teto de gastos

Bolsonaro se agarra ao novo Bolsa Família para recuperar popularidade

Encontro não constava na agenda oficial do mandatário desta segunda-feira (9/8), que sempre foi contra o pagamento do benefício na época dos governos petistas

Ingrid Soares / Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro foi à Câmara pessoalmente nesta segunda-feira (9/8) para entregar uma proposta de Emenda à Constituição e uma medida provisória do novo Bolsa Família. O encontro não constava na agenda oficial do mandatário, mas foi anunciado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Também foi entregue uma proposta que parcela precatórios para driblar o teto de gastos em 2022.

Ele foi acompanhado dos ministros Paulo Guedes (Economia), João Roma (Cidadania), Ciro Nogueira (Casa Civil), do general Ramos da Secretaria Geral da Presidência e do ministro do GSI, general Heleno. 

O Auxílio Brasil estabelece diretrizes que deverão ser seguidas, a exemplo da articulação entre as ofertas do SUAS e as políticas de saúde, educação, emprego e renda, e da educação e inclusão financeira das famílias beneficiárias do Programa e, segundo o Planalto, "busca proteger as famílias mais vulneráveis e promover a recuperação da economia, ao passo que preza pela emancipação das famílias que já estejam em situação de autonomia, a fim de permitir a entrada de novos beneficiários em situação de vulnerabilidade no Programa".

Também nesta segunda, Bolsonaro afirmou que o programa não deve ter aumento de 100%, conforme vinha defendendo. A declaração ocorreu durante entrevista à Rádio Brado, Bahia.

“Estamos em fase quase final de definirmos um novo valor do Bolsa Família. Nos criticam que essa última fase do auxílio emergencial são R$ 250. Mas o Bolsa Família médio é R$ 192. E nós acertamos aqui no mínimo 50% de reajuste no Bolsa Família. Nós queremos 100%, mas temos que ter responsabilidade. A economia não pode quebrar. Se quebrar a economia não adianta você ganhar R$ 1 milhão por mês que não vai dar para comprar um pãozinho”, alegou.

Na última quarta-feira (4), o mandatário anunciou que o Bolsa Família deverá se chamar "Auxílio Brasil" após sua repaginação. O nome é uma referência à continuidade do programa após o fim do auxílio emergencial previsto para o fim do ano.

Na data, repetiu que poderia dobrar a quantia de R$ 192. “Eu tenho que ser bastante cauteloso, porque você tem que ter responsabilidade. É igual você pegar um empréstimo, tem que ver realmente se você não vai se tornar refém a vida toda daquela pessoa que você foi pegar empréstimo. Bolsa Família: a média hoje em dia está em R$ 192. Nós vamos levar no mínimo para R$ 300, no mínimo, podendo chegar a R$ 400. Eu tenho buscado a equipe econômica, dentro das responsabilidades, e o ideal seria R$ 400 o novo valor”, concluiu na ocasião.

Segundo texto divulgado pelo Ministério da Economia, a medida provisória ainda institui o Programa Alimenta Brasil, em substituição ao Programa de Aquisição de Alimentos. Entre as alterações, destaca, está a priorização de atendimento às famílias beneficiárias do auxílio inclusão produtiva rural, tendo em vista a importância da inclusão dos agricultores familiares mais vulneráveis nos Programas de Compras Públicas como estratégia de emancipação dessas famílias com inclusão no circuito de comercialização. Deverá ocorrer, ainda, a atualização das modalidades a serem executadas pelo Programa, trazendo maior institucionalização para a política.

Outra novidade da MP é a criação do Benefício Primeira Infância, que expressa a prioridade dada a esse público nas ações de proteção social do Governo Federal. Serão apoiadas financeiramente, com os maiores investimentos, as famílias mais vulneráveis do País, especialmente aquelas com crianças em primeira infância, de forma a garantir a elevação do seu nível de bem-estar e fortalecer a autonomia da família na construção de um ambiente mais preparado para a criança poder superar os desafios e oportunidades da vida.


Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4942551-bolsonaro-entrega-na-camara-mp-do-novo-bolsa-familia.html

*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)


Parcelamento de precatórios pode ampliar a folga do teto de gastos em 2022

Proposta, que gerou reações no mercado e entre governadores, favoreceria Bolsonaro com verba extra em ano eleitoral; medida tem potencial de baixar a dívida dos precatórios em R$ 7,8 bi e deve chegar hoje ao Congresso

Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A proposta do governo para parcelar o pagamento de precatórios (valores devidos pelo poder público após sentença definitiva na Justiça) pode ampliar a folga para novos gastos em 2022. A medida deixaria a despesa com as dívidas judiciais R$ 7,8 bilhões menor do que o previsto para este ano – um espaço novo e que poderá ser direcionado a outras áreas.

Os valores constam em esclarecimentos prestados pelo próprio governo sobre o texto que foi enviado pelo Ministério da Economia ao Palácio do Planalto, onde a proposta passa por ajustes e revisões finais.

Na prática, a conta mostra que a proposta vai além de disparar um “míssil” contra o “meteoro” dos precatórios, como disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tratar do problema. Ao reduzir a despesa total com os precatórios de um ano para o outro, a medida cria espaço fiscal adicional para o governo acomodar outros gastos em ano eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro tem planos para reforçar a política social e incentivar a geração de empregos para tentar estancar sua perda de popularidade e impulsionar sua campanha à reeleição.

A PEC que está sendo elaborada pelo governo deve chegar hoje ao Congresso e já sofre resistências porque deixará credores da União, incluindo empresas e governos estaduais, na fila de espera por anos a fio. Neste ano, o governo estima que o gasto com precatórios ficará em R$ 55,4 bilhões. Em 2022, sem a PEC, a despesa subiria a R$ 89,1 bilhões.

A proposta do governo é fixar duas regras de parcelamento das dívidas judiciais. Para débitos acima de R$ 66 milhões, a possibilidade de pagar em dez prestações anuais seria permanente. Para débitos de R$ 66 mil a R$ 66 milhões, valeria uma regra temporária (até 2029) que permitiria o parcelamento nas mesmas condições sempre que o gasto total com precatórios fique superior a 2,6% da receita corrente líquida.

No esclarecimento do governo, é informado que as duas regras juntas devem reduzir o comprometimento com despesas em R$ 41,5 bilhões, na comparação com o valor inicialmente previsto. Com isso, a despesa com precatórios em 2022 ficaria em R$ 47,6 bilhões – R$ 7,8 bilhões a menos que o programado para 2021.

Segundo uma fonte da área econômica, a diferença “abre espaço para qualquer coisa” e poderia até se aproximar a R$ 10 bilhões, mas os números ainda podem ser recalculados. Antes mesmo do estouro do problema dos precatórios, já havia pressão pela concessão de reajustes a servidores públicos e ampliação de investimentos.

‘Fatura’

Nos bastidores, há também a avaliação de que a negociação pela aprovação da PEC pode acabar gerando uma “fatura” de promessas de emendas aos parlamentares que votarem de forma favorável à iniciativa. O espaço seria crucial para acomodar esses interesses.

As emendas também poderiam, nesse caso, servir como forma alternativa de os parlamentares irrigarem seus redutos com recursos em ano eleitoral, considerando que muitos Estados serão atingidos pelo parcelamento dos precatórios.

