teto de gastos
RPD || Benito Salomão: Cenários possíveis para 2021
Problemas econômicos do país seguem reais, apesar de terem saído do debate público como se tivessem deixado de existir, avalia Benito Salomão. Desemprego avança para 13,8% e a dívida pública chega a 88,72% do PIB
Benito Salomão*
No momento em que se caminha para o final do histórico ano de 2020, surge uma falsa e perigosa sensação de normalidade: a curva de infectados pelo novo coronavírus no Brasil finalmente cedeu, a economia apresenta alguns sinais de recuperação e a possibilidade de uma segunda onda parece ser uma realidade distante. Os problemas estruturais do Brasil parecem ter desaparecido do debate público como se tivessem deixado de existir. Aos poucos, lojas, bares, restaurantes e shoppings voltam a funcionar; as pessoas retornam às suas atividades, e a pandemia, que já deixou quase 150 mil mortos e continua seu cortejo macabro, passa a ocupar apenas a lembrança das pessoas.
Os problemas econômicos, no entanto, seguem reais. Segundo o IBGE, o desemprego no semestre findado em julho avançou para 13,8% e já supera o pior momento da crise de 2014/17, com pico de 13,7% em março de 2017. Segundo os dados da Pnad Contínua, cerca de 13,1 milhões de brasileiros procuraram trabalho e não encontraram no trimestre findado em julho; outros 5,8 milhões estão no desalento. No que se refere ao PIB, parece haver alguma recuperação em curso. Entretanto, uma análise de indicadores antecedentes como o IBC-Br mostra que, até o presente momento, a recuperação não cobriu sequer a metade da perda verificada no primeiro semestre do ano.
O único indicador no Brasil que cresce acima das projeções é o da dívida pública. Entre janeiro e agosto de 2020, a dívida bruta do governo brasileiro saltou de 76,18% para 88,72% do PIB, um avanço de 12,54% em apenas oito meses. Na crise anterior, já considerada por muitos como a maior da história até então, a dívida pública brasileira havia crescido de 51,79% para 71,01% do PIB, evolução de 19,22% entre março de 2014 e novembro de 2016, porém em um prazo muito mais dilatado, de 32 meses.
Em meio a um cenário fiscal tão desolador, o governo brasileiro segue de braços cruzados; a reforma tributária parece ter saído de discussão; a reforma administrativa apresentada não tem condições de ser aprovada; e o governo aposta em trapaças contábeis para criar seu “Renda Cidadã”, fruto da obsessão pessoal do presidente da República, não uma política de mitigação da pobreza, da miséria ou da fome, mas sim como um mero instrumento de perpetuação no poder. O Renda Cidadã é o ponto de tangência entre o bolsonarismo e o petismo; ambos são capazes de lançar mão da sustentabilidade fiscal e da estabilidade macroeconômica do país em troca da formação de feudos eleitorais constituídos por programas de transferências de renda, que, se não fossem deturpados, poderiam ser importantes instrumentos de redução das desigualdades no Brasil.
Ao paralisar reformas estruturais e insistir em teses econômicas inviáveis como o Renda Cidadã e a substituição da CPMF pela desoneração da folha de pagamentos, o Brasil está construindo um rápido atalho entre a crise atual e a próxima crise. Em janeiro de 2021, o decreto legislativo de calamidade pública irá expirar. Com ele, a PEC 10/20 do Orçamento de Guerra será sustado, e a política fiscal no Brasil voltará a se enquadrar no formato institucional padrão composto por Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Teto de Gastos Públicos e Regra de Ouro. Quando isso acontecer, as despesas primárias do governo federal não poderão crescer acima de 2,13% que é a inflação findada em junho. O governo também não poderá seguir contraindo dívida para pagar despesas correntes. Um grande número de Estados e municípios que infringiram o teto legal de despesas com pessoal da LRF será obrigado a reconduzir o orçamento para os limites da Lei e vai, fatalmente, demandar socorro da União e dos Estados. Enfim, os problemas de sempre voltarão à baila.
No front monetário, o governo brasileiro terá dificuldades de continuar financiando, via títulos, a expansão das despesas públicas. Com a sustação do orçamento de guerra, os papéis emitidos pelo Tesouro não mais poderão ser adquiridos pelo Banco Central e terão que ser absorvidos exclusivamente pelo mercado. É possível esperar a elevação das taxas de juros futuras. Além disso, uma provável segunda onda da pandemia na Europa pode voltar a derrubar os mercados financeiros e causar ainda mais volatilidade na taxa de câmbio e prejuízos ao comércio internacional. Se enganam os crentes em uma recuperação robusta em 2021; o cenário econômico deve prosseguir conturbado.
* Mestre e Doutorando em Economia PPGE - UFU
Rogério L. Furquim Werneck: Um pé em cada canoa
Diante de tamanha incerteza sobre a gestão das contas públicas, não é surpreendente que o risco fiscal esteja em ascensão
O Planalto pode até não ter percebido ainda, mas está, ou deveria estar, em desenfreada corrida contra o tempo. O ano legislativo está chegando ao fim. E, com os parlamentares mobilizados com as eleições municipais até pelo menos 15/11, sobrarão pouco mais de 30 dias para o governo extrair do Congresso uma saída razoável para o entalo fiscal em que se meteu.
Há um Orçamento a ser aprovado, mas nem mesmo foi instalada a comissão mista que deverá apreciá-lo. E, na proposta orçamentária submetida ao Congresso, faltam programas vultosos que o Planalto considera prioritários, como o que deverá substituir o Auxílio Emergencial, a ser extinto em 31/12, quando chegar ao fim o período de vigência do estado de calamidade decretado em decorrência da pandemia.
O governo não sabe ainda de onde virão os recursos que, sem violar o teto de gastos, financiarão o novo programa. A solução mais óbvia, proposta por um grupo de especialistas ligados ao Centro de Debates de Política Pública (CDPP), seria racionalizar programas sociais mal focados, como o abono salarial e o seguro-defeso, para liberar os recursos que se fazem necessários. Foi lamentável que tal solução tenha sido torpedeada de chofre pelo próprio Bolsonaro, que, mal assessorado, se apressou a declarar que não faria sentido tirar de pobres para dar a paupérrimos.
Tampouco será possível contar com recursos que poderiam ter vindo da prometida redução da rigidez orçamentária, que decorreria dos esforços de desindexação, desvinculação e desobrigação alardeados por Paulo Guedes. Pouco ou nada foi feito nessa linha. E é improvável que as medidas requeridas possam ser aprovadas a toque de caixa, ainda em 2020.
Diante de tamanha incerteza sobre a problemática gestão das contas públicas, não é surpreendente que o risco fiscal esteja em franca e preocupante ascensão, como bem sabe o secretário do Tesouro Nacional. O que, sim, surpreende é que Bolsonaro permaneça tão alheio ao entalo com que se defronta o governo.
Não há sinais de que o presidente vá abandonar a postura ambígua que vem mantendo. Ao mesmo tempo que resiste a contrariar todo e qualquer interesse que poderia ser afetado por cortes de gastos e, pior, em que estimula queixas da ala “desenvolvimentista” do governo contra o “fiscalismo” de Paulo Guedes, o presidente dispensa afagos periódicos ao ministro da Economia, para se assegurar de que ele continuará a bordo.
