando a petista foi buscar um novo mandato, sua liderança a um ano da campanha de 2014 era bastante sólida. Com 40% em média nas pesquisas, tudo indicava que ela bateria com facilidade Marina (que tinha em torno de 30%), Serra (20 a 25%) ou Aécio (20%), e Eduardo Campos (15%). Ninguém imaginava que a disputa do ano seguinte seria tão equilibrada nos dois turnos - sem falar no trágico acidente que vitimou o então governador pernambucano.

Para completar o quadro, faltando um ano para as eleições de 2018, o Brasil vivia a indefinição jurídica se Lula poderia ou não se candidatar, pois estava preso em Curitiba. Traçando oito cenários diferentes (!), o Datafolha indicava que a vitória ficaria entre o petista (se ele pudesse concorrer) ou, em caso alternativo, com Marina Silva. Naquele momento, 1/10/2017, em todos os prognósticos Bolsonaro já despontava como presença provável no segundo turno, com quase 20% de apoio.

Bolsonaro surpreendeu ao chegar ao poder com um partido nanico e poucos segundos de propaganda eleitoral, sem alianças nos Estados e com uma arrecadação baixíssima para os padrões brasileiros.

A principal conclusão dos números acima é que as pesquisas de intenção de votos, realizadas com um ano de antecedência, não servem como guia confiável para o resultado definitivo das urnas.

Parafraseando os panfletos de aplicações financeiras, desempenho passado não é certeza de ganho futuro. Pesquisa eleitoral é fotografia de momento. Além da estratégia, carisma, propostas e alianças de cada candidato, uma série de outros fatores podem afetar a dinâmica das campanhas, do desempenho da economia à eclosão de escândalos de corrupção, sem falar na contribuição do imponderável.

Nos últimos tempos, vários balões de ensaio foram testados buscando replicar aquilo que seria “o novo normal” da política brasileira pós-Bolsonaro 2018. Sergio Moro, Luciano Huck, Luiza Trajano e agora Datena - todos foram cogitados como alternativa de fora da política, se valendo de popularidade nas redes sociais para alavancar intenção de voto; e aparentemente nenhum deles se viabilizou.

Há um ano das eleições, o quadro vai se consolidando no sentido de que não teremos nenhuma surpresa na urna eletrônica em 2022. Todos já sabemos quem é Bolsonaro, suas ideias e seu modo de governar. Como alternativa, o eleitor deverá contar com Lula, Ciro e um tucano (Doria ou Eduardo Leite). Os demais nomes colocados, todos também advindos da política tradicional, aparecem mais como opções para compor as chapas dos anteriores; parece ser o caso de Simone Tebet, Mandetta, Pacheco, Alessandro Vieira, entre outros.

Mas se engana quem acredita que as pesquisas citadas acima não enviam mensagens para o futuro.

Bolsonaro inicia o ano final de seu mandato com a mais baixa intenção de voto entre todos os presidentes que se reelegeram - FHC tinha 37% em 2001, Lula em torno de 30% em 2009 e Dilma possuía uma média de 40% em 2013, frente aos 25% do atual presidente. A depender de como seu governo vai lidar com a grave crise econômica e a ameaça de apagão, suas chances de chegar competitivo em 2022 podem estar ameaçadas.

Lula, por sua vez, posiciona-se como candidato pela sétima vez (se contarmos com 2018, quando ele foi impedido de disputar) e nunca teve um percentual tão alto de preferência do eleitor nesta altura do campeonato. Seus mais de 40% de agora, portanto, estão mais para teto do que para piso, ainda mais porque Lula ainda não foi confrontado pela imprensa a explicar os escândalos de corrupção e a crise econômica deixados pelas administrações petistas.

Da parte de Ciro, seu desafio é o mesmo desde quando ele se colocou como aspirante a um lugar no Palácio do Planalto pela primeira vez, em 1998: superar a barreira dos 10% das intenções de voto e se mostrar realmente competitivo.

Por fim, resta a opção tucana. A ideia de marcar prévias inéditas constitui a última chance de fazer algum de seus postulantes à Presidência ganhar projeção e se mostrar viável no ano que vem. Ao se mostrarem nacionalmente nos próximos dois meses, digladiando em debates transmitidos pela TV e pela internet, Doria ou Eduardo Leite tentarão repetir a façanha de FHC em 1993 ou Serra em 2001 - sair de um dígito a um ano do pleito e alcançar pelo menos o segundo turno na hora do vamos ver. Mas sem Plano Real.

