trabalho
Luiz Carlos Azedo: O país está parando
“O coronavírus provoca a reorganização do trabalho, em razão das medidas de distanciamento social; governadores e prefeitos se antecipam ao governo federal”
Quem observa o cotidiano da população já constata a redução do movimento de pessoas e de carros nas ruas; filas nas farmácias e supermercados. Não se trata de pânico, mas de prudência, as pessoas estão se dando conta de que o distanciamento social é realmente necessário e começam a se preparar para o confinamento doméstico. O medo do coronavírus é justificado, basta olhar o que está acontecendo no mundo e prestar atenção nas entrevistas e decisões dos governadores e prefeitos.
Ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, voltou a falar como um sanitarista experiente, em entrevista na qual dispensou a máscara cirúrgica. Não escondia a tensão em que se encontra, diante do avanço da epidemia. No começo da noite, já havia 635 casos confirmados no país, em 21 estados e no Distrito Federal, com transmissão comunitária em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Sergipe. Sete mortes foram contabilizadas até ontem, cinco em São Paulo e duas no Rio, ou seja, 1,1% dos casos confirmados.
As notícias que chegam do mundo justificam a apreensão da população. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), eram 207.855 casos confirmados e mais de nove mil mortes por Covid-19 em 166 países e territórios. Em Hubei, província chinesa onde se originou o surto, ocorreram 34% das mortes, com 3.130 óbitos, antes de a epidemia ser controlada. Entretanto, a Itália ultrapassou a China, com 3.405 mortes pelo novo coronavírus, apesar da população algumas vezes menor. Tecnicamente, o Brasil se encontra numa situação em que a curva da doença ainda não se definiu, ou seja, um momento no qual há três cenários, o pior deles é o italiano. O melhor é o cenário da Coreia do Sul, que conseguiu controlar a letalidade da doença.
O ministro Mandetta trabalha com o modelo inglês. Como não somos uma ilha, talvez por isso, a principal medida efetiva de distanciamento social adotada pelo governo federal tenha sido o fechamento das fronteiras, anunciado ontem, no caso dos países vizinhos, alguns dos quais já tinham tomado essa decisão. Outra preocupação foi orientar os planos de saúde privados a não descarregar nos hospitais públicos os seus segurados. Um novo protocolo de atendimento foi anunciado: pessoas com febre, tosse ou dor de garganta e/ou dificuldade respiratória receberão máscaras e serão encaminhadas para isolamento respiratório.
Solidariedade
Pessoas acima de 60 anos, pacientes com doenças crônicas, imunossuprimidos, gestantes e mulheres até 45 dias após o parto terão prioridade. Todas as pessoas com mais de 60 anos deverão evitar comparecimento ao trabalho ou demais ambientes fechados; empregadores devem buscar adaptar-se a essa solicitação. A recomendação é sair de casa apenas para atividades essenciais (mercado, farmácia, serviços de saúde), que não possam ser realizadas por outra pessoa. Comunidades, vizinhos, grupos de amigos devem ajudar as pessoas com mais 60 anos a obter seus bens de primeira necessidade sem sair de casa.
O coronavírus está provocando a reorganização do trabalho, em razão das medidas de distanciamento social; governadores e prefeitos estão se antecipando ao governo federal. Em Brasília, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou, ontem, a suspensão das atividades de atendimento ao público em comércios na capital. A medida inclui restaurantes, bares, lojas, salões de beleza, entre outros. O decreto também determina a suspensão de missas e cultos. Poderão funcionar: clínicas médicas, laboratórios, farmácias, postos de gasolina, mercados, lojas de materiais de construção, padarias, atacadistas, peixarias e delivery. No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel (PSC), que já vinha adotando medidas duras, quer fechar as divisas do estado e interromper a ponte aérea Rio-São Paulo.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou um auxílio para os trabalhadores que recebem até dois salários mínimos e forem afetados pela redução de jornada e salários proposta nesta semana pelo governo federal, que pretende pagar os primeiros 15 dias de afastamento se o trabalhador tiver contraído o coronavírus. O auxílio, destinado aos mais vulneráveis que tiverem renda e jornada reduzidas, busca contemplar 11 milhões de trabalhadores, a um custo de R$ 10 bilhões, com recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
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Luiz Carlos Azedo: O otimismo do mercado e o mal-estar da sociedade
“Apostar no ‘quantos pior, melhor’ na economia nem sempre é uma boa estratégia. Quando as coisas começam a dar certo, leva a oposição ao descrédito, como no Plano Real”
A conclusão da reforma da Previdência, aprovada ontem pelo Senado, desde o começo da semana exerce no mercado um efeito catalisador, confirmando o otimismo de seus principais analistas em relação ao impacto fiscal positivo da economia de mais de 800 bilhões de reais para o Tesouro, em 10 anos, com os ajustes feitos nas aposentadorias dos servidores federais e dos trabalhadores do setor privado. O impacto social são outros quinhentos, que só o tempo revelará, mas não é essa a principal causa do mal-estar na sociedade, se o fosse, provavelmente, a votação de ontem ocorreria em meio a grandes manifestações de protestos, com vidraças quebradas e muito gás lacrimogêneo nas principais cidades do país. Vamos por partes.
Para a maioria dos economistas, a reforma da Previdência, o teto de gastos e a reforma trabalhista, as duas últimas uma herança do governo Michel Temer, estabeleceram fundamentos para que o gasto público fosse controlado, a inflação se mantivesse abaixo da meta e, consequentemente, a taxa de juros em declínio. Mas a recuperação da economia continua lenta. Os mais otimistas, como o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, em artigo publicado na segunda-feira, no Valor Econômico, intitulado La Nave Va, porém, já falam em outra dinâmica da economia, uma “recuperação cíclica”. Segundo ele, a reforma da Previdência evitou uma catástrofe fiscal.
Mendonça de Barros questiona o pessimismo dos que valorizam o peso negativo da estrutura de despesas criadas pela Constituição de 1988 e por leis ordinárias subsequentes, principalmente na educação e na saúde, por exemplo, e pelas respectivas transferências compulsórias para estados e municípios. Também relativiza os problemas do desemprego, da informalidade e da capacidade ociosa da indústria. Segundo ele, são problemas reais e limitadores da força da recuperação cíclica, porém, são compensados pela nova legislação trabalhista, pela autonomia da política monetária e por uma gestão orçamentária competente. O desempenho do agronegócio e a lenta, mas consistente, recuperação do mercado de trabalho seriam indicadores de um novo ciclo de expansão da economia.
A “malaise”
O mal-estar da sociedade está diretamente associado às desigualdades, à violência e às injustiças. O sucesso de filmes como Coringa e Bacurau, para citar um blockbuster hollywoodiano e uma produção nacional que também glamoriza a violência, são indicadores de que algo de errado se passa. As notícias que chegam do México, do Equador, da Espanha, do Líbano e, principalmente, do Chile, para citar os que estão em mais evidência, corroboram a tese de que o problema não é isolado, embora se manifeste de forma diferenciada em cada país.