Dos R$ 89 bilhões em dívidas judiciais, pelo menos R$ 16,6 bilhões têm governos estaduais como credores. A Bahia, governada por Rui Costa (PT), tem sozinha R$ 8,7 bilhões a receber de precatórios da União em 2022. Com a aprovação da PEC, o valor pago à vista cairia a R$ 1,3 bilhão. PernambucoCearáMaranhão e Paraná também estão entre os potenciais afetados. A maior parte é governada por opositores de Bolsonaro.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=zWVDg2

Como mostrou o Estadão/Broadcast, os Estados se mobilizam numa ofensiva no Congresso para evitar o parcelamento dos precatórios devidos pela União. Por trás desse imbróglio, há um cálculo político do governo federal de não querer encher o caixa de governadores adversários em ano de eleição, sobretudo no Nordeste.

Com o espaço adicional no Orçamentoalgumas fontes do governo têm considerado que a criação do chamado Fundo Brasil, a ser abastecido com recursos de privatizações e venda de ativos e que poderia bancar despesas fora do teto de gastos (que limita o avanço das despesas à inflação), seria algo secundário e pode até acabar caindo durante a tramitação no Congresso. O foco principal seria o parcelamento dos precatórios.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,parcelamento-de-precatorios-pode-ampliar-a-folga-do-teto-de-gastos-em2022,70003800696


El País: Descumprir o teto de gastos ou paralisar serviços públicos, a encruzilhada das contas públicas brasileiras

Governo empurrou definições cruciais, como Orçamento para este ano e correções no mecanismo de teto de gastos. Para piorar, alta da inflação pressiona despesas previdenciárias e de assistência

Heloísa Mendonça, El País

O Brasil não está quebrado, como alarmou o presidente Jair Bolsonaro na semana passada, muito menos uma maravilha, como disse horas depois ao tentar minimizar sua declaração após forte repercussão. O país vive, sim, hoje uma situação fiscal grave, com as contas públicas no vermelho há mais de seis anos e deve registrar um rombo sem precedentes devido à pandemia de coronavírus. A expectativa do Ministério da Economia é que o déficit primário de 2020, que considera o que a União arrecada com impostos, seus gastos e transferências, mas não as despesas com juros da dívida pública, chegue a 844 bilhões de reais, o que representa 11,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Neste novo ano, os desafios novamente são enormes e não há um plano fiscal claro. Nem um consenso dentro do próprio Governo. Enquanto o ministro Paulo Guedes (Economia) quer retomar a agenda de reformas, a ala militar aposta na expansão de gastos para reativar a economia que deve registrar um tombo de mais de 4% em 2020.

Com a pandemia ainda em curso, o Governo volta a lidar com as regras fiscais, suspensas no ano passado pelo decreto de calamidade pública. O Orçamento do ano ainda será votado, mas o risco de estourar o teto de gastos ―regra que impede que as despesas públicas cresçam mais do que a inflação― é grande, segundo economistas escutados pelo EL PAÍS. “Para esse ano, o corte das despesas discricionárias [não obrigatórias] para cumprir a regra terá de ser tal que só restam duas opções: ou descumprir o teto ou levar o Estado a um risco de shutdown [quando há paralisação dos serviços públicos]”, diz Felipe Salto, diretor-executivo do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Com o prolongamento da crise sanitária, gastos com compra das vacinas, saúde e até mesmo com algum tipo de transferência de renda, que substitua o auxílio emergencial ou o prolongue, dada a precariedade do mercado de trabalho e o aumento do desemprego que já atingem mais de 14 milhões de brasileiros, agravam o problema fiscal, segundo Salto. “Ou se constrói uma solução a curto prazo ou as contas e o custo de financiamento da dívida vão para o vinagre. Não faltaram alertas sobre a não sustentabilidade do teto para o pós-2020. Infelizmente, o Governo prefere fazer ouvidos moucos e repetir que cumprirá o teto”, completa.

Inflação alta agrava quadro

Um ingrediente extra, no entanto, pode dificultar ainda mais o compromisso da equipe econômica: a aceleração da inflação na reta final do ano passado. Isso porque o teto de gastos é corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado até junho (2,13%), enquanto as despesas indexadas ao salário mínimo, como sociais e previdenciárias, crescerão acima de 5%, mais que o dobro, porque são reajustadas de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até dezembro, o que gera um descasamento entre os índices. “O efeito sobre o orçamento é muito significativo. Vale dizer que, pelas minhas contas, cada ponto a mais de inflação representa 8,4 bilhões de reais de gastos extras anualizados”, explica Salto.

O Governo afirma que o reajuste do valor do salário mínimo de 1.045 para 1.100 reais mensal em 2021, que foi anunciado, no fim do ano, respeita todas as regras fiscais e não fere o teto. Segundo o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, o Ministério da Economia reconhece que há impactos nos gastos, mas alerta que a equipe está atenta ao equilíbrio das contas. Cada um real de aumento no salário mínimo gera elevação de despesas de 351,1 milhões de reais, segundo a pasta. “Estamos aqui para garantir que todos esses impactos estarão dentro do teto”, garantiu o secretário.

Para Juliana Damasceno, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV-IBRE, as regras de reajuste para o salário e a o teto são incompatíveis e apontam uma falha no próprio desenho da regra do teto de gastos, que segundo ela, precisa ser revista. O descasamento já tinha acontecido também de 2019 para 2020, mas com uma diferença bem menor que a que vemos agora. “Existe um problema de execução, se você desenha um teto para ser corrigido por um índice de inflação de junho e você tem uma série de despesas decidido por outro, você se expõe ao risco desses dois índices não conversarem”, diz.

Para conseguir algum respiro no orçamento engessado é preciso rever também a estrutura dos gastos obrigatórios, segundo a economista. Com um Orçamento previsto de cerca de 1,5 trilhão de reais, o Governo terá liberdade de manejar somente menos de 100 bilhões. “Há gastos ineficientes, como incentivos tributários que não são avaliados, é preciso fazer uma melhor avaliação das políticas públicas.” Damasceno acredita que, neste ano, o Governo deve ter uma certa margem de manobra se conseguir novamente um crédito extraordinário devido à pandemia. “Pode conseguir estender o estado de calamidade, o Orçamento de guerra. Mas para uma peça realista, é preciso existir algum programa de transferência de renda. O desemprego vai continuar alto, as demandas sociais idem. A licença para gastar que a gente tinha acabou, mas a pandemia não”, opina. Ela critica ainda a falta planejamento plano de longo prazo. “O Brasil precisa consolidar uma política fiscal e parte disso depende de uma articulação política que esse Governo não tem. Prometeram voltar com o debate da reforma tributária em setembro e até hoje nada.”

Revisão do teto

Na avaliação da pesquisadora, apesar do teto de gastos ter entrado em vigor em 2017, já é necessário reconhecer os problemas técnicos e torná-lo mais factível. “É algo muito delicado a forma que deveria ser feito, porque ele não pode deixar de ser uma âncora fiscal.” Para além do descasamento dos índices ela aponta também a necessidade de se levar em conta o crescimento também vegetativo. “As despesas previdenciárias, por exemplo, têm um crescimento muitas vezes acima da inflação, então por que não associar o teto ao crescimento vegetativo? Precisamos pensar em desenhos factíveis.”

O grande problema na visão de Felipe Salto, do IFI, é a falta de rumo na política fiscal. O ajuste fiscal pode vir pelo lado da receita, da despesa ou uma combinação das duas coisas. “Na presença do teto, o lado do gasto tem maior importância. Mas está óbvio que não se construiu a solução necessária para a sobrevivência da regra. Refiro-me à possibilidade de acionamento dos gatilhos, por exemplo”, diz.

É preciso, ainda, sinalizar o que será da relação dívida/PIB, que hoje já chega a quase 100%. “É fundamental que se aponte de que forma o superávit primário [o dinheiro que “sobra” nas contas do Governo depois de pagar as despesas, exceto juros da dívida pública] será recuperado. Não adianta dizer que vai cumprir o teto, porque quem faz conta vê que isso é impraticável”, completa.

