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Alex Ribeiro: Encurtamento da dívida deixa país vulnerável

Súbita mudança de humor dos mercados é risco para estratégia de emitir títulos públicos de curto prazo

Dois ex-presidentes do Banco Central alertaram, nos últimos dias, para os riscos da tendência de encurtamento do prazo da dívida pública, num ambiente de muita incerteza sobre a manutenção do teto de gastos, a principal âncora fiscal do país. O Tesouro Nacional pode até ganhar algum tempo emitindo títulos públicos de curto prazo, mais baratos. Mas ficará cada vez mais vulnerável a uma súbita mudança de humor dos mercados.

Arminio Fraga, da Gávea Investimentos, citou um número que sintetiza o perigo: pelo andar da carruagem, o Tesouro terá que captar no mercado o equivalente a 46% do Produto Interno Bruto (PIB) em 12 meses, para rolar os títulos que vencem no período, para pagar os juros da dívida e para bancar o altíssimo déficit primário do governo.

O fantasma é um eventual repeteco do que aconteceu em 2002, quando o próprio Arminio chefiava o BC. Os investidores se tornaram mais relutantes em financiar o governo, diante das dúvidas sobre o compromisso do então candidato Luis Inácio Lula da Silva com a austeridade fiscal. “O governo não conseguia vender papéis que venciam em 2003”, disse, referindo-se ao ano em que começaria o novo governo. A bomba só foi desarmada quando Lula se comprometeu a manter o ajuste das contas públicas.

O economista Affonso Celso Pastore explicou a dinâmica que tem empurrado o Tesouro para o encurtamento da dívida. Hoje, a taxa que o Tesouro paga para se financiar no curto prazo está entre 2% e 3% ao ano, enquanto que nas captações de dez anos paga algo como 7% ao ano. A diferença entre a taxa de curto prazo e a de longo prazo, de cerca de 4,5 pontos percentuais, representa justamente o risco fiscal.

A perspectiva é que a dívida bruta supere 100% do PIB e, até agora, o governo Bolsonaro não mostrou claramente como pretende manter o teto de gastos. Do ponto de vista do Tesouro, argumentou Pastore, faz sentido e é totalmente sensato captar no curto prazo, pagando juros menores. Com isso, reduz o custo implícito da dívida pública. Os juros que o Tesouro paga na dívida são um componente importante nos cálculos da dinâmica da dívida. A desvantagem é que o Tesouro fica com um perfil de dívida desfavorável, com vencimento em um prazo mais curto.

“Se isso for temporário, não tem muita importância”, afirmou ele, “Se isso se estender ao longo do tempo e você tiver um aumento de riscos, o Tesouro vai ter que seguir resgatando os títulos longos e colocando títulos curtos.” Para ele, o acúmulo desse risco é um alerta importante “para que o governo tenha juízo e retorne ao teto de gastos”. Os dados divulgados pelo Tesouro nos últimos dias mostram como o encurtamento da dívida pública vem ocorrendo de forma acelerada.

De dezembro para junho, o prazo médio da dívida baixou de 3,83 meses para 3,68 meses. Há pouco tempo atrás, o prazo médio da dívida era de 4,5 anos. Mas essa estatística deixa de fora a atuação do Banco Central por meio das operações compromissadas, que são operações de curtíssimo prazo que impactam a dívida bruta. No primeiro semestre, o déficit primário do governo central ficou em R$ 417,241 bilhões, em grande medida devido aos gastos extras e perda de arrecadação com a pandemia. Com forte volatilidade nos mercados, não foi possível ao Tesouro levantar dinheiro para financiar esses gastos. Desse déficit primário, apenas R$ 3,374 bilhões foram bancados com a emissão de dívida. A maior parte foi financiada por meio de operações compromissadas. Uma outra parte foi pela emissão de moeda, já que a população passou a demandar mais dinheiro em espécie na pandemia. No caso das compromissadas, não foi um financiamento direto do BC ao Tesouro. O Tesouro sacou dinheiro da conta única para pagar despesas e, em seguida, a autoridade monetária enxugou o excesso de dinheiro em circulação.

Do ponto de vista da dívida bruta, porém, faz pouca diferença. O débito aumentou e ficou com prazo mais curto. Os operações compromissadas de curtíssimo prazo subiram de 13% do PIB para 19% do PIB, enquanto que a dívida mobiliária subiu de 50,7% do PIB para 52,8% do PIB.