Do ponto de vista econômico, por exemplo, os indicadores brasileiros são piores do que os chilenos. Salário mínimo: R$ 1.700 (Chile) / R$ 998 (Brasil); Renda média anual: US$ 25,2 mil (Chile) / US$ 15,7 mil (Brasil); Desemprego: 7,3% (Chile) / 12,2% (Brasil); Inflação: 2,4% (Chile) / 2,9% (Brasil); Expectativa de alta do PIB neste ano: 2,9% (Chile) / menos de 1% (Brasil). De certa forma, convém ponderar, o que está havendo no Chile ocorreu no Brasil em 2013, com o mesmo estopim: o aumento do preço das passagens. A diferença é que havia um governo de esquerda, que não recorreu às forças armadas, enquanto no Chile, o presidente Sebástian Piñera, de direita, não hesitou em recorrer ao Exército para reprimir os protestos, o que já provocou a morte de 15 pessoas.
Além disso, o Brasil vem de eleições muito recentes, o que dá ao presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica mais tempo para reverter a situação que herdou na economia, mesmo que seu prestígio popular tenha caído. Tanto que a aprovação da reforma da Previdência mostra reduzida capacidade de mobilização por parte dos sindicatos de trabalhadores, ainda que enfraquecidos com o fim do imposto sindical e pela desmotivação causada pelo fantasma do desemprego.
O crédito de que dispõe Bolsonaro falta ao Congresso, que corre atrás do prejuízo blindando a política econômica do governo. No fundo, a “malaise” na sociedade tem muito mais a ver com a ética na política do que com a situação econômica. E é ainda mais fomentada pela radicalização política e por certas agressões ao bom senso por parte do governo. Entretanto, apostar no “quantos pior, melhor” na economia nem sempre é uma boa estratégia. Quando as coisas começam a dar certo, leva a oposição ao descrédito. Foi o que aconteceu durante o “milagre econômico”, no regime militar, e com o Plano Real, no governo Itamar Franco, com o qual o Fernando Henrique Cardoso se elegeu presidente da República por duas vezes.
Luiz Carlos Azedo: O amanhã
“A incerteza está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, ainda não reagiu como deveria”
O conhecido samba-enredo da União da Ilha do Governador, campeão do carnaval carioca de 1978, que intitula a coluna, é de autoria de Paulo Amargoso e João Sérgio, nome desconhecido até da maioria dos sambistas, pois, na verdade, se trata do falecido procurador da República Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, o Didi, também fundador da escola e autor de outros sambas antológicos. Não há carnaval em que suas músicas não sejam cantadas por foliões de todo o país. Naquele ano, na voz de Aroldo Melodia, O Amanhã empolgou as arquibancadas na Marquês de Sapucaí: A cigana leu o meu destino/ Eu sonhei/ Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante/ Eu sempre perguntei/ O que será o amanhã?/ Como vai ser o meu destino?”
Era o primeiro desfile de regras rigorosas, o que gerou protestos do compositor mangueirense Angenor do Nascimento, o famoso Cartola: “Isso não é carnaval, é parada de militar”. Mas foi um desfile memorável, principalmente para a União da Ilha, cuja carnavalesca Maria Augusta não imaginava que o samba seria eternizado pelo gosto popular: “Já desfolhei o malmequer/ Primeiro amor de um menino/ E vai chegando o amanhecer/ Leio a mensagem zodiacal/ E o realejo diz/ Que eu serei feliz”. O refrão todo mundo canta até hoje: “Como será o amanhã/ Responda quem puder (bis)/ O que irá me acontecer/ O meu destino será como Deus quiser.”
Nem só de letra e melodia vive uma samba antológico, o contexto é fundamental para que o povo se identifique com a canção. O país vivia uma transição lenta e gradual, o projeto de Brasil potência dos militares havia naufragado. O general Ernesto Geisel amargava o fim do milagre econômico e muita insatisfação popular. A crise do petróleo e a recessão mundial interferiam fortemente na economia brasileira, os créditos e empréstimos internacionais minguavam. Nas eleições de 1974, o MDB havia conquistado 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e a maioria das prefeituras das grandes cidades. Não havia eleição de prefeitos nas capitais.
Era um ambiente de incertezas. Logo depois do carnaval, eclodiram as greves operárias do ABC. No ano em que União da Ilha do Governador foi campeã, a oposição voltou a vencer as eleições, Geisel acabou com o AI-5, restaurou o habeas-corpus e abriu caminho para a volta da democracia, num processo de retirada em ordem dos militares da política que foi muito bem-sucedido. Era um momento de muitas incertezas e também de esperança. Mais ou menos como estamos vivendo agora, com sinal trocado, pois os militares voltaram ao poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro.
Embora o atual governo mal tenha completado 9 meses, ninguém sabe o que vai acontecer. Há uma tensão permanente entre as instituições. O presidente Bolsonaro protagoniza a radicalização política com uma retórica ultraconservadora. Entretanto, há um calendário e regras eleitorais claras, tudo vai desaguar nas eleições municipais do próximo ano e, depois, em 2022, quando teremos novas eleições gerais. Esse é o leito do processo político democrático. A incerteza maior está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, a economia ainda não reagiu como deveria
Estagnação
A receita liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, até agora, resultou num cenário de estagnação, com desindustrialização, altas taxas de desemprego e baixa atividade econômica, apesar da inflação baixíssima e da queda dos juros, que devem baixar ainda mais, para 4,5%, segundo previsões do mercado. A especificidade da economia brasileira não foi bem-equacionada pela equipe de Guedes, formada por especialistas financeiros e técnicos que conhecem bem as finanças públicas, mas não dão conta das relações do governo com o setor produtivo e têm ojeriza à política industrial.
No momento, o governo prepara uma emenda constitucional, chamada PEC Emergencial, com uma lista de medidas duras para serem adotadas por um prazo de dois anos. Não deve mexer no teto de gastos (que limita as despesas à inflação) e deve fazer um ajuste na chamada regra de ouro, mecanismo que impede que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes, como salários. O governo também pretende, no próximo ano, aprovar outras mudanças, que chama de PEC DDD: desvincular (retirar os “carimbos”), desindexar (remover a necessidade de conceder automaticamente reajustes) e desobrigar o pagamento de despesas.
Muitos economistas têm dúvidas quanto ao êxito de Guedes, mas nem por isso o presidente Jair Bolsonaro tem um plano B para economia. Ele já disse que vai continuar com o Posto Ipiranga. É uma situação meio inédita, com o real desvalorizado frente ao dólar e a economia quase em deflação. Há sinais de que o modelo liberal clássico não dá conta do recado nesses novos tempos de globalização e revolução tecnológica, assim como havia fracassado o modelo desenvolvimentista social-democrata. No fundo, ao lado do rentismo, o não-trabalho e o não-emprego na nova economia aprofundam as desigualdades, reduzem nosso mercado interno e ampliam as demandas sociais, sem que o governo tenha recursos para cuidar dos mais pobres, investir na educação e e modernizar a infra-estrutura. No atual modelo, além do empreendedorismo, só o capital estrangeiro salva, mas ele ainda prefere outros destinos.
