Transportes

Luiz Carlos Azedo: Efeitos da bolha chinesa para o Brasil

Uma crise chinesa agora seria muito ruim para o Brasil. Em primeiro lugar, aumentaria a cautela dos investidores — no nosso caso, agravada pela crise fiscal

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O discurso do presidente Jair Bolsonaro, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), confirmou o que aqui já se sabia, embora tenha assombrado o mundo: nosso governante vive num país imaginário, que governa para uma bolha de eleitores que acreditam na sua ficção. O país real, porém, foi tangenciado quando Bolsonaro falou do agronegócio e de infraestrutura, os dois setores do seu governo que, numa análise fria e não-maniqueísta, vão bem, obrigado. Uma segunda bolha no horizonte, porém, pode formar uma tempestade perfeita: a crise de liquidez da Evergrande, uma das principais imobiliárias chinesas e a incorporadora mais endividada do mundo. Uma crise na economia da China é tudo o que o Brasil não precisa neste momento, pelo poder desarticulador que teria tanto nas nossas exportações de commodities agrícolas e de minérios quanto nos investimentos em infraestrutura.

A empresa é segunda maior do mercado chinês. Fundada em 1996, opera projetos de construção em 280 cidades, além de atuar no mercado de veículos elétricos, na mídia e no entretenimento. Tem até um clube de futebol profissional: o Guangzhou Evergrande, no qual jogam os brasileiros Alan Carvalho, Aloísio, Elkeson, Fernando e Ricardo Goulart. Sediada em Shenzhen, a Evergrande tem dívidas no valor de mais de US$ 300 bilhões (cerca de R$ 1,61 trilhão), equivalentes a 2% do PIB chinês. Credores exigem o pagamento até amanhã de US$ 84 milhões (R$ 450 milhões) de seus títulos offshore, e outros US$ 47,5 milhões de dólares (cerca de R$ 255 milhões) na próxima semana.

Na segunda-feira, houve certo pânico no mercado, embora fosse feriado na China. O preço das ações da empresa caiu 10% na Bolsa de Hong Kong. O índice Hang Seng Imobiliário caiu 7%, chegando aos piores patamares desde 2016. As perdas foram replicadas nos mercados europeu e norte-americano. A Bolsa brasileira fechou a segunda-feira em queda de 2,33% após operar o dia inteiro em baixa, mas, ontem, se acalmou. No fundo, há uma grande interrogação em relação à economia chinesa, que deve crescer menos do que a Índia neste ano — 6,7% e 5,7%, respectivamente.

A dívida total da China é mais de 300% de seu Produto Interno Bruto. O presidente Xi Jinping desde 2017 tenta controlar a dívida do país. A China caminha para um novo modelo de crescimento baseado em serviços, consumo e no setor privado, menos dependente do Estado, mas ainda está longe disso. A interrogação sobre a Evergrande decorre de que o Banco Central chinês vem numa linha de restrição de créditos. Em contrapartida, a economia chinesa é muito robusta, o governo tem grande poder de intervenção na economia e, no ano passado, investidores estrangeiros injetaram mais de US$ 150 bilhões no mercado financeiro chinês.

Infraestrutura
A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Isso tem um impacto enorme na nossa estrutura produtiva, cuja infraestrutura foi montada para o Atlântico e precisa ser redirecionada para o Pacífico. Além de serem grandes consumidores de nossos minérios e produtos agrícolas, os chineses têm todo interesse em investir no Brasil, inclusive na infraestrutura. O programa de US$ 100 bilhões em novos investimentos e os US$ 23 bilhões em outorgas, na área de infraestrutura, com a privatização de 34 aeroportos e 29 terminais portuários, além de investimentos privados da ordem de US$ 15 bilhões em ferrovias, destacados por Bolsonaro na ONU, estão alavancados pela balança comercial com a China.

Uma crise chinesa agora seria muito ruim para o Brasil. Em primeiro lugar, aumentaria a cautela dos investidores de um modo geral — no nosso caso, agravada pela crise fiscal, que provoca elevação de juros e alta do dólar. Hoje, na reunião do Copom, segundo o mercado, os juros devem subir mais 1 ponto percentual. No Congresso, a agenda que está sendo implementada pelo Centrão não tem nenhum compromisso com o equilíbrio fiscal e com a segurança jurídica. Cálculos de especialistas estimam uma explosão no deficit público, que pode chegar a R$ 1,5 trilhão em 10 anos. Reforma do Imposto de Renda, PEC dos precatórios, vale-gás, Refis, desoneração da folha, subsídio ao diesel, fundo social de privatizações compõem a pauta bomba.

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Cristovam Buarque: O rumo para o país está na escola

História de outros países mostra que a educação não ficou boa porque eles ficaram ricos, mas que ficaram ricos porque a educação era boa

Cristovam Buarque / Correio Braziliense

Em coluna no Correio Brasiliense, Luiz Carlos Azedo, além da honra de colocar-me ao lado de Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, me provocou com o título “Onde perdemos o rumo”, na véspera do bicentenário da Independência: estancados na economia, com pobreza e violência nas ruas e democracia fragilizada.

Nascemos sob o rumo insustentável da economia baseada no trabalho escravo para produção agrícola e mineradora, voltada para exportação. Atravessamos assim 350 dos 500 anos da história, e até hoje temos a economia semi-primária e semi-escravocrata. Fomos governados por populismo ou ditadura, com sistemático desrespeito ao equilíbrio fiscal, insensibilidade às necessidades sociais e urbanas, permanente concentração de renda, depredação ambiental. Tentamos rumo baseado em fazendas, minas, lojas, indústrias, estradas, hidrelétricas, uma nova capital, nunca em escolas.

Perdemos o rumo quando o quase Imperador gritou “Independência ou Morte” em vez de “Independência e Escola”; ou por esperarmos 350 anos para erradicar o escravismo e a Princesa assinar a Lei Áurea com o único artigo abolindo a escravidão, sem estes outros: “a terra pertence a quem nela produz” e “fica estabelecido um sistema nacional de educação para todos”. A bandeira republicana adotou o lema escrito “Ordem e Progresso”, em vez de “Educação é Progresso”, e até hoje não abolimos o analfabetismo: 12 milhões de adultos não reconhecem a própria bandeira.

Perdemos o rumo ao demorarmos 420 anos para criar nossa primeira universidade; ao implantarmos industrialização ineficiente, que tirou recursos da infraestrutura social e provocou inflação para cobrir custos do protecionismo; ao adotarmos o desenvolvimento sem sustentabilidade monetária, ecológica, fiscal, urbana, cultural ou política; e por até hoje não montarmos um Estado eficiente, democrático e republicano. Mas a causa principal do nosso descaminho tem sido o desprezo endêmico à educação em geral e a aceitação da desigualdade, conforme a renda e o endereço do aluno.

