Trump
Rolf Kuntz: Ameaça é crime, no Código Penal. Ameaça de golpe também é?
Trump fracassou, no golpe, mas convém tomar cuidado com seus imitadores
Vitória de Bolsonaro: o Brasil superou a marca de 200 mil mortes pela covid, resultado favorecido por seu negacionismo, por seu desleixo em relação à máscara, por sua presença em aglomerações e pela recusa a coordenar o combate à pandemia. Exemplos indignos de um governante foram acompanhados de manifestações de desprezo à vida alheia, sintetizadas em duas palavras famosas: e daí?
Foi uma grande semana para o chefe do desgoverno brasileiro. Seu guia intelectual, moral e político, Donald Trump, atiçou um assalto ao Congresso, tentou impedir a certificação da vitória de Joe Biden e estimulou Mike Pence, vice-presidente da República e presidente do Senado, a inverter o resultado da eleição. Pence recusou-se a cumprir a calhordice. Nos Estados Unidos a tentativa de golpe fracassou, mas sobrou a inspiração. Lá pode ter falhado, mas falhará no Brasil?
Algo “pior” poderá ocorrer por aqui, avisou Bolsonaro, se ainda houver voto eletrônico em 2022, isto é, se a sua vontade for descumprida. “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que o dos Estados Unidos”, disse ele àquele auditório disposto a aplaudir qualquer barbaridade pronunciada por seu líder.
Mais que um aviso, foi uma evidente ameaça. Assim o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, interpretou – corretamente – a fala de Bolsonaro. Afinal, que rebanho golpista ousará atacar o Congresso Nacional, e talvez o Supremo Tribunal Federal, sem a liderança de um candidato a tiranete, saudoso da ditadura militar e defensor da tortura?
Pelo Código Penal, ameaça é punível com detenção, de um a seis meses, ou multa. O crime é caracterizado no artigo 147: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”. Qual o freio aplicável a quem anuncia algo “pior” que os eventos de quarta-feira em Washington – invasão e depredação do Congresso e tentativa de mudar, num golpe, o resultado da eleição?
Não há como desconhecer ou menosprezar o risco. O autor da ameaça já compareceu a manifestações golpistas, discursou diante de quem defendia o fechamento do Legislativo e do Judiciário e tentou envolver as Forças Armadas em suas manobras autoritárias. Mais de uma vez elogiou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado judicialmente como torturador, e o descreveu como herói nacional. Há poucos dias fez piada sobre a tortura sofrida na juventude por Dilma Rousseff, futura presidente do Brasil. A reação indignada uniu ex-presidentes, políticos e cidadãos de diferentes ideologias.
Há quem tente minimizar as barbaridades bolsonarianas como se fossem palavras e gestos sem consequência, reflexos de um estilo pessoal e de “um jeito de falar”. Mas nada disso é mera questão de jeito, de informalidade excessiva ou mesmo de uma rudeza franca e inocente.
Em Bolsonaro, a indisfarçável grosseria aparece misturada com o obscurantismo, o preconceito, o culto da brutalidade e a tendência autoritária. Quando ele manifesta, como em 23 de agosto, o desejo de “encher na porrada” a boca de um repórter, depois de uma pergunta incômoda, todas essas características se manifestam. São marcas de um caráter, mas são também – e isto é o mais importante, politicamente – mais um alerta para quem deseja a preservação e o aperfeiçoamento da democracia.
A relação sempre difícil de Bolsonaro com a imprensa é mais que a expressão de uma dificuldade pessoal. É a comprovação de seu horror a um componente essencial da liberdade política. Incapaz de se relacionar democraticamente com a imprensa, ele prefere comunicar-se de forma unilateral, por meio de lives e de manifestações diante de um cercadinho de apoiadores embasbacados.
Diante desses admiradores ele exorciza a própria incompetência, inocentando-se de suas omissões e de seus erros. Se deixou de mexer na tabela do Imposto de Renda, foi porque o País está quebrado, afetado por um vírus “potencializado pela mídia que nós temos, essa mídia sem caráter”.
Além de lançar a fantástica tese de um vírus potencializado pela mídia, Bolsonaro expôs o Tesouro Nacional – e, de fato, a economia brasileira – aos efeitos de uma declaração de quebra, isto é, de insolvência. Ninguém o levou a sério, naturalmente. O Brasil continua solvente, apesar do enorme custo fiscal das ações emergenciais de 2020. Mas há sinais de susto, no mercado, diante das barbaridades e irresponsabilidades de um presidente inepto para governar, ignorante de suas funções e concentrado em objetivos pessoais, como a reeleição e a defesa de filhos suspeitos de rachadinhas e lavagem de dinheiro.
Incapaz de entender a Presidência e seus limites, Bolsonaro vive em conflito com a ordem democrática. Confunde governar com mandar, insiste em moldar as instituições segundo seus objetivos pessoais e familiares e aposta no apoio de milhões de desinformados manipuláveis por meio de redes sociais. Seria enorme erro menosprezar suas ameaças. Trump fracassou ao tentar o golpe, mas o exemplo e a tentação permanecem.
Cacá Diegues: Uma nova democracia
O fracasso da invasão do Capitólio se deu graças à aliança entre democratas e republicanos
Pouco antes da conquista do planeta pelo coronavírus, pegava fogo o debate sobre a crise da democracia. Da versão política de Steven Levitsky à nênia econômica de Thomas Piketty, os pensadores ocidentais se dividiam entre a desconfiança num sistema de lógica tão frágil e a inesperada ascensão de gente como Boris Johnson, Matteo Salvini e sobretudo Donald Trump. Este último trazia a chave que abriu a caixa de Pandora do delírio antidemocrático, iniciado com a crise de 2008. A decadência desse baile de máscaras ideológico nos pegaria em cheio — a eleição, no Brasil, de Jair Bolsonaro, dez anos depois da inauguração dos novos tempos.
Como disse Manuel Castells, “a desconfiança nas instituições (...) nos deixa órfãos de um abrigo que nos proteja em nome do interesse comum”. Não há interesse comum quando os “representantes do povo” administram seus próprios sonhos em nome das sociedades que supostamente representam. O movimento antidemocrático é a inversão da energia popular: não cabe aos líderes realizar os “sonhos do povo”, mas orientar o povo sobre quais devem ser seus sonhos. É daí que nascem os “brexits”, rompimentos indesejáveis, xenófobos e populistas, que não podem ser condenados por ter sido escolhidos por eleitores.
O surgimento de um personagem excessivo, narcisista e grosseiro como Bolsonaro, que chega ao poder com uma ideologia semelhante à de Trump, pretende liberar energias reprimidas. E nos ameaça, para o futuro próximo, com algo parecido com a invasão do Capitólio. “A chave do sucesso de Trump”, escreve Matt Taibbi, “é a ideia segundo a qual as velhas regras de decência foram feitas para os perdedores que não têm o coração e a coragem de ser eles mesmos”. Essa é a mensagem do trumpismo numa era “narcisista de massa”, bem adequada a ela. O apoiador herda, por transição natural, o poder do apoiado, o herói político que o salvará não apenas da fome, mas também da insignificância de onde só pode se embasbacar com o universo estratosférico dos heróis inatingíveis da Marvel.