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Almir Pazzianotto Pinto: Sua Majestade o presidente
MP 873 é um exemplo cabal de invasão da esfera da legislação do trabalho por Bolsonaro
É histórica a tendência dos nossos presidentes da República a dilatar o raio de ação delimitado pelas Constituições democráticas para invadirem a esfera reservada ao Poder Legislativo. Leia-se, a respeito, o livro Sua Majestade o Presidente do Brasil – Um Estudo do Brasil Constitucional (1889-1934), escrito por Ernest Hambloch (1886-1970), cônsul inglês que viveu no Brasil durante 25 anos. A obra, traduzida por Lêda Boechat Rodrigues, com apresentação de José Honório Rodrigues, foi editada pela Universidade de Brasília em 1981 e pertence ao rol das que devem ser consultadas por quem deseja desvendar as origens do autoritarismo tupiniquim.
A medida provisória (MP) é filha legítima do decreto-lei criado por Francisco Campos na Carta Constitucional de 1937. Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas manteve trancado o Poder Legislativo e dele se serviu como instrumento de governo (1937-1945). Na Constituição liberal de 1946 não estava previsto; durante o regime militar, porém, foi reabilitado e frequentemente utilizado (1964-1985). A Constituição de 1988, apesar de comprometida com a instituição do Estado de Direito democrático, exibe a insólita figura da medida provisória, posta à disposição do presidente da República no artigo 62, para usá-la a pretexto de gravidade e urgência, quase sempre, porém, de maneira atabalhoada.
O texto original do artigo 62 era constituído pela parte inicial, conhecida como caput, complementada por parágrafo único com a seguinte redação: “As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes”.
O uso incessante e arbitrário de MPs, por sucessivos presidentes, provocou a reação do Congresso Nacional, cuja imagem se desacreditava diante da comunidade política, inconformada com a banalização de medida autoritária de caráter excepcional. Entre a data da promulgação da Lei Fundamental, 5/10/1988, e a entrada em vigor da Emenda n.º 32, 12/9/2001, haviam sido editadas 616 medidas provisórias, acrescidas de 5.513 reedições, o que significava 6.102 intromissões do Poder Executivo em assuntos do Poder Legislativo.
A recente Medida Provisória 873, do dia 1.º de março último, é exemplo cabal de invasão pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, da esfera da legislação do trabalho, com o objetivo de anular cláusula de acordo ou convenção coletiva. Prescreve o artigo 579 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a redação dada pela MP: “O requerimento de pagamento da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e voluntária do empregado que participar de determinada categoria econômica ou profissional ou de profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, na inexistência do sindicato, em conformidade com o disposto no art. 591”. O parágrafo 2.º do dispositivo, por sua vez, determina: “É nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores, sem a observância do disposto neste artigo, ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia-geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade”.
O exame da validade de cláusula de acordo ou convenção coletiva é problema afeto à competência da Justiça do Trabalho, a teor do que dispõe o artigo 114, I e IX, da Constituição. Quando ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), participei de julgamentos de ações anulatórias propostas pelo Ministério Público do Trabalho destinadas a contestar cláusulas acordadas ou convencionadas entre sindicatos patronais e profissionais, ou empresas e sindicatos. Basta examinar o rol dos Precedentes Normativos do TST para conhecer a quantidade de assuntos dessa natureza submetidos à jurisdição da Justiça do Trabalho.
Submisso ao modelo corporativo fascista desde a Carta de 1937, o movimento sindical padeceu duro golpe na reforma trabalhista. Ao converter a contribuição sindical regulada pelos artigos 578/610 da CLT em pagamento condicionado à autorização individual prévia e expressa, a Lei n.º 13.467, de 13/7/2017, privou as entidades sindicais de substancial fonte de recursos. No afã de dificultar o recolhimento anual de um dia de salário, previsto por decreto-lei de 1940 e incorporado à CLT em 1943, o legislador deu origem a cruel paradoxo: a representação sindical compreende o âmbito abstrato da categoria, mas o desconto da contribuição sindical deixa de ser obrigatório para se tornar voluntário, o que significa, na prática, que se reduzirá drasticamente. Obrigados pela Constituição e pela lei a representar quem não é associado, os sindicatos prestarão assistência gratuita à grande maioria, em prejuízo dos que arcam com o custeio da entidade.
É impossível prever como reagirá a Justiça do Trabalho. O artigo 114 da Lei Fundamental é expresso no sentido de lhe competir julgar as ações oriundas das relações de trabalho. O ideal seria o governo se apressar na ratificação da Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mensagem nesse sentido foi enviada em maio de 1949 pelo presidente Eurico Dutra ao Poder Legislativo. Depois de aprovada na Câmara dos Deputados em 1984, hiberna no Senado à espera de definição.
A Constituição reconhece a validade de acordos e convenções como fontes de direitos e obrigações para as classes trabalhadoras. As Convenções 58 e 154 da OIT, ambas sobre a proteção das negociações coletivas, foram ratificadas e incorporadas à legislação interna.
Em minha opinião, portanto, a Medida Provisória 873 é inconstitucional.
* Almir Pazzianotto Pinto é advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho. É autor dos livros ‘A falsa democracia’ e ‘30 anos de crise – 1988-2018’
Vinicius Torres Freire: Cinzas no mundo do trabalho
Além de efeitos da crise, há sintomas de precariedades crônicas no emprego
A discussão do futuro das aposentadorias faz a gente lembrar que existem trabalhadores que dificilmente têm condições de contribuir para o INSS, por exemplo. De costume, a situação do trabalho é um assunto mais raro no debate público mais geral.
No entanto, é o caso de prestar atenção no que se passa, até porque um dos pilarzinhos da quase estagnação econômica, as estacas dessa palafita, é o consumo, que em parte grande depende da recuperação de emprego e salário.
Há cheiro de queimado no mundo do trabalho:
1) Emprego e salário desaceleram desde o terceiro trimestre do ano passado;
2) A precarização aumenta;
3) Setores em que houve grande devastação do trabalho, mal se recuperam (construção civil) ou têm sintomas de resfriado (indústria);
4) Não há decisões de políticas públicas que tratem da grande desgraça do emprego, de um setor ainda em recessão, o da construção civil;
5) O ritmo de criação de emprego formal desacelera e começa a ficar relevante a quantidade de empregados pelo regime de trabalho intermitente, o que suscita pelo menos uma dúvida séria sobre a qualidade do trabalho oferecido com carteira assinada.
Uma das categorias de emprego que crescem de modo mais rápido e relevante é o “por conta própria”, 23,9 milhões das 92,5 milhões de pessoas ocupadas. Destas “por conta”, 19,2 milhões não têm CNPJ. São informais de quase tudo.
Com razão, a gente se preocupa com o que vai ser das pessoas formalmente empregadas por trabalho intermitente. Por ora, são cerca de 10% dos novos empregos formais. Foi assim em 2018 (cerca 50 mil empregos intermitentes); foi assim em janeiro de 2019.