A se fiar pelas pesquisas das últimas oito eleições, tudo ainda pode acontecer - inclusive nada.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/muita-agua-a-passar-por-debaixo-da-ponte.ghtml


Mathias Alencastro: Três lições da Alemanha

Sucessão de Merkel mostra caminhos para democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita

Mathias Alencastro / Folha de S. Paulo

Terminou a campanha eleitoral na Alemanha e, pela primeira vez, o partido que sair na frente terá de encontrar pelo menos dois outros aliados para formar o governo. O processo de formação de um novo governo deve se prolongar por alguns meses, mas um cenário de impasse a longo prazo, como nas vizinhas Holanda e Bélgica, parece descartado.

popularidade de Olaf Scholz, apontado em todas as sondagens como o mais preparado para assumir o cargo, assim como o desejo de alternância depois de 16 anos de governo CDU, confere um ascendente à SPD nas negociações com potenciais aliados. O resultado do pleito também traz ensinamentos para todas as democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita.

A primeira é a resiliência da centro-esquerda. A SPD defendeu o programa mais progressista das últimas décadas, mas apresentou um candidato sóbrio e pragmático, que foi vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças nos últimos anos.

pandemia, que muitos esperavam ser um prato cheio para os populistas, acabou reforçando as credenciais dos candidatos versados na administração do Estado. Dada como morta depois da debacle do Partido Socialista francês em 2017, a centro-esquerda está voltando a contar na Europa, com governos da Península Ibérica à Escandinávia, passando agora, provavelmente, pela Alemanha.

A segunda é a dificuldade da direita tradicional diante da emergência da extrema direita. A toda-poderosa CDU não conseguiu recuperar o eleitorado perdido para a AfD, que se manteve acima dos 10% e consolidou sua presença em nível regional. Exceção feita ao Reino Unido, onde Boris Johnson conseguiu federar as direitas em torno do brexit, o campo conservador parece irremediavelmente dividido nas democracias liberais.

Muito se fala do drama da renovação da esquerda, mas a origem da crise de governabilidade europeia tem sua origem no outro lado do espectro ideológico.

A terceira dinâmica é a emergência da crise climática como tema de campanha. De acordo com todos os cenários, os Verdes devem se afirmar como a terceira maior força política e regressar ao governo, depois da experiência bem-sucedida dos anos 1998-2005 liderada pelo lendário Joschka Fischer, àquela altura ministro das Relações Exteriores.

Vencedor destacado na população abaixo de 50 anos, o partido está bem posicionado para encabeçar o governo nos próximos dez anos.

Para o Brasil especificamente, o surgimento da SPD e dos Verdes deve reforçar o ativismo internacional nas questões democráticas e ambientais da Alemanha, sempre muito contida nos tempos de Merkel.

Martin Schultz, um dos principais quadros da SPD e forte candidato a assumir uma pasta ministerial em uma eventual coalizão liderada pelo partido, foi até Curitiba para encontrar o ex-presidente Lula na cadeia. Quanto aos delinquentes neonazistas que Bolsonaro recebeu no Alvorada, eles continuarão sendo irrelevantes no futuro Parlamento.

Esses pequenos sinais também devem ser levados em conta na hora de especular sobre a reação da comunidade internacional em caso de contestação do resultado das presidenciais brasileiras em 2022.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mathias-alencastro/2021/09/tres-licoes-tiradas-da-eleicao-da-alemanha.shtml


A CPI encontrou os documentos, fez a conta e descobriu o CPF dos culpados

As provas que a comissão da pandemia recolheu não vão embora

Celso Rocha de Barros / Folha de S. Paulo

A CPI da Pandemia, que se aproxima de seu fim, provou a ocorrência do maior crime da história republicana brasileira. Encontrou os documentos certos, fez as contas certas e descobriu o CPF dos culpados.

A CPI provou, com documentos, que Jair Bolsonaro se recusou a comprar as vacinas oferecidas pela Pfizer e pelo Instituto Butantan, e que só comprou metade da oferta do consórcio Covax Facility.

Tudo documentado.