Tudo indica que Bolsonaro pretende atravessar este atribulado final de ano descendo a corredeira com um pé em cada canoa, certo de que não há melhor maneira de deixar que as águas o conduzam à reeleição.
É bem possível que a tranquilidade do Planalto advenha da percepção de que, em último caso, o governo pode simplesmente prorrogar o estado de calamidade e, com isso, abrir espaço para que o Auxílio Emergencial continue a ser pago, com recursos extrateto, em 2021.
Parece fácil, mas não é. A prorrogação seria até defensável, houvesse sério e inequívoco recrudescimento da pandemia no País. Como, por ora, não há como arguir nada parecido, o mais provável é que uma prorrogação nessas circunstâncias venha a ser percebida como deveria ser: mero estratagema de um governo que, não tendo conseguido viabilizar a reversão do aumento de gastos ensejado pela pandemia, não pôde dar por findo o regime de exceção que permitia gastos de emergência extrateto. Só com muito autoengano poderia alguém achar que tal prorrogação não seria percebida como canhestro rompimento do teto.
Fazendo uso do direito de autoplágio, repito a seguir, por oportuno, o parágrafo final do artigo que aqui publiquei em 21/8: “Foi sob a sombra do teto de gastos que se pôde montar o espetáculo fenomenal de uma economia com inflação ineditamente baixa, taxa real de juros próxima de zero e contas fiscais escancaradamente insustentáveis. O que ainda não se sabe é com que rapidez tal espetáculo será inviabilizado, quando se disseminar a percepção de que a prometida preservação do teto se mostrou fantasiosa”.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
Míriam Leitão: Brecha para fugir do teto de gastos
Por Alvaro Gribel (interino)
O ministro Paulo Guedes cedeu mais uma vez à pressão por aumento de gastos. Ontem à noite, admitiu que a PEC do Pacto Federativo vai incorporar uma emenda que permite acionar o chamado orçamento de guerra. Na prática, se o Congresso prorrogar o estado de calamidade no ano que vem, em função da pandemia, o governo poderá contornar o teto de gastos para pagar o auxílio emergencial. O texto ainda não foi apresentado, e os detalhes serão cruciais para se saber a reação do mercado, mas economistas ouvidos pela coluna disseram de antemão que é um erro colocar em uma legislação permanente um mecanismo que foi usado para um caso absolutamente emergencial. Outro ponto levantado seria a forma de acionar esse orçamento, se via conselho fiscal, com a decisão restrita a poucas pessoas, ou via Congresso, ainda que seja como um fast track, em votação conjunta pelas duas Casas.
É preciso encontrar uma solução para manter o socorro aos mais vulneráveis a partir de janeiro, mas ampliar gasto sem fonte de receita provocará aumento do endividamento do governo, e é isso que tem pressionado as taxas de juros e estressado os indicadores financeiros do país. O governo deveria cortar despesas, mas prefere o caminho mais fácil de tentar contornar o teto.
Recorde em meio à crise
O comércio nunca vendeu tanto quanto em agosto de 2020. Superou até agosto de 2014, até então o maior nível da série medida pelo IBGE. Há várias explicações para o fenômeno, e a principal delas é o anabolizante injetado no consumo pelo auxílio emergencial. Um volume nunca visto e que chegou a 20 vezes o valor do Bolsa Família. Dinheiro para baixa renda ou informais que foram impedidos de trabalhar. Além disso, o comércio parece ter “roubado” receita de outros setores, como os serviços que permanecem fechados. De todo modo, o objetivo do programa era esse mesmo, manter a economia aquecida do jeito que desse.
Os números de agosto vieram pouco acima do esperado. No varejo restrito, que exclui veículos e materiais de construção, houve alta de 3,4% em relação a julho, com projeções em torno de 3%. No conceito ampliado, crescimento de 4,6%, contra estimativas de 4,1%. O Iedi apontou que os três segmentos que mais cresceram na comparação com fevereiro, antes do início da pandemia, são os que têm relação com mudanças de hábito no isolamento social: móveis e eletrodomésticos, 24% acima do nível pré-crise, materiais de construção, 19,2%, e artigos de uso pessoal e doméstico, 12,3%. O varejo também se adaptou ao às vendas eletrônicas.
“As famílias podem ter substituído parte de seus gastos com serviços — como viagens, serviços pessoais e de lazer, restaurantes — por consumo de bens comercializados pelo varejo”, explicou o Instituto.
Em economia, tudo que é artificial tende a gerar problemas à frente. Por isso, os economistas temem que as famílias estejam usando o auxílio emergencial — que é temporário — para fazer compras a prazo, o que deve aumentar o endividamento, com risco sobre a inadimplência. Especialmente as vendas de móveis e eletrodomésticos preocupam. O BC, lembra o economista Sérgio Vale, da MB Associados, registrou crescimento nas compras com cartão de crédito e boletos bancários por famílias de menor renda. Um problema para o pós-pandemia.
‘Não me interrompa’
No debate entre a senadora Kamala Harris e o vice-presidente americano, Mike Pense, os momentos de maior sucesso foram quando ela impedia a interrupção e dizia: vice-presidente, I am speaking. O movimento feminista americano tem uma grande luta contra a interrupção da fala da mulher pelo homem, o chamado manterrupting.
Amazônia e Pantanal
Para quem não entende a relação entre o desmatamento da Amazônia e as queimadas do Pantanal, a resposta está nos chamados “rios voadores”, explica a cientista Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul. O vapor d’água na Amazônia vira chuva em outras regiões do país e quando isso acontece em menor intensidade, como este ano, há aumento das queimadas. “A área desmatada (na Amazônia), o tempo seco e as altas temperaturas formaram um conjunto de elementos que impediu a formação de chuvas. Consequentemente, o nível dos rios não se elevou e o Pantanal não foi inundado, criando uma paisagem com matéria orgânica altamente combustível”, explicou.
Ribamar Oliveira: O calendário político é o que conta
Nem mesmo o mais ingênuo dos analistas vai acreditar que qualquer proposta de reforma poderá ser discutida e votada antes do término das eleições municipais
Aconteceu o que era previsível. O calendário eleitoral deste ano se sobrepôs a todas as demais questões. A partir da próxima semana, deputados e senadores terão olhos e disposição para tratar apenas das eleições municipais. Nem mesmo o mais ingênuo dos analistas vai acreditar que qualquer proposta de reforma poderá ser discutida e votada antes do término do pleito. Entramos no recesso branco, como é chamado o período pré-eleição pelos parlamentares.
Senadores e deputados não conseguiram sequer instalar a Comissão Mista de Orçamento do Congresso, responsável por apreciar e votar a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) para 2021 e a proposta orçamentária. Isso dá uma dimensão da falta de acordo político sobre o cenário fiscal do próximo ano.
