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Revista online | O protagonismo indígena e o Ministério dos Povos Indígenas
Marcos Terena*, escritor indígena, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)
O chamado protagonismo indígena não pode ser tratado como ação de um partido político, de um governo ou de uma organização indígena apenas.
Ao longo do tempo, a grande caminhada indígena para afirmar sua soberania e dignidade começou, talvez, naquele dia em que Caramuru, o português Borba Gato, chegou com um litro de aguardente e ameaçou queimar as águas dos rios, caso não lhe fosse mostrado onde encontrar as pedras preciosas.
Não se deve desconsiderar as formas de vida, a inteligência, a economia sustentável e os mistérios espirituais indígenas e suas relações com a Mãe Terra em cada bioma.
Durante todo o processo colonizador, em que mais de mil povos ancestrais desapareceram, a aplicação da meia verdade tornou-se uma moeda corrente, inclusive para justificar a instituição do paternalismo, da dominação e da falsa ideia do enriquecimento fácil, como o arrendamento territorial.
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No final dos anos 1970, os chefes indígenas de vários povos e regiões passaram a conhecer os caminhos do poder de Brasília e a observar como eram e ainda são invisíveis aos olhos do poder público, do Judiciário, do Legislativo e do próprio Executivo.
É preciso recordar que as questões indígenas eram tratadas como casos de segurança nacional e, recentemente, como casos de polícia.
No entanto, o protagonismo indígena nunca parou de avançar. Aquele protagonismo tribal ou comunitário da dignidade, da inteligência e da coragem que mostra os chefes Mario Juruna e Celestino Xavante sempre renasce e está vivo na nova geração a partir do conceito “posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”.
São sementes históricas marcantes das quais não se deve esquecer, especialmente pelos jovens indígenas que acessaram a universidade por sistemas de cotas articuladas e negociadas pelo mesmo protagonismo indígena.
No ano de 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, os povos indígenas se uniram para mostrar que “caminhamos em direção ao futuro, nos rastros de nossos antepassados”. Dessa forma, o fogo sagrado do bem viver foi aceso para recordar o valor ancestral do vínculo com a Mãe Terra e os compromissos com todos.
O movimento indígena, nos últimos anos, vem criando as condições possíveis para construir uma política indigenista dentro do sistema governamental. Afinal, as regras de afirmação já estão postas na Constituição Federal ou no cenário internacional, como na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou na Declaração da ONU sobre os direitos indígenas.
Depois, surgiram jovens indígenas que passaram a dominar a linguagem dos grandes debates internacionais após a RIO 92 e a COP 8, eventos realizados no Brasil sobre meio ambiente e diversidade biológica. Seguiram essas agendas os debates na COP 27, no Egito, e na COP 15, em Ottawa, agora sob a roupagem de mudanças climáticas e proteção à biodiversidade e conhecimentos indígenas.
A realidade brasileira indígena, devido a essa gama de articulações, de certa forma, encurralou o sistema governamental ao mostrar essas credenciais, como ocorreu no encontro com o presidente Lula e a primeira dama Janja, no Egito, apresentando a fatura por programas e compromissos factíveis com a realidade dos mais de 300 povos e 240 línguas, por exemplo. Além do Ministério dos Povos Indígenas, também houve proposta para criação de uma Universidade Intercultural e até de um centro de pesquisa e proteção à saúde indígena, com a novidade de ser coordenada pelo próprio protagonismo indígena.
O Ministério dos Povos Indígenas chegou, e Lula, em ação inédita, assinou o ato que o torna parte da história, ao nomear a primeira ministra indígena, a deputada Sonia Guajajara, eleita por São Paulo.
Veja, abaixo, galeria:
Mesmo com a assinatura desse ato, não podemos pensar que isso signifique a solução de todos os problemas dos mais de 500 anos de invasão e as demandas da modernidade, mas, sim, a responsabilidade do presidente do Brasil no cenário nacional e internacional de contribuir com a pavimentação desse caminho que não é indígena. Isto porque os inimigos dos indígenas existem e se organizam sob o manto da democracia parlamentar.
Mais uma vez, os povos indígenas, com direito a quase 15% do território nacional onde está a resposta para o bem viver mundial, contribuem novamente para o resgate da afirmação da identidade cultural brasileira e, em especial, da credibilidade internacional. O país é megadiverso.
O protagonismo indígena independente do governo. Deve estar organizado para o bom combate, como a demarcação territorial e a gestão das terras indígenas, e ter como estímulo a mensagem do chefe Sepeti Arajú: “Esta terra tem dono!”