Na prática, o que aconteceu durante o primeiro semestre, num período de grande estresse, foi parecido com as operações de expansão quantitativa feitas por países desenvolvidos. O Banco Central ajudou a encurtar o prazo da dívida pública, tirando um pouco de pressão da curva de juros futuros. A diferença é que, no caso atual, o dinheiro para resgatar títulos do Tesouro veio da conta única. O Tesouro tem um bom fôlego para fazer essas operações, se necessário, já que a conta única tinha um saldo de R$ 997 bilhões em junho. Além disso, o Tesouro vai receber do BC um reforço dos lucros com operações com as reservas internacionais. Mas, se o quadro se prolongar e não houver recursos na conta única, em tese o Banco Central poderá comprar diretamente títulos em mercado, com os poderes que foram conferidos por uma emenda constitucional.

Um economista com longa experiência no Tesouro diz que uma dívida pública curta é sempre um problema, principalmente em um cenário de deterioração fiscal, dívida crescente e juros historicamente baixos. “Em 2002, o Tesouro teve que vender títulos pós-fixados de três meses com prêmios crescentes”, lembra. O Brasil tem alguns atenuantes importantes, como uma baixa participação de estrangeiros no financiamento da dívida e falta de opções de investimentos para investidores institucionais. Na época da hiperinflação, o governo conseguia rolar a dívida no overnight, mas pagava juros de 3% ao dia.

Agora, com os juros em 2,25% ao ano, o Tesouro já não tem a mesma facilidade de vender títulos pós-fixados.

O argumento de Arminio e Pastore é que o encurtamento do prazo da dívida pública pode ser uma estratégia para ganhar tempo enquanto são tomadas as medidas de ajuste fiscal. Mas esse tempo não pode ser desperdiçado. As medidas que podem sustentar o teto de gastos, como a PEC Emergencial e a reforma administrativa, parecem totalmente fora das prioridades do governo e do Congresso. Ao contrário, são muitas as forças para flexibilizar o teto de gastos.


Ribamar Oliveira: Diminuiu o tamanho do ajuste fiscal necessário

Simulações do Ibre indicam que “é possível e provável” que a dívida pública se estabilize nos próximos anos até mesmo com déficits primários

Um fenômeno brasileiro recente ainda não foi devidamente explicado pelos economistas. Hoje, existe quase um consenso de que houve uma mudança estrutural da taxa de juros no Brasil. Três anos atrás, a taxa básica (Selic) estava em 14,25% ao ano. Hoje, está em 5,5% ao ano, com perspectiva de cair ainda mais.

No mesmo período, o setor público brasileiro continuou registrando elevados déficits primários em suas contas, com crescimento da dívida bruta, que chegou perto de 80% do Produto Interno Bruto (PIB). A perspectiva é de que a dívida continuará em elevação e o setor público com déficit primário nos próximos anos. Como foi possível os juros caírem tanto com este dramático quadro fiscal?

A mudança dos juros no Brasil está sendo considerada estrutural porque ninguém acredita que a Selic voltará ao patamar de dois dígitos em horizonte previsível. Pelo menos até agora não houve manifestação contrária, embora alguns desconfiem que taxa de juros tão baixa no Brasil não deve perdurar por muito tempo.

O fenômeno ainda não explicado e impressionante, pelo curto prazo em que ocorreu e pelas condições fiscais, terá consequências notáveis. Ele tem levado a uma taxa muito baixa de financiamento da dívida pública. O Tesouro Nacional está vendendo títulos com taxa de juro real de 2,6% ao ano (NTNB), com prazo de cinco anos, o que era inimaginável há pouco tempo.

Como resultado do atual fenômeno de queda dos juros, o setor público brasileiro pagará, neste ano, possivelmente, uma conta de juros semelhante ao que pagava quando a dívida pública era de 51% a 53% do PIB, estimou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, na semana passada, quando comentou o resultado fiscal de agosto. No fim daquele mês, a dívida bruta do setor público estava em 79,8% do PIB, de acordo com o Banco Central.

Na visão de Mansueto, se o governo conseguir acelerar as privatizações de empresas estatais e garantir que o BNDES pague antecipadamente os empréstimos que recebeu do Tesouro, o cenário para a trajetória da dívida será ainda mais benigno.

O secretário observou que, no atual cenário, os economistas de vários bancos estimam que para estabilizar a dívida como proporção do PIB é necessário um superávit primário de apenas 1% do PIB. Em passado não muito distante, o entendimento que predominava no mercado era que o setor público teria que fazer um superávit primário de 2,5% do PIB ou, até mesmo, de 3% do PIB.

Em artigo publicado nesta semana no Valor, o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, concorda que a redução da Selic, com a consequente diminuição das taxas de juros da dívida, “resulta na redução do resultado primário de equilíbrio necessário para estabilizar a dívida”. As simulações que ele fez indicam que “é possível e provável” que a dívida pública se estabilize nos próximos anos até mesmo com déficits primários.

