TRATORAÇO
Congresso amplia ‘tratoraço’ após STF liberar orçamento secreto
André Shalders e Breno Pires / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA — Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou novamente a execução do orçamento secreto, no começo deste mês, o governo empenhou até esta terça-feira, 14, R$ 1,38 bilhão. Ao contrário do que alegou o comando do Congresso ao STF, porém, a saúde e a educação estão longe de ser prioridade. Os ministérios responsáveis por essas áreas receberam apenas 4,6% dos recursos que foram reservados pelo Executivo. A maior parte das verbas (77%) foi para ações orçamentárias ligadas à pavimentação de ruas e à compra de maquinário pesado, como tratores.
Ao longo de 2020 e 2021, o governo reservou para despesas mais de R$ 30 bilhões das emendas de relator, identificadas pelo código RP9. A modalidade está na base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão, e tem sido usada pelo Palácio do Planalto para distribuir indicações entre políticos aliados, em troca de apoio em votações importantes no Congresso.
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Ao defender no STF a liberação das emendas de relator, o comando do Congresso apontou que nessa rubrica havia R$ 7,6 bilhões autorizados no Orçamento, mas não empenhados. Se não for utilizado até o fim do ano, o dinheiro “se perde”, ou seja, volta para o Tesouro Nacional. Do montante pendente, R$ 2,4 bilhões são da área da saúde, segundo o Congresso.
O argumento convenceu a relatora do caso, ministra do STF Rosa Weber. “Por ora, entendo acolhível o requerimento (...), considerado o potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população, especialmente nas áreas voltadas à saúde e educação”, escreveu Rosa na decisão que liberou os pagamentos.
Até agora, no entanto, o Executivo não priorizou a saúde e a educação na liberação dos recursos da rubrica RP9. Desde terça-feira foram empenhados R$ 1,38 bilhão. Deste total, 78% (ou R$ 1,08 bilhão) foram transferidos para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Comandada por Rogério Marinho, a pasta tem sob seu guarda-chuva orçamentário a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e é responsável pela distribuição de maquinário pesado a municípios. Em seguida vêm os ministérios da Cidadania (R$ 100 milhões empenhados), e da Ciência, Tecnologia e Inovações (R$ 75 milhões).
A reserva de dinheiro para as pastas da Educação e da Saúde foi pequena até agora: R$ 62,8 milhões e R$ 788 mil, respectivamente. Juntos, os dois ministérios perfazem menos de 5% do total. Os dados foram extraídos na terça-feira do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) pela ONG Contas Abertas.
As obras de pavimentação e a compra de maquinário pesado para apoiar prefeituras têm sido prioridade para o Executivo desde que o STF autorizou novamente a execução das emendas de relator. As duas ações orçamentárias com mais recursos liberados foram as de Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado (código 7K66) e Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária (1D73). A primeira inclui, além da pavimentação de vias, a “aquisição de máquinas e equipamentos de apoio à produção”. A segunda diz respeito à “implantação e qualificação de infraestrutura viária urbana”. Juntas, as duas ações tiveram pouco mais de R$ 1 bilhão empenhado até agora, ou 77% do total.
O relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), começou a publicar, na terça-feira, nomes e ofícios de congressistas e prefeitos que solicitaram a destinação de recursos das emendas. As informações estão sendo divulgadas pouco a pouco no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO), de forma parcial, e não sistemática. Há uma tabela que sistematiza as indicações, mas ela traz algumas anotações incompreensíveis.
“O detalhamento mostra que a ação orçamentária com maiores valores empenhados é a de ‘Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado’, do Ministério do Desenvolvimento Regional. Nesta ação é que se dá a compra de escavadeiras e tratores”, afirmou o economista e presidente da Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Para o cientista político Marcelo Issa, do Movimento Transparência Partidária, o modelo do RP9 continua tendo problemas, mesmo com a divulgação de alguns responsáveis pelas indicações. “Os dois principais problemas continuam: primeiro, a inconstitucionalidade do uso que está sendo feito (das emendas de relator). Não se prestam a isso, mas simplesmente a corrigir erros e omissões (no texto da Lei Orçamentária). Segundo ponto: a falta de critérios objetivos para a distribuição dos recursos (...). Se o relator começar a receber uma enxurrada de pedidos, vindos de todas as prefeituras do País, qual será o critério para atender ou não? A LDO determina que sejam seguidos critérios socioeconômicos objetivos”, afirmou Issa.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-amplia-tratoraco-apos-stf-liberar-orcamento-secreto,70003926501
Merval Pereira: O tratoraço de Arthur Lira
Presidente da Câmara demonstra a maneira truculenta que usa para fazer valer seus interesses pessoais
Merval Pereira / O Globo
O jogo pesado do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, marcou o dia de ontem, com ameaças de cortar o ponto dos deputados faltosos, tentativa de antecipar a sessão de votação sobre a PEC dos Precatórios para a noite, adiantando-se a uma possível decisão da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber sobre o pedido de parlamentares para suspender o segundo turno por irregularidades que afetam a Constituição.
O boato em Brasília é que a ministra já tomou a decisão de acatar o pedido de oposicionistas e que Lira desistiu de antecipar a votação tanto por falta de votos quanto para tentar contornar o que seria uma decisão definitiva que impediria a votação do segundo turno marcada para hoje de manhã. O presidente da Câmara demonstra, com a manobra abortada de tentar antecipar a votação, a maneira truculenta com que usa a presidência para fazer valer seus interesses pessoais.
Lira abriu mão, por falta de argumentos ou hábito de não dialogar, de se explicar à ministra Rosa Weber, que deu 24 horas para que demonstrasse que não feriu a Constituição com as manobras regimentais usadas na votação do primeiro turno, tais como permitir o voto de deputados em licença, ou porque estão em missão oficial no exterior, ou por estarem doentes. Ora, se estão licenciados, não podem votar, como é tradição no Congresso. Que, aliás, o bom senso recomenda.