Foi o vírus que nos salvou desse mundo de mentira, dessa ficção de blockbuster direitista. A tragédia da Covid-19 nos fez voltar à realidade, trocar o papo enfeitado da política pelo discurso óbvio da sobrevivência da humanidade.
No Brasil do século XIX, por ocasião da Guerra do Paraguai, o governo imperial obrigara cada província a enviar uma percentagem de sua população para a luta. Os senhores de terra prometiam então a seus escravos alforria imediata a quem fosse à guerra no lugar deles. A maior parte desses “voluntários” acabava morta, esquecida no campo de batalha; e os que retornavam voltavam aos poucos à condição de escravos, numa sociedade em que não havia, para eles, outra coisa a fazer para ter um teto e matar a fome. É como se a escravidão estivesse em sua natureza e pudesse ser chamada de democracia, já que dependia apenas da vontade dos que a exerciam.
O melancólico livro de David Runciman, sobre o fim da democracia liberal, nos afirma, logo no início, que “nada dura para sempre”. E acrescenta o que nega ao longo de suas páginas: “A democracia sempre esteve destinada a passar, em algum momento, para as páginas da história”. Mas as páginas da história reproduzem apenas o modo como certas ideias são tratadas em um determinado tempo. Se pensarmos na convivência humana sem limitações ou prejuízo para o outro, estaremos praticando a ideia de democracia. Essa ideia nasceu há muitos séculos, nas reuniões públicas de cidadãos da Grécia Antiga. E, como ideia, já chegou hoje à ausência absoluta de discriminação, onde todos têm os mesmos direitos, seja qual for seu gênero, cor, origem ou formação. A única interdição segue sendo não atropelar os interesses legítimos e o justo desejo do outro.
O fracasso da invasão do Capitólio pelas tropas civis de Trump se deu graças à aliança entre membros dos partidos Democrata e Republicano, políticos tão diferentes quanto Nancy Pelosi e Mitch McConnell. Selvageria e barbárie dos invasores, em cuja tropa não havia um só negro, passaram longe das comoventes passeatas que proclamavam que “black lives matter”. Uma nova democracia pode surgir daí, talvez menor, mas certamente mais humana, sem bravuras mas com solidariedade. Uma democracia que não serve apenas a quem já tem o poder. Mas a do vizinho, nascida da consciência de que estamos todos vivendo num mesmo mundo e dele temos que tirar os mesmos proveitos para sermos felizes. Em tempos de tanta incerteza, não custa nada citar Gramsci: a velha ordem já não existe, e a nova ainda está para nascer.
Celso Rocha de Barros: Golpismo de Trump animou Bolsonaro
Os dois deveriam ser presos por tentativa de golpe de Estado
A invasão do Congresso americano por extremistas de direita inspirou uma nova onda de entusiasmo golpista entre os bolsonaristas, que nunca deixaram de ser inimigos da liberdade por terem se vendido ao centrão.
Jair Bolsonaro foi o único chefe de Estado do mundo que apoiou a invasão liderada por milícias racistas, neonazistas e/ou adeptas da teoria da conspiração QAnon. Bolsonaro foi o único chefe de Estado do mundo que apoiou uma manifestação de gente vestindo a camiseta “Camp Auschwitz”. Enquanto a invasão acontecia, Bolsonaro disse que houve fraude na eleição americana (é mentira) e declarou que “se nós não tivermos o voto impresso em 2022, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”.
As instituições deles são mais fortes do que as nossas. Alguns dias antes da tentativa de golpe, os últimos dez secretários de Defesa americanos (tanto republicanos quanto democratas) assinaram um artigo dizendo que “Os militares americanos não têm nenhum papel na determinação do resultado das eleições americanas”. Nenhum foi ao Twitter reclamar do julgamento do Lula, nenhum virou assessor de Toffoli durante a campanha eleitoral. E sem apoio de militar ou policial, cachorrinho de Olavo não se cria.
Ainda não sabemos se a invasão do Congresso americano foi o início de um novo movimento golpista ou o fim do último. A invasão provou que a democracia americana esteve sob ameaça durante o governo Trump e certamente estaria sob grave ameaça se Trump tivesse sido reeleito. Mas ainda não sabemos se o extremismo reacionário sobreviverá bem sem bons resultados eleitorais.
Por um lado, o extremismo racista de Trump ajudou a energizar a base eleitoral democrata e a fez comparecer em massa para eleger os dois novos senadores do estado da Geórgia. Não foram quaisquer dois senadores. Foram os dois que faltavam para que os democratas ganhassem a maioria no Senado. Muita gente no Partido Republicano vai perder a tolerância contra os extremistas de Trump agora que eles começaram a custar votos.
Por outro lado, o momento trumpista deixou um legado de degeneração moral no Partido Republicano. A invasão do Capitólio seria um episódio isolado de violência, facilmente rechaçável por, digamos, a torcida organizada do Volta Redonda, se não tivesse tido apoio de republicanos poderosos antes e depois da ofensiva.
O próprio presidente da República incentivou a radicalização para tentar fraudar a eleição. E, o que é ainda mais incrível, depois da invasão, 139 deputados e 8 senadores republicanos votaram a favor de moções que contestavam a vitória de Biden, sabendo que mentiam. Não há diferença importante entre Trump e os invasores, ou entre esses 147 e os invasores. O que faz de 6 de janeiro uma tentativa de golpe não foi a invasão do Capitólio, foi o fortíssimo encorajamento institucional que os fascistas tiveram.
Se Obama tentasse o que Trump tentou, dormiria em Guantánamo no mesmo dia. Se Lula chamasse o golpe como Bolsonaro chamou, o Exército o enforcaria na Praça dos Três Poderes. Tanto Trump quanto Bolsonaro precisam ser presos por tentativa de golpe de Estado. As Forças Armadas brasileiras precisam denunciar o golpismo de Jair Bolsonaro. Isso, sim, seriam instituições funcionando.
*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Fernando Gabeira: Um homem sentado no destino do país
Não há o que temer ao despachar figuras nefastas como Trump e Bolsonaro
Às vezes, é preciso escrever com simplicidade, sem o rigor das páginas editoriais ou a complexidade das teses dos cientistas políticos. Escrever apenas isto: há um homem sentado sobre o destino do Brasil, e suas pesadas e incômodas nádegas não permitem avanço e provocam mortes.
Nem sempre é fácil se livrar desse fardo. Nos Estados Unidos, finalmente, Trump será despachado, como um desses espíritos que se recusam a desencarnar.
Muitos viram na invasão do Capitólio apenas um problema para Biden. Não perceberam que se viviam ali os estertores de uma época, num dia cheio de boas-novas, como as eleições na Geórgia, que garantem aos democratas a maioria no Senado.
Manifestações às vezes enganam. Já participei de centenas na vida. Nem todas sobrevivem na balança da história. Sua fumaça confunde o que sobe e desce, o que nasce e morre no instante.
Não há o que temer no processo de despachar essas figuras nefastas, desde que, é claro, se façam previsões corretas e preparações adequadas.
Quando o coronavírus era uma realidade apenas em Wuhan, escrevi um artigo sobre ele. Previ que, em caso de chegada ao Brasil, a única resposta teria de ser nacional e solidária.