Não sabemos mesmo se essas pessoas de fato estão trabalhando, quanto ganham, como fica sua situação na Previdência (há um vácuo jurídico). Mas, repita-se, foram 50 mil contratados por essa invenção da reforma trabalhista. De um ano para cá, apareceram mais 400 mil pessoas ocupadas na categoria “por conta própria sem CNPJ”.
As estatísticas não são diretamente comparáveis (o intermitente aparece nos registros do Caged, o “por conta” nas amostras da Pnad do IBGE). Mas é possível notar a diferença de ordem de grandeza e a relativa indiferença do público em relação aos “por conta sem CNPJ” (para nem falar dos empregados sem carteira assinada)
Temos, pois, um problema de conjuntura que mal deixou de ser dramático combinado a uma bomba armada de gente desprotegida pela Previdência.
A criação de emprego formal cresceu ao ritmo anual de 1,2% em janeiro de 2019. Para refrescar a memória, a construção civil chegou a perder 33% de seus empregos formais. As indústrias extrativa e de transformação, algo na casa de 14%.
Os “por conta própria”, empregados sem CLT e mesmo empregados sem CNPJ são ainda parcelas crescentes do conjunto dos empregados. Não sabemos bem o que fazem os “por conta” nem de suas preferências de trabalho _são dos mais mal pagos. Para alguns otimistas, não se trata apenas de arranjo conjuntural, bico na crise, mas de gente que prefere se empregar de outro modo, “novas modalidades de trabalho que não são emprego”.
Por outro lado, sabemos é que empresas estão ociosas, com medo de contratar, de investir. Pode ser que algumas tenham se renovado e, estruturalmente mais enxutas, precisem de menos trabalho, tudo mais constante.
Seja qual for a combinação de crise de conjuntura e problemas estruturais, mesmo manter esse ritmo de crescimento ínfimo pode ficar difícil.
Luiz Carlos Azedo: O trilema das reformas
“O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência”
O economista Claudio Porto, fundador da Macroplan, batizou de trilema os cenários possíveis para o Brasil a médio prazo. Como aperitivo, faz uma comparação entre o que aconteceu no Brasil e na China nos últimos 40 anos, com base num resumo de Jorge Caldeira, no livro História da Riqueza no Brasil (Estação Brasil). Quando foi lançado o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), na década de 1970, o regime militar apostou no mercado interno e na construção de uma economia autossuficiente em todas as áreas, uma visão autárquica e baluartista de país. Deu errado. A China apostou na globalização, no comércio exterior e na complementariedade. Resultado, em 1979, no final do governo Geisel, em dólares de 2010, o Brasil tinha um PIB de 926 bilhões e a China, de 327 bilhões; em 2017, o PIB do Brasil chegou a 2, 3 trilhões e o da China saltou para 10,1 trilhões.
As causas desse nosso desempenho estão diagnosticadas: economia fechada, com baixa produtividade e muita insegurança; desigualdades muito altas, com 12 milhões de desempregados e 30 milhões abaixo da linha de pobreza; e sistema educacional de baixa qualidade, com o Brasil em 66º lugar entre 73 países no PISA (Programme for Internacional Stuident Assessment), atrás de todos os países da América Latina, com exceção do Peru e da República Dominicana. A grande preocupação de Porto é uma recidiva do padrão de desenvolvimento da década de 1970, cujo resultado seria a retomada do crescimento com agravamento das desigualdades.
Para quem acompanha a política em Brasília, esse cenário não deve ser subestimado, porque pode resultar da convergência de variáveis que estão fortemente presentes no governo Bolsonaro e no atual Congresso. As variáveis positivas são o avanço das reformas liberais no plano fiscal e previdenciário, com ampliação das concessões e parcerias público-privadas. São fatores negativos: manutenção do “capitalismo de laços” e restrições aos privilégios das corporações de caráter parcial ou meramente simbólico, com restrições às políticas sociais e intervencionismo econômico. Trocando em miúdos, nesse rumo, a economia pode crescer sem inflação e baixa produtividade, a taxas entre 2,2% e 1,6% ao ano, com queda na renda média das famílias na base da pirâmide.
Há mais dois cenários possíveis. O melhor é a globalização inclusiva, cujo maior obstáculo aparente hoje é a nova política externa. Além de ajuste fiscal estruturante, desregulamentação, privatizações e parcerias público-privadas, o Brasil precisa de um ambiente de segurança pública e jurídica, mais foco na educação básica, proteção social aos vulneráveis e uma política trabalhista que possibilite investimentos e gere mais empregos. Assim, poderia crescer em 4% e 3,4% ao ano. O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência.
O pior cenário é o pacto perverso do populismo com o corporativismo, que tenta conciliar as demandas da população com as das corporações. Nesse cenário, as reformas serão mitigadas no Congresso, com soluções de curto prazo para a crise fiscal, inclusive na reforma da Previdência. Esse é um horizonte de crescimento próximo do zero, depois de mais um voo de galinha.
Boechat, 66 anos
Conheci Ricardo Boechat em Niterói, no começo dos anos 1970, quando fui trabalhar no jornal O Fluminense e estudar ciências sociais na Universidade Federal Fluminense. Ele era repórter da coluna do Ibrahin Sued, no jornal O Globo. Éramos jovens militantes do antigo PCB e compartilhamos, em 1975, a angústia de ver nossos “assistentes” presos e a gratidão de saber que nenhum deles — nem José Otto de Oliveira nem Aírton Albuquerque Queiroz, respectivamente, de quem recebíamos o jornal clandestino Voz Operária — havia nos denunciado. Graças a isso, pudemos prosseguir nossas vidas profissionais.
Nos cruzávamos, às vezes, na barca Rio-Niterói, até o dia em que Boechat resolveu comprar uma moto e atravessar a ponte por meios próprios. Por causa da minha vida cigana, nosso último encontro foi na redação do jornal O Globo. Ele era colunista e eu, que trabalhava na sucursal de São Paulo, de passagem pelo Rio de Janeiro, fui à redação visitar Ali Kamel, que me resgatou para a grande imprensa, e lá o reencontrei, como a outros velhos amigos comuns, entre os quais meu xará Luís Carlos Cascon, então chefe de reportagem, também de Niterói. Depois, tivemos apenas algumas conversas por telefone. Boechat era tudo isso que os amigos estão falando. Destaco, porém, três qualidades do seu caráter: a coragem, a integridade e o amor ao próximo. Mando aqui meus pêsames para Veruska, sua mulher, colega jornalista que conheci em Vitória, e para os demais parentes e amigos. Força aí!