Chegamos ao terceiro centenário da independência, na Era do Conhecimento, sem uma população que leia e escreva bem português, fale outros idiomas, saiba matemática e ciências, conheça os problemas do mundo, use modernas ferramentas digitais e domine um ofício profissional. Perdemos o rumo ao imaginar que a boa educação é consequência do crescimento e da democracia, em vez de entendermos que crescimento sustentável e democracia sólida são consequências da educação.

A história de outros países mostra que a educação não ficou boa porque eles ficaram ricos, mas que ficaram ricos porque a educação era boa. Foi assim na Europa Ocidental e na América do Norte, desde o século XIX; na Irlanda, Coréia do Sul e Finlândia, desde meados do século XX. Foi a educação de qualidade que lhes deu base para elevar a renda social e distribuí-la com justiça, ainda que também graças à abertura comercial, finanças públicas equilibradas e instituições democráticas sólidas, capazes de liberar o talento das pessoas educadas. Cada vez mais a educação será o vetor do progresso econômico, a plataforma da distribuição de renda e da justiça social, a argamassa do regime democrático e o enlace para a sustentabilidade. Sem levar isso em conta, não encontraremos o rumo para o futuro que desejamos e para o qual temos potencial.

A educação é tão importante que, por falta dela, ainda não conseguimos perceber sua importância; agimos como pessoa perdida que não sabe para que serve o mapa que tem em mãos. Os traficantes usavam força para não deixar os escravos saltarem ao mar, porque os viam como mercadoria de valor, mas nós não damos condições para nossas crianças permanecerem em escola com qualidade até o fim do ensino médio, porque não as vemos como principal instrumento da criação de riqueza para o país.

Por isso, não aceitamos que o rumo está em escola de máxima qualidade para todos: não acreditamos que o Brasil pode ter uma educação das melhores do mundo, nem que seja possível no Brasil a educação ter a mesma qualidade para todos, independentemente da renda e do endereço da criança.

Temos recursos para implantar um Sistema Único de Educação de Base com qualidade. Não podemos adiar este rumo. É possível financeira e tecnicamente, também politicamente se entendermos que educação é o vetor do progresso, e moralmente, se percebermos a indecência e estupidez de não garantir que a qualidade seja a mesma para todos.

*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4950612-cristovam-buarque-o-rumo-esta-na-escola.html


Luiz Carlos Azedo: A CPI da necropolítica

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado começa suas oitivas hoje, com os depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. O primeiro foi defenestrado pelo presidente Jair Bolsonaro, que ficou enciumado da popularidade do médico ao liderar o Sistema Único de Saúde (SUS) na pandemia. O segundo pediu demissão rapidinho e se recusou a endossar as teses negacionistas do presidente da República. O cenário de atuação da pandemia é emoldurado por 400 mil cruzes, que podem chegar a 500 mil, antes de a comissão concluir seu trabalho, no prazo de 90 dias.

Mais de 300 requerimentos de informações já foram aprovados na CPI, mas esses dois depoimentos têm o poder de dar o rumo de suas investigações. Os dois ex-ministros são médicos e têm plena dimensão das razões que nos levaram à tragédia sanitária atual. Os passos seguintes serão ouvir o general Eduardo Pazuello, amanhã, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na quinta-feira. Ambos terão que dar respostas convincentes aos integrantes da CPI.

Pazuello é um caso perdido, coleciona decisões e atitudes equivocadas. Se mantiver a costumeira soberba, estará no sal. Queiroga é médico, porém, ainda está enrolando o paraquedas. Manteve a maioria dos militares que assessoravam Pazuello. Sem confrontar o negacionismo do general, está se atrapalhando com a campanha de vacinação, sobretudo devido aos erros do antecessor. Pode complicar a vida de Pazuello ou se complicar, se fizer o contrário.

Ontem, Queiroga anabolizou o número de vacinados no Brasil, durante encontro na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): “Hoje já temos imunizados com as duas doses cerca de 18% da população brasileira. Isso é um dado importante, e vamos avançar mais”. Mais fake news, impossível: a segunda dose foi aplicada em 15.869.985 pessoas, ou seja, 7,49% da população do país. Com a primeira dose, são 31.875.681 de imunizados, o que equivale a 15% da população.

Criar falsas expectativas é uma especialidade do Ministério da Saúde, que corre atrás dos atrasos na vacinação desde o início do ano. Nesta semana, oito capitais interromperam a imunização por falta de vacinas: Aracaju, Belo Horizonte, Belém, Campo Grande, Porto Alegre, Porto Velho e Recife. Entretanto, apesar do ritmo lento, a vacinação vem reduzindo o número de mortos na população de risco. As medidas de distanciamento social nos estados e municípios contribuíram para reduzir a taxa de transmissão do vírus para menos de 1, o que está se refletindo na queda do número de casos e de mortos.

Tragédia social
O problema é que o patamar ainda está muito alto: o país registrou 1.210 mortes pela doença nas últimas 24 horas e totalizou 407.775 óbitos desde o início da pandemia. Com isso, a média móvel de mortes nos últimos sete dias chegou a 2.407. Em comparação à média de 14 dias atrás, a variação foi de -16%, confirmando a tendência de queda. Se Bolsonaro tivesse bom senso, estimularia a adoção de duas ou três semanas de lockdown nos municípios mais importantes do país e jogaria o índice de contaminação no chão.

O que acontece é o contrário, o presidente Bolsonaro estimula aglomerações, como as que ocorreram no domingo, e se recusa a tomar a vacina, bem como a usar máscaras. Sabota sistematicamente os esforços das autoridades de saúde para conter a pandemia. Do ponto de vista estratégico, essa atitude foi um erro que pode lhe ser fatal nas eleições de 2022. Num país continental como o Brasil, uma crise sanitária dessa envergadura desorganiza a economia e destrói atividades produtivas, deixando ao relento e com fome milhões de pessoas. São os frutos envenenados da “necropolítica”. Esse conceito do filósofo negro e historiador camaronense Achille Mbembe define a política de governo que escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Infelizmente, traduz a situação em que vivemos.

Até breve. Em férias, deixarei de assinar a coluna por quatro semanas.

Blog do Azedo / Correio Braziliense
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Luiz Carlos Azedo: Faca manchada de sangue

Erros de conceitos, geralmente, provocam fracassos estratégicos, e transformam eventuais qualidades em grandes defeitos. O sujeito vira o “burro operante”

O colapso do sistema de saúde pública em Manaus, por falta de oxigênio, indignou a sociedade, além de traumatizar os profissionais de saúde do país inteiro, porque o episódio provocou a morte por asfixia de pacientes que estavam estabilizados e chegou a obrigar a transferência de crianças recém-nascidas para outros estados, ou seja, que não tinham nada a ver com a pandemia de covid-19. Dois dias antes do colapso, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, fora avisado da falta de oxigênio. Esteve em Manaus, com o propósito de convencer as autoridades locais a prescreverem em massa o “tratamento precoce” da covid-19, que vem sendo a opção preferencial dos militares à frente da pasta para combater a pandemia.