Os parlamentares estão preocupados é com a eleição de seus principais cabos eleitorais, que são os prefeitos e os vereadores de suas regiões. Neste momento de grandes disputas políticas locais, o Ministério da Economia queria que o governo encaminhasse proposta ao Congresso primeiro acabando com o abono salarial aos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos e com o seguro-defeso, concedido aos pescadores artesanais na época da desova dos peixes. Depois propuseram a suspensão, por dois anos, da correção dos valores dos benefícios previdenciários, o que resultaria em redução, em termos reais, das aposentadorias e pensões.
Obviamente, os líderes partidários que apoiam o governo devem ter mostrado ao presidente Jair Bolsonaro que essas propostas, apresentadas pelo governo às vésperas do pleito eleitoral, significariam um suicídio político, que não estavam dispostos a cometer. Ao apresentar as propostas, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, deu a oportunidade ao presidente de produzir um frase de grande efeito eleitoral: “Não vou tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Às vésperas de uma eleição, ou se apresenta propostas populares ou não se apresenta nenhuma. Há obviedades que parecem serem esquecidas, às vezes até mesmo por pessoas inteligentes e experientes. As medidas para o ajuste das contas públicas, que são duras, e para viabilizar o programa Renda Cidadã, que exigirão cortes em outras despesas, ficaram para ser discutidas após as eleições.
Depois do famoso jantar que pacificou as relações entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro Paulo Guedes, duas estratégias foram anunciadas. Em primeiro lugar, o novo programa social do governo terá que caber dentro do teto de gastos da União. Os ministros “fura teto” parece que foram, pelo menos temporariamente, contidos.
Ao mesmo tempo, abriu-se uma janela que já vinha sendo reivindicada pelos políticos desde agosto deste ano. O governo aceitou colocar na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 188, conhecida como PEC do Pacto Federativo, um dispositivo que torna permanente a possibilidade de acionar o chamado “Orçamento de Guerra”, instituído pela emenda constitucional 106 e adotado neste ano para o enfrentamento da pandemia.
Os políticos querem que as regras da emenda constitucional 106 possam ser utilizadas em qualquer situação de calamidade. Fonte do governo explicou ontem que os políticos estão temerosos com a possibilidade de uma segunda onda da pandemia da covid-19 no Brasil, como está ocorrendo atualmente na Europa. E querem se antecipar a essa possibilidade.
O artigo 11 da emenda 106 diz literalmente que a emenda entrará em vigor na data de sua publicação e “ficará automaticamente revogada na data do encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional”. A interpretação de especialistas ouvidos pelo Valor é que, se o atual decreto de calamidade for prorrogado e o Congresso Nacional reconhecer o estado de calamidade, o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações instituído pela emenda 106 continuará em vigor.
De acordo com essa interpretação, não haveria motivo, portanto, para que um novo mecanismo prevendo que o “Orçamento de Guerra” seja incluído na PEC 188, a menos que se queira fazer modificações no texto atual da emenda 106. Para que o “Orçamento de Guerra” continue em vigor, bastaria que o decreto de calamidade pública seja prorrogado e que tal situação seja reconhecida pelo Congresso Nacional.
A vontade dos políticos de incluir o “Orçamento de Guerra” na PEC 188 desperta suspeitas. Pode-se especular que o objetivo seja criar condições para a prorrogação do decreto de calamidade pública, que permitiria ao governo destinar recursos para pagar auxílios emergenciais e adotar outras medidas extraordinárias, à margem do teto de gastos e de regras previstas na lei de responsabilidade fiscal (LRF).
Qualquer que seja a intenção dos políticos em tornar permanente as regras do “orçamento de guerra” para os casos de calamidade, é preciso observar que o estado de calamidade precisará estar devidamente caracterizado, pois, do contrário, o acionamento das regras do regime extraordinário fiscal e financeiro poderá ser interpretado como fraude à Constituição.
Na verdade, o governo pode fazer despesas adicionais em 2021 fora do teto de gastos, mesmo sem a prorrogação do decreto de calamidade pública ou da existência do “Orçamento de Guerra”, desde que elas sejam destinadas a combater os efeitos remanescentes da pandemia. Para isso, o presidente da República poderá editar medida provisória de crédito extraordinário.
O “Orçamento de Guerra” autoriza o governo a segregar as despesas realizadas para o combate aos efeitos da pandemia, permite a adoção de processo simplificado de contratação de pessoal, de obras e de serviços, suspende a vigência de regras da LRF para a criação ou expansão de despesas, desde que destinadas ao enfrentamento da calamidade, e dispensa a União de cumprir a chamada “regra de ouro”, que limita o aumento da dívida pública às despesas de capital (investimentos e amortizações da dívida).
Maria Cristina Fernandes: Quem janta por último em Brasília
Frente a um Congresso que avança sobre o teto de gastos para definir o poder na Casa, Bolsonaro articula Tereza Cristina para comandar a Câmara
A questão não é mais se o Brasil ainda precisará de um regime de exceção fiscal para 2021. Já está claro que sim. Trata-se, agora, de definir quem dará as cartas nesse regime que estenderá parte das regras fiscais da pandemia para o próximo ano. Ou seja, quem define como, quando e para qual finalidade o teto de gastos deve ser rompido.
Foi este o guisado da noite de segunda-feira que reuniu o ministro da Economia e o presidente da Câmara dos Deputados, além de dois outros ministros de Estado, Fábio Faria (Comunicações) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), quatro senadores, Eduardo Braga (MDB-AM), Fernando Bezerra (MDB-PE), Kátia Abreu (MDB-TO) e Renan Calheiros (MDB-AL), um deputado federal, Baleia Rossi (MDB-SP), além de três ministros do Tribunal de Contas da União, José Múcio Monteiro, Vital do Rêgo e Bruno Dantas, o anfitrião.
Uma alternativa é a aprovação de um dispositivo, previsto, desde 2019, na Proposta de Emenda Constitucional do Pacto Federativo, em tramitação no Senado, que cria o “Conselho Fiscal da República”. Esta instância, formatada para os presidentes dos três Poderes e do TCU, além de três governadores e três prefeitos, pode vir a ser aclimatada aos tempos que correm.
A participação de Paulo Guedes neste Conselho, por exemplo, lhe imporia uma vantagem sobre o ministro do Desenvolvimento Regional, com quem mantém incontida refrega. No jantar, chegou mesmo a testar a hipótese da cadeira de Rogério Marinho vir a ser ocupada pelo deputado federal e ex-ministro das Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho (DEM-PE).
Ficou registrado o esforço de Guedes em conquistar a adesão de um dos senadores presentes, pai do cortejado e sabidamente próximo de Marinho, para sua causa. Atiçou ainda o ânimo daqueles que veem nas obras do ministro do Desenvolvimento Regional uma muleta para o poder crescente do PP, partido do senador Ciro Nogueira (PI) e Artur Lira (AL), este último candidatíssimo à cadeira de Rodrigo Maia.