Bolsonaro sabotou essa resposta. Como se não bastasse, demitiu os ministros da Saúde que a aceitavam. Fomos reduzidos a reações atomizadas que, embora fiéis à orientação científica, não têm a mesma eficácia de uma coordenação central.
Ultrapassamos os 200 mil mortes. Não podemos dizer que Bolsonaro seja responsável por todas. Mas algumas, várias delas, devem-se a sua escolha e já bastariam para pesar eternamente na consciência de um homem do bem.
Desde o princípio da pandemia, a vacina apareceu como única saída estratégica, e o mundo científico se dedicou a ela. Bolsonaro preferiu remédios e desconfiou abertamente da vacina, inibindo uma planificação. O atraso que isso significa representa vidas perdidas e energia produtiva paralisada.
Bolsonaro diz que o país está quebrado e ele não pode fazer nada.
Há trilhões de dólares no mundo, de fundos de pensão, bancos, governos, prontos para ser investidos em projetos ambientais e socialmente responsáveis.
Mas todo esse dinheiro não pode vir para cá. Bolsonaro estimula a destruição das florestas e dos bichos com uma política do século passado. Ele e alguns apoiadores acham que americanos e europeus destruíram seu meio ambiente, agora é hora de destruir o nosso: dane-se.
Muitos políticos recusam o impeachment porque acham que podem fortalecer a quem se quer derrubar. Não foi assim nos EUA. Trump sobreviveu ao processo, mas acabou perdendo as eleições.
O problema agora é a existência da pandemia. Se Bolsonaro estivesse sentado apenas sobre o progresso econômico, o nível de gravidade seria menor.
No momento, estamos lutando desesperadamente para salvar vidas, num contexto social em que a fome ronda milhões.
Definido como o grande obstáculo, um homem sentado sobre o destino do país, a resposta simples seria removê-lo. Mas as circunstâncias exigem um esforço combinado, de tal forma que a luta pela vida seja também um passo para afastá-lo. Os dois fatores estão entrelaçados.
Um movimento pela vacina universal e gratuita não pode perder de vista a substância que imuniza, nem o responsável pela sua inexistência a esta altura da pandemia.
Estão dadas as condições para uma ampla articulação para salvar o país da morte. Assim como, guardadas as proporções, quando o Reino Unido se viu diante da ameaça de uma invasão hitlerista, todos os esforços do país convergiram num só sentido de proteção à ilha.
Escrevi: guardadas as proporções.
Muitos brasileiros acham que o país está no caminho certo, e não há o que defender. Nada como o bom debate numa atmosfera democrática. Muitos americanos achavam que Trump era o caminho.
No entanto lá se foi o Trump para o espaço sideral, amplo e aberto para receber terráqueos como ele.
Com trabalho e tolerância, poderemos construir nossa nave e também lançar aos ares o pesado corpo sentado sobre nosso destino.
Eliane Cantanhêde: No pântano da irracionalidade
Até o Twitter baniu Trump, mas Bolsonaro insiste em afundar com ele, levando o Brasil junto
"Errar é humano, mas insistir no erro é burrice." Esta velha máxima pode ser usada para o governo Jair Bolsonaro diante da ebulição política dos Estados Unidos, mas com acréscimos. Insistir no erro de apoiar Donald Trump acima de tudo e da razão não é burrice, ou não apenas burrice, é irresponsabilidade com o País e sugere más intenções.
Trump vem sendo condenado pelo mundo democrático por ter incitado sua milícia a atacar a maior democracia, maior economia e maior potência militar do planeta. Foi sob seu comando que a turba se armou, se fantasiou e se animou a ocupar o Capitólio, quebrando, destruindo, ameaçando os representantes do povo.
Até Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido e legítimo líder de direita, condenou a inconsequência de Trump, um homem incapaz de conviver com algo inerente à vida: derrotas. Isso mostra o quanto a condenação a Trump não é questão de ideologia, é mais do que isso. Não se trata de direita versus esquerda, mas sim de democracia versus barbárie, até de sanidade versus insanidade.
Um líder mundial banido do Twitter por incitação à violência! Foi isso que aconteceu a Trump, na reação em série que inclui Joe Biden falando em "terrorismo doméstico" (aliás, como escrevi na primeira hora) e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, advertindo que Trump tem acesso até o dia 20 à "bola de futebol" e ao "biscoito" que podem acionar uma guerra nuclear. Até isso teme-se de Trump!
Assim, por ação do próprio presidente da República, os Estados Unidos foram reduzidos a "republiqueta de bananas", sofrerem um ataque terrorista interno e convivem com suspeitas e temores sobre guerras nucleares. Esse é o clima no País. Não são bobagens, nem meras piadas de mau gosto e, obviamente, preocupam o mundo inteiro.
O "pária" Brasil, porém, continua dentro de uma bolha incompreensível, em que o presidente, seu chanceler e seus filhos se mantêm firmemente agarrados ao Titanic Trump. Enquanto cidadãos, eles têm todo o direito de afundar, é um problema deles, uma decisão individual. Mas levar o Brasil junto para as profundezas dos delírios de Trump e para o perigo que ele representa?
Bolsonaro comprou sem pestanejar a versão de fraude na eleição americana, desmentida pela Justiça, fiscais independentes e... os próprios republicanos. O chanceler Ernesto Araújo, sem citar o grande culpado pelo ataque ao Capitólio, chamou os extremistas de "cidadãos de bem" e até justificou os atos, já que a sociedade "desconfia das eleições". Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em vez de abrir, fechou ainda mais os canais com o novo governo. Nos EUA, confraternizou com os Trump (aliás, na semana da invasão) e não fez um mísero gesto para Biden.
Seria compreensível a pessoa Bolsonaro enviar um abraço para o “amigo” derrotado, mas o presidente do Brasil cutucar e negar Biden, como fez com China, França, Alemanha, Argentina, mundo árabe? Governantes não agem por impulso, emoção, conveniência pessoal, crença religiosa, certezas íntimas ou tititi de gurus e marcianos. Devem, ou melhor, são obrigados a agir de acordo com o interesse nacional, o desenvolvimento do País e o bem estar das populações.
Bolsonaro, porém, é de outra galáxia e insiste no erro de afundar com Trump no pântano da irracionalidade. Como toda ação corresponde a uma reação, o homem de Joe Biden para a América Latina no Conselho de Segurança Nacional é Juan Gonzales, que já mandou recados diretos para o presidente brasileiro e tem foco nos temas que mais opõem Biden a Bolsonaro: mudanças climáticas, direitos humanos, democracia... É péssimo para Bolsonaro, mas pode ser muito positivo, e oportuno, para o Brasil.
*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA
Merval Pereira: Contrapesos democráticos
Mesmo que considerem importante chamar a atenção do fato de o presidente dos Estados Unidos Donald Trump não ter tido o apoio dos militares, como destacou o professor Steven Levitz, e a necessidade do controle civil dos militares para a prevalência e estabilidade da democracia tanto nos EUA como no Brasil, como enfatizou o cientista político Octavio Amorim Neto em colunas anteriores esta semana, dois analistas das questões da democracia consideram que fatores relevantes existem hoje no Brasil para impedir que iniciativas golpistas de populistas extremados tenham sucesso.