Trata-se de um coquetel utilizado em larga escala por médicos clínicos, como tratamento alternativo: hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D, além da ivermectina, já usada preventivamente, a cada 15 dias, de forma generalizada, por parte da população de baixa renda, como santo remédio contra o novo coronavírus. Rejeitada pelos infectologistas, por falta de comprovação científica, na surdina, essa fórmula virou o eixo da política sanitária do Ministério da Saúde. Na cabeça do presidente Jair Bolsonaro, o coquetel é mais eficiente e mais barato do que as vacinas, além de dispensar as políticas de distanciamento social, ao supostamente transformar a covid-19 numa “gripezinha”.

Apesar de criticado por infectologistas e sanitaristas, o “tratamento precoce” é uma prerrogativa da clínica médica, ao qual muitos recorreram e acham que, por isso, foram salvos da morte. Entretanto, a essência da política de saúde pública é preventiva. Por essa razão, o descaso em relação à necessidade de distanciamento social, para desacelerar a propagação da pandemia, e o atraso na vacinação em massa, para imunizar a população, mais cedo ou mais tarde, além da falta de insumos, como oxigênio, seringas e agulhas, resultarão em investigações e processos criminais na Justiça.

Vacinas

O general Pazuello está no cargo por ter fama de especialista em logística e para levar adiante o “tratamento precoce”. Mas esse é clamoroso erro de conceito, tanto assim que os dois ministros que o antecederam se recusaram a cumprir essa orientação do presidente Bolsonaro. Erros de conceitos, geralmente, provocam fracassos estratégicos, e transformam eventuais qualidades de seus executantes em grandes defeitos. O sujeito vira o “burro operante”. É o caso, por exemplo, do secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel do Exército reformado Antônio Elcio Franco Filho, cuja experiência como secretário de Saúde de Roraima o guindou ao cargo operacional mais importante de todo o Sistema Único de Saúde (SUS). Nas entrevistas, exibe na lapela uma faca ensangüentada, broche de ex-integrante de equipe de operações especiais, cujo lema é “O ideal como motivação/ A abnegação como rotina/ O perigo como irmão e/ A morte como companheira”. Sem dúvida, o Brasil precisa de soldados treinados para “causar o máximo de confusão, morte e destruição na retaguarda do inimigo”, mas o lugar deles não é o Ministério da Saúde.

Na quarta-feira, em entrevista coletiva, o “faca manchada de sangue” se jactava da operação que estava sendo montada para buscar 2 milhões de doses da vacina de Oxford produzidas na Índia. O governo federal pretendia realizar uma grande jogada de marketing, iniciando a campanha nacional de imunização com a vacina que também será produzida pela Fiocruz, antes de autorizar o uso da vacina do Instituto Butantan, cuja eficácia o presidente Bolsonaro não perde uma oportunidade de colocar em dúvida. O avião da Azul adesivado para transportar as vacinas não pode decolar, porque as autoridades da Índia não haviam liberado as vacinas.

O Brasil, porém, é um grande país, mas não é para principiantes. Começamos a produzir 8 milhões de doses/mês da vacina russa Sputnik V, em Santa Maria, no Distrito Federal, e em Valparaíso de Goiás, no Entorno de Brasília. Os russos contrataram a União Química, que possui mais 7 fábricas no Brasil, para produzir a vacina desenvolvida pelo Instituto Gamaleya de Pesquisa em Epidemiologia e Microbiologia e financiada pelo Fundo de Investimentos Diretos da Rússia. Todas as doses da vacina russa produzidas no Brasil serão exportadas para países da América Latina que já registraram o imunizante, como Argentina e Bolívia, enquanto aguarda autorização da Anvisa para realização de testes clínicos no Brasil. Ou seja, em breve teremos 3 vacinas produzidas aqui: a CoronaVac, do Instituto Butantan; a Oxford, da Fiocruz; e a Sputnik V, da União Química (privada), um “business” russo. Apesar de tanta incompetência, a esperança não morreu.

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Luiz Carlos Azedo: A pandemia e o luto

No Dia de Finados, todos os mortos serão lembrados, mas as vítimas da pandemia são como corpos insepultos ou enterrados em cova rasa, cujo luto é diferenciado

Uma das singularidades da pandemia do novo coronavírus no Brasil — que chega aos 160 mil mortos e 5,5 milhões de infectados — é a sua naturalização pelo presidente Jair Bolsonaro, que sempre combateu as medidas de isolamento social adotadas por prefeitos e governadores e tratou-a como uma “gripezinha”. A aposta do presidente da República era de que ambos arcariam com as consequências negativas do impacto econômico da crise sanitária e ele, desafiando o vírus mortífero, se beneficiaria do auxilio emergencial aprovado pelo Congresso — cinco parcelas de R$ 600, de abril a agosto, e quatro de R$ 300, de setembro até dezembro e que o governo distribuiu à mais de 60 milhões de pessoa. O governo gastou até setembro R$ 411 bilhões com a pandemia, dos quais R$ 213 bilhões com o auxílio.

Acontece que essas despesas foram feitas como quem faz uma grande compra de consumo imediato com cartão de crédito, ou seja, a conta um dia vai chegar. E está chegando com a dívida pública já equivalente a 90% do PIB e uma taxa de desemprego de 14,4 %, que deve aumentar, porque a procura por emprego, com a redução do auxílio emergencial, também aumentará. Os reflexos políticos do agravamento da crise social são imediatos. Da mesma forma como a popularidade de Bolsonaro subiu com o auxílio emergencial, agora ameaça declinar nos grandes centros, com impacto eleitoral nos candidatos que o presidente da República apoia em São Paulo, onde Celso Russomano (Republicanos) está derretendo, e no Rio de Janeiro, cujo prefeito, Marcelo Crivela (Republicanos), candidato à reeleição, é amplamente rejeitado pelos eleitores. Bolsonaro já começa a se distanciar de ambos.

Nosso presidente da República é um personagem complexo da política brasileira — embora adote soluções simples e erradas para problemas complicados —, foge aos paradigmas do politicamente correto e desenvolve vínculos com parcelas da população que somente a antropologia explica. Mas não tem como fugir de uma realidade social impactada pelos efeitos psicológicos da pandemia na vida das pessoas, em particular o luto dos amigos e familiares das vítimas de COVID-19, que não tem nenhum paralelo com o de outras causas mortis, inclusive porque o rito de passagem de seus funerais foi profundamente afetado pela ausência de velórios e os caixões fechados.