Se para Guedes, a disputa com Marinho ofusca o horizonte, para os presentes o que importa mesmo é a divisão de tarefas na fixação da claraboia dos gastos. Um dos senadores chegou a dizer ao ministro que o aval do presidente da República não basta para Guedes impor suas ideias ao Congresso. Deveria, sim, testar sua viabilidade primeiro com as lideranças partidárias para, aí sim, todos juntos, levar as iniciativas a Jair Bolsonaro, a quem cabe encampá-las. Se fosse possível traduzir num traçado a preleção do senador, o desenho seria o de Guedes sentado no colo das lideranças para a escolinha da política como ela é.
Além do conselho, ideia de difícil operacionalização, o próximo embate para a definição do novo regime fiscal é o da Comissão de Orçamento do Congresso. O presidente e o relator são escolhidos por votação de seus integrantes - 36 deputados e 26 senadores.
É esta disputa que definirá, em grande parte, a sucessão na Câmara dos Deputados, que opõe Lira e Maia. O candidato do primeiro - e do presidente do PL, Valdemar Costa Neto - é a deputada Flávia Arruda (PL-DF). O do segundo - e do presidente do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto - é o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA).
Se as lideranças do Congresso têm a expectativa de que podem colocar Paulo Guedes no colo mediante um pedido de desculpas de Maia, já não têm a mesma desenvoltura em relação ao presidente. Bolsonaro já adquiriu a capacidade de operar os códigos do poder.
Depois do condomínio de lealdades montado para a escolha do juiz Kassio Nunes Marques para o Supremo e da confirmação de seu braço direito, o ministro Jorge Oliveira, para a Corte (TCU) que aquilata com quantas pedaladas se derruba um presidente da República, Bolsonaro mira agora na disputa pela Câmara.
Entre a visita ao ministro Gilmar Mendes, quando selou sua escolha para o STF, e o caloroso almoço na casa do ministro Dias Toffoli, Bolsonaro recebeu um ministro de tribunal superior e pôs na pauta de uma longa conversa o nome de um tertius, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Deputada federal pelo DEM do Mato Grosso do Sul, a ministra, uma das mais bem avaliadas da Esplanada, tem servido de barreira a dois franco-atiradores do governo, os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Encontrar um substituto para a Agricultura, porém, parece ser, ao presidente, uma tarefa menos difícil do que tirar da cartola um novo comando para a Câmara.
Ao pinçar uma correligionária de Rodrigo Maia, Bolsonaro sinalizaria que não quer se indispor com o presidente da Câmara, ainda que se exponha ao risco das imprevisíveis disputas da Casa. Liderança egressa do PSB que se projetou na poderosa bancada ruralista da Câmara, Tereza Cristina ainda teria a capacidade de fazer, no cargo, a transição para a chapa de Bolsonaro em 2022. No PRTB, e fora dele, dá-se por certo que a vaga de vice não voltará a ser ocupada por Hamilton Mourão na eleição de 2022.
A colocação de Tereza Cristina na roda, à revelia da ministra, não é uma demonstração apenas de que o presidente se antecipa ao apetite com o qual o Congresso retomará os trabalhos em fevereiro de 2022. É também sinal de que Bolsonaro pretende assumir, de uma vez por todas, a condição de presidente do sistema, que pretende ser o candidato do centro em 2022. Abraçado pelos tribunais e pelo Congresso, já não precisará tanto assim dos pentecostais, dos reservistas e dos terraplanistas.
Dois termômetros indicam que o comportamento do presidente é pesado e medido. Na aferição da Bites, este movimento de Bolsonaro não trouxe dano à sua base de 38 milhões de seguidores, mas impôs uma perda de 1,2 milhão nas redes sociais do pastor Silas Malafaia. Nas pesquisas qualitativas de Esther Solano (Unifesp), com eleitores bolsonaristas mais pobres, o presidente é visto como uma vítima que precisa buscar alianças para governar.
É um eleitor que avalia ter errado uma vez, com o PT, e resiste a aceitar que possa ter errado de novo. Só vai mudar de ideia se não tiver o que comer. Se conseguir fazer prevalecer o acordão dos tribunais, o instinto de sobrevivência de Bolsonaro estará focado neste eleitor. É ante o apetite do Congresso e o temor do mercado sobre a situação fiscal, que se definirão os rumos do poder - e da fome.
Carlos Andreazza: Já era
O governo é covarde porque, querendo flexibilizar o teto de gastos, deveria liderar o debate
O teto de gastos já era. Ao menos como o conhecemos, já era. Questão de tempo até que sua revisão se imponha. Aquele teto assentado no governo Temer, em tempos (agora sabemos) de paz: já era. O mar virou. Está dado. A flexibilização virá. Já era. E também Paulo Guedes, o flexível: já era. (Isso, claro, se tiver sido algo — que não fachada liberal-reformista para o estelionato eleitoral bolsonarista — alguma vez neste governo.) Se fica ou não, é irrelevante. Hoje: irrelevante. Para algum efeito produtivo: irrelevante. Trata-se de um ministro da Economia —de um gigantesco Ministério da Economia — publicamente esvaziado de qualquer poder político. Já era.
Para Jair Bolsonaro, contudo, é bom — ainda bom — que fique. Menos por enganar algum crente retardatário na viabilidade de um projeto de poder reacionário, que se expande abrindo as velas pragmáticas do populismo, abarcar um programa de reformas estruturais do Estado. E mais por ser Guedes — minion que é — um batalhador apaixonado, operário mesmo, testando ao máximo a elasticidade de sua cervical liberal, pela reeleição do presidente; o seu problema, este também dado, consistindo em incompetência, em incapacidade para entregar.
Daí por que perdeu o Renda Brasil — programa a cuja formulação se agarrara como maneira de sustentar algum protagonismo competitivo. Perdeu. Bolsonaro lhe tirou esse último trampolim, também talvez o chão derradeiro. Ninguém precisa ser um trabalhador — o presidente nunca foi — para identificar alguém ruim de serviço.
Ninguém precisa ser um trabalhador para reconhecer alguém esforçado, que veste a camisa. Alguém — ainda — útil. Guedes, este útil abnegado, então convertido em mero tocador de boi de piranha; o animal lançado ao sacrifício sendo algum entre seus secretários, estimulados a propor ideias colocando a cabeça não na janela do debate público, mas na linha da guilhotina, ou um parlamentar que, seduzido pelos holofotes, aceite ser balão de ensaio para propostas esdrúxulas de como financiar o ex-Renda Brasil.
Guedes, tocador de boi de piranha — se com sorte. Se não for ele mesmo o próprio bicho. Questão de tempo.
Fato é que o teto de gastos já era. Fato é que o Renda Cidadã virá. E que é o governo o principal agente — embora oculto —para que assim seja. Para que um amontoado de impasses se arraste até o final do ano, o país pressionado pelo fim do auxílio emergencial, até que do Congresso venha o consenso de que só se poderá custear o segundo reformando o primeiro. Sobre o Parlamento recaindo, mais uma vez, todo o ônus político do que, para o ente mercado, será movimento de irresponsabilidade fiscal.
O desgaste de conceber e viabilizar políticas públicas pesando no lombo do Congresso. A colheita dos dividendos eleitorais a ser novamente de Bolsonaro. Padrão.