Pires, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, no início de 2016, destaca, no artigo, que a melhor métrica para avaliar o quadro fiscal é a do resultado estrutural, pois o resultado primário é contaminado por uma série de efeitos de curto prazo, como eventos não recorrentes e pelo ciclo econômico que está desfavorável. O resultado estrutural, observa, expurga esses efeitos e permite uma visão da condição de longo prazo da política fiscal.

O resultado primário estrutural de 2018, apurado pelo governo, indicou um déficit primário de 0,7% do PIB. Considerando a evolução da política fiscal em 2019 e o Orçamento da União para 2020, as estimativas de Pires apontam que o resultado estrutural ficará em um déficit de 0,29% do PIB. Na metodologia divulgada pelo Observatório de Política Fiscal, calculada pelo economista Bráulio Borges, a estimativa é que, em 2020, o resultado primário estrutural seja positivo em 0,15% do PIB.

Diante deste cenário, Pires considera que uma das prioridades do governo “deveria ser recuperar a economia e fechar o hiato do produto para o resultado fiscal melhorar de forma mais evidente”. Para ele, o debate se volta para a margem de segurança que o governo deseja obter e a velocidade que deve impor para a queda da dívida nos próximos anos.

“É recomendável trabalhar com uma margem de segurança para absorver choques no futuro, mas não há nenhuma necessidade de manter um ajuste criando uma situação de paralisia das atividades governamentais e baixo investimento”, diz no artigo.

Embora acredite que a situação mudou para melhor, o secretário do Tesouro tem outra visão do que deve ser feito. Ele lembrou, na semana passada, que a despesa primária da União era equivalente a 19,9% do PIB em 2016 e que deve fechar este ano em 19,7% do PIB, ou seja, só 0,2 ponto percentual abaixo. “Dado que eu quero, até 2026, cortar despesas equivalentes a 4% do PIB, 90% do ajuste fiscal ainda precisa ser feito”, afirmou.

Mansueto disse que a dívida pública está em quase 80% do PIB, patamar muito elevado em comparação com os demais países emergentes e que a projeção do governo é que ela continuará crescendo até 2022. “Em um cenário como esse, o nosso desafio não é ficar com uma dívida tão alta, mas fazer com que ela caia”, afirmou. “Se ficarmos com dívida elevada e, daqui a dois ou três anos tivermos algum problema, não teremos capacidade de fazer política fiscal anticíclica.”

Para o secretário, se a dívida bruta estivesse em torno de 55% do PIB, o governo teria espaço para aumentar o endividamento e fazer política anticíclica. “Mas esse espaço no Brasil desapareceu, justamente porque está com um nível de endividamento muito alto.” Além de alta, a dívida tem um prazo médio muito curto.

Ele lembrou que os Estados ainda estão com um ajuste fiscal a fazer. “Quando tivermos um cenário mais claro da dívida em queda, aí sim poderemos discutir a questão de investimentos e cenários fiscais diferentes”, afirmou.

São duas visões distintas sobre o que fazer na área fiscal daqui para frente, em um cenário muito benigno de inflação e juros baixos, pela primeira vez em muitos anos.


O Estado de S. Paulo: Governo deve ter superávit de R$ 2,3 bi, diz IFI

Instituição do Senado prevê que governo deve ter superávit de R$ 2,3 bi

Por Idiana Tomazelli, de  O Estado de S. Paulo

O governo deve registrar um superávit de R$ 2,3 bilhões em suas contas em novembro, segundo estimativa da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado divulgada no último dia 23. O resultado, se confirmado, reverte o déficit de R$ 39,5 bilhões observado em novembro de 2016 nas contas do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social).

Com esse resultado, o governo chega ao penúltimo mês com um déficit acumulado de R$ 101 bilhões, segundo a IFI. Isso abre espaço para uma aceleração dos gastos discricionários até o fim de dezembro, ou para entregar um resultado melhor do que o permitido pela meta fiscal, que autoriza déficit de R$ 159 bilhões.

O resultado oficial será divulgado pelo Tesouro Nacional na próxima terça-feira. Segundo a IFI, as contas do mês passado foram fortemente influenciadas pelas arrecadações de outorgas de leilões nos setores de energia elétrica e petróleo e de programas de parcelamento de débitos tributários (Refis).

“Esse desempenho colocará o governo em situação bastante confortável para o cumprimento da meta fiscal. Vale lembrar que dezembro deve contar com o ingresso de mais receitas provenientes das concessões de petróleo e gás e aeroportos (cerca de R$ 13 bilhões), o que favorece ainda mais o quadro fiscal para o último mês do ano”, diz o relatório. O quadro melhor já levou o governo a desbloquear esta semana R$ 5 bilhões do Orçamento.