O economista André Perfeito, da Necton, avalia que a fala de Bolsonaro de que o país estaria quebrado e que o Governo não teria o que fazer é um argumento retórico para preparar politicamente os cortes de gastos emergenciais e tentar reequilibras as contas públicas. Perfeito analisa que o problema central hoje do Brasil não é a “falta de dinheiro”, mas sim de um planejamento claro. “A questão fiscal não será resolvida apenas com cortes de gastos, sabemos que terão que tributar mais”, afirma. Ele ressalta, no entanto, que nenhum planejamento será feito antes dos novos presidentes da Câmara e do Senado serem escolhidos em fevereiro. “Logo continuaremos no escuro neste começo de ano”, diz.


Adriana Fernandes: Consultoria da Câmara propõe flexibilizar regra do teto de gastos públicos

Proposta passaria a considerar apenas o rombo da Previdência no cálculo do limite do teto, em vez de todo o gasto com pagamento de benefícios; com isso, nível de despesas obrigatórias seria mantido

BRASÍLIA - A Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara publicou nota técnica com uma proposta de mudança no teto de gastos da União, a regra que limita o crescimento da despesa à inflação e que está no centro do debate econômico no Brasil depois da pandemia da covid-19

A proposta passa a considerar apenas o rombo da Previdência no cálculo do limite do teto em vez de toda a despesa com o pagamento de benefícios, similar ao modelo fiscal alemão, que considera nos limites orçamentários apenas recursos retirados da sociedade para sua cobertura.

As projeções apresentadas pelos três autores da proposta apontam um novo espaço para as demais despesas do governo, que hoje estão cada vez mais comprimidas, especialmente pelo avanço dos gastos obrigatórios de Previdência e folha de pessoal. O espaço fiscal dessas despesas seria, em 2022, superior a R$ 40 bilhões em relação à regra atual, passando de R$ 407,5 bilhões (4,60% do Produto Interno Bruto em vez de R$ 447 bilhões (5,05% do PIB). 

Por trás da proposta, está a avaliação de que o teto é uma regra fiscal fundamental para as contas públicas, mas precisa de ajustes para se tornar viável nos próximos anos. “Não está correto que uma despesa, que sabidamente cresce mais do que a inflação, seja colocada dentro do teto definitivamente”, diz Ricardo Volpe um dos autores da proposta ao lado dos consultores legislativos Túlio Cambraia e Eugênio Greggianin.

Ajuste

Segundo Volpe, não se trata de uma margem para gastar mais, mas uma saída para manter o nível de despesas não obrigatórias atual (como investimentos), que já é muito baixo e a cada ano fica menor. O consultor explica que é um mecanismo de ajuste para impedir que a compressão das despesas não obrigatórias chegue a um nível insustentável para o funcionamento da máquina administrativa (como manutenção de rodovias, bolsas de estudo e confecção de passaporte). Para ele, a proposta é simples, pontual e com boa comunicação tem todas as condições de ser recebida positivamente pelos agentes de mercado.

Os números apontam que, mantida a regra atual, as demais despesas chegariam em 2026 em 2,80% do PIB, patamar irreal para o funcionamento da máquina pública. Em 2016, quando a emenda do teto foi aprovada essas despesas estavam em 7,03% do PIB.

A expectativa é que a nota possa ser discutida ao longo de 2021. A proposta já vinha sendo estudada antes mesmo da pandemia. Muitos parlamentares têm defendido a mudança no teto, mas a equipe econômica vem se posicionando enfática em manter a regra sem mudanças.

Os autores destacam que, apesar da importância do teto, não significa que ele não tenha deficiências na forma que foi implementado no Brasil e que não possa ser aperfeiçoado com as devidas cautelas, o que aumentará sua credibilidade.

Para os consultores, a reforma da Previdência, aprovada no fim de 2019 com o propósito principal de reduzir o déficit previdenciário, pode apresentar ganhos que devem ser aproveitados pelo poder público. A possibilidade de elevar as despesas em virtude da redução do ritmo de crescimento do déficit dos regimes de Previdência permitirá ao governo maior liberdade de atuação para alavancar a economia.

Na época da tramitação da emenda do teto, em 2016, já se sabia que a regra se tornaria de difícil cumprimento. O atraso na aprovação da reforma da Previdência, que se esperava para aquele ano, só piorou o problema. Uma proposta chegou a ser discutida de garantir após os primeiros anos de vigência da regra uma correção do limite do teto com metade do crescimento do PIB. Ou seja, se o PIB crescesse 1%, o teto seria corrigido em 0,5%. Mas o então ministro da Fazenda Henrique Meirelles não aceitou com o temor de que o instrumento de correção se transformasse na regra geral durante a votação.

Volpe destaca que as despesas com o pagamento dos benefícios da Previdência, o maior gasto do governo, já passaram pela reforma. Para ele, o governo, com o modelo proposto, poderá atuar melhor na eficiência da arrecadação previdenciária para diminuir o déficit. O consultor avalia que as despesas com a Previdência vão sempre ter crescimento real porque a população vai envelhecer e mais gente se aposentará.

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Armando Castelar Pinheiro: Economia das narrativas

Três narrativas em 2021: desaceleração com o fim do auxílio, retomada com vacinação e choque temporário da inflação

De acordo com o dicionário Merriam-Webster, uma narrativa é “uma forma de apresentar ou compreender uma situação ou série de eventos que reflita e promova um particular ponto de vista ou um conjunto de valores específicos”. Essa definição está no instigante livro de Robert Shiller, “Narrative Economics” (Princeton University Press, 2019). Como indica o título, o livro é uma grande análise das narrativas econômicas, que expande a palestra proferida no encontro de 2017 da Associação Americana de Economia (bit.ly/38mq5SX). Nesta, o autor observa que o “cérebro humano tem sido sempre altamente sintonizado com narrativas, factuais ou não, para justificar ações em curso, mesmo ações tão básicas como gastos de consumo e investimentos. Histórias motivam e conectam atividades a valores e necessidades profundamente enraizadas”.

O objetivo de Shiller é construir um referencial teórico sobre como as narrativas influenciam o comportamento dos agentes econômicos e como isso, por sua vez, determina o que ocorre na economia. A obra que se encaixa, portanto, no campo mais amplo da Economia Comportamental, a cujos conceitos Shiller recorre em diferentes partes do livro. É o caso, por exemplo, do conceito de “framing”, que enfatiza a influência da forma como as coisas são apresentadas (“framed”) nas decisões tomadas pelos agentes econômicos.

De fato, uma narrativa nada mais é que uma forma de apresentar e organizar as informações que circulam em certa comunidade, sejam elas verdadeiras ou não. Ou, como define o próprio Shiller, “narrativas são construções humanas que são misturas de fato, emoção, interesse humano, e outros detalhes estranhos que formam uma impressão na mente humana”.

Ao contrário do que ocorre nos trabalhos mais tradicionais de Economia Comportamental, porém, o foco de Shiller é a macroeconomia e, em especial, os ciclos econômicos. Assim, como ele coloca, “uma proposição chave deste livro é que as flutuações econômicas são substancialmente impulsionadas pelo contágio de variantes simplificadas e facilmente transmissíveis de narrativas econômicas. (...) Como com as epidemias de doenças, nem todos ficam infectados. (...) Mas em uma epidemia histórica, para a maioria das pessoas a narrativa será fundamental para suas razões para fazer, ou não fazer, coisas que afetaram a economia”.