O Planalto investe na projeção de um fato consumado. Estabelece a demanda. Os milhões assistidos pelo auxílio emergencial. Define a agenda. O Renda Cidadã virá para não desassistir os pobres depauperados pela peste. Então, controla os tempos da crise, já crispados por um calendário espremido por eleições. Manipula a seu favor a convenção social — por mais gastos — decorrente das exigências econômicas de uma pandemia. Induz às sinucas. Faz circular várias formas — absurdas — de bancar a demanda. Interdita as factíveis, por impopulares — ou por mexerem com interesses corporativistas. Desincumbe-se da carga — do prejuízo —das escolhas inerentes a administrar. E empurra a responsabilidade — a solução — ao Legislativo. Padrão.
Um governo covarde. Que avançou para uma etapa em que já nem mais bota a cara. Que quer e terá um Bolsa Família para chamar de seu; mas lavando as mãos sobre como incrementá-lo. Que dá palanque a um senador como Marcio Bittar, relator do Orçamento, planta nele a ideia estúpida de financiar o programa por meio de calote a dívidas da União já transitadas em julgado, endossa — ladeando-o — o anúncio do que seria a solução, colhe a reação desejada, que interdita mais uma possibilidade, e então descarta a suposta alternativa que não apenas apoiara, como fornecera.
O governo é covarde porque, querendo flexibilizar o teto de gastos, poderia — deveria — abrir e liderar o debate sobre sua revisão. Talvez seja mesmo necessário. A discussão seria fundamental. O governo é covarde porque, querendo rever o teto de gastos, prefere — em campanha eleitoral permanente — rolar prerrogativas, jogar com a (vaidosa) independência de outro Poder e lhe parasitar as iniciativas.
É questão de tempo, pois, até que o Parlamento comande a costura por um novo teto de gastos. Questão de tempo. Improvável, no entanto, que seja sob a presidência de Rodrigo Maia. Caso irônico em que o ex-rigoroso Guedes —ora a dizer que a manutenção do teto representa sua última fronteira —deveria agradecer ao presidente da Câmara por ter ainda desculpa para dissimular seu bolsonarismo essencial.
Eliane Cantanhêde: Teto? Que teto?
Sem Guedes, tem de compensar a fuga ‘de cima’ comprando a turma ‘de baixo’. E o teto?
O que está em jogo no isolamento do ministro da Economia não é apenas a queda ou não de Paulo Guedes, um nome a mais ou a menos. A questão central, que preocupa e assusta, é a sobrevivência do último pilar da campanha do presidente Jair Bolsonaro: liberalismo e pragmatismo na economia. Ou seja: o que balança não é Guedes, é a política econômica.
Do Bolsonaro de 2018, pouco sobra. A promessa de combate à corrupção amarelou com a investida nos órgãos de investigação e apagou com a queda de Sérgio Moro. O embate contra a “velha política” foi-se com o abandono do PSL e das novas bancadas do Congresso, trocados na cara dura pelo Centrão e seus ícones.
O que sobra? Sobra o compromisso com liberalismo, reformas, privatizações e desburocratização, que vai perdendo credibilidade com um Paulo Guedes claudicante, sem resultados e com os nervos à flor da pele. A sensação em Brasília e no mundo dos negócios é que, apesar do blábláblá, estourar o teto de gastos é questão de tempo.
É isso, inclusive, que o fura-teto Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional e inimigo frontal de Guedes, já diz abertamente. Depois nega, mas obriga Guedes, com ar cansado, a lembrar: “Furar o teto para fazer política e ganhar a eleição é irresponsável com as futuras gerações, é mergulhar o Brasil no passado triste de inflação alta”.
A guerra pública de Guedes é, num dia, contra o deputado Rodrigo Maia e, no outro, com Rogério Marinho, mas Guedes sabe quem é o adversário real e o recado teve um alvo certo quando ele falou em furar o teto para “ganhar eleição”. Esse alvo se chama Jair Messias Bolsonaro, seu chefe.
O presidente está em campanha, exige um Bolsa Família para chamar de seu, insufla os fura-teto, fecha os olhos para os ataques de Marinho e dá ouvidos aos militares do Planalto que, de economia, entendem zero. Logo, o risco para Guedes e a política econômica liberal que elegeu Bolsonaro é o próprio Bolsonaro, que se aproveita de um dado da realidade: Guedes fala muito, mas entrega pouco e foi pego de jeito pela pandemia e a cambalhota na prioridade fiscal.
Da campanha de 2018, sobram ainda a política externa centrada em Donald Trump, de futuro incerto; a pauta conservadora, que fez Bolsonaro refém de igrejas evangélicas multimilionárias; a visão destruidora do ambiente, que joga o mundo contra o Brasil; e a obsessão pelas armas, que derruba textos, portarias e decisões do Exército, deixando no ar a suspeita de estímulo a milícias.
Soa só ridículo, mas é perigoso, que setores evangélicos cobrem privilégios na Receita, interfiram em nomeações do governo e exijam que o futuro ministro do Supremo Kassio Marques faça uma profissão de fé no “conservadorismo”. E o que dizer do Meio Ambiente, onde as queimadas destroem e a boiada passa? Incêndios criminosos na Amazônia e Pantanal, cipoal jurídico contra a preservação de manguezais e restingas, desidratação de Ibama e ICMBio e a versão da “ganância internacional”.
Só falta recriar o MEC, já que, em quase dois anos de governo, educação e cultura andam juntos, sem rumo, prioridade e respeito. O foco do ministro Milton Ribeiro é (contra) a educação sexual, os gays e os “jovens sem fé”. Na Cultura, depois do vídeo nazista, agora a transferência da Fundação Palmares para o ex-almoxarifado da EBC, caindo aos pedaços.
Logo, Bolsonaro deveria reafirmar, não só de boca para fora, seu compromisso com o liberalismo – que é o que lhe sobra. Bolsonarista raiz joga Guedes fora com a mesma ligeireza que jogou Moro, mas bolsonarista nos mercados, empresas, fundos investimentos e opinião pública pode atingir seu limite. Para compensar a fuga “de cima”, só comprando a turma “de baixo”. Teto? Que teto?
Ricardo Noblat: Calote e tunga para furar a lei do teto de gastos
De volta ao tempo das pedaladas
Reforma Tributária? Só no próximo ano, e mesmo assim ali pelo fim, será votada no Congresso com grandes chances de não passar ao gosto do governo federal. Reforma Administrativa, ou o remendo a que se deu esse nome? Também só no próximo ano.
Quanto ao programa Renda Cidadã que deveria substituir o programa Bolsa Família… Já nasceu morto. É uma pedalada para furar a lei do teto de gastos capaz de deixar boquiaberto malandro carioca e maloqueiro paulista.
Quem melhor o definiu a trolha até agora foi o economista Gustavo Franco, um dos criadores do Plano Real e ex-presidente do Banco Central: “Precatório é quando a Justiça manda pagar um calote. Calotear um calote é uma reincidência”.
Para financiar o Renda Cidadã, o governo pretende deixar de pagar R$ 39,4 bilhões dos R$ 55,2 bilhões de precatórios e sentenças judiciais devidos e previstos no Orçamento de 2021. É calote no calote dado antes. Empurrar dívida com a barriga engorda dívida.