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Luiz Carlos Azedo: O poder civil e os jabutis
“As exonerações em massa na Casa Civil, que tendem a se reproduzir em outras pastas, eram esperadas. Os cargos comissionados serão ocupados por quem venceu as eleições”
O sucesso de Jair Bolsonaro depende muito mais do poder civil do que do grupo de militares que cercam o presidente da República. Para ser mais claro, a médio e longo prazos, não é a retórica ideológica nem o esculacho da oposição que garantirão esse êxito, mas o desempenho dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro. Os generais terão um papel importante, principalmente para o governo não sair do próprio eixo, como parece acontecer no Itamaraty, mas isso dependerá também de suas concepções de gestão. Vamos por partes.
Paulo Guedes encontra uma casa arrumada do ponto de vista financeiro, não foi à toa que trouxe importantes integrantes da equipe econômica anterior para o time que montou, ainda que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ontem, tenha levantado dúvidas sobre a movimentação financeira do governo no último mês. Na máquina federal, a correria para fazer empenhos e efetuar pagamentos em atraso no último mês do ano fiscal é normal. O problema do governo é outro: o deficit fiscal. Não há possibilidade de retomar o crescimento e enfrentar o desemprego em massa sem a reforma da Previdência.
Ninguém se iluda, há um alinhamento político favorável ao sucesso da nova equipe econômica. Como defendeu Guedes, o “projeto liberal democrata” de Bolsonaro não vive o dilema de quem pega o violino com a mão esquerda e toca com a direita. “A aliança de centro-direita, entre conservadores, em princípios e costumes, e liberais na economia”, como definiu Guedes, é robusta, porque conta com o apoio da maioria da população. Enfrentará resistência das corporações, inclusive militar, mas o maior perigo é a recidiva do patrimonialismo dos que vivem à custa das rendas e benesses do Estado. Eles aparecem onde menos se espera.
Abrir a economia, privatizar as estatais, controlar gastos, reformar o Estado, desregulamentar, simplificar e reduzir impostos e descentralizar os recursos para estados e municípios não são um “estelionato eleitoral”. O governo foi eleito com essa pauta. Se vai dar certo é outra história, mas, desta vez, as chances realmente são maiores. E as políticas sociais? Bolsonaro somente prometeu prioridade para o ensino fundamental e a saúde das crianças, o resto vai jogar no colo dos estados e municípios. É a receita da Escola de Chicago, aplicada na Alemanha, no Japão e no Chile. No fim da guerra, com seus países em ruínas, alemães e japoneses estavam comendo ratos; no Chile de Pinochet, era chumbo mesmo. No Brasil, num cenário completamente diferente, o sucesso do projeto será um novo “case”.
Corrupção e violência
A outra perna do poder civil está no Ministério da Justiça, que nunca concentrou tanto poder e instrumentos de atuação como agora. Combate à corrupção e ao crime organizado são bandeiras de Bolsonaro sob a responsabilidade de Sérgio Moro, que também encontrou a casa arrumada, em particular, o recém-criado Sistema Unificado de Segurança Pública. Como levou para sua equipe os principais parceiros da Operação Lava-Jato, Moro também partirá de um patamar mais elevado no combate à corrupção.
A estratégia de endurecimento das penas e a política de liberação da compra de armas pelos cidadãos, condizentes com o discurso de Bolsonaro, garantem amplo apoio popular ao novo governo, mas têm eficácia duvidosa quanto aos presídios e às mortes violentas. Há estudos realizados no Brasil e, principalmente, nos Estados Unidos sobre isso. Na Califórnia, essa política fez explodirem a população carcerária e os gastos com manutenção de presídios. Em Nova York, ao contrário do que muitos imaginam, o que baixou os índices de violência foi a legalização do aborto, com a progressiva redução da população de risco, e não a política de “tolerância zero”.
E os militares? Essa é outra história. Se trabalharem com a centralização e a verticalização da gestão, como é da cultura mais tradicional de nossas Forças Armadas, de inspiração francesa e alemã, vão burocratizar e paralisar a administração. Ao contrário, se adotarem como método a coordenação e a cooperação, a grande influência norte-americana junto aos oficiais que integraram a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, durante a 2ª Guerra Mundial, vão ajudar o governo a melhorar sua performance administrativa e capacidade operacional.
Houve uma gritaria grande por causa das exonerações em massa na Casa Civil, que tende a se reproduzir em outras pastas, principalmente dos cargos comissionados. O ministro Onyx Lorenzoni justificou a decisão como uma necessidade de alinhamento com a nova política do governo. Os petistas já haviam sido desalojados com a saída da presidente Dilma Rousseff, exceto àqueles que aderem a qualquer governo. O estrilo da oposição não faz sentido, porque é até uma questão de respeito à vontade das urnas ocupar esses cargos com quem venceu as eleições. O ministro, porém, vai descobrir o que é um jabuti em cima da árvore. Como se sabe, jabuti não sobe em árvore, alguém pôs ele lá, como na velha fábula.
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Ascânio Seleme: Trabalho não é caso de polícia
Não é novidade para ninguém que a natureza do trabalho mudou muito, sobretudo nos últimos dez anos. Com as revoluções da automação e da informação, trabalhar da maneira tradicional, dentro de uma linha de produção ou num escritório, tornou-se quase um luxo. A natureza do trabalhador também está mudando, e muito rapidamente. Empresas procuram cada vez mais gente fora do balcão tradicional. Querem profissionais reconhecidos mais pelas suas habilidades humanísticas do que técnicas, com competências subjetivas, mais difíceis de se reconhecer e avaliar.
Na Califórnia, a Zume, uma pizzaria controlada inteiramente por robôs, que fazem a massa, montam e assam a pizza, virou um sucesso de tal ordem que um banco investiu US$ 375 milhões na ideia , e a empresa já vale no mercado US$ 2 bilhões, antes mesmo de se multiplicar. Uma pizzaria dessa não precisa de pizzaiolo, mas de gente que tenha ideias que a ajude a crescer e se transformar. A McKinsey Consultoria fez uma pesquisa em que revela que empresas que diversificam seu quadro de pessoal são mais competitivas e faturam mais.
Um estudo feito pela Desire2Learn, empresa criada para ajudar outras a aprender melhor num mundo tecnológico, mostra que a Inteligência Artificial mudou substancialmente o perfil dos profissionais que grandes empresas procuram. A formação tradicional e mesmo a graduação superior se tornam menos relevantes. As grandes empresas de tecnologia, por exemplo, preferem investir em quadros de perfis diversificados que venham de bootcamps, aqueles cursos imersivos e ultrarrápidos que dão habilidades tecnológicas a pessoas de outras áreas, do que em técnicos graduados que pensam dentro da caixa.
Essa nova forma de ver o trabalho, de acordo com a Desire2Learn, em que são mais valorizadas as pessoas capazes de fazer apenas o que seres humanos fazem, como pensar criativamente, saber tomar decisões, usar a empatia para envolver equipes, ser adaptável a circunstâncias, é vital já a partir de agora. O trabalho mudou, se sofisticou, o mundo mudou. No Brasil não deveria ser diferente. Mas aqui, pelo menos no que diz respeito ao governo que se instala em janeiro, o tema trabalho foi relegado a plano secundário. Esquartejado em vários ministérios, teve uma de suas partes, a que cuida da organização sindical, transformada em problema de polícia.