O pedido de audiência com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, que aconteceu na tarde de ontem, foi mais uma ousadia de Lira, pois visava a constranger o presidente de outro Poder diante de uma ação que tramita no STF contra suas decisões. Se considera que a decisão da ministra Rosa Weber é uma intromissão no Poder Legislativo, como Lira acha que pode pressionar o ministro Luiz Fux “visitando-o” com líderes da Câmara e do Senado?
A discussão no STF está muito grande, e a Corte aparentemente dividida em relação às pautas da Câmara dos Deputados, como a PEC dos Precatórios e as emendas do relator. São duas ações distintas, sob a relatoria da mesma ministra Rosa Weber. A liminar para a suspensão, por falta de transparência, das emendas do relator já está sendo analisada no plenário virtual, de hoje até amanhã. A para a suspensão do segundo turno da votação da PEC dos Precatórios deve ter uma decisão da relatora até esta manhã.
É uma situação delicada, porque o deputado Arthur Lira preside a Casa com agressividade, passa por cima do regimento interno e faz interpretações descabidas que ultrapassam a Constituição para conseguir seus objetivos. O STF não pode interferir nas decisões internas do Congresso, a não ser quando a Constituição é ofendida. Esta é a decisão a tomar: se os ministros entendem que as mudanças de regimento ferem a Constituição, ou se simplesmente são questões internas que devem ser resolvidas pelo Legislativo.
São interpretações que Arthur Lira força por um lado, e a minoria contesta, pois não quer ser esmagada pela maioria, ainda mais quando ela é formada por verbas secretas e argumentos falaciosos. Tudo isso transforma o controle da sociedade muito difícil. Ninguém sabe quem ganhou as verbas secretas, como ganhou e por que ganhou. Por exemplo, porque votou a favor do governo.
A divisão do STF hoje torna as decisões mais complexas, porque são apenas dez ministros, e o empate mantém a decisão que está sendo contestada. Somente no habeas corpus o empate favorece o réu. Em casos como os que estão em julgamento, o presidente do Supremo, no caso Luiz Fux, tem o direito de dar o voto de minerva, mas raramente isso acontece. Seria assumir sozinho uma decisão que literalmente divide o plenário.
Por fim, há um aspecto econômico fundamental embutido dentro desse imbróglio político, a insegurança jurídica que afasta os investidores, não apenas os internacionais. Como algum deles vai investir num país em que o governo decide do nada que não vai mais pagar o que deve?
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/o-tratoraco-de-lira.html
PEC dos Precatórios: PDT, de Ciro Gomes, decide vitória de Bolsonaro
Partido deu 15 votos a favor da emenda constitucional e apenas 6 se posicionaram contra; na saída, pedetistas se desentenderam
Evandro Éboli e Bruno Góes / O Globo
BRASÍLIA - Decisivo para a vitória do governo na madrugada desta quinta-feira, na votação da PEC dos Precatórios, o PDT, do presidenciável Ciro Gomes, contribuiu com 15 fundamentais votos a favor do Palácio do Planalto. Apenas seis parlamentares da legenda apertaram o "não" à emenda constitucional.
O texto principal da PEC foi aprovado em primeiro turno com 312 votos a favor, apenas quatro a mais que o mínimo necessário, que são 308 adesões.
Entenda: Os principais pontos da PEC dos Precatórios, aprovada na Câmara
O partido foi convencido durante o final da tarde de ontem a votar a favor e pesou um acordo feito com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que irá colocar para votar um projeto de lei que destina aos professores 60% do que a categoria tem direito dessas dívidas, mas que será escalonada em três anos.VEJA 5 EFEITOS DO AFROUXAMENTO DE REGRAS FISCAIS COMO O TETO DE GASTOS1 de 5
Após a votação, dois parlamentares do PDT bateram boca na saída do plenário, cena testemunhada pelo GLOBO. Paulo Ramos (RJ), que foi contrário à PEC, saiu gritando com André Figueiredo (CE), ex-líder do partido, que votou a favor da PEC.
— Que vergonha — gritava Ramos para Figueiredo.
— Ah, tá certo. Você que é puxadinho da esquerda — rebateu Figueiredo.
— Quero ver agora o Ciro Gomes defender isso (a aprovação da PEC) na campanha, no palanque — afirmou Ramos.
Estratégia: Os 'atalhos' de Lira para votar a PEC dos Precatórios na madrugada
O papel crucial do PDT na vitória do governo foi alvo de ataques da esquerda. A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), logo após conhecido o resultado, foi para as redes sociais e lamentou a posição do partido fundado por Leonel Brizola.
Partidos de oposição que votaram a favor
"Vitória de Pirro. É assim o resultado da vitória do governo na PEC do Calote, por apenas 4 (votos). E só ganharam porque meus amigos do PDT votaram com Bolsonaro" - provocou a deputada comunista nas redes.
Social: Líder do governo compara Bolsonaro a Lula ao falar sobre Bolsa Família
O PDT não foi o único partido da oposição a votar a favor do PEC. No PSB foram 21 votos contra a emenda e 10 a favor do texto.
Nas redes, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, um dos principais articuladores do governo nessa votação, comemorou a aprovação da PEC em primeiro turno, com ataques ao PT.
"Nunca pensei que chegaria o dia em que veria o PT votar contra um auxílio aos 20 milhões brasileiros vítimas da fome. Vergonha alheia" - postou Nogueira
Benefícios: Além do Auxílio Brasil, governo quer usar recursos dos precatórios para bancar vale-gás
Arthur Lira, após a votação, comemorou o resultado e afirmou que o placar apertado "é do jogo". Antes da votação do mérito, foram dois placares de 307 votos contrários a retirada da proposta.