Quer tomar com a mão grande R$ 980 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Dinheiro para Estados e municípios gastarem com a educação. Isso é tunga.
Em tempo de queimadas naturais, acidentais ou criminosas, o mercado financeiro ardeu com a engenharia pilantra montada para sustentar o programa dos sonhos de um candidato à reeleição que só recentemente descobriu seu amor pelos pobres.
A Bolsa de Valores caiu, o dólar foi às alturas e o investidor estrangeiro preparou-se para tirar mais um pouco do que pôs aqui. Mais uma realização de Paulo Guedes, uma vez que é ele que entende de economia. Bolsonaro entende de rachadinhas.
O olho gordo do clã Bolsonaro
Vai rolar muita grana
Negócios são negócios, e alguns deles, por bilionários, desafiadores e atraentes. Adrenalina na veia. Por esses, vale correr riscos.
Enquanto distraem o distinto público com suas rachadinhas, bizarrices e fake news, os Bolsonaro investem em pelo menos três áreas que prometem prosperidade aos eleitos pela sorte: armas (há empresas israelenses no páreo), cassinos (empresas americanas) e telecomunicações, mais especificamente o 5-G que aumentará a velocidade da internet.
Sob a supervisão atenta do pai, presidente da República, os Zeros Um e Três (senador Flávio Bolsonaro e deputado federal Eduardo Bolsonaro) estão muito operantes e à vontade. Garotos ousados e espertos.
Claudia Safatle: Sem saída
Se Bolsonaro não aceitar os “remédios amargos”, não haverá um novo programa de renda mínima mais amplo
Face às restrições impostas pelo presidente Jair Bolsonaro, o Orçamento da União para 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo e a criação do programa de renda mínima, o Renda Brasil, entraram em um beco sem saída. Uma situação que alimenta soluções extravagantes como a de estender o decreto de calamidade pública, cuja vigência é até dezembro, por mais um ano.
Essa é uma ideia que está na cabeça de algumas autoridades, fomentada pela segunda onda da pandemia da covid-19 na Europa e pela dificuldade de a doença entrar em uma curva descendente aqui. Mas ela não consta do radar do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A equipe técnica da área econômica e lideranças políticas, particularmente o relator do Orçamento e da PEC 188, senador Marcio Bittar (MDB-AC), estão enredados em meio aos vetos de Bolsonaro. O presidente afirmou que não vai “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, quando foi apresentado à proposta de fusão de vários programas sociais para financiar o Renda Brasil; e que pretende dar “cartão vermelho” a quem sugerir desindexar parte do Orçamento - o que significa não garantir reajustes automáticos às despesas hoje corrigidas por índices de preços ou pela variação do salário mínimo.
A proposta dos economistas oficiais era de desindexar os benefícios previdenciários, deixando-os sem reajustes, congelados, por dois anos.
Uma semana depois da histriônica reação do presidente, não há soluções alternativas muito diferentes das que foram apresentadas. Todas são remédios “amargos” de difícil digestão política, mas necessários dado o quadro de deterioração das contas públicas neste ano, com a pandemia.
Ou Bolsonaro recua do veto imposto aos três D da PEC 188 - desindexação, desvinculação e desobrigação - ou não haverá um novo programa de renda mínima, mais amplo e de maior valor do que o Bolsa Família, para contemplar, também, parte dos “invisíveis” que surgiram na busca pelo auxílio emergencial, salientam técnicos. Dados da Caixa Econômica Federal indicam que 66,2 milhões de brasileiros estão recebendo o auxílio emergencial, que se encerra em dezembro.
Aliás, o recuo deveria ir mais longe e pegar a proposta original do Renda Brasil, que seria financiado pela fusão dos vários programas sociais dispersos, claramente mal focados e pela desindexação de despesas orçamentárias. Aí se incluiriam o abono salarial, seguro-desemprego, salário-família, tal como sugeriu o economista Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do bem-sucedido Bolsa Família e que está ajudando o governo na montagem do programa de renda mínima.
Tal fusão envolveria também o Bolsa Família - que já foi resultado da junção de outros programas sociais - e renderia uma soma considerável de recursos, em torno de R$ 100 bilhões, segundo estimou. Somente o Bolsa Família tem orçamento para o ano que vem de R$ 34,9 bilhões.
O governo tem focado muito no corte de gastos e falado pouco de medidas destinadas a aumentar a receita tributária diante de uma taxação mais justa da renda dos verdadeiramente ricos. Nesse aspecto, há desde a instituição de uma alíquota de 35% para tributar rendas mais elevadas - inclusive as originárias de lucros e dividendos - até cortes de deduções do Imposto de Renda que beneficiam a classe média, tais como despesas médicas e gastos com educação.
Renda Brasil e Carteira Verde Amarela se complementam.
A ideia é garantir a renda do trabalhador em até um salário mínimo. Assim, se no mercado de trabalho com a Carteira Verde Amarela o empregado consegue receber no máximo R$ 800 por mês, o Renda Brasil entraria complementando o salário até o valor de um mínimo, atualmente de R$ 1.045.
O projeto de criação dessa nova carteira de trabalho, livre de impostos e contribuições, terá que ser reenviado ao Congresso Nacional, já que a proposta anterior caducou sem ser votada.
Tomando como um dilema já resolvido que o governo respeitará a lei do teto de gastos e que a PEC 188 estabelecerá os gatilhos para o corte de despesas quando o gasto chegar a um determinado patamar, falta agora Bolsonaro decidir quem vai pagar o programa de renda mínima. Ele pretende criar o Renda Brasil mais amplo, em substituição ao Bolsa Família para, com ele, embalar seu projeto de reeleição.
Cabe ao chefe de governo arbitrar esse conflito distributivo e o tempo para isto está ficando curto. A indecisão revela uma falta de apetite para dirimir conflitos e isso chega aos mercados como uma insegurança total a respeito dos rumos da política fiscal do governo.
Os sinais ruins estão à vista: as taxas de juros longas estão subindo dia a dia e o prazo da dívida pública mobiliária se encurta, em um claro temor de que não haverá rigor fiscal. Daí para queimar o ministro da Economia é um pulo. Os sinais são um alerta de que o governo tem que mostrar o que vai fazer para trazer as contas públicas de volta a patamares aceitáveis de financiamento.
Tática presidencial
Começa a se firmar entre os principais assessores da área econômica a percepção de que há uma tática na reação do presidente a medidas politicamente sensíveis. Ele as descarta sem dó, deixando os seus proponentes perdidos, soltos no ar. Mas, tal como está acontecendo com a criação da nova CPMF -o imposto sobre transações digitais, que Bolsonaro condenou totalmente e agora, diante dos fatos, começa a aceitar -, avalia-se que o processo de aceitação será construído também com as medidas de financiamento do Renda Brasil.
No caso do imposto sobre transações, o governo quer vendê-lo como uma “substituição tributária”, no lugar da desoneração parcial da folha de salários das empresas. Com uma alíquota de 0,2% nos débitos e crédito, o novo tributo financiaria a desoneração horizontal da folha. Esta seria integral até um salário mínimo e, a partir daí, deverá haver um corte na alíquota de contribuição previdenciária de 20% para 15% ou 10%.