Com esse número de vacinas não compradas e os documentos que provam as datas em que elas poderiam estar disponíveis, os cientistas foram trabalhar. Eles sabem o quanto o número de mortes costuma cair conforme a vacinação progride.

Na conta do epidemiologista Pedro Hallal, feita a pedido da Folha, só as vacinas da Pfizer e do Butantan teriam salvado cerca de 90 mil pessoas. Bolsonaro matou essa gente só com duas decisões.

Por sua vez, o jornal O Estado de S. Paulo calculou que, só com as vacinas recusadas do Butantan, todos os idosos brasileiros teriam sido imunizados com duas doses até o fim de fevereiro, estando, portanto, todos imunizados a partir do meio de março. Entre o meio de março e o momento em que a reportagem foi publicada (27 de maio), 89 mil idosos morreram de Covid. Supondo que a mortalidade pós-vacinação de idosos fosse igual à do Chile (20% dos doentes), Bolsonaro matou, com uma única decisão, cerca de 70 mil idosos só entre o meio de março e maio deste ano.

Todas essas contas, que ainda não usam os números de vacinas que Bolsonaro se recusou a comprar do consórcio Covax Facility, foram apresentadas à CPI. O Ministério da Saúde tem gente que saberia refutá-las, se elas estivessem erradas. Ninguém se pronunciou.

A CPI também descobriu o que Bolsonaro estava fazendo em vez de comprar vacina: mandando os trabalhadores brasileiros para a rua para adoecer, mentindo que haveria remédio caso eles ficassem doentes.

A CPI documentou a existência de um gabinete paralelo de médicos estelionatários que, por dizerem o que Bolsonaro queria ouvir, tornaram-se mais influentes do que os técnicos do Ministério da Saúde. Foram eles que promoveram os tratamentos com remédios como a cloroquina, muito depois da ciência ter demonstrado que eles eram ineficazes.

Mais recentemente, veio à luz o caso da Prevent Senior, que executou experimentos em pacientes inocentes com o protocolo bolsonarista de cloroquina e similares. O tratamento fracassou, os pacientes morreram, mas os dados foram falsificados para que não se soubesse que os pacientes haviam morrido de Covid.

Finalmente, a CPI descobriu que o governo Bolsonaro se esforçou para que uma, e só uma, vacina específica fosse aprovada: a Covaxin, que ofereceu suborno à turma do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara. O negócio foi denunciado antes de ser efetivado, mas não por iniciativa de Bolsonaro.

Em resumo, a CPI provou que Bolsonaro matou mais de cem mil brasileiros, mentiu para eles que haveria remédio caso adoecessem, e acobertou gente de seu governo que tentava roubar dinheiro de vacina.

As revelações da CPI terão algum efeito político? Tem gente poderosa trabalhando para que não. Mas as provas que a CPI recolheu não vão embora. Ficarão lá, à espera de um Brasil que volte a ter instituições que não se vendam nem tenham medo do próprio Exército.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2021/09/a-cpi-encontrou-os-documentos-fez-a-conta-e-descobriu-o-cpf-dos-culpados.shtml


Fernando Gabeira: Brasil de bolsonaro mostra o dedo para o mundo

O jornal alemão Frankfurter Allgemeine disse que o Brasil mostrou o dedo para o mundo

Fernando Gabeira / O Globo

Era uma alusão à posição negacionista de Bolsonaro, que não apenas recusa a vacina, como quebrou o código de honra da ONU, que esperava um encontro de imunizados. Na verdade, a manchete era uma síntese da atitude de Bolsonaro com a do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mostrou o dedo para manifestantes contrários ao governo.

A primeira coisa que me ocorreu é que durante muito tempo falamos do brasileiro como um homem cordial. É uma visão idealizada. No entanto jamais poderíamos suspeitar que uma delegação brasileira “mostrasse o dedo para o mundo na ONU”e que isso se transformasse na manchete de um dos principais jornais alemães.

Quando Bolsonaro defendeu a hidroxicloroquina, dizendo que a História e a ciência fariam justiça ao tratamento precoce da Covid-19, lembrei-me de seu esforço no Congresso para aprovar uma pílula contra o câncer, desenvolvida por um pesquisador de São Paulo. Bolsonaro tinha pela fosfoetanolamina a mesma empolgação e é incapaz de se perguntar hoje para quem a ciência e a História deram razão.