Sobre o autor
*Marcos Terena é escritor indígena, fundador do primeiro movimento indígena, da tradição Xumono e articulador dos direitos indígenas.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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El País: O que o Exército está insinuando sobre as eleições?
Comandantes militares pediram um ambiente de tranquilidade política que permita a realização de “um processo eleitoral tranquilo”
Juan Arias
Os comandantes militares exortaram à criação no país de um ambiente de tranquilidade política que permita, ano que vem, a realização de “um processo eleitoral tranquilo”, de acordo com um documento ao qual o jornal Folha de S. Paulo teve acesso. O que a cúpula do Exército está insinuando? Freud alertou que as palavras podem indicar mais do que expressam, porque revelam nosso subconsciente. E não é preciso ser um especialista em semiótica para saber ler o que está implícito na linguagem. Por isso, é importante entender o que os militares entendem por eleições “tranquilas”.
O Exército, que em sua alta hierarquia afirma apoiar o processo democrático e sua fidelidade às instituições, deve possuir informações privilegiadas sobre o que ocorre no país. É possível que os comandantes conheçam a existência de interessados em contaminar as eleições criando um clima de desassossego eleitoral. Não é um segredo que nas próximas eleições o Brasil, que não é uma república das bananas, mas um ator essencial dentro e fora do continente, tem muito em jogo. É o final de um ciclo histórico e estão sob suspeita muitos interesses abertos e ocultos, sejam políticos ou econômicos, que podem depender do resultado de eleições limpas.
Não por acaso a presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, acaba de afirmar que “corremos o risco de não ter eleições com essa crise institucional”. A que crise concreta ela se refere? Está querendo indicar que os brasileiros perderam a confiança não só em seus políticos, mas até em suas instituições democráticas? E se for assim, existe o perigo real de que as eleições possam ser abortadas e com quais consequências? E quem teria interesse em que não se realizassem ou que amanhã sejam impugnadas eleições que deveriam colocar o ponto final do chamado “golpe” contra Dilma, que deixou feridas ainda abertas que Lula tentou cicatrizar com sua frase já célebre e enigmática “estou perdoando os golpistas desse país”?
Gleisi, que fala com menos diplomacia do que os militares sobre o perigo que as eleições podem sofrer, antecipou que os interessados em boicotá-las “são os golpistas”, a direita. Ninguém ainda expressou abertamente, mas é possível que muitos políticos importantes, de direita e esquerda, pelo temor de que tanto eles como seus partidos sejam varridos após as acusações de corrupção que lhes inquietam, possam estar interessados em que as eleições, como parecem insinuar os militares, não se realizem em um clima de tranquilidade. No Congresso já se preparam para “afrouxar”, por exemplo, a lei da Ficha Limpa, que pode impedir que muitos políticos corruptos concorram nas eleições.
O PT, que é um dos grandes que chega mais vulnerável a essas eleições, começou, por exemplo, a considerar a possibilidade de “boicotar” as eleições se a Justiça impedir Lula de disputá-las. A presidenta Gleisi disse, em uma entrevista recente à BBC Brasil, que as eleições poderão ser consideradas uma “fraude” se Lula não puder ser candidato. Confessou que seu partido já está trabalhando nas redes sociais com dois lemas: “Eleições sem Lula são uma fraude” e “Eleições sem Lula são um golpe”. Um correligionário seu, o deputado por São Paulo José Américo foi ainda mais longe. Chegou a dizer que se impedirem Lula de participar, pode ser criada no país, “por não deixarem o povo decidir”, uma situação de “convulsão social e de risco de guerra civil”.
Nesse momento delicado, o mesmo Lula, o maior líder popular do país, cuja candidatura condiciona fortemente o resultado das eleições, teria, de acordo com líderes de seu próprio partido, que esclarecer se pensa em se candidatar a qualquer custo, ou se respeitará as regras eleitorais. Poderia explicitar que só será candidato se existirem as condições jurídicas para que possa fazê-lo, para a tranquilidade do país e para contribuir com a realização tranquila das eleições. Lula tem o direito, como qualquer outro cidadão brasileiro, de disputar as eleições e o PT de defender sua candidatura apesar de seus problemas com a Justiça ainda pendentes de um veredito final. Hoje são milhões que votariam em Lula segundo as pesquisas, mas para que ninguém possa tirar a legitimidade das eleições, isso deveria ocorrer somente se o candidato petista estiver nesse momento amparado pela lei.
É, de fato, nos momentos cruciais para um país, em que podem estar em perigo os valores da democracia, quando os políticos de boa cepa devem saber se inscrever no livro da História.