Negação e resiliência
Após naturalizar a pandemia, em algum momento, Bolsonaro haverá de pedir desculpas por esse comportamento, quiça na campanha leitoral de 2022, mas até agora não manifestou um sincero pesar pela escalada da pandemia. Seus lamentos foram sempre preâmbulos de alguma firmação que estabelecia como prioridade manter as atividades econômicas a qualquer preço. Acontece que essa prioridade é apenas retórica, na verdade, há um cada um por si, porque o governo abandonou as reformas, não tem prioridades, se digladia internamente e está prisioneiro das corporações e grupos econômicos que o apoiam. São inúmeros exemplos, os mais recente são os cancelamentos do projeto da BR do Mar — nova Lei da navegação de cabotagem —, por exigência dos caminhoneiros, e o decreto para privatização de 4 mil postos de atendimento básico do SUS, uma proposta inopinada e marota, que transforma a rede pública num grande negócio privado de tecnologia para empresas do setor de saúde.

Entretanto, Bolsonaro está subestimando o luto das pessoas que perderam seus entes queridos. Não são apenas os impactos econômico, social e cultural, em termos de perdas de força de trabalho, conhecimento e liderança social, que devem ser considerados; existe um lado afetivo e psicológico na crise sanitária, que se manifesta de forma duradoura, por etapas, difícil de ser mensurada. Amanhã, no Dia de Finados, todos os mortos serão lembrados, mas as vítimas da pandemia são como corpos insepultos ou enterrados em cova rasa, cujo luto é diferenciado.

O luto ocorre porque a perda física do ente querido não elimina o afeto. É uma ausência de difícil aceitação no tempo em que ocorre, porque o amor sobrevive. Isso gera uma negação, que se manifesta de forma silenciosa, muitas vezes, como fuga da realidade; num segundo momento, vem a revolta, muitas vezes inconsciente e inexplicável. Leva tempo para que as pessoas superem a depressão subsequentemente e aceitem a perda, para que a vida plena se restabeleça. Mas não existe esquecimento. Aceitar não é deixar de sentir. O luto se torna essencial, um marco na vida pessoal. A resiliência diante da morte também gera simpatia ou engajamento em movimentos que sejam antítese do sua causa. É o caso dos familiares de vítimas de balas perdidas ou violência policial. Na pandemia, a naturalização das mortes pode ser apenas a primeira fase de um luto coletivo. Muito mais amplo e profundo.

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Luiz Carlos Azedo: Auxílio emergencial e recessão

“Para a oposição, é melhor manter o auxilio de R$ 600 até o final do ano, com Bolsonaro contra, em vez de gastar em obras que miram apenas os aliados do presidente”

O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem a prorrogação do auxílio emergencial por mais quatro meses, no valor de R$ 300; metade do que estava sendo concedido nos últimos cinco meses. O valor é resultado das conversas entre o presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os líderes da base do governo. A medida provisória que renova o abono será examinada pelo Congresso e ainda pode sofrer modificações. A oposição pressiona para que seja mantido o valor de R$ 600. O próprio Bolsonaro gostaria que isso ocorresse, porque sua popularidade aumentou devido ao abono, mas o governo não tem recursos para isso. A dívida pública deve chegar a R$ 1 trilhão e projeta um déficit fiscal que deve perdurar por 13 anos.

Os beneficiados pelo auxílio, no total, receberão R$ 4,2 mil do governo federal. Muitos nunca viram tanto dinheiro. Esses recursos explicam em parte o bom desempenho da agricultura, único setor positivo do PIB deste segundo trimestre do ano, principalmente da cultura do arroz (7,3%), porque o café (18,2%) e a soja (5,9%), embora tenham também grande consumo interno, foram beneficiados principalmente pelas exportações. O abono ajudou a manter os níveis de consumo de alimentos pela população. O Brasil, porém, está vivendo a maior recessão de sua história, segundo o IBGE, com uma retração de 12,3% no segundo trimestre e de 12,7% na comparação com igual período do ano passado; o agronegócio foi o único setor, pelo lado da produção, a ter números positivos, de 0,4% e 1,2%, respectivamente. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O problema principal é a indústria parada. A queda de produção na indústria de transformação foi de 17,5%, na comparação com os primeiros três meses do ano, e 20% em relação ao mesmo período do ano passado. Os setores mais atingidos foram: automotivo, máquinas e equipamentos, transporte, metalurgia e têxtil. Na indústria têxtil, a queda foi 93%, o que aponta uma retração de 23% neste ano. O ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou a queda do PIB e voltou a defender a tese, inverossímil, de que haverá uma recuperação em V da economia no curto prazo, o que não coincide com a avaliação do mercado financeiro. Comparou os números do PIB à luz das estrelas, que viajam milhões de ano para chegar até nós. Segundo ele, os dados refletem o passado e não a situação real da economia. A narrativa pode convencer Bolsonaro; no mercado, quase ninguém acredita.

Crise fiscal
O problema de Guedes é que os agentes econômicos estão de olho na crise fiscal. O custo do abono é quase de 1% do PIB por mês. Embora Guedes tente reduzir isso pela metade, não será muita surpresa se o Congresso decidir manter os R$ 600 até o fim do ano. O raciocínio da oposição é muito simples: é melhor aumentar o abono, com Bolsonaro contra, do que deixar o governo com saldo para gastar em obras dos ministérios da Infra-Estrutura e do Desenvolvimento Regional, que miram apenas os aliados do presidente. A relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) deve superar o patamar de 95% neste ano. Em 2019, o endividamento do Brasil foi de 75,8%. Se o abono de R$ 600 for mantido, a dívida pública ultrapassará 100% do PIB. O xis da questão para o mercado financeiro é o “teto de gastos”, que Guedes quer manter, mas Bolsonaro não faz muita questão. Se ele for ultrapassado, haverá retração ainda maior nos investimentos privados, sem que o governo possa compensar com recursos públicos.

A decisão de reduzir o abono emergencial de R$ 600 para R$ 300 tem um cálculo eleitoral de Bolsonaro. A ideia é absorver o desgaste inicial e, mais na frente, faturar a manutenção desse auxílio para as famílias de baixa renda por meio do novo programa de transferência de renda que substituirá o Bolsa Família, denominado Renda Brasil. Esse abono é 50% maior do que o programa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chega no máximo a R$ 205, quando beneficia cinco pessoas, e atenderá a um número maior de pessoas de baixa renda. Com ele, o presidente da República pretende pavimentar sua reeleição. O abono ajudou o governo a mitigar o desgaste com a pandemia de Covid-19 e abriu as portas desse eleitorado para Bolsonaro, deslocando a oposição de boa parte desse segmento, inclusive no Nordeste.

O outro lado da moeda é a forma como esse déficit fiscal será administrado por Guedes. No mercado financeiro há duas hipóteses: aumento de impostos ou inflação. Qualquer um dos dois é péssimo para a economia. Preocupado com as expectativas negativas, Guedes disse que a reforma tributária ainda não está madura — na verdade, não há clima político para aumento de impostos – e anunciou que pretende mandar a proposta de reforma administrativa para o Congresso amanhã, o que sinalizaria o empenho do governo no sentido de reduzir os gastos com a sua própria máquina administrativa.