- Tivemos importantes 25 votos da oposição e o líder do PDT (Wolney Queiroz) participou de um acordo com os professores do Nordeste. Houve muita pressão de governadores nos estados, mas os deputados se mantiveram firmes e votaram a favor - disse Lira.
Câmara aprova em primeiro turno texto-base da PEC dos Precatórios
Proposta dribla o teto de gastos, abre espaço de mais de R$ 90 bilhões no Orçamento 2022 e viabiliza o Auxílio Brasil em ano de eleição
DW Brasil / Agência Câmara
A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (04/11), em primeiro turno, o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que altera o teto de gastos e viabiliza o financiamento do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, em ano eleitoral.
Em vitória para o governo, o texto foi aprovado por 312 votos a 144, apenas quatro votos a mais que os 308 necessários para admitir uma emenda à Constituição. Outros 57 deputados não votaram.
Após ato editado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo, parlamentares em viagem autorizada pela Casa puderam votar de maneira remota, o que beneficiou a aprovação da proposta. A oposição ainda se dividiu, e somente o PDT deu 15 votos favoráveis ao texto.
Para fazer passar a medida controversa e em meio à pressão de partidos, o governo precisou fazer alterações no texto e chegou a ameaçar cortar emendas de deputados que não votassem a favor da PEC, segundo relatou o jornal Folha de S. Paulo.
O próximo passo é votar os destaques, que são sugestões de alteração em pontos do texto-base, e depois o segundo turno, o que pode ocorrer ainda nesta quinta ou na próxima terça-feira. Em seguida, a proposta é enviada ao Senado, onde precisará do apoio de 49 dos 81 senadores.
O que propõe a PEC
A PEC dos Precatórios foi uma saída encontrada pelo governo para ampliar o seu limite de gastos em 2022, ano de eleições, sem cortar outras despesas. Essa estratégia, que abriria um espaço de mais de R$ 90 milhões no Orçamento do próximo ano, é baseada em dois pilares.
O primeiro é permitir que o governo federal atrase o pagamento de algumas de suas dívidas judiciais, os precatórios. Isso ampliaria em mais de R$ 44 bilhões o espaço no Orçamento de 2022, segundo estimativas do governo.
Precatórios são dívidas do governo com sentença judicial definitiva, podendo ser em relação a questões tributárias, salariais ou qualquer outra causa em que o poder público seja o derrotado.
O segundo pilar é alterar a forma como o teto de gastos é calculado. Hoje, considera-se a inflação dos últimos 12 meses até junho do ano anterior para definir o teto do ano seguinte. A proposta do governo é considerar a inflação de janeiro a dezembro, e fazer um cálculo retroativo desde o início do instrumento de ajuste fiscal. Isso criaria uma folga de mais R$ 47 bilhões para o ano que vem.
Essas mudanças são interpretadas por operadores do mercado financeiro – dos quais muitos apostaram na candidatura de Jair Bolsonaro em 2018 pelo compromisso expresso por ele e por Guedes com o ajuste fiscal – como um desrespeito à regra do teto de gastos.
Para eles, o teto é fundamental para que o governo indique sua disposição de reduzir o déficit e seguir capaz de honrar o pagamento de sua dívida.
Por que o governo quer alterar o teto
Segundo o governo federal, cerca de R$ 50 bilhões da folga no Orçamento devem ir para o programa Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família e visa pagar no mínimo R$ 400 por mês às famílias beneficiadas. O Bolsa Família pagava, em média, R$ 190 por mês antes de ser extinto pelo governo Bolsonaro.
A discussão sobre a substituição ou ampliação do Bolsa Família era ativa no governo e no debate público desde o início do auxílio emergencial, em abril de 2020, que demonstrou os efeitos benéficos de uma maior transferência de renda no combate à pobreza e no desempenho da economia.
Porém, nesse período o governo e o Congresso não fizeram reformas ou cortaram despesas que permitiriam a ampliação do programa. Pelo contrário, foi ampliado o valor destinado a emendas parlamentares e não houve redução de subsídios a setores da economia e nem o enfrentamento de privilégios salariais de parte do funcionalismo público.
Como consequência, quando Bolsonaro confirmou que criaria o Auxílio Brasil, não havia espaço no Orçamento do ano que vem para financiá-lo e, ao mesmo tempo, respeitar o teto de gastos.
O teto de gastos foi criado no governo Michel Temer com a justificativa de reduzir a dívida pública, mas seu modelo desperta controvérsia entre economistas. Ele estabelece que o governo não pode gastar mais do que gastou no ano anterior, corrigido pela inflação.
Os efeitos políticos
A mudança no teto de gastos é defendida por uma ala importante do governo, que considera crucial ampliar as despesas no ano que vem para aumentar a chance de Bolsonaro se reeleger. Pesquisas eleitorais mostram que o presidente seria derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com a folga no Orçamento viabilizada pela PEC e o pagamento do Auxílio Brasil, o Planalto espera ampliar a popularidade de Bolsonaro, especialmente nas regiões mais pobres do país, onde Lula tem suas maiores taxas de intenção de voto.
Com a verba extra, seria possível ainda ampliar o valor das emendas parlamentares, importantes para Bolsonaro conquistar o apoio de deputados e senadores, e ainda criar outros programas. Em outubro, o presidente prometeu que daria também um auxílio a caminhoneiros para compensar pela alta do diesel.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/c%C3%A2mara-aprova-texto-base-da-pec-dos-precat%C3%B3rios/a-59717213
O Globo: Com vacinação lenta e isolamento baixo, cientistas preveem terceira onda de Covid-19 no país
Suzana Correa, O Globo
SÃO PAULO — O Brasil registrou queda de 19% na média móvel de mortes por Covid-19 nas duas últimas semanas. Em 18 das 27 unidades de federação, o índice está caindo, mostrou o boletim do consórcio da imprensa nesta segunda-feira. Apenas um estado está em viés de elevação na última quinzena, enquanto oito permaneceram em tendência estável (variação menor de 15% para mais ou para menos). Os números trazem esperança no combate à pandemia, mas projeções feitas por cientistas nos EUA e Brasil, no entanto, acenderam o alerta de especialistas sobre a possibilidade de uma terceira onda no país, com nova alta de óbitos.