Assim, a estrutura de análise utilizada no livro é: surge uma narrativa econômica que organiza ou confirma ideias e sentimentos ou paixões que flutuam na sociedade. Essa narrativa em algum momento é expressa publicamente por uma celebridade e isso gera um surto semelhante ao de uma epidemia, fazendo a narrativa se espalhar e influir no comportamento de um número grande o suficiente de pessoas para afetar o que ocorre na economia.

O livro ilustra esse argumento com diferentes exemplos, incluindo bolhas e recessões. Mas a proposta central não é tanto identificar e analisar narrativas que ajudem a entender fenômenos históricos, mas sim propor que uma metodologia como essa ajudaria a prever o que vai ocorrer à frente. Ou seja, que ao pensar o futuro não devemos olhar apenas preços e restrições econômicas, mas também as narrativas que podem vir a moldar o comportamento dos agentes econômicos.

Pensando no Brasil, por exemplo, eu enxergo três narrativas que podem exercer esse tipo de influência em 2021. Uma é que o fim do Auxílio Emergencial levará a uma significativa desaceleração da economia. Essa narrativa já parece influenciar a confiança de consumidores e empresas, o que pode levar a uma profecia auto-realizável, se desencorajar compras e investimentos. O Congresso, porém, parou de discutir a extensão do Auxílio, o que diminuiu a frequência com que o tema aparece na imprensa e isso vai enfraquecer a propagação dessa narrativa.

Uma segunda narrativa, na direção contrária, é a da recuperação econômica que virá com a vacinação e o controle da pandemia. Esta ainda é, por ora, uma narrativa do mercado financeiro, mas ela deve se disseminar conforme a primavera chegue no Hemisfério Norte. Veremos muitas histórias de consumo e, penso, uma narrativa se desenvolverá de que é justificado “exagerar” no consumo no pós pandemia, em especial de serviços.

A terceira narrativa diz respeito à alta dos preços. O Banco Central (BC) tomou a dianteira, argumentando que os 6% de inflação esperados para meados de 2021 são um choque temporário. Esse é um exemplo de algo que Shiller não enfatiza, mas que é uma conclusão direta de sua análise: que a construção e disseminação de narrativas é uma forma como o governo pode fazer política pública. Ainda que pense que o BC está certo em propor essa narrativa, acredito que ele enfrentará uma forte corrente de narrativas contrárias, já iniciadas por celebridades do mercado financeiro, que reportam uma maior preocupação com o controle da inflação em 2021. Preocupação para a qual vão concorrer, no segundo semestre, as pressões advindas da retomada do setor de serviços.

2020 foi um ano muito difícil para todos. Que o Natal e 2021 nos tragam muita felicidade. Sem receio de exagerar!

*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ


Pedro Fernando Nery: Frente ampla

2021 pode registrar maior nível de desigualdade de renda vivido sob atual Constituição

Completaram 18 anos da aprovação, no Senado, do projeto de renda básica de Eduardo Suplicy. A versão aprovada foi na verdade um substitutivo de um senador do DEM – ainda PFL. É um dos casos pouco conhecidos da atuação do partido na política social, cujo resgate é interessante à medida que o partido ganha protagonismo e a natureza de sua plataforma é mais debatida. 

O DEM foi o partido que mais conquistou prefeituras nas eleições municipais que acabam de se encerrar, e na semana passada ajudou a consolidar um esforço de frente ampla reunindo diversos partidos de esquerda. Ao Estadão neste mês, o prefeito eleito Eduardo Paes – no DEM – argumentou que o espectro do partido seria bem amplo, se colocando como alguém mais à esquerda do que o seu conjunto.

No parecer do ex-senador Francelino Pereira favorável à renda básica, argumentou-se que o crescimento econômico sozinho é um caminho lento para a superação da miséria no Brasil. A pobreza seria mais sensível à desigualdade do que ao PIB. A nova transferência de renda iria ao encontro do propósito de que nenhum brasileiro tivesse vergonha de aparecer em público, parafraseando uma definição da Adam Smith sobre privação em A Riqueza das Nações.

Outra proposta do antigo PFL naqueles tempos era a de inserir na Constituição um fundo para a erradicação da pobreza, financiado por um imposto sobre grandes fortunas. De autoria de Antonio Carlos Magalhães, veio a se tornar a Emenda Constitucional nº 31, de 2000. O fundo chegou a ser utilizado, mas o imposto que seria a principal fonte de recursos nunca foi instituído. 

A proposta original previa ainda uma nova contribuição social progressiva e aumentos de impostos sobre bens e serviços de luxo: “A desigualdade na distribuição de renda no Brasil é a matriz dos problemas que assolam nossa sociedade” justificou ACM. Havia provavelmente um componente regional nas iniciativas: nessa legislatura do fundo baseado em grandes fortunas e da renda básica o PFL tinha 15 senadores apenas do Nordeste e do Norte.

Antes, em 98, no documento “Uma Política Social para o Brasil: A Proposta Liberal”, o Partido defendera que a criação de um programa de renda mínima deveria ser prioridade do governo. Naquele ano eleitoral, Eliane Cantanhêde registrou a competição entre PT e PFL pela paternidade das ideias que seriam precursores do Bolsa Escola (2001) e do Bolsa Família (2004). O PT operava nos anos 90 o Bolsa-Escola do Distrito Federal, e o PFL o Bolsa-Cidadã da Bahia (menos abrangente e com foco em crianças em áreas de sisal).

Ainda naqueles anos antes do governo Lula, conforme lembra o cientista político Murilo Medeiros, parlamentares do antigo DEM relataram a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas, que implementa o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para idosos e pessoas com deficiência na pobreza) e o Fundef (o antecessor do Fundeb). 

Mais recentemente, o novo Fundeb, deste ano, foi relatado por uma deputada demista. Em 2019, parlamentares do partido voltaram ao tema da renda básica, propondo benefícios universais a crianças (benefício universal infantil) ou a idosos e portadores de doenças graves (RBU) – durante a tramitação da reforma da Previdência. 

No final do ano passado, esta coluna se chamou Natal na miséria: contrastava o otimismo que havia para 2020 com os parcos ganhos econômicos para os mais pobres nos anos recentes. O ano foi virado de cabeça pra baixo: a economia em recessão pela covid e a pobreza em queda pelo auxílio emergencial. Com o seu fim em 31 de dezembro, a mesma preocupação da coluna do último Natal permanece e se acentua: o Bolsa Família só não é suficiente.

Dados compilados por Rozane Siqueira (UFPE), veiculados recentemente por Armínio Fraga, mostram tanto que o desafio brasileiro não é tão diferente do de outros países como que melhorar é possível. Diversos países europeus, incluindo até Alemanha e Finlândia, teriam uma desigualdade de renda quase brasileira não fosse a atuação do Estado tributando e distribuindo. O Brasil se distingue não só pelos níveis mais altos de desigualdade, mas por pouco mudar quando o Estado entra na jogada – se comparado ao que acontece nesses países.

O fim do auxílio e a continuada propagação do vírus podem nos levar em 2021 ao maior nível de desigualdade de renda vivido sob a atual Constituição. Uma frente ampla para aprofundar aquele pacto de 88 será bem-vinda e é esperançoso perceber que nas últimas décadas ideias para combater a desigualdade e reformar o Estado vieram da esquerda e da direita. Vale toda torcida.

* Doutor em Economia 


Almir Pazzianotto Pinto: O ministro, a economia e o desemprego

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho Bolsonaro terá poucas chances em 2022

Dentro de alguns dias o governo Bolsonaro completará dois anos. Metade do mandato foi consumida com providências mal alinhavadas para a retomada do crescimento. Incorrigíveis otimistas falam em recuperação da economia, embora admitam que os resultados são inconvincentes. É o que mostram as estatísticas sobre desemprego.