Tenho a impressão de que sua confiança na cura mágica cresce com a complexidade do nome do remédio. Certamente se interessou pela proxalutamida.

Dois dias depois do espetáculo de realidade paralela que ofereceu na ONU, Bolsonaro aparece com seis dedos na mão, numa imagem em suas redes sociais. Realmente, falam com os dedos, e essa linguagem foi bem captada dentro da van que levava Marcelo Queiroga. Ele mostrou o dedo médio, numa escolha claramente pornográfica. O chanceler Carlos Alberto França, diplomaticamente, optou pelos dois dedos que simulam uma arma, símbolo permanente do bolsonarismo.

Os seis dedos de Bolsonaro afirmam apenas como ele é mentiroso. Os dedos de Queiroga e do chanceler apontam para a essência da proposta bolsonarista: vulgaridade e violência.

Mas há algo que talvez os jornais estrangeiros não tenham captado. Embora Bolsonaro tenha sido eleito com a maioria dos votos, hoje seu governo é rejeitado por quase 70% da população.

Bolsonaro se orgulha de não ser vacinado. No entanto o Brasil, segundo algumas pesquisas, é o país com mais adesão popular à vacina.

Não vou cair na tentação de reafirmar pura e simplesmente a tese do homem cordial, mas o Brasil, na realidade, não pode ser confundido com o governo. A maioria dos brasileiros, longe de mostrar o dedo para o mundo, estende a mão para a humanidade. Sempre fomos um país solar, e alguns estrangeiros, cativados pela alegria de nossas festas populares, achavam até que a felicidade era um fator associado ao Brasil.

Certamente esgotaria meu espaço discorrer sobre as causas dessa transformação ou mesmo descrever como se gestou o ovo dessa serpente.

O impacto da passagem de Bolsonaro pela ONU me fez lembrar Peter Sellers no filme “Dr. Strangelove”. Bolsonaro falava de vacina, mas uma espécie de força estranha o levava a defender tratamento precoce e a combater passaportes sanitários. Havia um discurso feito para ele, e o braço rebelde que se levantava contra o consenso mundial, o pária que precisa comer pizza no passeio porque não pode entrar no restaurante.

Peter Sellers intepretava um personagem no filme de Stanley Kubrick com essa força contraditória em suas atitudes. De vez em quando, perdia o controle do braço e fazia uma saudação nazista. Se me lembro bem, em determinado momento, ele se levanta da cadeira de rodas e diz: “Mein Führer, posso andar”.

Não quero dizer com isso que Bolsonaro seja nazista. Seria banalizar uma grande tragédia da humanidade.

Seu novo espasmo numa entrevista a extremistas de direita da Alemanha:

—Algumas pessoas com Covid tinham comorbidade. Morreriam de qualquer jeito, dias ou semanas depois.

Mein Führer, consigo andar.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/mostrando-o-dedo-para-o-mundo.html


Gaudêncio Torquato: Brasil vegeta sob o reino da mentira

Hoje, o Bra­sil vive sob o Estado de Direito, mas vegeta sob o Estado da ética e da moral, com um mandatário-mor que nega a ciência

Gaudêncio Torquato / Blog do Noblat / Metrópoles

Há 44 anos, o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., falecido no dia 27 de junho de 2009, dando vazão ao sentimento da sociedade brasileira, foi convidado para ler a Carta aos Brasileiros69. O País abria as portas da redemocratização. Hoje, o Bra­sil vive sob o Estado de Direito, mas vegeta sob o Estado da ética e da moral, com um mandatário-mor que nega a ciência, é responsável pela pior gestão da pandemia de coronavírus 19 do planeta, e faz um vergonhoso discurso na abertura da ONU, privilégio que, historicamente, cabe ao Brasil desde 1947.

Em quatro décadas, o País eliminou o chumbo que cobria os muros de suas instituições sociais e políticas, resgatou o ideário liber­tário que inspira as democracias, instalou as bases de um moderno sistema produtivo e, apesar de esforços de idealistas que lutam para pôr um pouco de ordem na casa, não alcançou o estágio de Nação próspera, justa e solidária. O país faz vergonha ao mundo. O baú do retrocesso continua lotado. Te­mos uma estrutura política caótica, incapaz de promover as reformas fundamentais para acender a chama ética, e um governo que prometeu acabar com a corrupção, amarrado às mais intricadas cordas da velha política, usando a extraordinária força de verbas e cargos para cooptar legisladores e partidos, principalmente do Centrão, transformando-se, ele próprio em muralha que barra os caminhos da mudança.