O novo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao explicar o fatiamento do Trabalho, disse que ele ficará majoritariamente no Ministério da Justiça, sobretudo “aquela secretaria que cuida das cartas sindicais, que foi foco de problema”. O xerife, quer dizer, o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, disse tratar-se de “um setor em que houve muita corrupção no passado; o objetivo dessa transferência é que, sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, possamos eliminar qualquer vestígio de corrupção”. Nenhuma dúvida, trata-se de um problema. Tanto que um ministro do Trabalho foi demitido recentemente por esta razão.
Mas, francamente, se todos as repartições públicas que tiveram algum foco de problema ou corrupção no passado forem transferidas para a Justiça, não fica um, meu irmão. Bolsonaro pode realizar o milagre de operar com o Ministério reduzido ao do Moro. A questão do trabalho não deveria ser esta. O novo governo precisa estar fundamentalmente preocupado em como gerar empregos no Brasil. E mais, como ajudar a gerar empregos modernos num mundo moderno. Claro que mão de obra rápida e barata, para ocupar a multidão brasileira de desempregados, é ainda mais urgente. Mas o mundo avança na velocidade da informação, e o Brasil parece preocupado em olhar apenas o retrovisor.
É evidente que manter o Ministério do Trabalho não significa aumentar a empregabilidade. Do jeito que é tocado, ele só garante o emprego do ministro e dos seus assessores. Mas, não adianta, resta o problema grave do desemprego. Tão grave que é assunto cotidiano mesmo num país rico e desenvolvido como os EUA. O presidente Trump é obsessivo com o tema, o que talvez lhe garanta a reeleição. Num país como o nosso, com 12,4 milhões de desempregados e com outros 15,3 milhões vivendo na extrema pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, trabalho é coisa tão séria que sua gestão deveria estar alocada no gabinete do presidente da República.
Luiz Carlos Azedo: O fim melancólico
Políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais. A criação de sindicatos virou uma indústria, verdadeira mamata
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) surgiu pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda legislação trabalhista existente no Brasil. Seu principal objetivo foi regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho. Foram 13 anos de estudos e discussões — desde o início do Estado Novo até 1943 — entre destacados juristas, como Arnaldo Lopes Süsseking, José de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luiz Augusto Rego Monteiro e Dorval Lacerda Marconde, que se empenharam em criar uma legislação que atendesse à necessidade de proteção do trabalhador, sob a égide de um Estado regulador, corporativista e intervencionista, de tendência fascista, o Estado Novo.
Desde a sua publicação, a CLT sofreu várias alterações, para ser adaptada à modernização do país. Continua sendo o principal instrumento para regulamentar as relações de trabalho e proteger os trabalhadores, mas passa por um processo de reformas que visa sua desregulamentação. Flexibilizar a contratação de trabalhadores passou a ser uma necessidade para que o mercado de trabalho se adapte às mudanças econômicas e tecnológicas ditadas para globalização e pelo que já está sendo chamado de “capitalismo de dados”.
A CLT não foi a simples sistematização da vasta legislação trabalhista produzida no país após um plano coerente. Embora tenha recebido o nome de “consolidação”, introduziu novos direitos e regulamentos até então inexistentes. Tratou minuciosamente da relação entre patrões e empregados: regras referentes a horários a serem cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de segurança e higiene dos locais de trabalho etc. Até hoje, a anotação dos contratos de trabalho deve ser feita na carteira de trabalho instituída em 1932, símbolo maior da Era Vargas.
Apesar de sua reforma administrativa ou dos investimentos em infraestrutura e na indústria de base, a imagem de Vargas como protetor da classe trabalhadora está colada à CLT. A outra face dessa moeda, porém, foi a intervenção nos sindicatos de trabalhadores, que, até então, sofriam forte influência anarquista. O trabalhismo de Alberto Pasqualini e San Tiago Dantas, apoiado por Vargas, foi alavancado por um sindicalismo chapa branca, pelego, inspirado na Carta Del Lavoro do ditador italiano Benito Mussolini. Originário da Itália, o fascismo foi uma resposta à crescente influência comunista entre os trabalhadores italianos após a Revolução Russa de 1917.
Com a abertura comercial e as privatizações do setor produtivo estatais, após a redemocratização, a estrutura sindical brasileira é o que ainda resta da Era Vargas. Durante os governos Lula e Dilma, seus líderes gozaram de um poder sem precedentes. Nem quando João Goulart foi ministro do Trabalho de Vargas, na década de 1950, ou presidente da República, no começo dos anos 1960, os sindicalistas tiveram tanto prestígio. A chamada “República Sindical” que se atribuía ao governo de Jango, em 1964, nem de longe se compara ao poder dos sindicatos e seus líderes a partir de 2002.
Com Lula no poder, os sindicalistas do PT e seus aliados da CUT e demais centrais sindicais passaram a controlar a Petrobras, os fundos de pensão e os ministérios da Previdência e do Trabalho, ao mesmo tempo em que o prestígio e a influência das centrais aumentaram no Congresso. A criação de sindicatos virou uma indústria, verdadeira mamata. A Operação Lava-Jato, que desnudou a corrupção institucionalizada na Petrobras, e as investigações nos fundos de pensão, porém, mostram a outra face desse poder. Agora, as investigações estão chegando aos sindicatos e aos sindicalistas, que sempre estiveram blindados por uma legislação que impedia a fiscalização de suas contas, a pretexto de defender a autonomia sindical.
Fio da meada
Ontem, Helton Yomura, ministro do Trabalho, renunciou ao cargo, depois de ser afastado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. É suspeito de envolvimento com suposta organização criminosa que, segundo a Polícia Federal, cobrava pela emissão de registros de sindicatos. Na carta de demissão, Yomura afirma: “Estou ciente de que jamais pratiquei ou compactuei com qualquer ilicitude”.
No pedido feito a Fachin para deflagrar a nova etapa da operação, a Polícia Federal também solicitou autorização para cumprir mandados de busca e apreensão em endereços do ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), mas o ministro do STF e a Procuradoria-geral da República entenderam que não havia provas suficientes contra ele. Segundo a PF, políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais.
É um fim melancólico para a Era Vargas, num momento em que os sindicatos de trabalhadores precisam se reinventar, pois enfrentam mudanças estruturais na economia, que demandam mais tecnologia e menos mão de obra, e um golpe mortal no gigantismo e no assistencialismo das entidades, com o fim do imposto sindical. Quem quiser que se iluda, o escândalo é apenas o fio de uma meada.
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Luiz Carlos Azedo: Revirando o lixo da História
A condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo agir e pensar politicamente, em regime de plena liberdade
Exumei das redes sociais um velho texto (lá se vão três anos) publicado nessas “Entrelinhas” para analisar o colapso do governo Dilma. O título da coluna era “A lata do lixo da História”, o nome de uma peça dos anos 1970 do sociólogo Roberto Schwartz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP), na qual fazia uma sátira ao regime militar. A expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada por setores de esquerda na época, servia para menosprezar o papel dos liberais na luta pela democracia; hoje, serve aos liberais que consideram toda a esquerda ultrapassada e não apenas os setores ligados ao PT. É um erro. O Brasil precisa de uma esquerda moderna que dialogue com os liberais para reconstruir o centro democrático.