O cientista político da FGV do Rio, Carlos Pereira, destaca a independência e a atuação das organizações de pesos e contrapesos (checks & balance) da democracia. O advogado e ex-deputado federal Marcelo Cerqueira, com o conhecimento de quem viveu intensamente os acontecimentos políticos, inclusive com o prestígio que a UNE desfrutava à época e, depois, como Deputado, ao lado de Tancredo Neves e Ulisses Guimarães, participou das negociações para a transição democrática, afinal exitosa, não acredita em golpe militar.
Carlos Pereira lembra que tanto os EUA como o Brasil possuem “um leque muito sofisticado e descentralizado dessas instituições democráticas”, como Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, Controladorias, Polícia Federal, que garantem o equilíbrio de poderes. “Além do mais, dispõem de uma mídia diversa e extremamente vigilante contra qualquer desvio do populista de plantão. As sociedades brasileira e americana também são muito sofisticadas, ativas e atentas com relação ao comportamento de seus governantes”.
Para Pereira, as análises partem do pressuposto de que estas organizações de controle, e a própria sociedade, seriam vítimas indefesas da atuação oportunista e golpista de governos populistas extremos. “Bastaria apenas capturar os militares para que a democracia sucumbisse”.
Mas ele destaca que o ocorrido nos EUA sugere que Trump não foi capaz de capturar os militares “porque os EUA dispõem de uma sociedade atenta e de organizações de controle fortes e independentes. O que vimos foi o completo isolamento do presidente americano, não apenas entre os militares”.
Traçando um paralelo para o caso brasileiro, Carlos Pereira pondera que “se o ocorrido com os EUA puder servir de roteiro para Bolsonaro construir uma potencial narrativa golpista, especialmente em caso de derrota eleitoral em 2022”, o mesmo pode ser argumentado em relação ao aprendizado institucional da sociedade e de suas organizações de controle, “que certamente estarão ainda mais atentas e alertas contra potenciais atitudes extremadas do Presidente”.
Populistas extremados, como Trump e Bolsonsaro, sempre andam no “fio da navalha”, pois precisam servir a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo, analisa Carlos Pereira, advertindo que “nem sempre é possível dar respostas adequadas que contemplem a essas duas demandas contraditórias”.Essa situação leva a que necessitem do apoio inconteste do seu núcleo duro de eleitores, e por isso “precisam polarizar seus argumentos por meio de conexões identitárias capazes de manter seus seguidores unidos e coesos”. Por outro lado, “precisam jogar o jogo dos procedimentos institucionais da democracia para não serem rifados do jogo político”.
O cientista politico da FGV ressalta que, com muita frequência, populistas extremos cometem erros. “O Trump, certamente, cometeu o maior erro da sua administração e vai pagar um preço reputacional, político e talvez judicial incalculável”.
O advogado Marcelo Cerqueira, defensor de presos políticos e negociador do processo de abertura que desaguou na anistia e democratização do país, acha que é preciso “colocar as questões em seus termos”. Com a experiência vivida, ele está certo de que não haverá uma ruptura militar”.
A preparação do Golpe 64 levou em conta algum enfrentamento militar, na suposição propalada de que Jango tinha apoio”, que não é o caso de hoje. E nem os "golpistas" teriam como cooptar militar acatado como General Castelo Branco.
“Golpe para manter um militar tosco de patente inferior como Bolsonaro não é provável. Manipular com lamentável ignorância o Artigo 142 como uma supremacia militar em qualquer ocasião é de uma estupidez sem nome”.
Dorrit Harazim: Fim ou começo
A mera abertura de impeachment de Trump seria registrada de forma indelével e educativa
Karen Attiah é editora de Opinião Global do “Washington Post”. Publicou uma coluna insólita depois que bandos radicalizados em quatro anos de governo Trump tomaram de assalto o Congresso dos EUA. Seu texto simula a forma como a mídia ocidental noticia violência política em países conturbados. De cara, a jornalista descreve Donald Trump não como “presidente”, mas como “líder”. Aponta para a esculhambação geral, informando que os invasores haviam anunciado seus planos on-line ostentando camisetas com os dizeres “Guerra Civil”. Faz referência à peculiaridade dessa “ex-colônia britânica”, onde “há séculos a violência política e racial desempenha papel preeminente”. E noticia a reação inicial do presidente recém-eleito Joe Biden ao ato de sedição no Capitólio — “não representam a América real, não representam quem somos”. Recorrendo a um personagem fictício finamente criado para a ocasião, Attiah reserva sua estocada para o final do seu artigo:
—A frase “isso não é quem somos” tornou-se um refrão comum em inglês falado nos Estados Unidos, diz o liberiano Alphus Huxly, professor de Literatura e Estudos Americanos. Trata-se de uma resposta automática, usada sempre que há volumosa evidência de violência dos brancos e de ataques à democracia.
A partir da lealdade de 74 milhões de eleitores a um presidente demagogo que anunciara previamente sua sedição, o mantra “não é isso quem somos” não basta mais. O próprio conciliador-em-chefe Biden, que tomará posse no dia 20 sob medidas de proteção marciais, já endureceu o tom. E mais não faz para, seguindo sua índole, não dilacerar ainda mais a nação que herdará.
Outros, então, tomaram a dianteira para tentar interromper de imediato, e com urgência, o poder do presidente mais desequilibrado, demagogo, insurreto (e talvez insano) que o país já teve. O editorial do conservador “Wall Street Journal” que pediu sua renúncia conclui que “é melhor para todos, inclusive para ele, afastar-se discretamente”. O que é uma contradição em si —nada, em Trump, consegue ser discreto ou sem confronto aberto.
Um Donald Trump entrincheirado na Casa Branca às soltas com seus fantasmas, por mais 10 dias, acende um botão de pânico mundial. Daí o telefonema da presidente da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, ao chefe do Estado-Maior Conjunto, Mark Milley, para se assegurar de que haverá precauções redobradas em caso de alguma ordem incongruente recebida da Casa Branca.
Em tese, a remoção forçada mais expedita poderia ocorrer por meio da Emenda Constitucional 25. Mas o instrumento exigiria o assentimento e ação do vice equilibrista Mike Pence. Pouco provável, portanto, pois a única causa de Pence nestes quatro anos foi servir docilmente ao chefe, na ilusão de emergir em 2024 como trumpista imaculado e, assim, disputar a Casa Branca. Deu tudo errado. Mas encaminhar a remoção legal de Trump em nome da democracia não faz parte do DNA de Pence. Resta, então, o pedido de impeachment acelerado, já proposto pela liderança democrata no Senado e na Câmara.
Seria um revertério colossal se, uma vez encaminhado pela Câmara, o impeachment viesse a ser aprovado pela maioria republicana que ainda domina o Senado. Também seria curtíssimo o tempo para a elaboração do processo. Ainda assim, a mera abertura do procedimento ficaria registrada de forma indelével e educativa para futuros aventureiros do poder no país. De um mesmo presidente com dois pedidos de impeachment na folha corrida, a história nunca esquece.
Também convém não esquecer que foram 147 legisladores republicanos, portanto representantes do povo, que deram lustro formal à teoria conspiratória de fraude na eleição de Biden. Alinharam-se por oportunismo eleitoral à narrativa da vitimização do eleitorado branco (leia-se, racista) e deslizaram para a covardia cívica. Foram os primeiros a emudecer diante do crescimento e do arrojo de um embrião de nação — uma nação de fanáticos devotos a um só homem.