Não por acaso, anos depois o professor Goffredo confessava ter vontade de ler uma segunda carta, desta feita para conclamar pela reforma política e por uma democracia participativa, em que os cida­dãos votem em ideários, não em fulanos, beltranos e sicranos. O velho mestre das Arcadas, que formou uma geração de advogados, tentava resistir à Lei de Gresham, pela qual o dinheiro falso expulsa a moeda boa – princípio que, na política, aponta a vitória da mediocridade so­bre a virtude.

No Brasil, especialmente, os freios do atraso impedem os avanços. Vivemos com a sensação de que há imensa distância entre as locomotivas econômica e política, a primeira abrindo fronteiras, a segunda fechando porteiras. Olhe-se para os Poderes Executivo e Legislativo. Parecem carcaças do passado, fincadas sobre as estacas do patrimonialismo, da competitividade e do fisiologismo. Em seus cor­redores, o poder da barganha suplanta o poder das ideias.

Em setembro de 1993, na segunda Carta aos Brasileiros, o mestre Goffredo escolheria como núcleo a reforma política, eixo da democracia participativa com que sonha. Mas falta disposição aos congressistas para fazê-la. Em 2002, Lula da Silva também leu sua Carta aos Brasileiros, onde pregava uma nova prática política e a instalação de uma base moral. Nada disso foi cumprido. O país continuou a ser um deserto de ideias.

Sem uma base eleitoral forte, os entes partidários caíram na indigência, po­luindo o ambiente de miasmas. Até hoje, os eleitores esperam que as grandes questões nacionais recebam diagnósticos apropriados e propostas de solução para nosso pedaço de chão. Infelizmente, o voto continua a ser dado a oportunistas, operadores de promessas, poucos com ideários claros e correspondentes aos anseios sociais.

A utopia nacional resvala pelo terreno da desilusão. Nesses tempos da CPI da Covid, o Reino da Mentira, descrito pelo senador Rui Barbosa, nos idos de 1919, volta à ordem do dia: “Mentira por tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu. Nos inquéritos. Nas pro­messas. Nos projetos. Nas reformas. Nos progressos. Nas convicções. Nas transmutações. Nas soluções. Nos homens, nos atos, nas coisas. No rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Nas res­ponsabilidades. Nos desmentidos”.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-reino-da-mentira-por-gaudencio-torquato


Alon Feuerwerker: Um Bolsonaro para Bolsonaro? E Moro

Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB

Alon Feuerwerker / Blog do Noblat / Metrópoles

Toda previsão no Brasil deveria trazer junto um seguro-imprevisibilidade, mas é razoável supor que entramos num período algo estável, no qual a guerra de movimento vem sendo substituída por uma guerra de posição, e de baixa ou média intensidade. Por uma razão: nem o presidente da República reuniu até o momento força para suplantar os demais poderes nem os opositores acumularam por enquanto massa crítica para depô-lo.

Daí que as atenções comecem a se voltar cada vez mais para a próxima janela de oportunidade na disputa do poder: a eleição. Com uma competição particular entre os candidatos a ser o “Bolsonaro do Bolsonaro”. Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB na corrida de 2018. Um PSDB que nas seis disputas anteriores ou ganhara ou pelo menos fora ao segundo turno…

Os dois pré-candidatos tucanos afiaram as lanças esta semana, exibindo suas impecáveis credenciais antipetistas, pouquíssimo tempo após a vaga de opiniões e emocionados apelos pela “frente ampla”. Faz sentido. Para a legenda, a vaga em disputa no segundo turno não é a de Luiz Inácio Lula das Silva, mas a do adversário dele. E os governadores paulista e gaúcho estão num momento de “ciscar para dentro”.

Enquanto isso, o presidente busca um certo reposicionamento, mostrando que a carta redigida em conjunto com o ex Michel Temer não foi raio em céu azul. Tem lógica, pois Jair Bolsonaro não enfrenta concorrência séria no campo da direita. Se mantiver os traços estruturais do discurso, pode tranquilamente fazer movimentos táticos ao “centro”, inclusive por não ter maiores antagonismos com o centrismo. Corre pouco risco de perder substância.