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— Evitá-la vai depender muito da vacinação, que já se mostra efetiva na redução de mortes e internações. Temos que vacinar 1,5 milhão de pessoas ao dia, idealmente 2 milhões. E ter cautela na flexibilização das medidas de isolamento — explica Ethel Maciel, professora da UFES e doutora pela Univesidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Sem o avanço na vacinação, o Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação da Universidade de Washington, nos EUA, que tem se destacado por suas projeções certeiras desde o início da pandemia, indica que o país poderá chegar à trágica marca de 751 mil mortes por Covid-19 até 27 de agosto. E isso em cenário que inclui o uso de máscaras por 95% da população no país.
No pior cenário projetado pelos analistas americanos, em que a variante P.1, que emergiu em Manaus e já se espalhou por 16 países latino-americanos, continue se espalhando e vacinados abandonem o uso de máscara, o país pode voltar ao patamar de 3.300 mortes diárias em torno de 21 de julho e alcançaria 941 mil mortes em 21 setembro.
Os dados do Instituto de Métricas são usados em avaliações da pandemia pela Casa Branca e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço latino-americano da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Até agora, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o Brasil já perdeu 436.862 vidas para a Covid-19. E o aumento de mortes, frisam os especialistas da universidade americana, é esperado mesmo com a redução nas internações em UTIs e na média diária de óbitos, em comparação com abril, devido à previsão de aumento nas infecções e redução no uso de máscaras e distanciamento social.
Para evitar uma terceira onda devastadora, a aceleração na vacinação é uma das medidas centrais apontadas pelos especialistas. Segundo painel da Universidade de Oxford, o Brasil atingiu média diária de aplicação de 1,1 milhão de doses em 13 de abril, mas a quantidade foi caindo ao longo do mês e chegou a 429 mil doses no último dia 12 de maio. O país tem hoje cerca de 70 mil novos casos diários da doença, patamar considerado alto pelos especialistas, e apenas 9% de brasileiros vacinados com a segunda dose.
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Cláudio Struchiner, médico e professor de Matemática Aplicada da FGV, pondera que instituições brasileiras evitam realizar projeções de longo prazo como as realizadas pela Universidade de Washington devido à alta incerteza que permeia o cenário da pandemia no Brasil.
— Há muitas variáveis incertas: [ritmo de] vacinação, relação Brasil e China [fornecedora de insumos para as vacinas aplicadas aqui], novas cepas, incidentes com a vacina que interferem na sua aceitação, duração da imunidade, subnotificação, sazonalidade. Dito isso, o Instituto de Métricas é sério e experiente, e as projeções para o Brasil são, sim, plausíveis — afirma.
Outra projeção, da Rede Análise Covid-19, que conta com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores pelo Brasil, alerta que o país apresenta tendência a picos de casos da doença — como os observados em julho de 2020 e início de 2021. Ao pico segue-se uma queda, estabilização e, em seguida, novo aumento. Os dados atuais, de acordo com a Rede Análise Covid-19, mostram justamente que o país está no momento às vésperas de um novo aumento de casos.
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Já a plataforma de dados da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) projeta que o total de casos no país deve passar de cerca de 15,4 milhões em 14 de maio para 16,1 no dia 23 de maio, também cravando curva ascendente.
O GLOBO questionou o Ministério da Saúde e perguntou quais projeções embasam as medidas da pasta, o que tem sido feito para evitar ou lidar com uma terceira onda no país, qual a posição sobre as projeções e se há previsão de reforço nos estoques de oxigênio e remédios para intubação durante essa possível terceira onda. O Ministério respondeu apenas que “não comenta sobre projeções”.
Gulnar Azevedo, pesquisadora do Instituto de Medicina Social da UERJ, diz que, apesar das quedas, “a média de mortes em cerca de 2 mil ainda é alta”.
— O vírus continua circulando, e entraremos no inverno, quando o tempo mais frio favorecerá o aumento de casos do vírus — diz Azevedo.
Novo pico
Boletim do Observatório da Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz alertou, na última quinta-feira, justamente para a intensa circulação do vírus no país, apesar da “ligeira redução” nas taxas de mortalidade e na ocupação de leitos de UTI no país. “Uma terceira onda, agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave”, informa o boletim.
Leonardo Bastos, estatístico da Fiocruz, avalia que o país reúne as condições necessárias para uma nova onda da doença, devido a combinação perigosa: alto patamar de infecções e hospitalizações, número alto de cidadãos que não contraíram a doença (e, portanto, não produziram anticorpos contra a infecção), ritmo lento da vacina, redução no uso de máscaras e abertura acelerada nos estados que haviam intensificado medidas de distanciamento. Ele alerta também para a chegada de novas variantes, como a indiana, e o surgimento de cepas que possam reinfectar vacinados.
Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), vem cobrando o governo federal para tomar medidas de âmbito nacional a fim de conter a disseminação do vírus, a entrada de novas variantes e a continuidade da regulação do mercado de medicamentos nacionais:
— É indispensável entendermos o que aconteceu na segunda onda, com problemas no kit intubação, dificuldade de se prover oxigênio, medicação necessária e testagem insuficiente. É preciso solucionar esses entraves, intensificar as compras e já ter o estoque de precaução — diz.
*Estagiária, sob supervisão de Mauricio Xavier
Fonte:
O Globo
Juan Arias: General da ativa com medo de declarar na CPI humilha o Exército
Nada mais humilhante para um militar da ativa ―e ainda mais para um general três estrelas como Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde― do que revelar medo e covardia. E o pior é que essa imagem de medo pode acabar afetando a imagem positiva que a instituição militar vinha tendo até agora. Ver um general como Pazuello incapaz de enfrentar uma CPI de peito aberto tem que humilhar até os simples soldados, que devem se sentir desconcertados.