Há contradição em termos quando se fala em crescimento do produto interno bruto (PIB) se índices oficiais revelam que o desemprego atingiu no último trimestre 14,6% e pode chegar a 17% em 2021. Afinal, ninguém ignora que o mercado de trabalho é o espelho da economia.

As maiores taxas de desocupação registram-se na Bahia, 20%, em Sergipe, 19,8%, Alagoas, 17,8%, Amazonas, 16,5%, e Rio de Janeiro, 16,4%. São Paulo, o Estado mais populoso e desenvolvido, segundo o IBGE tem 13,6% de desempregados. Os menores índices pertencem a Santa Catarina, 6,9%, Paraná, 9,6%, e Rio Grande do Sul, 9,4%. Segundo as mesmas pesquisas temos 5,9 milhões de desalentados, que abandonaram a ideia de recolocação.

A responsabilidade pela crise não pode ser atribuída apenas ao presidente Jair Bolsonaro. É indesmentível, porém, que se aprofundou, turbinada pelo ambiente político e pela pandemia de covid-19, cujas extensão e gravidade não consegue entender. Em 1.º/1/2019, quando tomou posse, o Brasil já se achava em situação pré-falimentar. A presidente Dilma Rousseff foi deposta pelo descalabro da economia, com inevitáveis repercussões nas contas públicas e privadas. Não o foi pelas pedaladas. Incapacidade administrativa, embora em elevado grau, não bastaria para despojá-la de mandato obtido nas urnas em eleições democráticas. O País, todavia, já não se conformava com a inépcia governamental. Embora incompetência não seja crime, o despreparo de Dilma, motivo geral de chacotas, combinada com forte dose de arrogância, colaborou de forma decisiva para enquadrá-la no artigo 85, V, da Constituição.

Jair Bolsonaro, capitão de Artilharia e deputado federal com vários mandatos, passou a ser olhado como tábua de salvação. Para a vitória sobre Fernando Haddad contribuíram o temor ao Partido dos Trabalhadores, a inconsistência dos adversários e a punhalada em Juiz de Fora, impedindo o debate revelador do viés autoritário e a demonstração de precária base política e intelectual.

Dentro da situação caótica em que se encontrava o País, o presidente Bolsonaro buscou economista de renome para responder pelo Ministério da Economia, ao qual incorporou o arruinado Ministério do Trabalho. Após alguns meses de prestígio, o ministro Paulo Guedes se enfraqueceu por se revelar incapaz de revigorar a economia e de enfrentar as questões sociais. Permanece empenhado em conseguir o equilíbrio das contas públicas, meta inalcançável em período de pandemia. O primeiro parágrafo de editorial do Estado é certeiro e definitivo: “O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem uma vaga ideia de onde está, ignora para onde vai e desconhece, portanto, como chegar lá” (25/11, A3).

Afinal, dirá alguém, o que tem que ver o ministro Paulo Guedes com o mercado de trabalho? Tudo. Geração de empregos é problema econômico que não se resolve ao sabor do acaso. Depende de pesados investimentos públicos e privados, internos e vindos do exterior. Exige meticuloso planejamento em médio e longo prazos, ainda que ao preço de alterações nas legislações trabalhista e tributária e da Constituição federal. O Ministério da Economia é fundamental para a geração de desenvolvimento e emprego. Mal conduzido leva o País à ruína, como mais de uma vez aconteceu.

É impossível a rápida abertura de vagas para 15 milhões de desesperados e 6 milhões de desalentados, que desistiram de gastar dinheiro à procura de serviço. Se conseguirmos superávit anual de 2 milhões, meta difícil de ser atingida em clima de pandemia, levaríamos uma década para reduzir o desemprego a índices civilizados.

O que nos aguarda em 2021? Se houver vacina eficaz no volume necessário e o presidente abandonar a postura negacionista, menos mal. Até lá, porém, medidas obrigatórias de isolamento social retardarão a retomada das atividades econômicas e manterão o desemprego em níveis elevados.

O período natalino está às portas. Como celebrarão as festas de Natal e de ano-novo os desempregados, os desalentados, os empresários quebrados e a classe média empobrecida? O comércio aguarda avidamente consumidores com o dinheiro do 13.º salário para gastar. Encerradas as compras de final de ano, não se sabe como reagirá a economia no primeiro trimestre de 2021, com o andamento dos meses de recesso.

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho o presidente Jair Bolsonaro terá poucas chances de se reeleger. Às oposições compete valer-se das experiências deixadas pela fragmentação partidária. Se desejarem vencer em 2022, devem construir frente única em torno de candidato honesto, experiente, viável e com perfil popular, capaz de derrotar o sectarismo bolsonarista e a máquina governamental.

*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho


Eliane Cantanhêde: Quem mente?

Brasil assiste à vacinação alheia, Maia avança na Câmara e Bolsonaro às voltas com Abin

Rodrigo Maia (DEM) ao centro, Gleisi Hoffmann (PT) à esquerda e Luciano Bivar (PSL) à direita, ao lado de presidentes e líderes de 11 partidos – todos eles, não à toa, de máscara – marcam não apenas a disputa pela presidência da Câmara em fevereiro de 2021, mas um movimento que significa o seguinte: para além das diferenças, a prioridade é combater um adversário comum. É preciso dizer qual?

Não se trata da união de todos na alegria e na tristeza, até que a morte os separe, e nem mesmo que estarão juntos numa mesma chapa em 2022 para enfrentar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Mas comprova o quanto Bolsonaro é competente para criar inimigos, trocar de amigos e espicaçar os eleitores mais escolarizados e bem informados – logo, com mais capacidade de influenciar votos.

A eleição para a presidência da Câmara se transformou num embate direto e virulento entre Bolsonaro, que tem o Centrão, e Maia, cujo desafio era, e é, aglutinar desde a esquerda até a direita hoje refratária ao bolsonarismo. O foco da disputa recaiu sobre o Republicanos, presidido pelo pastor Marcos Pereira, e o bloco de PT, PSB, PCdoB e PDT. O resultado é mais que natural.

Pereira só aceitaria compor com Maia como candidato a presidente e fica mais confortável com o deputado Arthur Lira (PP), apoiado por Bolsonaro, que não está nem aí para a pauta econômica, reformas e privatizações, mas quer dobrar o Congresso em 2021 e 2022 para sua pauta pessoal, de costumes, armas e excludente de ilicitude, um denso elenco de retrocessos. E, objetivamente, o Republicanos é a sigla dos filhos de Bolsonaro e de seus candidatos derrotados às prefeituras de São Paulo, Celso Russomanno, e do Rio, Marcelo Crivella. Pereira e o partido caíram na rede certa.

Nas esquerdas, imperou a força da militância. Quando a bancada do PSB abanou asas para Lira/Bolsonaro, provocou uma rebelião nas redes, foi obrigada a recuar e deixou uma lição para os parceiros da esquerda: apoiar o candidato do Bolsonaro era uma fria. Assim, acabou liderando as esquerdas para o trilho racional. Não custa lembrar que a eleição é secreta, acordo com partidos não significa 100% dos seus votos e parte do PSB ainda balança, mas Maia vai indo bem.

Ele, que joga seu futuro e a aglutinação de forças da centro-esquerda à centro-direita para 2022, contra Bolsonaro, enfraqueceu-se com a tentativa de reeleição à presidência no tapetão do Supremo. Mas, depois da primeira carga de críticas, vem confirmando a habilidade política e superando obstáculos. Falta o nome do candidato, que afunila para Baleia Rossi (MDB-SP). Depois, é o tudo ou nada.