Essa lembrança veio a propósito do discurso do presidente da China, Xi Jinping, ao comemorar o bicentenário do nascimento de Karl Marx, no Grande Palácio do Povo: “O marxismo, como um amanhecer espetacular, ilumina o caminho da humanidade na sua exploração das leis históricas e na busca da sua própria libertação”. Em resumo, disse que os comunistas chineses precisam voltar às origens. Entretanto, Karl Marx é um dos sujeitos mais mal interpretados de todos os tempos, por esta razão: seus escritos partem do princípio de que a ação política não pode estar descolada do pensamento intelectual.
Após sua morte, em 14 de março de 1883, a teoria de Marx foi simplificada e instrumentalizada para a luta política, inclusive por seu amigo Frederico Engels e seu genro, Paul Lafargue. Social-democratas, socialistas e comunistas usaram sua crítica como estratégia política, mas Marx nunca teve uma fórmula para construir um mundo diferente do capitalismo. Mesmo assim, os conceitos de “valor” e “fetichismo”, suas grandes contribuições à compreensão do capitalismo, perderam espaço e influência para o conceito de “luta de classes”.
Grande exemplo é um livro de Josef Stalin intitulado Problemas econômicos do socialismo na URSS, de 1953, com o qual o líder comunista puxou as orelhas dos economistas da Academia de Ciências: “Por isso, estão absolutamente errados os camaradas que declaram que, uma vez que a sociedade socialista não liquida as formas mercantis de produção, então todas as categorias econômicas próprias do capitalismo deveriam alegadamente ser restabelecidas no nosso país: a força de trabalho como mercadoria, a mais-valia, o capital, o lucro do capital, a taxa média de lucro etc.”
Stálin varreu para debaixo do tapete problemas que mais tarde levaram ao colapso a antiga União Soviética: “Além disso, penso que precisamos igualmente abandonar alguns outros conceitos, retirados de O Capital, no qual Marx procedeu à análise do capitalismo, e que são artificialmente apensos às nossas relações socialistas. Refiro-me, entre outros, a conceitos como trabalho necessário e sobretrabalho, produto necessário e sobreproduto, tempo necessário e suplementar. A conta chegou para Gorbatchov na década de 1990: quando o líder comunista quis retomar a discussão, na Perestroika, o socialismo real já era. Talvez Xi Jinping esteja diante do mesmo debate no seu país, onde os operários são superexplorados e florescem uma nova burguesia e uma robusta classe média.
Parêntesis: na teoria de Marx, valor é aquilo que permite comparar duas mercadorias. A quantidade de trabalho que foi incorporada à mercadoria é que determina o seu valor. Já o fetiche é uma consequência disso: uma cortina que nos impede de ver a mercadoria em si. No caso de um celular, por exemplo, não conseguimos perceber todo o processo produtivo que está por trás da sua fabricação — na China, por exemplo —, mas somente o produto final, como se o aparelho, em si, tivesse vida própria na loja.
Grande jogo
A gênese dos partidos operários é velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da história e o eixo de atuação política do partido, ou seja, a luta de classes. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio de intelectuais e artistas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, via nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram. Essa crítica “racionalista” hoje faz ainda mais sentido, porque o trabalho humano está sendo substituído pelo “não trabalho” dos robôs e sistemas de inteligência artificial.
A China hoje é o nosso principal parceiro comercial, seguida dos Estados Unidos. Ambos disputam o controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na óptica dos velhos paradigmas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo. Não importa que os Estados Unidos sejam uma democracia e a China, uma ditadura. Nunca é demais lembrar que o colapso do governo Dilma se deveu às ideias políticas e econômicas fora de lugar, que apostavam numa aliança com a China, a Rússia, a África do Sul e a Índia como aliados principais, contra os Estados Unidos e a Comunidade Europeia, seguidas por práticas patrimonialistas estimuladas por Lula, que enlamearam toda a esquerda e jogaram as lideranças do PT na cadeia. Todas essas ideias velhas não morreram, estão vivíssimas nestas eleições de 2018. E não na lata do lixo da história.
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Luiz Carlos Azedo: Não tem volta!
Com o impeachment de Dilma e as reformas do governo Temer, principalmente o fim do imposto sindical, a capacidade dos sindicatos influírem nas decisões do governo e do Congresso definhou
Uma boa maneira de aferir a capacidade de mobilização do movimento sindical é observar as comemorações do Dia do Trabalhador mundo afora. A data comemorativa surgiu como marco de luta para que a relação entre trabalho e capital deixasse de ser um caso de polícia para se tornar uma questão social. No Brasil, isso somente veio a acontecer com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, após a Revolução de 1930, quando foi criada a legislação trabalhista e os sindicatos foram oficializados, sob o manto protetor e vigilante do Ministério do Trabalho. Nossa estrutura sindical, ainda hoje, tem viés corporativista. Não se pasmem, sua origem é a Carta Del Lavoro, de inspiração fascista.
Esse viés sobreviveu ao ciclo democrático do pós-Segunda Guerra Mundial e ao regime militar. Parecia que haveria uma ruptura após a democratização do país, em 1985, mas não foi o que ocorreu. Os novos sindicalistas, tão logo assumiram o controle, gostaram do que tinham nas mãos: uma estrutura assistencialista e financiada pelo imposto pago por todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, arrecadados pelo governo direto na folha de pagamento e repassado às entidades sindicais.
As disputas entre as diversas correntes político-sindicais, que geraram meia dúzia de centrais, entre as quais a CUT e a Força Sindical, não chegaram à base de arrecadação dos sindicatos, porque aí se manteve a unicidade da representação. A divisão se deu em razão de uma “indústria” de criação de sindicatos cartoriais, principalmente de servidores públicos, seccionando as categorias por critérios cada vez mais corporativos. Até sindicatos de aposentados foram criados. Em contrapartida, com esses recursos, montou-se uma enorme estrutura sindical, com ativistas profissionalizados e fora da produção, que resultou no sindicalismo cupulista, apelegado e de baixo poder de mobilização nas campanhas salariais que temos hoje.
A chegada do PT ao poder, sob a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que hoje está preso), foi como se a classe operária atingisse o paraíso. Houve o coroamento de uma estratégia bem-sucedida de “pacto social” seletivo, a partir do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com enorme impacto na economia do país e na vida de nossas cidades. O chamado “acordo automotivo”, celebrado durante o governo de Itamar Franco, pôs fim ao ciclo de greves metalúrgicas, garantiu o regime de pleno emprego para a categoria durante um bom período e aumentos constantes de salário real, ao mesmo tempo em que manteve o setor como polo mais dinâmico da indústria brasileira, graças a incentivos e renúncias fiscais. Também nas cidades, o setor automotivo manteve-se como eixo dinâmico das economias locais.