Já pouco importa o que o general ex-ministro diga ou silencie. Seu comportamento de medo que o levou a se refugiar em um habeas corpus preventivo no Supremo para permanecer mudo ante as perguntas dos senadores já é uma demonstração de confissão de culpa.
Se, como já havia confessado Pazuello, ele se limitou a cumprir ordens do presidente Bolsonaro, considerado naquele momento seu superior hierárquico, bastava, como fizeram os ministros anteriores, pedir demissão e voltar ao Exército. Atribuir a atitude do general à sua personalidade difícil parece estranho para quem deveria dar exemplo, não apenas de uma pessoa que não teme a verdade, mas que também tem orgulho de aceitar que errou.
Ainda não sabemos como acabará a novela do general que pediu que permanecesse calado no Senado. Nem mesmo se ela acabará sendo escrita em sua testa por sua atitude de medo, a maior desonra para um militar ―ainda mais da sua categoria.
O general, hoje preso em sua narrativa nebulosa de comportamento, teria apenas uma forma de resgatar sua dignidade humilhada. Seria, ao chegar ao Senado, aceitar todas as perguntas que pudessem ser feitas, respondendo com lealdade militar, embora para isto precisasse revelar verdades durante seu período à frente do Ministério da Saúde, correspondente ao maior número de mortos por covid-19, mesmo que elas pudessem comprometer gravemente a imagem do presidente. Uma imagem já mais do que desgastada de um chefe de Estado que acaba de ser visto, internacionalmente, como um dos que pior geriram a pandemia entre os 14 líderes políticos mais importantes do mundo.
Bolsonaro e sua procissão de seguidores fanáticos com instintos de morte passarão, e o Brasil recuperará sua normalidade democrática depois do hiato tenebroso ao qual foi arrastado por um capitão frustrado do Exército. Ele sairá de cena, como indicam as últimas pesquisas, enquanto a instituição das Forças Armadas continuará sendo vital na defesa dos valores democráticos e da Constituição, como foi nos últimos 20 anos com Governos de diferentes tendências políticas.PUBLICIDADE
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O Brasil só pode desejar que a hierarquia do Exército ajude seu general, hoje questionado, a demonstrar que o medo não existe no dicionário militar. A responsabilidade de um desastre ou de uma conduta ditada pelo medo do general na CPI poderia acabar prejudicando gravemente a credibilidade do Exército. O resultado da conduta do ex-ministro em sua convocação à CPI poderá ter consequências inesperadas para o futuro deste país, hoje visto como um fracasso mundial de governo. Não por acaso, faltando 18 meses para as eleições presidenciais, a imprensa mundial continua atenta e preocupada com seu possível resultado e temendo que o bolsonarismo destruidor possa continuar no poder, o que traria problemas não só no cenário já turbulento da América Latina, mas no mundo. De fato, o Brasil é visto como um elemento-chave não apenas na economia, como potência mundial que é, mas também no cenário de descrédito da democracia, com o crescimento dos movimentos negacionistas e nazifascistas nos cinco continentes.
O Brasil ―mais especificamente, a CPI da Pandemia― poderia levar à saída de Bolsonaro do Governo, que revolucionaria as eleições do próximo ano. O país vive momentos difíceis, que poderiam ter repercussões negativas para várias gerações. Sabemos como as guerras tradicionais começam, mas não como terminam. O mesmo acontece com as crises políticas. E não é nenhum segredo que no Brasil, governado hoje por um presidente considerado o pior e mais imprevisível de sua história, a responsabilidade do Exército seja crucial, pois do seu apoio ou não ao capitão com vocação de ditador poderá depender o futuro deste país.
Nem vale a desculpa para os militares do medo do comunismo, já que hoje qualquer cidadão minimamente informado sabe que nem o PT nem Lula representaram, nem representam hoje, o comunismo. Basta lembrar as boas relações de Lula em seus Governos com o mundo empresarial e os bancos, que nunca ganharam tanto quanto com ele. Sem contar suas relações estreitas com os partidos conservadores e de direita, que chegaram a preocupar o grupo mais progressista e sindicalista do partido.
O temor da volta de Lula, hoje mais conservador que ontem, não deveria justificar a defesa e o apoio ao capitão agora rechaçado pela maioria da população, que apoia um impeachment do presidente. O Exército pode hoje apoiar candidatos conservadores de direita, que podem governar tranquilos, sem o perigo de uma involução do Brasil para uma aventura como a venezuelana pela ânsia patológica de Bolsonaro, que já deu provas irrefutáveis de incapacidade profissional e psíquica para governar o quinto maior país do mundo.
O Exército brasileiro está em uma encruzilhada histórica, da qual depende sua credibilidade. Seu comportamento diante da tão esperada conduta do general Pazuello na CPI da Pandemia poderá arrastar as Forças Armadas para uma grave crise no já obscuro panorama político e econômico deste país.
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.
Fonte:
El País
Merval Pereira: Sem legenda
O presidente Bolsonaro, cujos atos estrambóticos levaram o país à desmoralização internacional, é o tipo político que chega ao governo central do país como consequência de uma disfunção eventual da democracia. Como tal, não tem a compreensão do que seja o presidencialismo de coalizão, que reduz a uma troca de favores entre quem manda e quem obedece.
Não lhe passa na cabeça que é possível montar uma base parlamentar sobre interesses republicanos, sem repetir expedientes como o mensalão, o petrolão e que tais. Mas também não sabia que, sozinho, não teria como governar.