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Luiz Carlos Azedo: Cheiro de queimado

“Bolsonaro quer transformar o abono emergencial no Renda Brasil, uma espécie de Bolsa Família três vezes maior do que o programa que herdou do ex-presidente Lula”

Quem quiser que se iluda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, arde numa frigideira em plena Esplanada dos Ministérios. Ontem, o subsecretário de Política Macroeconômica do Ministério da Economia, Vladimir Kuhl Teles, deixou o cargo. Era o número dois da Secretaria de Política Econômica do ministério, comandada por Adolfo Sachsida. Publicamente, alegou razões pessoais. Na semana passada, dois membros do primeiro time da equipe de Guedes haviam deixado a pasta: os secretários de Desestatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Paulo Uebel. Guedes tem sinalizado para o mercado que não pretende deixar o cargo, porém perde liderança sobre sua própria equipe.

A fritura de Guedes segue um rito que está se consolidando no Palácio do Planalto como um método de descarte dos ministros. O presidente Jair Bolsonaro prestigia o auxiliar publicamente, mas nos bastidores nada faz para evitar que seja desgastado por notícias de que o ministro já não está mais afinado com o presidente da República. Em termos de política econômica, Bolsonaro pretende “furar o teto de gastos” e só falta encontrar um meio para disfarçar a pedalada fiscal. Não à toa, todo o mercado já precifica a flexibilização da política fiscal, com a Bolsa em queda e o dólar em alta. Mas há duas leituras sobre o futuro de Guedes: uma de que acabará substituído no cargo por Bolsonaro; outra, de que está lutando para ficar, fazendo o que pode para aumentar os gastos do governo sem perder a narrativa da responsabilidade fiscal.

Os dados estão sendo lançados no tabuleiro. A situação da economia não é fácil. Bolsonaro sobrevoa o Nordeste em céu de brigadeiro, por causa do abono emergencial, mas Guedes navega num mar proceloso. Ontem, o relatório do Instituto Fiscal Independente, mantido pelo Senado, registrava queda de 8% do PIB no segundo trimestre (menos mal, a previsão era um tombo de 10,6%); recuperação de alguns setores da indústria e do comércio; recessão de 6,5% em 2020. Redução do número de pessoas ocupadas de 93,3 milhões em junho de 2019 para 83,3 milhões em junho deste ano. Perda de receita líquida de 2,5% do PIB no primeiro semestre; crescimento de 40,3% da despesa primária no semestre; aumento de 9,7% da dívida bruta do governo entre dezembro 2019 e junho de 2020.

Abono permanente

O xis da questão é que os créditos extraordinários para o combate à covid-19 já somam R$ 511,3 bilhões. Calcula-se que o deficit fiscal deste ano deve chegar a R$ 800 bilhões, o que elevará a dívida pública a quase 100% do PIB. Perto desses valores, os R$ 35 bilhões a mais pretendidos pelos ministros da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, seriam um aumento de mais de 6% do montante do que o governo gastou com a pandemia. O problema é que não dá para enquadrar esses gastos, que se destinam à realização de obras nos estados e municípios controlados pelos aliados do governo, no programa de emergência aprovado pelo Congresso. Por isso, Guedes somente se comprometeu com a liberação de R$ 5 bilhões.

Mas o problema maior não é esse. É o abono emergencial de R$ 600, que alavancou a popularidade de Bolsonaro junto às parcelas mais pobres da população, com reflexo, inclusive, na redistribuição de renda, transferida da classe média para as famílias na miséria absoluta ou quase. Ele quer transformar o abono emergencial na Renda Brasil, uma espécie de Bolsa Família turbinada, isto é, três vezes maior do que o programa que herdou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Guedes precisa resolver essa equação. Se não atender ao desejo de Bolsonaro, que mira a reeleição, terá de deixar o governo.

No fundo, consolidou-se na Esplanada dos Ministérios e no Congresso um bloco político que deseja uma mudança de rumos na política econômica. O velho nacional-desenvolvimentismo renasce das cinzas no Palácio do Planalto.

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Luiz Carlos Azedo: A fome do Centrão

“A vida de Guedes não será fácil: remanejar R$ 5 bilhões do orçamento deste ano, cujo deficit deve chegar a R$ 800 bilhões, para investir em obras públicas nos estados e municípios”

O acordo com o Centrão custará R$ 5 bilhões ao Tesouro da União, em plena pandemia, por causa das eleições municipais deste ano. Esse foi o trato feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com o presidente Jair Bolsonaro, para manter o “teto de gastos” e, ao mesmo tempo, atender à demanda de investimentos em obras dos parlamentares do Centrão, que se articulam com os ministros da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e os militares do Palácio do Planalto, entre os quais o general Luiz Ramos, secretário de Governo. A pressão decorre das demandas de prefeitos e vereadores que apoiam os parlamentares que agora integram o esquema de sustentação política de Bolsonaro no Congresso.

O velho toma lá, dá cá renasce das cinzas a cada eleição municipal. O acordo foi sacramentado na reunião de Bolsonaro com Guedes, os ministros e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além dos senadores Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, e Eduardo Braga (AM), líder do MDB; e os deputados Arthur Lira (AL), líder do Progressistas, e Ricardo Barros (Progressistas-PR), novo líder do governo na Câmara. Todas raposas felpudas do Congresso, profissionais da política que conhecem o caminho das pedras das verbas federais e as articulações parlamentares que miram as eleições municipais.

Em princípio, o tsunami que ocorreu nas eleições passadas pode até não se repetir, mas mesmo que venha a ocorrer nas municipais, sobretudo nas grandes cidades, não será com o protagonismo do presidente. Bolsonaro voltou ao leito natural em que sempre atuou ao longo da carreira parlamentar: a defesa de interesses corporativos e as alianças com parlamentares das bancadas evangélica, ruralista e da bala, além do baixo clero. Não se deve subestimar, também, a lógica própria das eleições municipais. As disputas locais, desde a primeira eleição, na antiga comarca de São Vicente, em São Paulo, em 1532, sempre foram muito “fulanizadas” e polarizadas em função do controle das respectivas prefeituras. Entretanto, estabelecem as bases para a eleição ou não da maioria dos deputados estaduais, federais e senadores.

A vida de Guedes não será fácil, pois cumprir o acordo significa remanejar recursos do orçamento deste ano, cujo deficit deve chegar a R$ 800 bilhões, devido aos gastos emergenciais com a pandemia. R$ 5 milhões, porém, são café pequeno em comparação às verbas de investimento que os ministros “gastadores”, como são chamados na equipe econômica, exigem para o programa de investimentos para o ano de 2021: R$ 35 bilhões. De onde virá esse dinheiro? Até agora ninguém sabe, porque a proposta da nova Lei de Diretrizes Orçamentárias ainda não foi apresentada. Ou seja, teremos ainda grandes emoções pela frente nessa queda de braço de Guedes com os ministros Tarcísio de Freitas e Rogério Marinho, apoiados pelos militares.