Na tentativa de fraudar o resultado da eleição e intimidar servidores públicos, Trump fracassou não apenas porque estes se mantiveram leais à Constituição. Fracassou também porque conseguiu cercar-se de um bando de causídicos desclassificados ainda mais exóticos do que Frederick Wassef, ex-advogado da família Bolsonaro. Felizmente, também a tentativa de insurreição desta semana foi planejada e insuflada por celerados sem roteiro. O desfecho poderia ter sido ainda pior — e melhor para um líder que aposta na convulsão. “Coisa de amador”, dirão Vladimir Putin e Xi Jinping, com desprezo.
Sabidamente, grandes ocasiões não geram heróis ou covardes, apenas os revelam à luz do dia, já ensinou um sábio lá atrás. Ou, como sabia o grande escritor e dramaturgo maldito Jean Genet , “quem nunca provou o prazer da traição não sabe o que é prazer”. Está, portanto, aberta, a temporada de covardias de assessores e políticos que querem salvar a pele afastando-se na 25ª hora de Trump. Porteira também aberta para uma inevitável torrente de traições de quem acumulou humilhações do chefe e agora vai desatar a falar — ou a votar por sua remoção.
Resta no ar a frase mais inquietante da semana. Em mensagem gravada à nação para anunciar (60 dias após ser derrotado por Biden) que o país terá novo presidente a partir do dia 20, Donald Trump se despede por ora assim: “Embora isso represente o fim do maior primeiro mandato da história presidencial, isto é apenas o começo da nossa luta...”. Melhor que seja o fim.
Elio Gaspari: Os últimos dias de Trump
O mundo está diante de um espetáculo constrangedor: o presidente dos Estados Unidos pirou
Em julho de 2016, o bilionário Michael Bloomberg, disse durante a convenção do partido Democrata: “Eu reconheço um vigarista quando o vejo”. Referia-se a Donald Trump. Passaram-se quatro anos, e a questão da vigarice do doutor foi para a mesa da procuradora-geral do estado de Nova York. Em Washington, a questão tornou-se outra: a eventual aplicação do dispositivo constitucional que permite empossar o vice caso o titular esteja incapacitado. Quando essa emenda foi aprovada, pensava-se num cenário no qual o presidente está sob intensos cuidados médicos. No espetáculo da série “Os últimos dias de Trump”, a invocação do dispositivo nada tem a ver com uma anestesia geral, por exemplo. Trata-se de incapacidade por maluquice.
Trump é visto como um narcisista psicótico por muita gente que não gosta dele. Em julho passado, sua sobrinha Mary (psicóloga) publicou um livro com o subtítulo “O homem mais perigoso do mundo”. Parecia futrica familiar.
Desde novembro, Trump sustenta que venceu a eleição “de lavada”. Na terça-feira, os candidatos republicanos perderam a eleição na Geórgia. No dia seguinte, seus guardiões fizeram o que fizeram. (“We love you”, disse Trump.) Os senadores e deputados americanos foram obrigados a deixar o prédio. Numa decisão histórica, voltaram aos plenários horas depois. Na quinta-feira, confirmaram o resultado eleitoral. A senadora republicana que perdeu a cadeira tirou sua assinatura do pedido de recontagem dos votos da eleição presidencial na Geórgia. Duas integrantes do primeiro escalão de seu governo foram-se embora, e seu fiel ex-procurador-geral acusa-o de ter traído o cargo.
O mundo está diante de um espetáculo constrangedor: o presidente dos Estados Unidos pirou. Isso só acontecia em filmes ruins. Desde o dia em que tomou posse, garantindo que ela foi assistida por uma multidão jamais vista, estava no tabuleiro a carta de que se tratava de um mentiroso. Quatro anos depois, com o seu negativismo eleitoral e a mobilização de seus seguidores para a invasão do Capitólio, Trump encarna o personagem do teatrólogo Plínio Marcos em “Dois perdidos numa noite suja”: “Sou o Paco Maluco, o perigoso”.
A série “Os últimos dias de Trump” não terminou. Se ele queria ir jogar golfe na Escócia no dia da posse de Joe Biden, deve buscar outro pouso. A primeira-ministra Nicola Sturgeon disse que lá o doutor não entra, pois o país está em lockdown.
Faltam dez dias para o fim da série, e Trump ainda surpreenderá a plateia. A Associação Americana de Psiquiatria continua funcionando, com sede a poucos minutos da Casa Branca. Isso, porque malucos existem.
A poesia de Grant no caos de Trump
Durante as horas em que a anarquia trumpista tomou conta do Capitólio, deu-se um momento de poesia histórica. Sem dar a menor bola, centenas de manifestantes passavam por baixo do monumento ao general Ulysses Grant, comandante das tropas vitoriosas da União durante a Guerra da Secessão (1861-1865).
A estátua equestre é um retrato excepcional da figura de Grant. Enquanto o gênero coloca os homenageados em posições combativas, como o Duque de Caxias de Victor Brecheret, o Grant do escultor Henry Shrady está encolhido, parece um tropeiro com frio. Assim era ele. Teve uma carreira militar medíocre, tentou a vida fora do Exército e faliu. Bebia mal. Ele comandava tropas do Norte quando chegou com o filho a um hotel de Washington e o recepcionista disse-lhe que só tinha quartos no sótão. Tudo bem até a hora em que ele assinou a ficha: “Ulysses S. Grant”.
Na cena da rendição dos rebeldes numa casa de Appomattox havia dois comandantes. Um chegou num bonito cavalo, com faixa na cintura e espada com punho de ouro cinzelado. O outro, com o uniforme amarfanhado (há quatro dias não o trocava) e as botas enlameadas. O bonitão era Robert Lee, que estava se rendendo e pedindo comida para seus soldados.
Desde jovem, quando participou da invasão do México, Grant impressionava pela sua capacidade de manter o sangue frio nos piores momentos de uma batalha e diante do massacre de suas tropas. (Isso numa pessoa que tinha horror a carne mal passada, pelo que viu no curtume de seu pai.)
Quanto maior a confusão, maior era a calma de Grant. Sua figura no meio da anarquia dos guardiões de Trump a foi mais uma homenagem ao general que botou os escravocratas do Sul de joelhos.
Grant foi eleito presidente e governou de 1869 a 1877. Um desastre. O general meteu-se com o papelório, e no fim da vida estava quebrado. Pagou suas contas escrevendo um livro de memórias. Ele e a mulher estão sepultados num mausoléu em Nova York, na altura da rua 122. O balcão de perfumes da Bloomingdale’s recebe mais fregueses num mês do que sua tumba do casal em um século.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota, encantado com o legado da Olimpíada de 2016 e com o desenvolvimento imobiliário gerado pelo Porto Maravilha. O cretino adorou a ideia do prefeito Eduardo Paes de convocar um plebiscito para decidir o que fazer com a falecida ciclovia Tim Maia.
Eremildo propõe que no plebiscito sejam feitas mais duas perguntas:
Quem foi o responsável pelo desastre que matou duas pessoas e torrou R$ 45 milhões?
A prefeitura não tem mais o que fazer?
Baleia Rossi
O pelotão palaciano acordou para a possibilidade de o deputado Baleia Rossi ganhar a presidência da Câmara dos Deputados.