Surgiu ali uma nova elite sindical “empoderada”, uma espécie de aristocracia operária, que viria a ocupar um papel de destaque nos governos Lula e Dilma Rousseff. Com a crise mundial de 2008 e a guinada da política econômica do governo em direção à nova “matriz econômica”, esse processo se esgotou. O país foi lançado na sua pior recessão, o padrão de mobilidade urbana ditado pelo acordo automotivo provou grandes manifestações de protesto em março de 2013 e o desemprego em massa desarticulou o movimento sindical. Com o impeachment de Dilma Rousseff e as reformas do governo Michel Temer nas relações capital-trabalho, principalmente o fim do imposto sindical, a capacidade dos sindicatos influírem nas decisões do governo e do próprio Congresso definhou. Além disso, o fim do imposto lançou-os em sua a sua maior crise de financiamento.
Novos meios
Essa crise do movimento sindical, porém, não se restringe a isso. Os metalúrgicos vivem o drama particular da automação e da robotização, que também se reproduz em outros setores importantes, de grande tradição de luta. De igual maneira, o setor bancário vive o impacto da informatização acelerada. Não é muito diferente a situação entre os trabalhadores rurais, mesmo entre os sem-terra, cujo peso relativo na economia rural é inversamente proporcional aos ganhos de produtividade e renda no campo com a tecnologia embarcada nos equipamentos agrícolas. No setor petrolífero, os sindicatos fizeram vista grossa à roubalheira na Petrobras e agora amargam o preço de reestruturação da empresa e da desorganização da exploração do petróleo da camada pré-sal, que somente agora começa a ser retomada. Os sindicatos também fizeram vista grossa, por exemplo, à má gestão dos fundos de pensão.
Hoje, teremos um grande teste nas manifestações de Primeiro de Maio. Os sindicatos vivem um dos seus piores momentos desde a democratização. Com o passar dos anos, esses atos sindicais se tornaram eventos festivos, com shows milionários e distribuição de brindes de alto valor, como automóveis, por exemplo. Digamos que esse seja um novo momento de luta dos trabalhadores, no qual ocorrem grande mudanças na estrutura produtiva e na relação entre o capital e o trabalho, com o desaparecimento de velho “ser operário” como classe geral, ou seja, que representava os interesses dos demais trabalhadores e tinha grande poder de mobilização graças à grande indústria mecanizada. Essa realidade não existe mais, com os sistemas flexíveis de produção, a automação, informatização e robotização em curso na indústria, nos serviços e na agricultura, que caracterizam a globalização e a revolução tecnológica em curso. De certa forma, a palavra de ordem “Lula livre”, que unifica os sindicatos, é compreensível. Ele é o símbolo de uma época que ficou para trás. E não tem volta. Os sindicatos terão que se reinventar.
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Luiz Carlos Azedo: As cinco pontes
Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas com 467 mil empregados
Na corrida mundial para reinventar o Estado e modernizar a economia, a China comunista leva vantagem em relação aos Estados Unidos, assim como outros regimes da Ásia em relação às democracias do Ocidente em crise de representação, porque reprime duramente greves e protestos. É a face política mais obscura da globalização, na qual crescem a concentração de renda e as desigualdades, num processo no qual o regime de pleno emprego e os chamados exércitos industriais de reserva perderam a razão de ser. No Brasil, pela primeira vez, o contingente de trabalhadores do mercado informal suplantou o número dos com carteira assinada. As mudanças em curso provocam reações quase ludistas em relação ao surgimento de atividades que substituem as tradicionais, gerando milhares de postos de trabalho, como acontece na disputa entre taxistas e o Uber nas grandes cidades.
O ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre os anos de 1811 e 1812. Impactados pela Revolução Industrial, os ludistas protestavam contra a substituição da mão de obra humana por máquinas. O movimento ganhou esse nome por causa de seu líder, Ned Ludd. Com a participação de operários das fábricas, os “quebradores de máquinas”, como eram chamados os ludistas, fizeram protestos e revoltas radicais. Invadiram diversas fábricas e quebraram máquinas, por causa do desemprego e das péssimas condições de trabalho no período. O ludismo perdeu força com o surgimento das trade union, os sindicatos da época.
A briga entre taxistas e motoristas de Uber é um bom exemplo do choque de interesses provocado pelas mudanças em curso. Reproduz em escala global um episódio ocorrido na Baía de Vitória em 1927. Uma ponte de aço construída na Alemanha chegou à capital capixaba para permitir a primeira ligação da ilha com o Continente. É um patrimônio histórico e arquitetônico, um conjunto de cinco pontes ferroviárias de aço, interligadas. Tão logo ficou pronta, um açoriano empreendedor criou uma linha de lotação ligando Vila Velha a Vitória, mas houve violenta reação dos catraieiros que faziam a travessia do canal que separa as duas cidades. Ainda hoje é possível fazer a travessia do cais do Paul para o centro da capital do Espírito Santo de catraia, um barco a remo seguro, que transporta até oito pessoas e virou até atração turística. Mas a greve dos catraieiros não tinha a menor chance de dar certo. Assim é o progresso.
Correios
A greve por tempo indeterminado dos funcionários dos Correios pode ter o mesmo destino. Balanço da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), que engloba 31 sindicatos, mostra que a paralisação atinge os estados do Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo (regiões de Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Santos e Vale do Paraíba), além do Distrito Federal. Amazonas e Amapá a qualquer momento podem aderir à paralisação. É uma rajada no próprio pé.
Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas expressas, a maior em todo o mundo. Com sede em Bona, a empresa tem 467 mil empregados em mais de 220 países. Surgiu em 1995 como resultado da privatização da empresa de correios alemã, Deutsche Bundespost. O escritório federal alemão de correios era um serviço postal e de telecomunicações fundado logo após o final da II Guerra Mundial. Inicialmente foi o segundo maior empregador federal durante seu tempo, mas seu pessoal foi reduzido para cerca de 543.200 funcionários em 1985. A empresa foi dissolvida em 1995 e dividida em três empresas de capital aberto: a Deutsche Post AG, a Deutsche Telekom e a Deustsche Postbank.
Com 5% do comércio mundial nas mãos, hoje a Deutsche Post não entrega apenas correspondências e outras encomendas. Com a subsidiária DHL, a Deutsche Post cobre não apenas as exportações da Ásia para a Europa ou América, mas também entre os países asiáticos. Opera na China com uma rede nacional de transporte com cerca de 300 pontos de apoio. Com a compra da Airborne, a Deutsche Post se tornou a terceira maior empresa de serviço de entrega “express” nos Estados Unidos. Na América do Norte e na do Sul, a companhia alemã de correios conta com mais de 40 mil funcionários. Nos países europeus, excetuando-se a Alemanha, são 75 mil funcionários e um faturamento de 10 bilhões de euros. Incluindo-se as atividades na Alemanha, a empresa movimentou 60 bilhões de euros no ano passado, obtendo um lucro líquido de 2,7 bilhões de euros.
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