Do radicalismo inicial, em que montou um governo com pessoas da sua linha de pensamento, que, como ele, sabiam o que queriam destruir, mas não o que colocar no lugar, teve que se aproximar do Centrão e aprovar um “orçamento secreto” para tentar garantir que não será votado o impeachment. O único que sabia o que queria, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não sabia que precisaria do apoio do Congresso para aprovar as reformas e queria mais do que Bolsonaro aceitava, como ficou demonstrado.
Porque tem uma visão política de baixa extração, de onde montou sua estrutura eleitoral que se limitava a um nicho suficiente para elegê-los todos e, como consequência, formar a fortuna da família à base de “rachadinhas” e ligações com interesses de forças militares oficiais e paralelas, Bolsonaro achou que podia tudo e descobriu que pode muito, mas não tudo. Não tem moderação nem discernimento para usufruir o poder que tem, por isso não conseguiu ficar na legenda que o elegeu, o PSL, nem montar uma própria, muito menos encontra outra para abrigar seus sonhos megalomaníacos.
Não há dúvida de que o PSL cresceu nas eleições de 2018, tornando-se o segundo maior partido da Câmara, devido à onda bolsonarista. Mas, transformado em uma potência mais econômica do que política devido aos fundos partidário e eleitoral, transformou também seus “donos” em felizardos descobridores de uma mina de ouro, de cujo controle não querem abrir mão.
A desorganização de seu grupo político ficou demonstrada na tentativa de criar uma legenda própria, a Aliança pelo Brasil, que acabou abandonado antes de nascer por impossibilidade de conseguir as assinaturas necessárias. Em busca de um partido para disputar a reeleição em 2022, o presidente Jair Bolsonaro, que já foi de nove partidos diferentes, não consegue encontrar sua décima legenda.
Quando fazia parte do baixo clero, podia pular de legenda em legenda com a garantia de uma votação acima da média. Hoje, quer controlar o partido que o receber e, até agora, teve rejeitados todos os seus desejos. Acontece que, no Brasil, não há partidos programáticos, mas com “donos” controladores. Controlar um partido é negócio grande, o que ganha menos ganhou na recente eleição R$ 1,5 milhão do fundo eleitoral, mesmo sem ter cumprido as cláusulas de barreira.
Os que conseguiram cumprir as exigências novas da legislação eleitoral, além de tempo de televisão, ganham também os Fundo Partidário e o Eleitoral, que deram cerca de R$ 359 milhões ao PSL pelo resultado da eleição de 2018. O PRTB — Partido Renovador Trabalhista Brasileiro —, em que o vice-presidente Hamilton Mourão está inscrito, não cumpriu as cláusulas de barreira e ficou sem tempo de televisão e fundo partidário, mas, mesmo assim, a família de Levy Fidelix, que controla o partido com a morte de seu patriarca, não aceitou a condição de Bolsonaro de controlar suas finanças.
Quem hoje preside a legenda é a viúva Aldinea Fidelix, e um dos seus três filhos, Levy Fidelix Filho, é o secretário-geral. Um negócio familiar de que não desejam abrir mão, mesmo com a possibilidade de ter o presidente Bolsonaro como candidato à reeleição. Bolsonaro teria pedido carta branca, o que significa que, além dos fundos de financiamento, os Bolsonaros poderiam alterar o comando de diretórios estaduais e controlar as decisões da Executiva Nacional.
Não será por falta de partido que Bolsonaro deixará de disputar a eleição presidencial de 2022, mas a dificuldade para encontrar uma legenda demonstra também que já foi o tempo em que sua vitória era considerada favas contadas.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/sem-legenda.html
Ernesto Araújo nega ter atacado a China e é confrontado pelo presidente da CPI
Julia Chaib e Renato Machado, Folha de S. Paulo
Em depoimento à CPI da Covid, o ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou que nunca deu declarações que podem ser consideradas como “anti-chinesas”.
Em seguida, no entanto, foi confrontado pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), que relembrou algumas frases do ex-chanceler e apontou que ele estava “faltando com a verdade”.
“Não vejo nenhuma declaração que eu tenha feito como ‘anti-chinesa’. Em notas oficiais, nos queixamos do comportamento da embaixada da China mas não houve nenhuma declaração que se possa classificar como anti-chinesa. Logo, não há nenhum impacto de algo que não existiu”, respondeu, em referência ao possível impacto negativo de suas declarações na aquisição de insumos.
Aziz então relembrou que Ernesto escreveu um artigo, no qual fez menção ao “Comunavírus”.
“Na minha análise pessoal, vossa excelência está faltando com a verdade. Não faça isso”, respondeu o presidente da comissão.
“Se vossa excelência acha que isso não é se indispor com um país, eu não entendo mais como se faz relações internacionais. Desmerecer o que já indicou e dizer que o senhor nunca se indispôs com a China, o senhor está faltando com a verdade”.
Ernesto tentou se justificar afirmando que seu artigo não era sobre a China. O ex-chanceler disse que termo “comunavírus” foi cunhado por autor de livro sobre o qual ele se referia no texto e por isso usou “esse termo jocoso”.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Carlos Andreazza: Uma aposta fatal
Não se podia esperar que o representante da Pfizer — um comerciante — dissesse à CPI ser desnecessária a lei que, segundo a versão do cliente, permitiu a assinatura do contrato por meio do qual o governo brasileiro adquiriria milhões de doses do imunizante daquela farmacêutica.
A lei não era necessária. Mas isso é problema nosso. Não de Carlos Murillo. O interesse do executivo era vender. Ontem. Hoje. Ou amanhã. Tinha um bom produto; e o objetivo, legítimo, de comerciá-lo com o mercado do Brasil. E teria comerciado, em agosto de 2020, com a legislação disponível, se assim quisesse Bolsonaro. (E teria, imediatamente, entrado com a demanda por registro emergencial junto à Anvisa; para que tivéssemos — era possível — como vacinar os nossos ainda no ano passado.) O governo não quis. E desapareceria por dois meses, ignorando carta — de setembro de 2020 — do CEO da Pfizer.