Mayrink, um artista
Gustavo Mayrink colocou um tesouro na rede. É o site “Geraldo Mayrink”, com dezenas de textos de seu pai, falecido em 2009, depois de mais de 40 anos de atividade jornalística.
Ele falava calado e escrevia como poucos.
As quatro primeiras frases de seu perfil do jogador Garrincha entraram para a história da maestria jornalística:
“Suas pernas formavam um arco. A esquerda, em que a deformação era mais notável, tinha seis centímetros mais que a outra. Já era um milagre que andasse. Inadmissível que jogasse futebol.”
Num tempo de más notícias, os textos de Geraldo Mayrink permitem um reencontro com a alegria de seus leitores.
Notas incorretas
No vídeo que mostra os guardiões de Trump no salão que fica debaixo da cúpula do Capitólio, eles se comportaram como respeitosos visitantes de um museu.
O vídeo que mostra o tiro dado por um policial na manifestante que estava do outro lado de uma porta, matando-a, foi coisa de seguidor do ex-governador Wilson Witzel.
(Em tempo: se os trumpistas de Washington fossem negros, os mortos da quarta-feira teriam passado da dezena.)
Macaco fora do galho
No dia em que o Brasil bateu a marca dos 200 mil mortos pela Covid, Bolsonaro avisou que se o Brasil não usar o sistema de voto impresso, terá os mesmos problemas que aqueles criados por Trump nos Estados Unidos.
Tudo bem. Seria o caso de ele combinar que na próxima epidemia o presidente do Tribunal Superior Eleitoral acumulará o cargo com o de ministro da Saúde. Certamente, ele não falará em cloroquina, “gripezinha” nem “conversinha” de segunda onda.
El País: Norte-americanos vivem apreensão e ansiedade com os últimos dias de Trump na Casa Branca
Trump não irá à posse de Biden em 20 de janeiro, a primeira vez que isso acontece desde 1869
Donald Trump está cada vez mais sozinho e, ao se sentir quase encurralado, é possível que em vez de lamber as feridas ao final de sua presidência, decida que a melhor defesa diante da enxurrada de críticas é um bom ataque. Trump provou ao longo dos últimos quatro longos anos que pode ser imprevisível e errático em suas decisões. A oposição democrata e um número cada vez maior de republicanos que começam a abandoná-lo vivem com incerteza, ansiedade e até medo os 12 dias que restam até que no próximo dia 20 o presidente Trump deixe definitivamente a Casa Branca.
Ele já deu vários murros no tabuleiro internacional. Há pouco mais de um ano, o mandatário republicano surpreendeu ao ordenar um ataque com drones contra o poderoso general iraniano Qasem Soleimani, desatando tensão máxima no Oriente Médio ao acabar com um dos homens fortes do aiatolá Ali Khamenei, em um golpe duríssimo a Teerã. Além disso, Trump se lançou a desenhar um novo mapa geopolítico acabando com décadas de diplomacia com a China e inaugurando uma nova Guerra Fria com a grande potência em ascensão. Há mais exemplos: como mudar a posição internacional sobre Jerusalém, ao mudar à cidade santa a embaixada dos EUA, e talvez a última mudança drástica da política em Washington, com o apoio ao Marrocos ao reconhecer sua soberania sobre o Saara Ocidental, o que significou ignorar as resoluções da ONU.
Diante das dúvidas sobre o que ainda pode ordenar um presidente ferido, que deixará como legado uma tentativa de insurreição insuflada por ele mesmo contra a democracia dos Estados Unidos, os líderes democratas estão tentando adotar medidas sérias. Além de seu pedido para que seja aplicada a 25° emenda e a realização de um impeachment a toda pressa do mandatário, a presidenta da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, se movimentou no terreno do prático e explicou na sexta-feira que conversou com o chefe do Estado Maior Conjunto, o general Mark Milley, para manter “um presidente instável” longe dos códigos nucleares que controla.
Proteger a população
“A situação desse presidente volátil e instável não poderia ser mais perigosa e devemos fazer todo o possível para proteger a população americana de seu desequilibrado ataque ao nosso país e nossa democracia”, escreveu Pelosi em uma carta. A presidenta da Câmara de Representantes afirmou que recorreria ao julgamento político contra Trump se o vice-presidente, Mike Pence, não iniciasse o processo para que seu Gabinete retirasse Trump do poder com a emenda constitucional por incapacidade.
Enquanto isso, o presidente flerta com a ideia de conceder um perdão a si mesmo para evitar possíveis investigações judiciais quando abandonar a Casa Branca. Um presidente perdoar a si mesmo seria algo inédito na história dos Estados Unidos, mas Trump já falou em público diversas vezes sobre essa opção, defendendo que tem o “direito absoluto” a fazê-lo. O republicano colocou essa opção durante a investigação da chamada trama russa, que verificou as supostas ligações entre a Rússia e sua campanha nas eleições de 2016.
O caso foi fechado sem que Trump fosse acusado por qualquer crime. Mas o promotor especial da investigação, Robert Mueller, afirmou o tempo todo que o mandatário não foi eximido, o que faz com que potencialmente possa ser processado quando deixar a Casa Branca. A maior ameaça legal que Trump enfrenta hoje é uma investigação por fraude do Estado de Nova York relacionada aos seus negócios. Ainda que esse seja um caso de alcance estadual que não estaria protegido por um perdão presidencial, uma vez que Trump é investigado como pessoa particular, sem vínculo com as decisões tomadas desde sua chegada ao poder em 2016.
A agenda diária de Trump até o dia da posse de seu sucessor, o democrata Joe Biden, é uma incógnita. “O presidente trabalhará do começo da manhã até tarde da noite. Fará muitas ligações e muitas reuniões”, disse a mensagem de sexta-feira enviada à imprensa pela Casa Branca.
Apesar de seu pedido para cicatrizar as feridas após o ataque ao Capitólio, Trump estaria supostamente planejando sigilosamente viajar na semana que vem à fronteira sul de seu país para lembrar em seus últimos dias, ao lado do muro que queria ampliar com o México, sua posição de falcão na política migratória. Também estaria pensando, de acordo com o The New York Times, em conceder uma entrevista antes de deixar o poder.
No Twitter, antes de sua conta ser suspensa definitivamente, o mandatário anunciou que não irá à posse de Biden, a primeira vez que isso acontece desde 1869. Quebrando a tradição, a família Trump sairá da Casa Branca rumo a sua residência da Flórida no dia 19, e não no 20. Quase uma saída pela porta dos fundos.
Marcus Pestana: Os EUA entre a loucura e o fascismo
A democracia é valor universal inegociável para aqueles que acreditam na liberdade como ambiente desejável para a construção do futuro da sociedade. A democracia moderna tem raízes na Inglaterra da Revolução Puritana, no século XVII, liderada por Cromwell, primeiro levante contra o absolutismo; na França, que em 1789, com sua revolução, derrubou a monarquia absolutista; e na consolidação da democracia norte-americana a partir da Guerra da Independência, da Revolução de 1776 e da Guerra de Secessão.
Em 1835, o maior intérprete da democracia americana, o jurista francês Alexis de Tocqueville, publicou o clássico “A Democracia na América”. A escravidão se concentrava no sul do país. E a valorização do indivíduo e da livre iniciativa empreendedora tomava conta do norte e do centro-oeste.