Após um hiato “paz e amor” num discurso lido, Bolsonaro culpou Maia pela falta do 13º para o Bolsa Família neste ano. Mirou no presidente da Câmara e acertou no ministro da Economia e no líder do governo. Maia chamou Bolsonaro de mentiroso e ameaçou por em votação, já, a MP que pode prorrogar o auxílio emergencial com R$600, estourando as contas públicas. Sem saída, Guedes foi “obrigado” a admitir que é impossível dar o 13º para o Bolsa Família e Barros eximiu Maia de culpa, dizendo que o governo é que não queria. Logo, o ministro e o líder confirmaram Maia: o presidente mentiu.

Enquanto isso... o Brasil assiste EUA, UE, Inglaterra, Canadá, Chile e até Arábia Saudita vacinando seus cidadãos e o presidente muito ocupado em outras frentes. Se usa a Abin a serviço da família presidencial, o delegado Alexandre Ramagem confirma indiretamente a suspeita de que iria para a PF com essa mesma missão. Se mentir, é falso testemunho. Se contar tudo, é explosivo. Isso fortalece, no Supremo e na opinião pública, as acusações de Sérgio Moro contra o presidente. O centro se articula para 2022 e acompanha tudo de camarote.


Carlos Melo: Saldo ainda mais negativo…

O saldo dos dois anos do governo Bolsonaro é trágico: da economia à política, da cultura aos exemplos que os líderes precisam expressar, quase nada do que se fez ou foi prometido pode ser aproveitado. Só não é pior porque muito do que se pretendeu fazer agravaria ainda mais a situação caso fosse efetivado, são os exemplos da pauta de costumes ou da agenda de Segurança Pública, compromissos do presidente com sua base mais fundamentalista e radical. Contudo, é claro, nada do que disse este parágrafo é consenso; e uma questão importante é compreender o porquê.

O presidente e seus aliados argumentam que o saldo negativo deve ser debitado da conta da oposição – que não existiu –, do espantalho de um “globalismo-comunista” (de ficção), da pandemia que paralisou o mundo em 2020. De fato, o ano foi marcante em todo planeta, em virtude da covid-19. Naturalmente, desse choque decorreram crises econômicas e sociais, tornando esse o período mais dramático desde a segunda guerra mundial, pelo menos.  Mas, no Brasil, por inacreditável que pudesse parecer, o presidente e os seus conseguiram agravar a situação.

Acelerando o processo, a pandemia escancarou a miséria política nacional e revelou que o Brasil é um país que não apenas não tem governo, como há um grupo que imagina governá-lo, tornando o ambiente ainda mais caótico; fazendo das múltiplas crises questões de difícil superação, como que acreditando que para sair de um buraco é necessário cavar mais fundo. Um grupo que investe na desconstrução do país, sem saber o que edificar para proveito de uma sociedade mais ampla e moderna que seus acólitos.

Assim, o saldo de dois anos de governo revela com crueza algo muito pior do que promessas não cumpridas: 2020 encerra uma década perdida, uma década de desatinos e retrocessos, que chegou ao seu final com o país dirigido por um presidente da República incapaz, que, por conta do desconforto dessa  situação, tem sido tratado pelas elites e pelas instituições como inimputável; um parente incômodo e desagradável que não pode ser colocado para fora da festa da família, pois, afinal, existem laços (políticos) que não se quer (ou não se pode) desatar. E que laços seriam esses?

A verdade é que Bolsonaro não está só. Embora evidente, o saldo negativo é tido por uma parcela (delirante) da sociedade brasileira como positivo, e assim o saúda e o defende, sendo irredutível no apoio ao desastre. São setores multifacetados: uns, vítimas da 4ª. Revolução, ressentidos com o Estado, com a democracia e a política que de fato os esqueceu ou os pune, na irredutibilidade da crise econômica, na precariedade do próprio Estado, na ineficiência dos serviços essenciais e das políticas públicas.

Outros que, por índole pessoal e cultural, trazem o gosto de sangue na boca e acreditam nas soluções fáceis e brutas, defendendo o uso irracional da força a partir de um mítico messias gestado no ventre da barbárie social e política. E ainda outros, enfeitiçados pelo canto do ultraliberalismo oco e improdutivo, quando confrontado com os desafios do século 21.

É preciso encarar os fatos, o levantamento mais profundo – que cruza desempenho governamental com dados de pesquisas de aprovação ao governo — demonstra que o saldo desses dois anos é ainda mais negativo do que a evidência das promessas não realizadas. Ele revela o desconforto de um nó político: Bolsonaro não demonstra desempenho administrativo, econômico, social e político que justifique a despesa dos cofres públicos consigo, seu grupo e sua família. Mas, expressando o caos e vocalizando o vazio, é representativo de uma década em que o país se perdeu e que custa a se reencontrar em vista fragmentação e do esfacelamento das demais forças políticas. E isso torna a todos responsáveis.

*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.


Ricardo Mendonça: Sobre promessas e calotes de Bolsonaro

O Brasil estaria pior se ele não tivesse esquecido seu plano

Na virada de 2020 para 2021, daqui a duas semanas, Jair Bolsonaro completa dois anos na Presidência. A metade exata de seu mandato é uma ótima ocasião para um balanço de realizações e do andamento das promessas feitas em 2018.

À primeira vista, um balanço assim parece exercício simples de ser feito. Com meio mandato percorrido, seria razoável esperar que Bolsonaro estivesse com algo próximo a 50% das promessas executadas. Ou que as metas estivessem 50% implementadas - pouco mais ou pouco menos, considerando as dificuldades inerentes e as variações de conjuntura.

Só que não.

A primeira dificuldade é identificar o que Bolsonaro prometeu em 2018. A forma mais óbvia, recorrer ao programa formal de governo, é também a mais inútil. Toscamente organizado e pessimamente redigido, o documento “O Caminho da Prosperidade”, protocolado no TSE, é uma peça imprestável com ponto de partida para uma análise minimamente razoável.

Trata-se de uma apresentação de 81 páginas que amontoa colagens de fotos e gráficos despadronizados com slogans vazios (“faremos uma aliança da ordem com o progresso”), compromissos genéricos (“enfrentaremos os grupos de interesses escusos”), muito conspiracionismo (“enfrentaremos o viés totalitário do Foro de São Paulo”) e pitadas de autoajuda (“SOMOS MUITO MAIS FORTES que todos esses problemas”, assim mesmo, com maiúsculas). Áreas inteiras são ignoradas, como meio ambiente, e não há metas nem prazos fixados. Como medir o desempenho de um governo a partir de uma base assim? Não dá.

Outra caminho é fazer um apanhado dos poucos compromissos objetivos do plano e juntar o suco ralo com falas dispersas de Bolsonaro em entrevistas e propaganda. Com ajuda dos jornais da época, é possível montar um conjunto mínimo de promessas mensuráveis feitas pelo capitão reformado dois anos atrás, lista que, lida hoje, longe do calor da campanha, talvez até surpreenda pelo radicalismo e pela ambição. Eis a relação:

- Eliminar o déficit público primário em um ano;

- Reduzir a carga tributária, simplificar e unificar tributos;

- Criar a carteira de trabalho verde e amarela, para que o jovem possa optar por um regime desvinculado da CLT, e eliminar a unicidade sindical;

- Criar isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 salários mínimos e criar alíquota única de 20% no IR;

- Promover uma reforma da Previdência que implique num modelo de capitalização com contas individuais;

- Criar um 13º pagamento permanente no Bolsa Família;

- Liberar o porte de armas para toda a população, reduzir a maioridade penal, acabar com a progressão de pena, a saída temporária de detentos e as audiência de custódia;

- Criar o chamado excludente de ilicitude, dispositivo que isenta policiais de responder por mortes cometidas;

- Ampliar o número de ministros do STF de 11 para 21;

- Resgatar o projeto Dez Medidas Contra a Corrupção;

- Implementar o projeto Escola Sem Partido, construir pelo menos um colégio militar em cada capital e extinguir as cotas raciais nas universidades;

- Extinguir o Ministério do Meio Ambiente (MMA);

- Tipificar atos do MST e do MTST como ações terroristas;

- Tirar o Brasil do Conselho de Direitos Humanos da ONU;

- Acabar com a distribuição de cargos e liberação de emendas em troca de apoio no Congresso.