O tempo passava. E então falaram a Murillo que a tal lei resolveria o impasse forjado pelo comprador; e o homem queria vender. Vendeu. Por que contrariaria — exporia — um cliente, tanto mais numa CPI? Já havia fechado o negócio. A lei lhe servira. Esvaziara o governo de desculpas. Ele falou a verdade à comissão.
Quem deveria querer vacina em 2020 era o Brasil. Não quis. De sua parte, o laboratório continuaria a nos ofertar seu produto; com a diferença — decisiva para nós —de que, mês a mês, perdíamos lugar na fila. Poderíamos ter doses do imunizante da Pfizer —reforce-se — em dezembro de 2020. Tivemos em abril de 2021.
Repito: a lei não era necessária. Conforme escrevi em 4 de maio: “Uma aquisição pública emergencial de vacinas, em meio a uma pandemia e sob a natureza calamitosa do período, ajusta-se às especificidades do que é, afinal, um mercado internacional, ademais tocado em circunstâncias excepcionais; de modo que caberia ao governo justificar a admissão da cláusula considerada excessiva como condição para transitar competitivamente, em nome do interesse do cidadão, no comércio mundial de imunizantes. Seria a Constituição Federal a se sobrepor. O próprio direito à saúde. Um direito fundamental cuja imposição — acima da existência de qualquer lei —deriva diretamente do texto constitucional”.
Admitamos, porém, o preciosismo. E consideremos que houvesse ali, no palácio, alguém preocupado mesmo com segurança jurídica. Poderia ter preparado um projeto em regime de urgência. Poderia ter recorrido a uma medida provisória. Foi por meio de uma que se abriu o crédito de R$ 20 bilhões para a compra de imunizantes.
Aliás, lembrou o senador Randolfe Rodrigues que o governo concebera, em dezembro de 2020, uma medida provisória, a de número 1.026, em cuja minuta constava dispositivo autorizando a União a tomar os riscos relativos à responsabilidade civil sobre eventuais efeitos adversos decorrentes da aplicação de vacinas. Minuta avalizada por AGU e CGU, mas cuja versão final remetida ao Congresso excluía aquela parte. O senador, então, propôs emenda para recompor o texto original — emenda que seria rejeitada por recomendação do Planalto.
À CPI, Murillo informou que alguém do governo só lhe falaria sobre a necessidade de ajustes legislativos — para que o contrato fosse celebrado — em novembro de 2020. Conversa; mas sem providências. De agosto a novembro, período em que as propostas do laboratório não tiveram respostas, as desculpas foram outras. Lembremos o que relatou Fabio Wajngarten — passagem confirmada pelo executivo. Que, ao receber o telefonema de Murillo, dirigiu-se ao gabinete de Bolsonaro, com o interlocutor na linha, para lhe comunicar da tratativa — e que o presidente lhe teria passado um papelucho com a condicionante para que se avançasse: Anvisa. Nenhuma palavra sobre entrave jurídico.
(Aqui, outra mentira bolsonarista — aplicada seletivamente — já desmontada: que o governo não poderia assinar contrato com o laboratório antes da aprovação do imunizante pela agência reguladora.)
Na última sexta, O GLOBO publicou matéria que considero iluminar o intervalo — último trimestre de 2020 — em que o governo negligenciou a importância, a urgência, de fechar contratos para aquisição de vacinas. O texto dá conta da justificativa do Ministério da Economia para não haver previsto recursos ao enfrentamento da pandemia no Orçamento de 2021.
Fica documentado, como confissão de incompetência (mas não somente), o que já estava claro havia meses: que Bolsonaro, Paulo Guedes e turma — delirantemente, para ser generoso — acreditaram, contra todos os alertas, que o vírus perdia força e entraria cadente em 2021; daí por que não apenas não priorizaram robustecer a carteira de fornecedores de vacinas, como deixaram morrer o auxílio emergencial em dezembro. Uma aposta fatal.
Guedes em outubro de 2020: “A doença está descendo. A economia está voltando. Está voltando em V. A criação de empregos está se dando em ritmo bastante impressionante”. E em novembro: “A doença desceu. É um fato. Alguns dizem agora: ‘Não, mas está voltando, segunda onda’. Espera aí. Nós tínhamos 1.300 mortes por dia, 1.200, 1.000, 900, 700, 500, 300… E agora parece que está havendo um repique. Mas vamos observar. São ciclos”.
Essa é a cabeça do governo; que — óbvio está — não precisaria de aconselhamento paralelo para fazer suas escolhas criminosas. E esse “vamos observar” — combinado àquele “espera aí” — parece-me a senha para nossa tragédia.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/post/uma-aposta-fatal.html
Ricardo Noblat: Governo sonega informação pedida pela CPI da Covid-19
Quantas vezes, e com quem, Bolsonaro passeou por Brasília durante a pandemia provocando aglomerações e desrespeitando normas de isolamento?
É possível que as atividades do presidente da República não sejam acompanhadas de perto e devidamente registradas por setores do governo que lhe dão suporte e zelam por sua segurança?
O senador Eduardo Girão, membro da CPI da Covid-19, pediu ao governo uma planilha com os registros de datas, locais e autoridades envolvidas nos passeios de Bolsonaro em Brasília.
Resposta do Palácio do Planalto: não há registros oficiais das saídas do presidente do seu gabinete. Ora, bastaria pesquisar nas redes sociais para descobrir que, ali, está tudo registrado.
O pedido de Girão mirou os deslocamentos de Bolsonaro desde o início da pandemia que provocaram aglomerações, contrariando recomendações médicas de isolamento.
No último dia 5, durante discurso no Palácio do Planalto, Bolsonaro antecipou a resposta que daria ao pedido de Girão aprovado pelo plenário da CPI:
– Eu sempre estive no meio do povo, estarei sempre no meio do povo. Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI. Estive no meio do povo, tenho que dar exemplo.