Merval Pereira: O teto é o limite
O cobertor curto orçamentário está causando apreensão entre os políticos (alérgicos a novos impostos), ao governo, que já tem tudo para lançar um novo programa social (menos dinheiro), e nos órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas da União (TCU), que ontem alertou que o quadro fiscal do país é “gravíssimo”, na definição do ministro Bruno Dantas.
O ministro Paulo Guedes está em busca de "tributos alternativos" para desonerar a folha de pagamentos das empresas e também encontrar “uma aterrissagem suave” do auxílio emergencial. É a maneira politicamente correta que Guedes encontrou para tentar a aprovação do imposto sobre transações digitais.
Quanto à desoneração da folha, a troca é bem-vinda e poderá ser a chave para um acordo no Congresso, pois barateará o custo das contratações, ajudando a reduzir a taxa de desempregados. "Queremos desonerar, queremos ajudar a buscar emprego, facilitar a criação de empregos, então vamos fazer um programa de substituição tributária", disse Guedes.
Mas, quanto ao substituto do auxílio emergencial, que o governo quer transformar em um programa de renda mínima de R$ 300, maior que o Bolsa-Família no valor e no alcance social, a conta não fecha. O teto de gastos não admite que novas receitas possam aumentar as limitações orçamentárias.
Só cortando custo, gastos a mais só com a definição de onde sairá o dinheiro novo para compensá-los. O ministro Bruno Dantas ontem foi claro: “O teto é fixo”. Ao analisar ontem uma prestação de contas da execução orçamentária e financeira do primeiro trimestre deste ano, os ministros ficaram impressionados com a previsão de que o déficit fiscal este ano deve ser da ordem de R$ 861 bilhões, maior do que a previsão oficial em julho.
Segundo o ministro Bruno Dantas, existe a sensação “em vários momentos” de que o Brasil está “à deriva”, e foi apoiado por todos quando afirmou que o governo precisa fazer um plano de saída da crise para “o curto e médio prazo”.
Com todas essas dificuldades, no decorrer das negociações sobre o pacto federativo, que é onde está embutido o Renda Cidadã, é possível que o debate sobre a possibilidade de mudança dos critérios do teto de gastos seja destravado. Há quem imagine que é possível fixar-se um novo teto, englobando o resultado de um novo imposto.
A proposta do relator do pacto federativo, senador Marcio Bittar, é acabar com as despesas obrigatórias para saúde e educação, permitindo que o orçamento seja mais flexível. É uma questão polêmica, que certamente causará debates polarizados, pois será preciso que, nessa conformação, o apoio político da saúde e da educação seja forte o suficiente para que não percam verbas orçamentárias. Como a visão é de que esse governo não tem apreço pelas duas áreas, vai ser difícil chegar a um acordo.
Para cortar gastos que sejam relevantes, só há uma saída: ou mexer na parte superior da pirâmide, que é onde estão os altos salários dos servidores públicos, ou cortar na base, atingindo a maioria, formada pelos que se procura atender com o novo programa social. A segunda opção já foi descartada pelo presidente Bolsonaro, que alega não querer tirar dos pobres para dar para os paupérrimos.
O que ele quer mesmo é manter um programa social que dará o dobro do que hoje dá o Bolsa Família, e a mais gente, incluindo os cerca de dez milhões de “invisíveis” que foram descobertos agora na pandemia. É um projeto político que esbarra na dificuldade por que passa o país, mas que interessa também ao centrão, que assumiu o apoio ao Renda Cidadã. Como estamos em época eleitoral, o novo programa social não deve ser de efeito imediato, pois até dezembro está em vigor o auxílio emergencial de R$ 300.
Adriana Fernandes: Dois tetos, duas medidas
Muitos dirão que a economia com os privilégios da alta burocracia não faz cócega no buraco fiscal. E daí? Não vamos começar?
As lideranças do Congresso que se reuniram há poucas semanas com o presidente Jair Bolsonaro num manifesto em defesa do teto de gastos e austeridade fiscal deveriam correr para aprovar o projeto que garante o cumprimento de outro teto: o limite previsto na legislação brasileira que impede os servidores de ganharem mais do que os ministros do Supremo.
Hoje, esse limite está em R$ 39,2 mil – valor considerado baixo pelo ministro Paulo Guedes – mas burlado à vista de todos pelo Poder que deveria fazer cumprir a legislação aprovada pelo Congresso.
É essa trapaça da lei – melhor dizer, escárnio – que abre as portas para os altos salários e privilégios.
É interessante notar que a defesa do teto de gastos tem sido feita por muitos em Brasília (até mesmo por aqueles que no fundo não o querem atravancando o seu caminho) e são os mesmos que apostam na reforma administrativa para consertar o RH do serviço público brasileiro. Esses “guardiões” do controle de gastos, porém, não querem mexer nos seus próprios tumores.
Temos dois tetos e duas medidas.
Os dois tetos, porém, estão intrinsecamente conectados para abrir espaço no Orçamento. Não dá para querer falar em quebrar o “piso” do teto de gastos (em bom português isso significa dizer em reduzir os gastos obrigatórios, por exemplo, com a desindexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários) sem mexer nos privilégios do “andar de cima” da burocracia.
Muitos dirão e, com razão, que a economia com o cumprimento do teto remuneratório não faz cócega no buraco fiscal. E daí? Não vamos começar?
Não se trata de “vilanizar” o servidor público, como os beneficiários desses privilégios tanto querem emplacar na narrativa oficial para vencer as suas teses. Estamos falando de desigualdades dentro do serviço público que a reforma administrativa enviada pelo governo não ataca de forma corajosa.
Quem ganha hoje R$ 60 mil vai querer perder R$ 20 mil do seu rendimento mensal?
São tantos “penduricalhos”, auxílios, gratificações, bônus… que a transparência sobre esse mundo a parte dos rendimentos da elite do funcionalismo é muito pequena. “Puxadinhos” salariais que nem se consegue calcular. Esses adicionais têm sido usados pelos órgãos públicos para turbinar a remuneração dos servidores fora da alçada do teto remuneratório.
Se não querem o teto remuneratório, que fique claro e mudem a legislação. Idem para o teto de gastos, que é hoje o maior empecilho aos planos do presidente Jair Bolsonaro de turbinar o Renda Brasil.
O que se fez e continua sendo feito é ampliar os penduricalhos e minar o teto remuneratório e também o teto de gastos E não é que, uma semana depois do envio reforma administrativa blindando a elite do funcionalismo civil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma nova gratificação para os juízes que tem potencial para turbinar ainda mais o custo médio de cada magistrado, hoje em R$ 50,9 mil mensais. A resolução foi aprovada na terça-feira na última sessão do ministro Dias Toffoli como presidente do Supremo e do CNJ.
Belo presente de despedida que Toffoli deixou para o seus pares. Os magistrados estão fora da reforma, como também procuradores e parlamentares.