Do conjunto, é possível dizer que Bolsonaro se esforça para facilitar o acesso às armas e que tentou extinguir o MMA e criar o tal excludente de ilicitude. Fracassou nas duas tentativas. Em relação ao 13º do Bolsa Família, um abono foi pago no fim de 2019, mas o mesmo não ocorrerá em 2020. Neste caso, ele pode se defender citando o auxílio emergencial como substituto.

Em todo o resto, o que há até agora é um rotundo calote.

Bolsonaro mais atrapalhou do que ajudou na reforma da Previdência. E o que foi aprovado, muito mais por mérito do Congresso, não guarda semelhança com o que ele dizia em 2018.

Algumas ideias foram esquecidas. É provável que ele ainda defenda, retoricamente, uma ou outra coisa. Mas na maioria dos casos, sequer tentou encaminhar projeto.

Já a rendição ao Centrão, em face da promessa de repúdio aos velhos métodos, soa como o mais puro estelionato eleitoral.

Feitas essas constatações, duas questão emergem para reflexão. Primeira: Seria desejável que Bolsonaro cumprisse suas promessas? Segunda: Os eleitores e admiradores do capitão tendem a abandoná-lo quando (ou se) se deram conta da distância entre promessas e realidade?

As respostas para as duas perguntas são não e não.

Embora, por princípio, o que se espera de um governante é que ele cumpra com sua palavra, parece não restar dúvida de que o Brasil estaria pior hoje (ou ainda pior) se Bolsonaro levasse a cabo a maior parte do que anunciou em 2018.

Até os mais fanáticos sabem que o projeto de elevar o número de ministros do STF para 21 não era inspirado na necessidade de melhoria do Judiciário. No contexto em que foi citado, era muito mais um desejo de captura o tribunal. O mesmo vale para o Escola Sem Partido, com seu indisfarçável desejo de perseguição a professores, e outras propostas meramente destrutivas relacionadas à segurança, meio ambiente e direitos humanos.

Mas e o eleitor bolsonarista? Alguém pode esperar queda de popularidade em razão do abandono de promessas? A julgar pelas pesquisas, isso não ocorrerá. No Ibope, Bolsonaro tem 35% de aprovação, exatamente o mesmo patamar de seu quarto mês de mandato.

E numa avaliação mais subjetiva, a manutenção de Bolsonaro na Presidência talvez represente para uma parcela significativa de seus eleitores o atendimento de dois anseios muito fortes de 2018.

Quem, revoltado com a política, votou em Bolsonaro pelo desejo vingativo de ver um personagem vulgar no topo do sistema, tem hoje o que queria. E quem votou pelo único desejo de ver o PT longe do poder, confirmou, nas eleições municipais, que a coisa parece estar funcionando.


Ribamar Oliveira: O grande teste para o teto será em 2021

Salário mínimo deve ficar em torno de R$ 1.095 no próximo ano

O valor da despesa total da União em 2021, que consta em anexo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada ontem pelo Congresso Nacional, está subestimado. A principal razão é que, em seu cálculo, o Ministério da Economia considerou um INPC de apenas 4,1% neste ano.

Com isso, chegou a um valor para o salário mínimo inferior ao que será efetivamente pago a partir de janeiro. O mais provável é que o piso salarial do Brasil fique próximo de R$ 1.095,00, e não do R$ 1.088,00 divulgado nesta semana pelo governo.

O valor de R$ 1.095,00 foi obtido com a aplicação de um INPC de 4,8% neste ano. No acumulado de janeiro a novembro, ele está em 3,93%. Os analistas de mercado esperam que o INPC em dezembro fique em 0,88%, de acordo com as estimativas coletadas pelo Banco Central e disponíveis em sua página na internet. Como os preços estão em alta, ele poderá ser ainda maior.

O INPC é de fundamental importância para a estimativa da despesa da União porque ele corrige o salário mínimo, que é o piso dos benefícios previdenciários e assistenciais, e reajusta também os benefícios de quem ganha acima do piso. A variação de 0,1 ponto percentual no INPC gera um acréscimo de despesa de R$ 768,3 milhões, de acordo com estimativa feita pela Secretaria do Tesouro Nacional, em seu último relatório de riscos fiscais, divulgado em novembro.

Se o índice for de 4,8%, ele ficará 0,7 ponto percentual acima daquele projetado pelo governo no anexo da LDO. Esse 0,7 p.p. resultará em uma despesa adicional para os cofres públicos de R$ 5,378 bilhões (sete vezes R$ 768,3 milhões), acima da previsão feita pelo governo.

Essa questão é importante porque, na terça-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, encaminhou ofício ao Congresso Nacional, fixando uma meta de déficit primário de R$ 247,1 bilhões para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) em 2021. Junto com o ofício, ele encaminhou um anexo de riscos fiscais, no qual consta a previsão de que as despesas discricionárias (investimentos e custeio da administração, exceto gasto com pessoal e encargos dos servidores) da União, no próximo ano, ficarão em R$ 83,9 bilhões.

Na proposta orçamentária para 2021, encaminhada ao Congresso no fim de agosto, o governo estimou que as despesas discricionárias ficariam em R$ 96 bilhões. Houve, portanto, uma redução de R$ 12,1 bilhões. A diminuição tem duas explicações. A proposta orçamentária foi elaborada com a previsão de 2,09% para o INPC e não incluiu a despesa com a prorrogação da desoneração da folha de salários de 37 setores da economia. No anexo ao ofício de Guedes, a despesa é reestimada com base em um INPC de 4,1% e com a inclusão da despesa com a desoneração da folha de salários no próximo ano.

Questionada pelo Valor, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) esclareceu ontem que na previsão de R$ 83,9 bilhões para as despesas discricionárias está incluída a quantia de R$ 4 bilhões para a capitalização de empresas estatais no próximo ano. A despesa com a capitalização é excluída do teto de gastos. Assim, as despesas discricionárias efetivas em 2021 (aquilo que o governo vai dispor para pagar investimentos e o custeio da máquina) seria de R$ 79,9 bilhões.

Mas, como foi explicado no início desta coluna, a estimativa do anexo da LDO foi elaborada com base em um INPC de 4,1%. Se o índice ficar em 4,8%, será necessário acrescentar R$ 5,378 bilhões às despesas obrigatórias e reduzir igual valor nas discricionárias para cumprir o teto de gastos. Assim, as despesas discricionárias efetivas no próximo ano (não considerando a capitalização de estatais e as emendas parlamentares) ficarão em R$ 74,5 bilhões (R$ 79,9 bilhões menos R$ 5,378 bilhões), o menor valor da história.

Há uma estimativa na área técnica de que um valor abaixo de R$ 85 bilhões de despesas discricionárias representa risco de paralisia de serviços públicos - o chamado “shutdown”. O próximo ano será o grande teste para a teoria. Um grande teste também para o teto de gastos, pois os números estão mostrando que o Orçamento de 2021 não cabe no teto.