Arapongagem

A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento realizado ontem, resolveu pôr limites à arapongagem no governo Bolsonaro. Com base em relatório da ministra Cármem Lúcia, decidiu que o fornecimento de informações por órgãos do governo à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) só seja feito com motivação específica e levando em conta o interesse público. Os ministros julgaram ação apresentada pela Rede Sustentabilidade e pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). As legendas questionavam o fornecimento à Abin de dados fiscais, bancários, telefônicos e informações de inquéritos policiais ou da base de dados da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), atual Unidade de Inteligência Fiscal (UIF), sem autorização judicial. A decisão deve influenciar o julgamento, no próximo dia 19, do caso do dossiê de servidores antifascistas elaborado pelo setor de inteligência do Ministério da Justiça, que extrapolou suas funções.

Na prática, a decisão barra a formação de um Sistema Brasileiro de Inteligência nos moldes do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) do regime militar, que seria composto por 42 órgãos de ministérios e instituições federais, de áreas como segurança, Forças Armadas, saúde, transportes, telecomunicações, fazenda e meio ambiente —, todos centralizados pela Abin. Bolsonaro, por decreto, havia aumentado o poder da agência em obter dados de cidadãos e de investigações. Segundo a ministra, relatora da ação, o compartilhamento de dados com a Abin tem de ser feito obedecendo ao que prevê a Constituição, que veda o acesso a informações sigilosas. A ministra afirmou que a “arapongagem (para usar uma expressão vulgar, mas que agora está em dicionário: ‘aquele que ilicitamente comete atividade de grampos’) é crime”. Foi acompanhada pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. Marco Aurélio votou contra.

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Luiz Carlos Azedo: A charada do tsunami

“Bolsonaro está firmemente decidido a promover uma guinada conservadora. Seus eleitores querem um Estado capaz de manter a ordem, mas desprezam os políticos e os partidos”

O presidente Jair Bolsonaro sempre cria uma polêmica ou gera um grande suspense quando participa de eventos ou concede entrevistas tipo “quebra-queixo” (aquelas improvisadas, nas quais é cercado por repórteres e fotógrafos). Dessa vez, foi na saída de um evento da Caixa Econômica Federal (CEF), na sexta-feira, ao comentar as derrotas do governo na comissão especial da Câmara que examinou a reforma administrativa de seu governo. Enigmaticamente, declarou: “Sim, talvez tenha um tsunami na semana que vem. Mas a gente vence esse obstáculo com toda certeza. Somos humanos, alguns erram, uns erros são imperdoáveis, outros, não.” É uma charada.

O que será esse tsunami? Pode ser uma rebordosa de alguma medida já tomada, como o corte de verbas das universidades, que está provocando grandes manifestações de protesto de estudantes, professores, funcionários e pais de alunos, ou o espanto causado, entre os defensores dos direitos humanos e autoridades do setor de segurança pública, pela liberação do porte de armas para cerca de 20 categorias profissionais, como advogados e caminhoneiros, e praticantes de tiro ao alvo. Será que vem por aí uma nova greve de caminhoneiros, um dos segmentos de sua base eleitoral?

Pode ser também alguma coisa ligada ao evento em si, como anunciar a venda dos ativos da Caixa Econômica Federal (CEF), cujas atividades ficariam restritas ao financiamento imobiliário, como pretende o secretário das Privatizações, Salim Mattar. Na quarta-feira, em fala aos jornalistas após a primeira reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Mattar afirmou que é mais fácil para o governo vender participações em empresas, cujo prazo para conclusão do processo varia de 60 a 90 dias, do que a preparação de uma companhia estatal para venda, que demora de seis meses a um ano e meio, de forma a cumprir a legislação e as exigências dos órgãos de controle.

“Desinvestimentos acontecerão mais cedo, mas as privatizações vão acontecer. É uma questão de ajuste”, disse Mattar. Comparou os primeiros meses de gestão à preparação de uma orquestra sinfônica. “Nesses quatro meses de governo, estamos ensaiando para fazer essa orquestra funcionar, e vai funcionar”. Traduzindo, significa fazer uma lipoaspiração nas empresas estatais e mesmo na administração direta, vendendo ativos públicos, como no caso já citado da Caixa Econômica Federal (CEF). O governo planeja, por exemplo, focar o Banco do Brasil no crédito rural e a Petrobras, na exploração de Petróleo, desfazendo-se de outras atividades. Além disso, quer vender milhares de imóveis do patrimônio da União pelo país afora, começando pelos parques nacionais, santuários da nossa natureza.

Fricção política
A agenda do governo está mesmo repletas de temas polêmicos. “Na reforma da Previdência eu deixei mesmo o clima de Fla-Flu. É tudo ou nada”, declarou o ministro da Economia, Paulo Guedes, sexta-feira, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), durante o 31º Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), no centro do Rio, para debater Previdência e macroeconomia. Ao reiterar a urgência das mudanças previdenciárias, o ministro voltou a falar que o governo Temer deu um passo à frente rumo ao equilíbrio fiscal ao estabelecer um teto de gastos, mas não ergueu “paredes” para segurá-lo. Por isso a urgência da reforma da Previdência”.

Voltemos à charada de Bolsonaro? Afora essas agendas, os três temas de muita fricção do momento são a crise na Venezuela, que deu uma desanuviada com a reabertura da fronteira em Roraima; o estresse com os militares, por causa do controle da política de comunicação do governo pelo ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo; e a Operação Lava-Jato, cuja força tarefa costuma retaliar os políticos sempre que seus objetivos são contrariados. As derrotas sofridas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, na comissão especial da reforma administrativa, foram impostas por políticos que estão sendo investigados. Com a volta do ex-presidente Michel Temer à prisão, o julgamento do seu habeas corpus na próxima terça-feira, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), exacerbará essas tensões.

Uma coisa é certa: Bolsonaro está firmemente decidido a promover uma guinada conservadora em relação aos costumes e às políticas públicas, em todas as áreas. Seus eleitores querem um estado capaz de manter a ordem, mas desprezam a política, os políticos e os partidos. É uma contradição: como ter um Estado mais eficiente, ou seja, que cumpra suas finalidades, e renegar os meios oferecidos pela democracia para que isso ocorra: o sistema político? Na democracia é impossível; a dificuldade da democracia representataiva é essa, no mundo inteiro.