Quanto vai durar a (quase) calmaria? Um palpite é que dure enquanto os dois blocos que hoje travam a disputa mais acalorada, o bolsonarismo e o centrismo, acreditarem reunir potencial de voto para prevalecer em outubro de 2022. Por isso mesmo, seria imprudente apostar todas as fichas num processo eleitoral no padrão dos anteriores, absolutamente estável. Pois alguma hora um desses dois blocos notará que a vaca está indo para o brejo.

A não ser que Lula derreta no caminho. O que por enquanto não está no horizonte.

E os imprevistos? Como dito amiúde, é imprudente desprezá-los. Especialmente diante de um Judiciário fortemente inclinado ao ativismo. Mas eventuais decisões que removam algum contendor manu militari não garantem vida fácil a quem sobrar na corrida. Pois pode perfeitamente acontecer como em 2018: o removido apoiar alguém e manter ocupado o espaço político que se pretendeu deixar vago.

E há outra variável, que ensaia alguns passos, costeando o alambrado: Sergio Moro. As ofertas para ele estão feitas. Com o pulverizado cenário da “terceira via”, a possibilidade de ocupar esse espaço não deixa de ser atraente para o ex-juiz e ex-ministro.

Sobre isso, escrevi em janeiro do ano passado (E se Moro virar o “candidato do centro”?).

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/um-bolsonaro-para-bolsonaro-e-moro-por-alon-feuerwerker


João Gabriel de Lima: O réveillon da discórdia e o jogo na retranca

Bolsonaro fica na retranca, cultivando e eletrizando sua base de eleitores fiéis

João Gabriel de Lima / O Estado de S. Paulo

Era uma vez uma turma de jovens liberais que admiravam Ronald Reagan e Margaret Thatcher. No limiar do século 21, passaram um réveillon juntos. Foram dormir acreditando no “fim da História” – um mundo cada vez mais capitalista, democrático e globalizado. A ressaca veio 20 anos depois. Metade dos convivas não fala com a outra metade. Abriu-se entre eles um fosso com nome e sobrenome: Donald Trump.

A história é contada por Anne Applebaum,

pena mais inquieta da direita liberal americana, em O Crepúsculo da Democracia. O livro é um dos melhores lançamentos do ano da editora Record – que, sob a batuta de Rodrigo Lacerda, ex-colunista do Estadão, vem se concentrando em autores relevantes, como Applebaum, e descartando os irrelevantes, como Olavo de Carvalho. “Muitos de meus amigos chegam a trocar de calçada quando me veem”, disse-me Applebaum quando do lançamento do livro. Ela permaneceu do lado liberal – portanto, radicalmente anti-trump.

Um hipotético réveillon em 2018 poderia ter reunido, em torno da mesma garrafa de champanhe, João Amoêdo, João Doria, Kim Kataguiri e Sérgio Moro, junto com Jair Bolsonaro e os bolsonaristas. Em 2021, uma festa assim não seria mais possível. Moro saiu do governo atirando – e Kataguiri, Amoêdo e Doria, simpáticos a Bolsonaro em 2018, hoje namoram a tese do impeachment.

“A direita liberal que estava com Bolsonaro por causa do antipetismo se descolou”, diz o cientista político Carlos Melo, professor do Insper e entrevistado do minipodcast da semana. O tabuleiro de 2022 será marcado pela divisão das direitas e mais dois fatores: a rejeição a Bolsonaro e sua estratégia eleitoral.

A popularidade do presidente está em queda desde fevereiro. Nesse período, cresceu em 14% o número de eleitores que consideram seu governo “ruim” ou “péssimo”. Nesta semana, o índice chegou a 53%, configurando pela primeira vez a rejeição da maioria absoluta. Os números são do Ipec.

Diante desse quadro, Bolsonaro “joga por uma bola”. Em vez de se lançar ao ataque, tentando reconquistar a direita liberal que “se descolou”, o presidente fica na retranca, cultivando e eletrizando sua base de eleitores fiéis. Considera que isso é suficiente para levar o jogo para a prorrogação – o segundo turno. Sua esperança é que as direitas se unam em torno de seu nome para derrotar o PT.