Tocqueville afirmou então: “Eu confesso que na América, eu vi mais do que a América; eu vi a imagem da democracia mesmo, com suas inclinações, seu caráter, seus preceitos, e suas paixões, o suficiente para aprender o que devemos temer ou o que devemos esperar de seu progresso”.
Chamou sua atenção a adoção do voto universal, a construção das instituições, a burocracia mais leve, a valorização dos direitos individuais, a descentralização federativa. Embora a democracia americana excluísse as populações negras e indígenas e as mulheres só tenham conquistado o direito a voto em 1920, Tocqueville enxergava na sociedade de “homens quase iguais” o freio contra radicalismos e violências. Estaria antevendo precocemente a ascensão e queda de Donald Trump?
Dentro da vasta literatura sobre a crise da democracia representativa e o crescimento do nacional-populismo autoritário, vemos em Manuel Castels em seu livro “Ruptura – a crise da democracia liberal” (2017), o mesmo presságio: “Como foi possível? Como pode ter sido eleito para a Presidência mais poderosa do mundo um bilionário tosco e vulgar, especulador imobiliário envolvido em negócios sujos, ignorante da política internacional, depreciativo da conservação do planeta, nacionalista radical, abertamente sexista, homofóbico e racista?". E responde: pela soma da ira dos excluídos do mundo globalizado, da América profunda do interior, da população branca conservadora que não se via representada pelos múltiplos movimentos identitários, e de uma campanha radicalizada, repleta de fakenews e manipuladora das redes sociais.
Também Steven Levistky e Daniel Ziblatt, em “Como as democracias morrem” (2018), processam análise perturbadora sobre o colapso das democracias tradicionais associando a eleição de Trump com rupturas democráticas emblemáticas como nos casos de Orban na Hungria, de Erdogan na Turquia, de Hugo Chávez na Venezuela, de Fujimori no Peru, e até mesmo de Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha. Democracias corroídas por dentro, com a crescente quebra das regras constitucionais, o enfraquecimento das instituições e a mobilização de parcela importante da população em apoio à ruptura. Os autores chamam atenção para as regras não escritas da política norte-americana: a contenção no uso do poder e o reconhecimento da legitimidade dos adversários. Princípios jogados na lata do lixo por Donald Trump.
Ainda estamos perplexos e assombrados com os últimos acontecimentos nos EUA. Loucura ou fascismo? Na próxima semana, voltarei ao assunto.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Demétrio Magnoli: Futuro da democracia nos EUA depende do desenlace da guerra pela alma do Partido Republicano
Trump não é um desequilibrado nem armou um golpe de Estado; a tocha que o presidente acendeu continua a queimar
“Nunca concederemos”, exclamou Trump diante de uma malta de milicianos e supremacistas brancos reunidos no parque da Elipse, chamando-os a “marchar até o Capitólio”. Quase cem anos atrás, Mussolini deflagrou a marcha sobre Roma, mas ele mesmo não marchou, seguindo para o conforto de Milão. O presidente americano imitou a covardia do Duce, encerrando-se na Casa Branca enquanto seus vândalos percorriam a avenida Pensilvânia. A versão original foi uma sedição triunfante; a cópia, uma encenação que fugiu ao controle do mestre.
Cria corvos e eles te arrancarão os olhos —o provérbio espanhol explica a derrota de Trump. Os corvos violaram o roteiro, invadiram o Congresso e interromperam a sessão de certificação da vitória de Biden, alterando os termos da disputa pela hegemonia no Partido Republicano. No fim, lívidos, os principais líderes republicanos —o vice, Mike Pence, e o líder do Senado, Mitch McConnell— abandonaram o presidente e isolaram a camarilha de congressistas engajados na negação da democracia.
Trump não é um desequilibrado nem armou um golpe de Estado. A tocha que acendeu continua a queimar, apesar do fracasso de 6 de janeiro. O presidente sabe, desde novembro, que carece de meios para impedir a posse de Biden. O grito de fraude difundido pelo país destina-se a submeter o Partido Republicano, prendendo-o na jaula do nacionalismo branco. Trump 2024 —a campanha começou e seu estandarte é a restauração dos “direitos dos colonos”.
No teatro parlamentar de 6 de janeiro, o núcleo de congressistas trumpistas contestou a certificação dos resultados dos estados decisivos, exigindo o descarte dos “votos ilegais”. As recontagens e decisões judiciais confirmaram a legalidade de todos os sufrágios. Mas, na linguagem cifrada do Partido de Trump, ilegais são os votos dos negros que inclinaram o pêndulo para o lado de Biden. O programa Trump 2024 é conferir às legislaturas estaduais a prerrogativa de suprimir o direito de voto dos negros.
A Constituição escrita pela nação de colonos atribuiu aos estados o poder de designar seus delegados ao Colégio Eleitoral. No início do século 19, com a expansão da democracia, leis estaduais transferiram ao sufrágio popular a seleção dos representantes. Depois, entre 1865 e 1869, no rescaldo da Guerra Civil, as emendas 13, 14 e 15 delinearam uma “segunda Constituição”, que estendeu aos negros o direito de voto. Contudo, na prática, a densa trama de leis e regulamentos estaduais esculpida para restringir o voto dos negros perdurou mais um século, até a Lei dos Direitos de Voto, de 1965. O trumpismo almeja retroceder os ponteiros do relógio da história em 60 anos, anulando as conquistas do movimento pelos direitos civis.
No rastro da derrota eleitoral, o presidente articulou com republicanos do Senado de Michigan uma tentativa de invalidar, na legislatura estadual, os delegados eleitos ao Colégio Eleitoral. Frustrada no nascedouro, a operação não chegou a provocar julgamento numa Corte Suprema de maioria conservadora, inclinada à interpretação “originalista” da Constituição. Mas a chama da utopia regressiva não se apagou.
No fatídico 6 de janeiro, Trump pretendia reforçar o teatro parlamentar da contestação eleitoral com a encenação de um levante das ruas. “Vocês nunca recuperarão nosso país com fraqueza”: a meta era usar as hordas de arruaceiros para intimidar os congressistas republicanos recalcitrantes, sujeitando-os à vontade do mestre. A invasão do Capitólio —uma derivação lógica mas imprevista da incitação presidencial— produziu efeito inverso, desorganizando a marcação de cena.Partido conservador e democrático ou partido reacionário do nacionalismo branco? Há uma guerra aberta pela alma do Partido Republicano, que durará quatro anos. Do seu desenlace depende o futuro dademocracia americana.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
BBC Brasil: 'Tribalismo masculino' - a seita violenta ligada ao 'viking' em invasão ao Congresso dos EUA
Um homem branco, musculoso e tatuado com o torso nu, a cabeça envolta por chifres e pelos de bisão, o rosto pintado com as cores da bandeira dos EUA e as pernas cobertas por tecido leve e da cor da pele se tornou o ícone da invasão à sede do Congresso dos Estados Unidos, na quarta-feira (06/01). Ele não era o único vestido assim
Ricardo Senra, BBC Brasil em Londres
Mas o que pareceu para muitos uma estratégia isolada para chamar atenção de fotógrafos também pode guardar as ideias de um movimento com objetivos contraditórios, radicais e violentos — da ode ao confronto físico e à guerra ao ódio contra mulheres, gays e suas conquistas por direitos iguais na sociedade.