Há outras indicações de que a despesa está subestimada. O crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários que consta do anexo da LDO, por exemplo, é de apenas 1,7%, muito baixo mesmo considerando o impacto da reforma da Previdência.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, acompanha atentamente as contas públicas brasileiras. Depois de ler o anexo de riscos fiscais enviado ao Congresso no ofício do ministro Paulo Guedes, Salto manifestou preocupação. “As contas estão pouco transparentes e o risco fiscal é elevado”, disse, em conversa com o Valor. “De duas, uma: chance alta de romper o teto na execução ou paralisação da máquina pública com mais cortes de discricionárias, já num nível de R$ 83,9 bilhões, sem emendas, que é historicamente baixo”, afirmou.

Sem base

O ano termina com uma triste constatação: o governo não possui, atualmente, uma base política que lhe permita aprovar as reformas estruturais indispensáveis para a retomada sustentável do crescimento econômico.

O indicador mais contundente dessa realidade é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial que está sendo relatada pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC). O relator desistiu de apresentar seu parecer depois que verificou a inexistência de acordo entre os líderes partidários para a adoção de medidas de ajuste fiscal, que sustentariam a manutenção do teto de gastos por, pelo menos, mais alguns anos.

Inconformado com a derrota, o Ministério da Economia tentou apresentar uma emenda ao projeto de lei complementar 101/2020, que promoveu nova renegociação das dívidas de Estados e municípios, com um “gatilho” para o teto de gastos. O Valor teve acesso à emenda preparada pela Economia. Ela previa que quando as despesas obrigatórias submetidas ao teto superassem 94% da despesa primária total, os chefes dos três Poderes da Republica poderiam acionar medidas de ajuste, as mesmas que constam da emenda constitucional 95/2016. Mais uma vez, a proposta de Guedes não foi apoiada pela base governista. E a emenda nem sequer chegou a ser formalizada.


Ribamar Oliveira: O novo problema no teto de gastos

Descasamento de índices prejudica 2021 mas ajuda em 2022

Para dificultar ainda mais a sustentabilidade do teto de gastos - a única âncora fiscal do país - surgiu um novo problema que estava fora do radar de todos. O descasamento entre o índice que corrige o limite anual para as despesas da União e o índice que corrige o salário mínimo e, consequentemente, os gastos previdenciários e assistenciais. Este é o grande imbróglio deste fim de ano na área fiscal.

O problema não decorre do fato de que o teto de gastos é corrigido pelo IPCA, e o salário mínimo, pelo INPC. Mas, sim, da periodicidade dos reajustes. A emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos, determina que o limite anual para a despesa da União será corrigido pelo IPCA acumulado no período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária. Já o salário mínimo, é corrigido em janeiro de cada ano pelo INPC acumulado no ano anterior.

Para 2021, o teto de gastos foi corrigido em 2,13%, que foi o índice acumulado do IPCA de julho de 2019 a junho de 2020. O salário mínimo será corrigido por um INPC que poderá superar 5%. A última previsão do governo foi de que o índice ficaria em 4,2%. Mas, ela foi feita antes da decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de acionar a bandeira vermelha patamar 2 em dezembro.

Só essa medida deverá impactar a inflação em 0,5 ponto percentual, estimam técnicos oficiais. Em novembro deste ano, o INPC foi pressionado, principalmente, por altas dos alimentos, com o índice ficando em 0,95%. No acumulado de janeiro a novembro, o índice já está em 3,93%. Quanto mais elevado for o INPC neste ano, maior será a dificuldade para o governo federal cumprir o teto de gastos em 2021.

Em resumo, a situação é a seguinte: o teto de gastos para 2021 foi reajustado em apenas 2,13%, enquanto as despesas previdenciárias e assistenciais, que são obrigatórias, poderão ser aumentadas em mais de 5%, dependendo do INPC deste ano. Se as principais despesas vão crescer mais, o teto ficou muito mais apertado do que era antes.

A primeira pergunta que se coloca é porque a EC 95/2016 estabeleceu esse descasamento entre os índices que reajustam o teto e o salário mínimo. Na verdade, a proposta que saiu da equipe econômica do ex-presidente Michel Temer reajustava o teto pelo IPCA “cheio” do ano anterior ao da lei orçamentária. Ou seja, pelo IPCA acumulado de janeiro a dezembro do ano imediatamente anterior.

A periodicidade foi alterada durante a tramitação da proposta no Congresso. A mudança foi feita para que, no momento da elaboração da proposta orçamentária, que ocorre de julho a agosto de cada ano, o Executivo e os demais Poderes da República já tivessem clareza do espaço que teriam para gastar no ano seguinte, ou seja, qual seria o seu limite individual para as despesas no exercício.

Uma das preocupações que motivaram a mudança foi a de evitar a adoção de um IPCA superestimado durante a elaboração e votação da proposta orçamentária, o que obrigaria cortes posteriores para que as despesas ficassem dentro do teto durante a execução do Orçamento.

Uma fonte da equipe de Temer disse ao Valor que foram feitas várias simulações sobre o descasamento. Elas mostraram a necessidade de aprovar medidas de contenção das despesas e deixar um espaço nos gastos discricionários (investimentos e custeio da máquina) para acomodar eventuais oscilações do descasamento.

Em 2018, por exemplo, o descasamento ajudou a cumprir o teto de gastos. Em maio daquele ano houve uma greve geral dos caminhoneiros que paralisou o país. Por causa dela, os preços dispararam em maio e junho, elevando o IPCA, que corrige o teto. Em seguida, a inflação caiu, reduzindo o INPC. Isso permitiu uma situação mais folgada em 2019, o primeiro do atual governo.

Se o descasamento dos índices torna muito difícil cumprir o teto de gastos em 2021, ele ajudará a cumprir o teto em 2022. Essa é a grande contradição de toda a história. Desde julho deste ano, a inflação ganhou impulso, por uma série de razões. Os especialistas acreditam, no entanto, que ela vai perder ímpeto no início do próximo ano, atingindo o seu pico (no acumulado em 12 meses) em meados do ano, com queda acentuada a partir daí.

Ou seja, muito provavelmente, o IPCA que reajustará o teto de gastos para 2022 ficará bem acima do INPC que aumentará o salário mínimo e as despesas com benefícios previdenciários e assistenciais. Por causa dessa questão estatística, o teto vai “esticar”, o que poderá facilitar o seu cumprimento no último ano do governo Bolsonaro. Desse ponto de vista, o grande desafio será cumprir o teto no próximo ano. “A questão é como fazer a travessia de 2021”, disse uma fonte.

A proposta orçamentária para 2021, enviada pelo governo ao Congresso Nacional em agosto passado, utilizou um INPC de apenas 2,09% para corrigir o salário mínimo. Não é nem a metade do índice que será registrado neste ano. Assim, as despesas previdenciárias e assistenciais que foram programadas para o próximo ano estão subestimadas e terão que ser corrigidas. As estimativas preliminares indicam que os gastos deverão aumentar cerca de R$ 17 bilhões. Este seria o tamanho do corte nas despesas discricionárias necessário para cumprir o teto.

As fontes oficiais ouvidas pelo Valor advertiram, no entanto, que os cálculos ainda estão sendo realizados e dependem de informações da Secretaria Especial da Previdência e Trabalho. Há indicações concretas de que a despesa com benefícios previdenciários neste ano - que serve de base para a projeção da despesa em 2021 - vai ficar bem abaixo do que estava inicialmente previsto. Fala-se que o gasto poderá ser menor em mais de R$ 7 bilhões. Provavelmente, isto está relacionado ao fato de que, durante a pandemia, muitos benefícios previdenciários não foram concedidos.

É difícil saber qual será a realidade do próximo ano nessa área. O governo vai tentar reduzir o imenso estoque de pedidos de benefício atualmente existente? Ou a pandemia continuará impedindo o atendimento da justa demanda dos cidadãos?