Luiz Carlos Azedo: Acabou o horário de verão

“Um balanço dos primeiros 100 dias do governo no período explica por que a popularidade de Bolsonaro caiu 16 pontos entre janeiro e março passado“

Nos 100 dias de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro não fez uma revolução na vida nacional, apesar das turbulências que o presidente da República, seus filhos Flávio (senador), Eduardo (deputado federal) e, principalmente, Carlos (vereador carioca) protagonizaram nas redes sociais, sem falar nos disparates do ministro da Educação, o atabalhoado Ricardo Vélez Rodriguez, e nas desbocadas tuitadas do ideólogo do bolsonarismo Olavo de Carvalho. Um balanço da atuação do governo no período explica por que a popularidade de Bolsonaro caiu 16 pontos entre janeiro e março passado. Para melhorar a popularidade, Bolsonaro anunciou o fim do antipático horário de verão.

A mudança mais estratégica promovida por Bolsonaro nesses 100 dias foi a guinada à boreste na política externa brasileira. Na marcação relativa de suas prioridades geopolíticas (Estados Unidos, Chile, Israel), os resultados são duvidosos. Na relação com os Estados Unidos, frustrou o presidente Donald Trump em relação à participação brasileira numa eventual intervenção norte-americana na Venezuela (ainda bem); com o Chile, deixou o presidente Sebastián Piñera na maior saia justa, por causa de seus elogios à ditadura de Pinochet; finalmente, no “fan tour” em Israel, recuou da intenção de transferir a embaixada do Brasil para Jerusalém, anunciando a instalação de um escritório comercial. Agora, corre atrás dos prejuízos na imagem internacional e dos desgastes com árabes e chineses.

Depois de muita perda de tempo, caiu a ficha de que o governo precisa se empenhar na aprovação da reforma da Previdência. Bolsonaro busca uma aproximação com os partidos, depois de um cessar fogo no tiroteio com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no qual queimou cartuchos desnecessariamente. Entretanto, a cada conversa política do presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, perde alguns bilhões da economia de R$ 1 trilhão que pretendia fazer em 10 anos. Para Bolsonaro, o essencial é aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição. Ou seja, vem aí uma reforma mitigada, para garantir um alívio fiscal nos quatro anos de mandato. A grande dúvida é se Guedes e a economia aguentam esse tranco.

Guedes é a principal âncora do governo; a outra, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, com a Operação Lava-Jato, uma espécie de “big stick” na relação com os políticos. O mundo de Moro — a magistratura, o ministério público e as polícias federais e agentes ficais — é contra a redução dos próprios privilégios, forma um lobby que está sendo engrossado pelos magistrados, procuradores, policiais civis e militares dos estados. O sucesso do governo depende do desfecho dessa contradição. Se prevalecerem as corporações e o mercado, haverá um colapso nas políticas sociais, desemprego e baixo crescimento; se atender às corporações e à maioria da população, populismo e recessão; a melhor alternativa para o crescimento é acabar com os privilégios.

Estão na lista dos pontos fortes do governo o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que vem dando um show de competência com seu programa de concessões, e os ministros da Agricultura, Teresa Cristina; da Cidadania, Osmar Terra; e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. São políticos bem-vistos pelos colegas e não fazem marola. O ponto mais fraco, disparado, é o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, cuja cabeça pode rolar amanhã. Outro ponto frasco é o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, enrolado no escândalo dos candidatos laranjas do PSL, o partido de Bolsonaro. Os militares, que ocupam cada vez mais espaços na área meio do governo, tentam salvar a pátria e tutelar Bolsonaro, sem êxito.

Pesquisas
Em números, os resultados desses 110 dias de governo estão na pesquisa do Ibope, entre os dias 16 e 19 de março: apenas três em cada 10 brasileiros (34%) avaliam de forma positiva (ótima ou boa) o governo de Jair Bolsonaro. A mesma parcela considera a gestão como regular e praticamente um quarto (24%) como ruim ou péssima. Aqueles que não sabem ou não respondem à pergunta somam 8%. No primeiro levantamento, aqueles que avaliavam a gestão como ótima ou boa eram 49%, em fevereiro caíram para 39% e recuam para 34% em março. A avaliação ruim ou péssima registra um aumento de 13 pontos no mesmo período: os que avaliavam negativamente a administração de Bolsonaro eram 11% em janeiro, passaram para 19% em fevereiro e, atualmente, somam 24%.

Entretanto, 51% ainda aprovam a forma como Bolsonaro governa, contra 38% que desaprovam; 10% não sabem ou preferem não opinar. O problema é a velocidade da queda: 67% aprovavam em janeiro, índice que caiu para 57% em fevereiro e recuou agora para 51%, ou seja, uma redução de 16 pontos. A desaprovação vai numa escalada: subiu de 21% para 31% e 38%, respectivamente, entre janeiro e março. A confiança no presidente regrediu: 49% da população confiam, contra 44% que não confiam e 6% que não sabem ou preferem não responder. Em janeiro, 62% confiavam no presidente ante 30% que não confiavam. Em fevereiro, os percentuais eram 55% e 38%, respectivamente. Desse modo, a queda da confiança entre janeiro e março é de 13 pontos, e o crescimento dos que não confiam, de 14 pontos.

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Luiz Carlos Azedo: Blindagem dos negócios

“Militares passaram a controlar as áreas mais suscetíveis a escândalos de corrupção. São setores que sempre foram muito cobiçados por partidos e lobistas”

Depois da blindagem da equipe econômica, que foi escalada pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, as nomeações recém-anunciadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, sinalizam uma blindagem para o programa de obras, privatizações e concessões do governo, que deverá ficar a cargo do futuro ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo. A escolha do novo ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que responderá pelas áreas de Transportes, Portos e Aviação Civil, vai na mesma direção.

“Vamos intensificar as parcerias em rodovias, ferrovias e aeroportos, tal qual está sendo feito hoje. Isso vai ser intensificado. A ideia é trazer o setor privado para a área de infraestrutura”, disse o futuro ministro, que dirigiu o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Tarcísio de Freitas já acompanha o leilão dos próximos 12 aeroportos, cujo edital foi aprovado, ontem, pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e da Ferrovia Norte-Sul.

Bolsonaro anunciou que somente iniciará obras quando houver recursos no orçamento para concluí-las, mas pretende dar continuidade àquelas que já foram iniciadas e estão paralisadas: “Não podemos abandonar isso, porque custaria muito caro para nós”, disse. Consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Tarcísio de Freitas é engenheiro civil formado pelo Instituto Militar de Engenharia, com pós-graduação em gerenciamento de projetos e engenharia de transportes. Ex-capitão do Exército, foi chefe da seção técnica da Companhia de Engenharia do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti.

Com as novas nomeações, os generais que integram a cúpula do governo passaram a controlar as áreas mais suscetíveis a escândalos de corrupção, por envolverem grandes contratos e concessões com empresas privadas. São setores que sempre foram muito cobiçados por partidos e lobistas, que passarão a ser gerenciados pelos militares. Os interesses envolvidos são os mesmos; entretanto, mudaram os gestores e o ambiente, em razão da Operação Lava-Jato.