O discurso do dia 21 na ONU segue esse esquema tático. De olho em sua base (e para vergonha dos demais brasileiros), Bolsonaro descreveu um país de fantasia onde não há corrupção, desmatamento ou instabilidade política. Um vídeo-exaltação circulou nos grupos bolsonaristas de Whatsapp. Ele mostra o presidente brasileiro sendo supostamente ovacionado num aeroporto em

Nova York. A imagem, na verdade, é de 2018, e em outro aeroporto – o de Natal, no Rio Grande do Norte.

O jogo na retranca tem seus riscos. Como mostrou o Ipec, Bolsonaro é hoje mais rejeitado que a esquerda. Não à toa, o PT faz corpo mole quando se fala em impeachment. Apoiadores propagam que Lula deseja ardentemente enfrentar Bolsonaro no segundo turno. O impeachment é um bom negócio para os que buscam a “terceira via”, não para o PT.

O cenário lembra o dos Estados Unidos em 2020. A queda de popularidade de Donald Trump impulsionou a vitória de Joe Biden – com o voto de liberais como Anne Applebaum. Se os números do Ipec se mantiverem, a rejeição crescente a Bolsonaro pode eleger Lula.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-reveillon-da-discordia-e-o-jogo-na-retranca,70003850103


Bolívar Lamounier: O poder da decadência

Poder político brasileiro é pateticamente débil, e nada autoriza a crer que logo seremos um colosso

Bolívar Lamounier / O Estado de S. Paulo

Centenas de pessoas não perdem uma chance de cobrar “realismo” dos jornalistas e analistas políticos, como se a realidade política fosse uma coisa unidimensional, percebida sempre da mesma forma por toda a sociedade, hoje, amanhã e sempre.

Poucos se dão conta de que a “realidade” de hoje pode não ser a de amanhã, que por sua vez poderá diferir bastante da que teremos na próxima década. Esta observação seria inútil, se tivéssemos como superar as crises e acertar os rumos do País sem um grau razoável de convergência em nossas percepções. Sem esquecer que nossas preferências também divergem: alguns querem a democracia, outros anseiam por alguma forma de ditadura. Isso posto, peço licença para hoje escrever sobre uma realidade um tanto indefinida, que combina elementos de hoje com alguns de nosso passado histórico e outros situados no futuro, sendo que, sobre estes, é pouco o que nos é dado conhecer.

Ainda assim, atrevo-me a antecipar que o poder político brasileiro – vale dizer, nosso Estado – é pateticamente débil, uma decantação hoje virtualmente petrificada de muitos fracassos, e que nada nos autoriza a crer que logo seremos um colosso. Em 1958, Celso Furtado explorou esse tema pelo lado da história econômica, com o objetivo de demonstrar que os grandes ciclos econômicos que vivemos (cana-de-açúcar no Nordeste, mineração de ouro e diamantes em Minas e, finalmente, o café em São Paulo) não deixaram uma base sólida para um processo sustentável de industrialização, sem o qual não teríamos desenvolvimento, bem-estar e autonomia nacional. Examinando o mesmo fato pelo lado político, vemos que os resultados logrados foram ruins para a industrialização e desastrosos para a construção do Estado, uma vez que abriram espaços para um contínuo relançamento do patrimonialismo – a apropriação do poder político por setores empresariais decadentes, que se especializaram em concentrar os ganhos e socializar as perdas. Duas exceções permitem amenizar em certa medida esse argumento. A exaustão do ouro deixou alguns núcleos favoráveis à pecuária bovina; nessa área, o empresariado do Triângulo Mineiro, lixando-se para o governo federal, desencadeou um poderoso crescimento a partir da importação e aclimatação das raças zebuínas da Índia. O café, cujo legado foi mais importante, a começar pela passagem do trabalho escravo para o assalariado, não diferiu totalmente da cana-de-açúcar, uma vez que, forçado pela superprodução, teve de recorrer à generosidade estatal, trocando sua altivez política pelas mesmas bênçãos do Estado, que atuou como intermediário em mais uma reedição da “socialização das perdas”.

Essa, em grandes linhas, é a história de nosso mastodôntico Estado, cuja congênita inviabilidade se evidenciou com o experimento da industrialização em “marcha forçada” deslanchado pelo governo do general Ernesto Geisel. A “realidade” com que hoje nos deparamos é, pois, uma estrutura de poder incapaz de promover o crescimento num ritmo compatível com o aumento da população, com a superior organização de nossos competidores internacionais e com nossa dramática anemia educacional, científica e tecnológica.