Como bem pontuou a professora de administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Gabriela Lotta em entrevista ao Estadão, o que chama mais atenção é que o Judiciário não se sente constrangido em aprovar agora a gratificação por resolução em meio à crise fiscal e todo esse debate em torno do cumprimento do teto de gasto. Não se falou em impacto fiscal. Os números não foram colocados na mesa.
O que sabe que com dados do próprio CNJ é que o custo médio de um magistrado para a administração pública está bem acima do que seria a sua remuneração bruta. O gasto por magistrado é calculado em R$ 42,5 mil mensais na Justiça do Trabalho, R$ 52 mil na Justiça Federal e chega a R$ 75,4 mil no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
“Todo mundo tendo que dividir o pagamento da conta dos nossos problemas fiscais e o Judiciário se vê no direito de pagar mais salário quando tem toda essa discussão do aumento da desigualdade no Brasil”, critica Lotta.
A população está certa de dizer não à reforma enquanto o “andar de cima” do funcionalismo não for alcançado. Que tal a Câmara aprovar logo projeto que está lá e já foi aprovado pelo Senado regulamentando o teto remuneratório para barrar os supersalários. Seria um bom começo para a reforma administrativa.
Ribamar Oliveira: Para furar o teto, só com restos a pagar
Questão é saber se há disposição política de seguir um caminho que tem riscos jurídicos envolvidos
Neste momento, senadores e deputados discutem alternativas que possibilitem a criação de um programa de renda básica para vigorar a partir de janeiro do próximo ano, a ampliação dos investimentos públicos, o fortalecimento necessário do SUS após a pandemia e a manutenção da desoneração da folha de salários para 17 setores da economia. Como acomodar tudo isso no Orçamento de 2021, mantendo o teto de gastos da União? A resposta simples seria cortando outras despesas. Esse caminho, no entanto, é considerado por muitos como politicamente difícil e esbarra em obstáculos constitucionais e legais.
Os parlamentares ficaram interessados em um artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, no domingo passado. Nele, os economistas Felipe Salto, Daniel Couri, Paulo Bijos, Pedro Nery e a professora Cristiane Coelho, do IDP, sugerem que uma saída, ao menos temporária, é romper o teto de gastos, ou seja, colocar no Orçamento do próximo ano despesas em valor superior ao limite permitido, o que acionaria os gatilhos previstos na própria regra do teto, definida pela Emenda Constitucional 95. O texto foi exaustivamente lido por deputados, senadores e seus assessores nesta semana.
Toda a discussão gira em torno de dois parágrafos do artigo 107, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Um deles diz que a proposta orçamentária elaborada pelo governo precisa demonstrar o cumprimento do limite da despesa fixado para o ano. O outro estabelece que as despesas autorizadas na lei orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional não poderão exceder os valores máximos estabelecidos pela regra do teto.
Em linguagem mais simples: o governo não pode enviar para apreciação de senadores e deputados uma proposta orçamentária que fure o teto de gastos e eles, por sua vez, não podem autorizar despesas que excedam os limites estipulados pela EC 95. Outro parágrafo proíbe a abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o montante total de despesa autorizado.
Se não há como estimar nem autorizar despesa acima do teto, como os gatilhos de medidas de ajuste serão acionados? Esse é um problema até aqui sem solução. Para acomodar o aumento contínuo das despesas obrigatórias, o governo está sendo obrigado a cortar cada vez mais os investimentos públicos e o custeio da máquina administrativa, que está chegando a ponto de ameaçar a execução de serviços públicos essenciais - o chamado “shutdown”.
A tese central do artigo publicado na “Folha” é que não se pode fazer uma análise literal e isolada dos dois primeiros parágrafos citados aqui (3º e 4º do artigo 107 da ADCT) e esquecer o princípio do realismo orçamentário, que exige fidedignidade das estimativas de receitas e despesas públicas. “Sem projeções realistas, o Orçamento se confunde com peça de ficção”, diz o texto.
E perguntam: “O que devem fazer os Poderes Executivo e Legislativo quando as leis em vigor demandarem dispêndios superiores ao teto? Deixar de encaminhar e votar o PLOA? Maquiar a estimativa de gastos de modo a fazê-los caber no limite?”. Para os autores, a resposta a essas perguntas é negativa. “A interpretação literal dos parágrafos 3º e 4º do artigo 107 do ADCT, ao eventualmente forçar a elaboração de um Orçamento que não seja crível, fornece uma solução inadequada para o problema”, diz o artigo.
A chave para a interpretação correta, na opinião dos autores, é desvendar a sanção relacionada a sua violação. Eles observam que a sanção para a previsão de despesas orçamentárias superiores ao teto de gastos não é a imputação de crime de responsabilidade do presidente da República, “mas sim o conjunto de vedações previstas no referido artigo, relacionadas à criação ou majorações de gastos obrigatórios”.
Os autores ressaltam ainda que o acionamento dos gatilhos pela via do planejamento orçamentário seria solução fiscalmente mais responsável que pela via da execução orçamentária. “Ao se reconhecer ruptura do teto no próprio Orçamento, medidas de ajuste seriam colocadas em prática no mesmo ano, e não apenas no exercício seguinte, quando os excessos já teriam ocorrido e estariam possivelmente consolidados.”
A equipe econômica pensa diferente. Considera que há um problema real na EC 95, que impede o acionamento das medidas de ajuste e que para cumprir a regra do teto nas condições atuais, em que as despesas obrigatórias não param de crescer, só resta ao governo cortar investimentos e o custeio. E, mantida a atual redação da EC 95, isso seria feito até que as despesas discricionárias fossem reduzidas a zero, o que paralisaria toda a administração pública federal.
A solução apresentada pela equipe do ministro Paulo Guedes é a aprovação da PEC do Pacto Federativo (PEC 188/2019), que corrige a regra do teto de gastos, facilitando o disparo dos gatilhos. Pela proposta, as medidas seriam acionadas quando as despesas obrigatórias chegassem a 95% da despesa primária total. Essa PEC não andou até agora.
A proposta orçamentária de 2021 será agora analisada pelos parlamentares. Eles podem ou não acolher a tese do artigo. Existem pelo menos duas críticas importantes sendo feitas à proposta por consultores do Congresso. A primeira é que o caminho apontado é uma interpretação da EC 95, que estará sujeita a questionamentos na Justiça. A segunda crítica é como definir qual será o valor do “estouro” do teto. Se ele for muito alto, mesmo com o disparo dos gatilhos das medidas não será possível ajustar as contas da União tão cedo, e o teto estará condenado.
Os mesmos consultores disseram ao Valor que só há uma forma de romper o teto de gastos, de acordo com as normas atuais. O parágrafo 10º do artigo 107 da ADCT estabelece que, para fins de verificação do cumprimento do limite de despesa, serão consideradas as despesas primárias pagas, incluídos os restos a pagar (RAPs) de exercícios anteriores pagos. Ou seja, durante a execução orçamentária, o governo poderá pagar um montante de tal ordem de RAPs, que o teto seria rompido, acionando os gatilhos. A questão é saber se há disposição política de seguir esse caminho, pois há riscos jurídicos envolvidos.