Indulto de Natal
O procurador Deltan Dallagnol denunciou, ontem, no Twitter, uma “intensa articulação” nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) para liberar o indulto de 2017, concedido pelo presidente Michel Temer, que “perdoava 80% da pena dos corruptos”. Segundo o procurador, se isso ocorrer, Temer poderá fazer a mesma coisa no Natal deste ano. O indulto é um perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos em período próximo ao Natal, atribuição do presidente da República.

O julgamento deve continuar hoje, com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que concedeu liminar (decisão provisória), em março, limitando a aplicação do indulto e aumentou o período de cumprimento para, pelo menos, um terço da pena. Barroso permitiu o indulto somente para quem foi condenado a mais de oito anos de prisão e vetou a concessão para crimes de colarinho-branco e para quem tem multa pendente. O governo recorreu, alegando que Barroso invadiu a “competência exclusiva” do presidente da República ao alterar as regras do indulto fixadas por Temer. O julgamento no STF se limita à validade do decreto editado em 2017.

Um parecer do criminalista Nabor Bulhões, da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil e advogado de Temer na Lava-Jato, defende a constitucionalidade do decreto de indulto de Natal do ano passado, que foi suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal a pedido da Procuradoria-Geral da República. Segundo o parecer, não há inconstitucionalidade na inclusão dos crimes relacionados à corrupção no perdão presidencial, e a intervenção do Judiciário pode representar uma afronta ao princípio da separação de poderes.

Ao editar o decreto, Temer modificou algumas regras e, na prática, reduziu o tempo de cumprimento de pena pelos condenados, o que gerou críticas da Transparência Internacional e da força-tarefa da Operação Lava-Jato. O artigo 84 da Constituição, XII, estabelece que “compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos por lei”.

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Luiz Carlos Azedo: Caiu a ficha

Como o governo, deputados e senadores foram surpreendidos pela greve dos caminhoneiros e, mais ainda, pelas consequências dramáticas para o abastecimento e os serviços públicos

Parece que caiu a ficha de que o governo Temer e a cúpula do Congresso são sócios da crise e não adianta ninguém tirar casquinha, porque a situação é desastrosa. Estão em risco a economia do país e a estabilidade política. Ontem, Temer e os presidentes do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), divulgaram uma nota na qual se comprometem a colocar em prática o acordo feito com os caminhoneiros: “Neste momento, os poderes Executivo e Legislativo estão unidos na defesa dos interesses nacionais. Assumem o compromisso de aprovar e colocar em prática, no menor tempo possível, todos os itens do acordo”. Maia vinha se estranhando com Temer; Eunício, com Maia. Enquanto isso, caminhoneiros radicalizados dificultam a normalização do abastecimento e pregam uma intervenção militar.

Apesar da nota, o clima no Congresso é de apreensão e perplexidade. Como o Palácio do Planalto, deputados e senadores foram surpreendidos pelo vigor da greve dos caminhoneiros e, mais ainda, pelas consequências dramáticas do movimento para o abastecimento da população e funcionamento dos serviços públicos. Os políticos estão descolados da sociedade e demonstram incapacidade de respostas positivas para situações complexas e graves.

Resultado: o país ainda não saiu do sufoco causado pela greve dos caminhoneiros, e os petroleiros já anunciam uma paralisação de 72 horas, com apoio das centrais sindicais. Detalhe: fora da data-base, com o objetivo de inviabilizar a normalização do abastecimento de combustível. É uma greve política, na linha do “Fora, Temer!”, cuja intenção imediata, a deposição do governo, não difere em nada da “intervenção militar” defendida pelos caminheiros que permanecem em greve: derrubar o governo.

O Caroço
Quem quiser que se iluda, tem caroço nesse angu. Análise realizada pela AP/Exata — Inteligência em Comunicação Digital — no Twitter sobre as redes nos primeiros dias da greve dos caminhoneiros mostra que o movimento foi deflagrado pelas hashtags #TemerAbaixaAGasolina e #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros. Em meia hora, foram realizados 2.772 tweets. O monitoramento do fluxo em tempo real revelou um perfil específico muito influente: @JqTeixeira. Trata-se de um perfil fake, que dissemina ideias conservadoras, a partir de uma elevada carga moral e da defesa do militarismo. “Personagem do bom pai de família honesto, cristão e patriota”, um perfil fictício, a conta possui mais de 207 mil seguidores e está sendo investigada pelos órgãos de inteligência.

A conta não tem conteúdo pessoal, costuma partilhar e publicar com regularidade assuntos de teor político de extrema direita. Possui ainda outros perfis, com centenas de milhares de seguidores, nos quais realiza igual tipo de posts sobre as mesmas temáticas. As publicações e os perfis já foram suspensos mais de uma vez por Twitter e Instagram, mas depois retornaram.

O post que turbinou a greve foi o seguinte: “Sextou? Não vai ter álcool no bar nem cigarro. O X beicon acabou. Não há munição pro revólver. Del Rey com tanque vazio. Prostitutas paralisadas. É o fim da sexta-feira como a conhecemos. Que Deus nos proteja. #TemerAbaixaAGasolina”. Após 447 compartilhamentos, com 51 comentários, o tweet viralizou. O engajamento foi mecanizado, promovido por perfis de interferência: fakes, robôs e perfis militantes. As redes sociais foram operadas para transformar a greve num movimento de desestabilização do governo.

Joaquin Teixeira também publica ocasionalmente posts em apoio ao deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). A AP/Exata encontrou vários elos em comum. O ritmo de publicações do perfil é similar em ambas as contas, registrando aproximadamente 100 tweets semanais. E tem relação com a formação de comunidades em torno da hashtag #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros. No começo da greve, em meia hora, foram realizados 4.192 tweets. Essa rede é muito mais orgânica que a anterior, visto que o protagonismo de influência está dividido em vários perfis, entre os quais Patriotas Caminhoneiros, que defende a intervenção militar; Caminhoneiros Brasil; Brasil Caminhoneiro; Caminhoneiros; e Blog do Caminhoneiro, que propagam vídeos e material publicitário sobre a greve. Após a reunião do governo com os caminhoneiros, na quinta-feira passada, essas páginas imediatamente difundiram vídeos dizendo que o movimento continuaria.

Apesar de as interações da hashtag #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros serem predominantemente orgânicas, houve interferência de perfis de apoio a Jair Bolsonaro, anti-PT e de “direita”, mas perfis de “esquerda”, anti-Temer e pró-PT também aderiram à comunidade. Essa convergência entre radicais de direita e de esquerda nas redes se materializa agora com a anunciada greve dos petroleiros, com apoio das centrais sindicais CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB. Se a greve for bem-sucedida, a crise de abastecimento recrudescerá.

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