Fonte:
Metrópoles
Cristina Serra: O dia D e a hora H de Pazuello
Quando o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde como interino, em maio de 2020, o Brasil estava prestes a alcançar a marca de 30 mil mortos pela pandemia. Dez meses depois, ele deixou o cargo com esse número multiplicado por dez. Ao lado das medalhas que leva no peito (se leva alguma), merece carregar o epíteto de ministro do genocídio.
Convenhamos, ele se esforçou para tal. Alinhou-se em obediência cega ao genocida-mor e deixou de comprar vacinas. Endossou a vigarice do tratamento precoce e empurrou cloroquina quando Manaus precisava de oxigênio.
Agastado com a demissão, tentou passar a imagem de que resistira à corrupção. Disse, sem dar nomes aos bois, que houve pressão dentro do ministério para que um certo medicamento fosse enquadrado em “critérios técnicos”. Mencionou “oito atores” agindo com “ações orquestradas” contra sua equipe e disse ter rejeitado lobby de empresas e de políticos que queriam “pixulé”.
Pazuello poderia esclarecer tudo isso à CPI, não tivesse recorrido ao STF para ficar calado. No período em que esteve no ministério, pouco se soube a respeito dele, além de uma suposta especialização em logística. Dois sites, contudo, revelaram conexões empresariais do general no Amazonas, justamente onde ele teria assumido um dos comandos militares mais importantes do país se não tivesse ido para o ministério.
O site Sportlight revelou que Pazuello se tornou sócio de uma empresa de navegação quando já era secretário-executivo da Saúde. A empresa pertence à sua família e tem relações contratuais com órgãos públicos. O site De Olho nos Ruralistas mostrou a sociedade em mais duas empresas com o irmão, Alberto Pazuello, figura barra pesada da crônica policial de Manaus. Em 1996, foi preso por estupro e tortura de adolescentes e acusado de participar de um grupo de extermínio. Conhecer o contexto do personagem em questão talvez ajude a CPI a entender melhor seu papel no morticínio brasileiro.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/05/o-dia-d-e-a-hora-h-de-pazuello.shtml
Eliane Cantanhêde: Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão
Já compararam o “tratoraço” do governo Jair Bolsonaro aos “anões do Orçamento”, aos “atos secretos” do Senado e ao “mensalão” da era Luiz Inácio Lula da Silva, mas todos eles foram punidos, com maior ou menor rigor, e o que se espera é que não se jogue a poeira para debaixo do tapete e também o tratoraço seja ao menos investigado. Passar em branco é que não dá. A planilha e as evidências obtidas pelo Estadão não deixam alternativa.
No caso do tratoraço, o resumo da ópera é o mesmo dos escândalos anteriores: jeitinhos, emendas disfarçadas, orçamentos sigilosos que são engendrados no submundo político com um objetivo muito claro: comprar votos. Em geral, com participação direta, no mínimo aval do Palácio do Planalto. Por isso, não é surpresa o surgimento do nome do então articulador político do governo, atual chefe da Casa Civil, na operação.
O que realmente surpreende é que ele, Luiz Eduardo Ramos, é um general de quatro estrelas que há pouco passou para a reserva. Como, aliás, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que não perde uma aglomeração política, seja para a campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro, seja para a campanha de bolsonaristas contra o Supremo e o regime civil.
Como nos velhos casos, tudo é estranho no tratoraço, a começar do valor secreto – R$3 bilhões –, e das explicações dos agraciados ouvidos pelo Estadão. Segurança nacional? Segurança pessoal e familiar? É reação de quem foi pego com a mão na botija e não tem o que dizer. O que só confirma que algo não estava dentro dos conformes, daí porque precisava ser secreto, escondido de quem paga impostos.
Suas Excelências íntimas do Planalto ou úteis ao governo, têm direito a emendas parlamentares tradicionais, como todos, e mais as secretas, como poucos. A partir dessa “curiosidade”, começam a surgir outras. Exemplo: emendas são para as bases eleitorais, mas os privilegiados podem destiná-las para outros Estados a muitos quilômetros de distância. Quem conhece o jogo desconfia: ou é para favorecer empresas amigas ou efeito bumerangue sem dar na vista: vai para a cidade tal e volta para o autor da emenda extra na forma de um porcentual camarada.
E por que o governador do DF, Ibaneis Rocha, está numa planilha de senadores e destinou verbas para o Piauí, onde tem fazendas de gado? Foi depois disso que ele mudou sua relação com Bolsonaro? Até relaxou subitamente as restrições para conter a pandemia, do jeito que o presidente gosta.
Os “anões do Orçamento” eram uma quadrilha no Congresso para desviar dinheiro público via empreiteiras ou entidades fantasmas e geraram a primeira CPI para investigar os próprios parlamentares, nos anos 1990. Dez políticos foram cassados ou renunciaram para fugir da cassação. Entre eles, o baiano João Alves, que alegou ter ficado milionário ganhando na loteria: 56 vezes num ano.
Os “atos secretos” do Senado, no fim dos anos 2000, eram um festival de cargos e privilégios concedidos às escondidas pela mesa diretora para parentes e apadrinhados de 37 senadores e 25 ex-parlamentares. Após uma sindicância, 663 atos foram cancelados. José Sarney, que presidia a Casa, balançou, mas não caiu.
Já o “mensalão” consistia em pagamentos à base aliada do então presidente Lula, e o Supremo foi implacável, apesar de recheado de ministros indicados pelo PT. Foram 25 condenações, incluindo presidentes e tesoureiros do PT. Os bolsonaristas que hoje atacam o STF esqueceram disso?
A PGR e o TCU estão estudando o tratoraço, mas o pedido de nova CPI não andou. Por que será? Nós, os “idiotas” que defendemos a vida, distanciamento social, máscaras e vacinas, temos o direito de saber.
Fonte:
O Estado de S. Paulo