Quem explica é a antropóloga brasileira Rosana Pinheiro-Machado, professora da Universidade de Bath, no Reino Unido, que pesquisa a masculinidade e dedicou parte de suas leituras recentes ao chamado "tribalismo masculino", ou "masculinismo".
"O princípio dos grupos tribalistas masculinos, ou masculinistas, é primeiro um ódio às mulheres, uma ideia de que as mulheres são objetos para reprodução humana simplesmente. Muitos dos grupos masculinistas norte-americanos defendem que as mulheres têm que ser caçadas, literalmente, e que nós só servimos para reprodução", diz.
Para os adeptos, a vestimenta "tribal" funcionaria como uma espécie de elogio aos primórdios da humanidade, antes de consensos globais em torno de paz, igualdade, direitos humanos e conquistas de mulheres e grupos LGBTQs.
As primeiras referências acadêmicas ao grupo surgiram há décadas, mas se tornaram mais frequentes nos anos 2000, graças a debates em fóruns anônimos e na deep web.
Desde 2016, ano de eleição de Donald Trump, essas ideias vêm ganhando força em meio a uma complexa teia de novos grupos impulsionados por negacionistas da ciência e teorias de conspiração, como a chamada alt-right, ou "direita alternativa", e, mais recentemente, o QAnon (veja mais abaixo).
Caça e guerra
Além do exemplo que ficou famoso, outros manifestantes trumpistas desfilaram visuais "tribalistas".
Um deles foi fotografado vestindo algo semelhante a uma pele de urso sob um retrato de Charles Sumner, importante senador que defendeu a abolição da escravidão no século 19. Na mão esquerda, o militante segurava um cajado. Na direita, um escudo policial.
"Os masculinistas não acham que a mulher tenha um papel na sociedade, eles são mais extremos. Os cristãos nos EUA veem um papel nas mulheres de cuidar da família. Os masculinistas as odeiam."
Como acontece em outros grupos sociais, o termo engloba um universo heterogêneo de adeptos. Em comum a todos os grupos, conta a professora, há "um elogio ao tipo de homem viril que se acredita ter sido perdido nas últimas décadas".
"Eles reivindicam uma virilidade da caça, da guerra. Alguns são mais religiosos, outros não são. Há grupos que se identificam com romanos, com espartanos. Outros, por exemplo, reivindicam uma estética viking, ou se identificam com grupos indígenas norte-americanos, como no caso do sujeito de Washington, que estava com uma roupa de bisão norte-americano", explica Pinheiro-Machado.
"Roupas de couro, corpo tatuado, isso perpassa a todos", diz.
"É um universo que remete à conquista, à invasão, a capturar mulheres para estuprar, botar em cativeiro para reprodução, em um cenário totalmente distópico em que os homens precisam estar entre homens para resgatar sua virilidade perdida."
Perigo
Entre os principais riscos associados ao grupo, a professora destaca como "mais evidente, preocupante e imediato a violência contra as mulheres".
"O feminicídio é inspirado na ideia de posse de mulheres, que é um fenômeno que sempre existiu, mas que é estimulado por um contexto político", diz.
"Outra consequência imediata é a perseguição de pessoas que estudam gênero e sexualidade, como a professora Lola (Aronovich, da Universidade Federal de Fortaleza) e a Debora Diniz (das universidades de Brasilia e Brown, nos EUA)."
Ambas são vítimas de constantes ataques e ameaças online vindas de grupos radicais identificados com masculinistas brasileiros, alguns investigados pela polícia.
Muitos vídeos associados a tribalistas circulam há anos também em português — algo que se tornou mais frequente, segundo a professora, desde a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018.
Em um dos filmes, um homem vestido de gladiador surge sobre um cavalo dizendo que o Brasil precisa se livrar de "ameaças comunistas e feministas".
Em outro, um paulista com roupas que imitam gregos de Esparta pede que homens lutem por sua virilidade.
Em fóruns abertos, grupos de brasileiros vão além e chegam a defender abertamente estupros e assassinatos de mulheres.
QAnon
Após ter fotos estampadas em jornais no mundo inteiro, o homem que viralizou após a invasão de ao congresso dos EUA em meio aos debates para a certificação da eleição de Joe Biden foi identificado em redes sociais.
Conhecido como "Q Shaman", Jake Angeli, de 32 anos, vive no Arizona e é um conhecido influencer (influenciador, em inglês) da extrema-direita americana.
Vestindo sempre referências a povos tradicionais indígenas dos EUA ou a vikings, ele já foi fotografado militando em protestos a favor de Donald Trump — ou fazendo oposição em atos organizados por grupos como o Black Lives Matter.
Nas redes, ele se tornou um dos porta-vozes do movimento QAnon, uma teoria conspiratória ampla e completamente infundada que diz que o presidente Trump estaria travando uma guerra secreta contra pedófilos e adoradores de Satanás do alto escalão do governo, do mundo empresarial e da imprensa.
Seus apoiadores vaticinam que esta luta levará a um dia de ajuste de contas, em que pessoas proeminentes, como a ex-candidata presidencial Hillary Clinton, serão presas e executadas.
Adeptos do movimento impulsionam hashtags e coordenam ataques aos que consideram inimigos — políticos, celebridades e jornalistas que eles acreditam, sem qualquer prova, estar encobrindo pedófilos.
Não são apenas mensagens ameaçadoras online: vários apoiadores do movimento foram presos após fazerem ameaças ou tomarem medidas concretas na "vida real".
Em um caso notável em 2018, um homem fortemente armado bloqueou uma ponte sobre a Represa Hoover. Mais tarde, Matthew Wright se declarou culpado de uma acusação de terrorismo.
Anti-gays que fazem sexo com homens
O principal ícone dos tribalistas masculinos ou masculinistas é o americano Jack Donovan, autor de livros e vídeos reproduzidos milhões de vezes online.
Segundo Pinheiro-Machado, Donovan e seus seguidores ilustram o eixo mais extremo dos masculinistas.
"Não se consideram gays, mas mantém relações sexuais com homens. isso é um aspecto paradigmático e extremo dos masculinistas", diz.
"Há uma devoção e um amor à estética masculina", continua a professora. "Mas a interpretação de uma identidade gay ou homoerótica seria um sinal de fraqueza. Então, é um ato sexual bruto em devoção a esse corpo que é a própria imagem. Mas sem associar isso ao feminino ou a uma identidade LGBTQ."
Em seu livro Androfilia (2006), Donovan faz ataques à cultura gay e a associa a "inimigos da masculinidade". Ao mesmo tempo, ele classifica seu desejo por homens como uma "defesa a um ideal masculino".
As teses do autor são descritas por críticos como preconceituosas e ameaçadoras, especialmente para homens gays que não têm perfis hipermasculinos — ou são descritos como "afeminados".
Segundo Matthew Lyons, um dos autores do livro Key Thinkers of the Radical Right (Pensadores-chave da Direita Radical, em tradução livre), publicado em 2019 pela editora da Universidade de Oxford, o tribalismo masculino de Donovan também parte do princípio de que gênero seria algo "natural e imutável" — em oposição direta à existência de pessoas transexuais.