Esta é a base sine qua non que precisamos levar em conta para delinear futuras realidades que podem estar à nossa espreita logo ali, ou um pouco à frente. O Brasil vive hoje uma polarização política infantil e estéril, contrapondo dois líderes populistas que bem fariam em se aposentar, dado já terem feito tudo o que ninguém os julgava capazes de fazer pelo Brasil – para o bem e para o mal. Lula, aos 77 anos, já bateu no teto, e o mesmo acontece com Bolsonaro, na pujança de seus (presumíveis) 15 anos. Sabemos todos que o clima de radicalização e turbulência é música para os ouvidos de Bolsonaro, reforçando a condutibilidade atmosférica que lhe facilita mobilizar seus fanáticos. Dá-se, no entanto, que este clima mantém o dólar valorizado e empurra a inflação para cima, a última crueldade que nossa medíocre politicagem pode perpetrar contra os 46 milhões de indivíduos que vivem em lares com zero reais de renda mensal.

Eu, com certeza, serei acoimado de irrealista se disser que ambos, Lula e Bolsonaro, poderiam fazer-nos o favor de ir para casa, para que o Brasil possa voltar à sua precária normalidade e retomar o processo de crescimento econômico. Realistas são os que tentam ver Lula não só como o imbatível antibolsonaro, mas também como o grande estadista-pacificador que ele nunca foi e não tem condições de ser. Com lápis e papel à mão, os que insistem em enxergar a realidade por esse prisma já podem, então, pôr mãos à obra, rascunhando seu cenário para daqui a dez anos. No centro de seu idílico desenho estará – Deus seja louvado – nossa política, finalmente renovada pelo Centrão. Os 46 milhões sem renda terão subido um nível, compartilhando a felicidade dos que auferem ao menos até um salário mínimo de renda mensal. Entre os Três Poderes, reinarão a harmonia e a independência que a Constituição tão sabiamente prescreve.

*Membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, seu mais recente livro é ‘Antes que me esqueça’ (Editora Desconcertos)

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-poder-da-decadencia,70003849682


Cristina Serra: Sobre médicos e monstros na Prevent Senior

É preciso fortalecer o SUS e aumentar os investimentos no sistema

Cristina Serra / Folha de S. Paulo

São estarrecedoras, mas não exatamente surpreendentes, as denúncias envolvendo a operadora de planos de saúde Prevent Senior. A suspeita de que há algo de podre na rede de hospitais da empresa abriu nova e necessária frente de investigação na CPI da Covid.

Entre as irregularidades, estariam a prescrição abusiva de medicamentos e tratamentos ineficazes, sem que os pacientes e seus parentes tivessem sido consultados. As ilicitudes apontadas incluem ainda ameaçar os médicos de demissão para que receitassem esses remédios e também fraude de suposta pesquisa científica, prontuários e atestados de óbito, o que resultaria em subnotificação de casos de Covid.

Tudo isso é grave, criminoso e cruel, mas se encaixa na lógica do modelo de negócio dos planos de saúde. Para capturar incautos, prometem mundos e fundos. Na prática, dificultam o acesso aos serviços, sobretudo se o paciente precisar de uma internação, um dos itens mais caros do setor.

Mal ou bem, é assim que funciona. Mais mal do que bem, tanto que os consumidores frequentemente têm que recorrer à Justiça para que muitas dessas arapucas cumpram o que já está nos contratos. Aí vem uma pandemia e o tal modelo de negócio implode porque, de uma hora para outra, milhares de clientes precisam dos leitos mais caros, em UTIs, e por muito tempo.

No caso da Prevent Senior, voltada ao público idoso, o mais afetado nos primeiros meses da pandemia, não é difícil imaginar o estrago na margem de lucro. Daí para empurrar cloroquina goela abaixo dos pacientes e vender a ilusão de que eles poderiam se tratar em casa é um pulo.

Esse caso nos faz refletir sobre médicos e monstros e nos mostra que saúde não pode ser tratada como negócio. A alternativa nós já temos. É preciso fortalecer e aumentar o investimento no Sistema Único de Saúde, o nosso SUS, porque saúde é direito humano e coletivo.

Dou umas férias aos prezados leitores. Volto em 23 de outubro.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/09/sobre-medicos-e-monstros-na-prevent-senior.shtml